terça-feira, 5 de abril de 2005

A direita

«E o óbvio é que a direita em Portugal existe. E existe porque a esquerda existe. À direita estão todos aqueles que historicamente resistiram às agressões da esquerda contra a liberdade religiosa e o direito de propriedade.» (Rui Ramos)
Sendo manifesto que nem a religião nem a propriedade correm qualquer perigo desde há muito entre nós, e seguramente nenhum desde a Constituição de 1976, será que ainda perduram razões para se ser de direita, nesta definição? Ou a direita histórica não é só isso (Deus e Propriedade) mas também outras coisas que fazem parte integrante do seu código genético (Pátria, Família, Autoridade, Hierarquia, Ordem, Tradição, etc.)?

Ainda tem sentido chamar-lhes coimas?

Ou a pertinente reflexão de Pedro Caeiro, sobre as pesadas sanções do novo Código da Estrada, com a inquietação própria do excelente criminalista que ele é. Para nossa ilustração.

Pronto, já assinei...

...a versão electrónica do Público. Não tinha escolha: não poderia passar sem o jornal nas minhas muitas saídas ao estrangeiro em afazeres profissionais.
Se vou continuar a adquirir o jornal impresso? Bom, há as imagens, a disposição gráfica, os anúncios, etc. que não estão disponíveis na versão html, que só tem os textos. Até agora nunca deixei de o comprar, apesar da sua disponibilidade gratuita na net. Devo deixar de o fazer agora, para não pagar duas vezes o mesmo produto? E se saio de casa sem ter oportunidade de aceder à versão electrónica? Verei nos próximos dias...

Adenda
Note-se que a nova assinatura do Público não inclui a versão do jornal em PDF, cuja assinatura já existe há muito e que se mantém separada, com um preço proibitivo. E é evidente que há muito para fazer para que o novo serviço pago esteja à altura de outros jornais, nomeadamente o arquivo de todo o jornal, incluindo os textos de cada colunista, "dossiers" temáticos, uma função de busca de conteúdos, etc. São estas mais-valias, só disponíveis por meios electrónicos, que podem atrair um número considerável de assinantes. Por exemplo, por menos de 60 euros anuais (mais do que isso custa uma assinatura trimestral do Público só em pdf!) o Le Monde oferece o jornal tanto em versão html como em versão pdf, mais um riquíssimo arquivo servido por uma excelente função de busca, mais um arquivo de fotografias, mais um serviço de newsletters diárias, etc.
Ficamos à espera...

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Correio dos leitores: "Público" online

«Não deixa de ser curiosa a opção do Público, forçando (ou tentando forçar) a fidelização pagante de quem é leitor habitual (à borla).
(...) As circunstâncias não são fáceis ? duvido que existam tantos acessos privados à Internet no nosso país e com disposição para pagar uma assinatura online (em especial porque o momento é de crise económica e a malta nestas condições não costuma esbanjar). Mesmo que a opção seja pensada para o médio prazo, pressupondo um crescimento económico das famílias que levará a um aumento do nº de lares com Internet e, logicamente, a mais assinaturas pagantes do Público online, parece-me que é uma escolha demasiado optimista (...).
(...) No meu caso, borlista frequente do Público online e comprador ocasional do jornal impresso (quando vale a pena), não têm sorte; não vou fazer nenhuma assinatura online nem vou comprar mais jornais em papel (embora isso se prenda muito mais com um desencanto crescente com os conteúdos do jornal desde há uns largos meses do que com a opção de cobrança). A minha relação com o jornal passará de quase diária a ocasional --, e amigos como dantes (com a gratidão quase eterna de terem divulgado o Calvin&Hobbes). (...)»

(L. Malheiro)

Leitor-pagador

Hojé é o primeiro dia em que o acesso electrónico à versão impressa do Público deixa de estar acessível gratuitamente online. A explicação para tornar o acesso pago mediante assinatura foi feita ontem no jornal e tem a ver naturalmente com os custos adicionais da edição electrónica e com os efeitos negativos sobre as vendas do jornal impresso. É um passo compreensível, que já foi dado por muitos jornais de referência (entre nós o primeiro a fazê-lo foi o Expresso).
Só que no caso do Público deixou de estar em acesso livre todo o conteúdo da edição impressa, incluindo a página de opinião, diferentemente do que sucede com outros jornais de acesso pago, como por exemplo o El País ou o Guardian, para citar dois dos vários que eu próprio assino. Tenho dúvidas sobre as vantagens desta solução radical. O jornal vai seguramente angariar muitas assinaturas electrónicas, mas a maior parte delas com sacrifício da compra da edição impressa (salvo no estrangeiro). E perderá seguramente os efeitos colaterais positivos das citações e hiperligações electrónicas, por exemplo dos blogues, onde o jornal levava a dianteira entre nós.
Teremos um dia somente a edição electrónica dos jornais?

Adenda
Comentários anteriores no Abrupto e no Tugir e no Bloguítica.

A lixeira de Israel

O jornal Haaretz informa que Israel vai começar a depositar o seu lixo na Cisjordânia, em território palestiniano ocupado. Esta medida não constitui somente uma flagrante violação das obrigações dos ocupantes segundo o Direito internacional, mas também uma evidente prova da má-fé negocial de Israel no processo de paz com os palestinianos. Ao mesmo tempo que continua a colonizar os melhores terras e a roubar os mais ricos recursos hídricos da Cisjordânia, a potência ocupante ainda tem o desplante de fazer dela uma lixeira de Israel.

A gente acredita

Portugal vai aumentar a contribuição financeira para o ACNUR, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a cuja chefia Guterres é forte candidato. Fonte do Governo declarou que a decisão é anterior à candidatura do antigo primeiro-ministro e que se trata de "pura coincidência"...

domingo, 3 de abril de 2005

Crucificação em directo

A agonia e morte do Papa em directo para as televisões proporcionou uma formidável exploração mediática "urbi et orbi" do seu prolongado sofrimento e passamento, que foi claramente desejada pelo Vaticano, senão pelo próprio pontífice. Como ouvi alguém observar, a exposição pública do sacrifício e da obstinada entrega ao seu múnus até ao pungente desenlace final só pode ser vista como expressão da visão "purificadora" e sacrificial própria de grupos fundamentalistas católicos como a Opus Dei e a Libertação e Comunhão, que encontraram no intransigente conservadorismo moral do Papa polaco um inequívoco apoio. Numa metáfora feliz, Nuno Júdice viu em todo o episódio a representação de «uma nova crucificação». Exactamente.

Frases que eu gostaria de ter escrito

«Se a teoria da evolução é a matriz da biologia moderna (...), a separação da Igreja e do Estado é a matriz do Estado de Direito (...). Ora, nos últimos tempos esta separação começou a ser minada por revivalismos religiosos na Europa, na Rússia e nos Estados Unidos».
(José Cutileiro, Expresso).

Um Homem

É impossível a indiferença perante a claridade de uma agonia que o próprio, ou alguém por ele, poderia ser ou ter tentado ocultar.
É impossível a indiferença ante o testemunho último, sofrido e coerente de quem sempre acreditou na vida e na vida para além da morte.
É impossível a indiferença com o fim de um Homem, inteiro, destemido, fidelíssimo à sua verdade e à sua fé, que, do alto das responsabilidades universais que eram as suas, não hesitou ser «politicamente incorrecto» ao intimar poderosos ou estender a mão aos mais destituídos, aos excluídos.
Pregou aquilo em que acreditava e foi magnificamente (e incomodamente...) consequente na acção e no ministério.
Todos temos a agradecer-lhe o fervor ecuménico - foi o primeiro Papa a ter rezado numa mesquita e numa sinagoga. Foi o primeiro Papa a pedir perdão por muitos católicos não terem valido aos judeus perseguidos no Holocausto. Foi o Papa que teve a coragem de pedir desculpa às vítimas de abusos sexuais cometidos por membros do seu clero. Contribuiu decisivamente para arrasar o totalitarismo na Europa, condenou tiranias e denunciou violações dos direitos humanos. Advogou o desenvolvimento para todos os povos e aprofundou a doutrina política e social da sua Igreja, denunciando a imoralidade do materialismo neo-liberal. Empenhou-se a fundo para evitar a guerra - desgraçadamente, sem sucesso, no Iraque.
Acompanhei com pesar e profundo respeito o sofrimento dos últimos tempos, o seu derradeiro assomo de carácter, de determinação, de fé. De uma Fé que eu não partilho. Mas na hora em que a morte o libertou do sofrimento, percebi tornar-se insignificante o que me separou e separa de uma parte das suas ideias e convicções - sobre direitos e capacidades de mulheres e homens na família e na sociedade, sobre o direito à vida, sobre direitos na morte.
João Paulo II morreu - é diante de um grande Homem, e da sua infinita e contagiante humanidade, que eu me curvo. Comovidamente.

E quando eles se gabavam de ter posto as finanças em ordem?!

«A dupla Manuela Ferreira Leite - Bagão Félix herdou 4,2% de défice orçamental (que criticaram e com razão) e deixam-nos com um valor superior. Consolidação orçamental falhada e péssima performance das finanças públicas da maioria PSD-PP.»
(Mira Amaral, antigo ministro do PSD, no Expresso).

sábado, 2 de abril de 2005

Courrier Internacional

Em dia de estreia, um louvor sincero ao capital de Pinto Balsemão, à direcção de Fernando Madrinha e, sobretudo, à competentíssima edição de Anabela Natário, pelo primeiro número da versão portuguesa do Courrier Internacional, hoje e por hoje apensa ao Expresso. Não aportuguesem de mais a coisa, digo eu, um dos duzentos e tal leitores regulares do produto original.

Correio dos leitores: Estado e religião

«Reportando-me ao seu post no blog Causa Nossa "As escolas não são igrejas" de ontem, e tendo presente o artº 4 (Princípio da não confessionalidade) da Lei de Liberdade Religiosa, nomeadamente quando dispõe "(...) Nos actos oficiais e no protocolo de Estado será respeitado o princípio da não confessionalidade (...)" gostaria de lhe colocar a seguinte questão complementar: não será que a presença de elementos da hierarquia da Igreja Católica Romana, em actos oficiais, como por exemplo a tomada de posse do Governo, não constitui igualmente uma violação desse princípio?»
José Farinha

Correio dos leitores: Os políticos

«A direita liberal quer ser o Estado! Aqui diz-se: "The politicians see the world through the eyes of the lobbyists".
A direita sabe muito bem que os políticos não são homens da rua que esperam meia hora por um autocarro, fazem bicha para o médico da segurança social, ou têm angústias por causa de uma conta ou de uma prestação do carro.
Vocês TODOS vão fechando os olhos ao que aqui se chama "the great revolving door", por onde os políticos passam: vai uma da Fundação Ricardo Espírito Santo para o Ministério da Cultura, paga as contas do MC à FRES e volta para a FRES... sem que ninguém pestaneje.
Hoje o Estado é o braço armado da banca e da indústria, e tem como missão roubar a classe média, como no século XIX ainda era o braço armado da ICAR, e tinha como missão manter o respeitinho dos pobres pelos ricos (pela "ordem natural das coisas"). Não vejo agora porque é que um gestor público não ache absolutamente normal financiar uma revista de direita ou um ministro pagar a um bispo para fazer um feitiço no dia da inauguração da nova sede da RTP, convidar "o rei" para uma comezaina à custa dos contribuintes, etc.
(...) Sou arqueólogo subaquático e andei dez anos a tentar sensibilizar UM de vocês para o problema do património cultural subaquático... reuniões, cartas, telefonemas, revistas, cartas para os jornais... depois percebi: os políticos são pessoas funcionais, com famílias e ambições, que têm de pensar nos filhos e portanto tendem a representar os interesses dos que têm o suficiente para captar a vossa atenção.»

Filipe Castro

sexta-feira, 1 de abril de 2005

L'atlas des atlas

Em boa hora fui alertado pelo blog Klepsýdra para a existência de uma edição hors-série do Courrier International sobre a geografia passada, presente e futura do planeta. Imperdível. A má notícia é que L'atlas des atlas não foi distribuído em Portugal, vá-se lá saber porquê.

Contradição à direita

Como se viu em post anterior, a nova revista de direita Atlântico é editada pelo "Fórum para a Competitividade", um abrangente grupo-de-interesse do mundo empresarial. A surpresa está em que entre os seus associados, e presumivelmente seus financiadores, contam-se também empresas públicas (como a CGD e a Galp) e outros organismos públicos (como o IAPMEI e a FLAD).
Será que cabe nos seus fins estatutários patrocinar revistas de carácter marcadamente político-ideológico? Julgava-se que a direita liberal fazia questão de não depender do Estado!

E os outros?

O presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência (que tinha sido um excelente vereador da Câmara Municipal de Coimbra), pediu a demissão ao novo ministro da Saúde, por ser um cargo de livre nomeação ministerial e por entender que ele é "de relevância política". Mesmo tendo feito o que tantos outros nas mesmas circunstâncias deveriam fazer, o gesto é digno de apreço, justamente por ser raro.

Frases que eu gostava de ter escrito

«In the US, religion is at the heart of the so-called cultural wars, but in Europe, and for very good reason, there is still an embedded mistrust of overarching belief systems. That bitterly acquired wisdom should be the foundation stone for an inclusive brand of secularism. Such secularism should be a platform offering equal rights to those of all religions and those of none. With or without God, or even somewhere inside what Pascal called a "God-shaped void", the real meaning of secularism is tolerance.»

quinta-feira, 31 de março de 2005

As escolas não são igrejas

Tem toda a razão a queixa, hoje referida no Público, de uma associação laicista portuguesa contra a exibição de crucifixos nas escolas públicas e a realização de cerimónias religiosas por iniciativa das mesmas. Tal queixa baseia-se neste relatório que revela dezenas de casos desses por esse país fora. De resto, uma retrato semelhante poderia ser colhido nas prisões, hospitais e outras instituções sociais públicas (ressalvam-se obviamente os lugares de culto existentes nesses estabelecimentos públicos, destinado aos utentes).
Trata-se evidentemente de ostensiva violação da regra constitucional da separação entre o Estado e a religião, muitas vezes como resquícios herdados do Estado Novo. São inaceitáveis estas situações, que devem por isso ser eliminadas. Aliás, depois do favor feito ao Vaticano com renovação da Concordata, é uma ocasião mais do que oportuna para o Estado, por sua vez, fazer cumprir definitivamente as exigências da separação e neutralidade religiosa dos serviços e estabelecimentos públicos.

Adenda
Na Aba da Causa está compendiado um artigo meu sobre este assunto, publicado em Junho passado no Público.

Correio dos leitores: Férias judiciais (2)

«(...) Desta vez [férias dos tribunais] creio que não está a ser intelectualmente justo. De certeza que há coisas bem mais importantes, como por ex. as inúmeras nomeações que são feitas, por confiança política, sempre que muda o governo, etc.
Então e o que dizer das férias dos deputados e outras situações de privilégio???
Acha que recebo horas extraordinárias sempre que estou até mais tarde no tribunal???
E acha justo que só possa "gozar" as minhas férias naquele período, obrigatoriamente, quando a maior parte as pode gozar em períodos diferentes (acha isso um privilégio???).
Quanto à saúde, todos nós pagamos 1% do nosso salário para "ajudar" os SSMJ, mas não é todos os dias que se recorre ao médico (eu pelo menos passo muito tempo que não sei o que é um médico, e acho que não sou o único), acha que é um privilégio???»


Comentário
Não me move nenhum preconceito nesta matéria.
Os tribunais, ao contrário do parlamento, são estabelecimentos públicos destinados a prestar serviços aos cidadãos, devendo por isso estar abertos, como os outros serviços públicos (as escolas, essas, têm as férias dos alunos). Aliás, os tribunais ainda encerram mais uma semana no Natal e outra na Páscoa.
Há funcionários de outros serviços públicos que têm de fazer férias no período de encerramento dos serviços aos utentes (por exemplo, os professores). De qualquer modo, todos os demais serviços públicos continuam a funcionar sem prejuízo das férias dos seus funcionários. Mesmo que os tribunais não possam funcionar sem juízes, basta um mês de interrupção, e não dois, como agora.
Todos os funcionários públicos descontam 1% do seu vencimento para a ADSE, e não têm as regalias dos funcionários da justiça. Sim, acho que é um privilégio injustificável. A função pública deve obedecer a parâmetros de igualdade de condições.

Correio dos leitores: Férias judiciais

«Reduzir as férias judiciais de Verão para um mês e meio, de 15 de Julho até 31 de Agosto, faz sentido. Agora, um mês só é um disparate: o Tribunal não fecha para férias, tem de haver Magistrados e Funcionários de turno.
Toda essa gente tem direito a um mês de férias. Teriam de gozar parte delas fora do período de férias judiciais, e o inerente transtorno, com as inevitáveis e parciais paralisações do serviço, em diversos períodos,desencontrados, deitavam por água abaixo o pretendido aumento de produtividade...
Por isso é que, quando se fazem reformas só na base da teoria, sem se conhecer o "terreno", dá "buraco", como vem sendo, aliás, de regra.
(...) A propósito, o artigo do José Lebre de Freitas, no "Público" de 30 de Março de 2005, acerca da Reforma da Acção Executiva é um bom exemplo de como sai mal o que se julga estar a fazer bem. E de como se constrói um edifício a partir do telhado... Falta tudo, mas tudo, o que era preciso para que a dita Reforma funcionasse. Não faz mal... Salva-se a Reforma!
Na questão das férias judiciais é o mesmo desprezo pela incontornável realidade das coisas, que se ignora, e não se quer conhecer.»

(J. Amaral)

Direita atlântica

Afastada do poder pelos próximos anos a direita resolve investir organizadamente na luta ideológica, como mostra o aparecimento da revista Atlântico (cujo nº 1, aliás gratuito, foi hoje distribuído com o jornal Público, que assim confirma o seu desvelo pela distribuição de revistas da direita). As melhores estrelas da companhia marcam presença, numa publicação editada pelo Fórum para a Competitividade, um conhecido grupo-de-interesse do mundo dos negócios (a que se junta inusual apoio publicitário de alguns importantes grupos económico-financeiros nacionais). É, aliás, uma aliança natural e, mesmo, orgânica.
Bem vindos sejam!

Simplificação fiscal

Há uma coisa em que Miguel Frasquilho tem razão: no que diz respeito à simplificação do sistema fiscal, como condição da sua compreensão, justiça e eficiência. Infelizmente o programa do Governo promete manter ou agravar a complexidade, com mais situações especiais, recuperação dos benefícios fiscais à poupança e novos incentivos fiscais a mais actividades.
Ainda assim, seria meritório que o Governo ressuscitasse a comissão para a simplificação do sistema fiscal que Bagão Félix criou, mas que mais tarde mandou embora, quando a sue tarefa mal se iniciara. Os contribuintes agradeceriam...

Progressividade?!

A nova coqueluche da direita em matéria fiscal é a taxa única (flat rate) no imposto de rendimento pessoal, adoptada por alguns países do Leste europeu. O que surpreende neste artigo de Miguel Frasquilho é a alegação de que o imposto de taxa única continua a ser "progressivo", visto que existe uma isenção de imposto até certo nível de rendimento, fazendo com que a taxa efectiva aumente com a elevação deste, aproximando-se da taxa nominal, por ser cada vez menor a proporção do rendimento isento no rendimento total. Contudo, falar em progressividade nessa situação é brincar com as palavras e com os conceitos, dado o limite da taxa nominal, em geral pouco elevada. É evidente que, para além do favorecimento dos mais altos rendimentos, um tal esquema não preencheria entre nós a noção constitucional de imposto progressivo, que supõe uma subida significativa da taxa efectiva à medida que o rendimento aumenta.
Acresce que nesses países a combinação da tendencial proporcionalidade do imposto de rendimento (por causa da taxa única) com a natural regressividade dos impostos indirectos e com o habitual tratamento fiscal privilegiado dos rendimentos de capital acaba por gerar um sistema fiscal globalmente regressivo, profundamente iníquo sob o ponto de vista social.

Ternurenta...

...a preocupação do Acidental com a ausência do "Causa Nossa" do Governo. Não imaginam como nos sentimos frustrados pelo infame desaproveitamento da nossa provada vocação governativa! Mal suspeitam como Sócrates se vai arrepender de nos ter enjeitado desta maneira tão vil!

quarta-feira, 30 de março de 2005

Problemas referendários

No meu artigo de ontem no Público abordo os problemas constitucionais dos dois referendos previstos para os próximos tempos entre nós (o artigo também se encontra disponível na Aba da Causa, como habitualmente).

Até quando?

O que Diogo Lucena escreve no Diário Económico contra as injustificáveis restrições à liberdade de estabelecimento de farmácias venho-o eu escrevendo regularmente há mais de uma década, inclusive naquele mesmo jornal, na coluna "mão visível" (e algumas vezes também aqui no Causa Nossa). Mas é sempre bom passar a estar bem acompanhado. E contra grupos de interesses tão poderosos como o das farmácias, nenhuma voz é demais.

Banco Mundial - largado aos wolfies...

Conheci Paul Wolfowitz em Jacarta, dia 20 de Maio de 2000 (haa nos arquivos do MNE telegrama meu a contar em detalhe o encontro). Em casa de uma querida amiga, Tamalia Alijhabana, num jantar organizado por Bambang Harimurti, o Director do jornal e da revista "Tempo", reunindo 20 pessoas politicamente empenhadas na construccao da democracia indoneesia. Estrangeiros, soo dois: eu e Wolfie, que fora embaixador em Jacarta nos anos 80, mas a quem a cumplicidade com Suharto naao impedira de estabelecer relacooes com gente da oposiccao possivel (o que soo abona em favor dele). Ao café, chamou-me de lado, para me perguntar como via o processo indonesio e Timor-Leste, sobre cuja viabilidade politica e economica expressou as maiores duvidas, na linha da velha cartilha kissengeriano/suhartista. A certa altura, disparou:"Mas por que raio, voces, portugueses, fizeram tanta pressao sobre Habibie para oferecer o referendo a Timor?".
Era Maio de 2000, o parlamento indonesio haa meses que tinha cancelado a anexaccaao de Timor-Leste, as relacoes diplomaticas entre Lisboa e Jacarta estavam restabelecidas desde Dezembro, Wahid era Presidente, Xanana ja o tinha vindo visitar, timorenses e indonesios estavam a procurar construir um novo relacionamento, repatriar os refugiados era a prioridade, a ONU e Portugal estavam a ajudar como podiam - e aquele sujeito ainda tinha o topete de vir assumir as dores dos suhartistas, mostrando ainda por cima que nao percebera nada do processo recente? Enfim, laa me enchi de paciencia diplomatica (espantam-se alguns porque ee que a perdi, regressada a Portugal...) e expliquei-lhe que tao surpreendidos com a oferta do referendo pelo Habibie, tal como os indonesios, tinhamos sido noos e os timorenses, etc... Fiquei a pensar: fora do poder (era reinado Clinton), os wolfies uivam, mas nao conseguem morder, porque nem sequer percebem que presas teem pela frente.
Direitos humanos dos timorenses, direito aa auto-determinaccao de TL: aas urtigas para o Wolfie. Sim, o mesmissimo que invocou direitos humanos, democracia e as pretensas ADM para justificar a guerra no Iraque. E que se calhar tambem invoca direitos humanos e "mother's pie" para justificar Abu Grahib, Guantanamo e o "rendering"- a tortura subcontratada, a ultima ignominia da globalizaccao aa la "neo-con" bushista.
O Banco Mundial fez excelente trabalho em Timor-Leste e ainda mais importante foi o que fez na Indonesia por Timor-Leste, no ano de 1999 e seguintes, ajudando enfaticamente a passar a mensagem de que era melhor Jacarta naao dificultar a vida a Dili. Gracas a Sarah Cliff em Washington e Dili e ao representante na Indonesia, Mark Baird, um admiravel neo-zelandes com quem estabeleci grande cumplicidade e sinergia, com a benccaao de Jim Wolfenson, o anterior Director do Banco.
Mas para que servem wolfies bons, como Jim? Os lideres europeus, mais uma vez, mostram que nem assim aprendem nada. Nem sequer daao para capuchinhos vermelhos: nao teem inocencia, nem sobretudo entranhas, para enfrentarem wolfies maus. Mas o BM, sob a direccao de Jim, ate comeccou a criar mecanismos para lidar com wolfies maus em varias partes do mundo. Por isso naao excluo que, neste caso, como sugere Fareed Zakaria na Newsweek da semana passada, o Wolfie venha afinal a poder ser domesticado. E, quem sabe, atee os capuchinhos vermelhos poderaao ter a oportunidade de um dia o papar.

Bush bolsa-nos Bolton e Wolfie

A viagem do Presidente Bush aa Europa em Fevereiro fez criar expectativas de que algumas liccoes tivessem sido aprendidas com a aventura unilateralista no Iraque e de que o segundo mandato pudesse ser diferente do primeiro, mais necessitado de buscar concertaccao internacional, designadamente com os europeus.
Mas as nomeaccoes de Paul Wolfowitz para o Banco Mundial e de John Bolton para embaixador dos EUA na ONU, prometem mais do mesmo: Bush 1.
Sao dois sujeitos com quem eu, por acaso, cruzei caminhos, na minha vida diplomatica.
Sobre Bolton, escrevo assim que o trabalho me deixar, aqui na Etiopia - onde me encontro de roda de um teclado abexim, no qual naao consigo encontrar acentos ou cedilhas (defeito meu, decerto).
Sobre Wolfie, vai a seguir.

África

Num popular concurso da RTP, o concorrente tinha de saber se Bonga era originário de Angola, Cabo-Verde ou Moçambique. Hesitou. Afinal os géneros de música dos três países são tão parecidos, pensou alto. E o apresentador do concurso concordou, retorquindo que, de facto, são todos de África.
Pois é, o jazz e o samba também são dois géneros de música americana. Há mesmo quem sustente que as origens de ambos são comuns e africanas. Mesmo assim, alguém se lembrará de dizer que são parecidos? A diferença entre a morna (um dos ritmos de Cabo-Verde) e a marrabenta (um dos ritmos de Moçambique) não deve ser menor do que a que existe entre o fado e o rock'n roll!
Mas a tendência para confundir o continente africano com um só país é muito frequente: seja a propósito da corrupção, da democracia, da guerra ou da paz, da fome ou, ainda com maior frequência, da cultura. A confusão é provavelmente proporcional à distância que nas últimas décadas se foi criando em relação a esse continente, que normalmente só é notícia pelos maus motivos e mesmo assim de uma forma quase rotineira (compare-se a importância atribuída à tragédia do Ruanda com a do recente maremoto na Ásia).
Faltará ainda muito para mudarmos de atitude? Sugiro mesmo que no tal concurso, além do tema Europa, se inclua uma tema África.