domingo, 4 de junho de 2006

Para onde foi o dinheiro?

Palavras de uma entrevista da Ministra da Educação (hoje no Público):
«O problema é este: em dez anos, o número de alunos decresceu dois por cento e o número de professores aumentou 1,2 por cento. Depois olhamos para os recursos financeiros - em educação parece haver uma espécie de vergonha em falar dos meios financeiros, mas o país paga isto - e vemos que o orçamento do Ministério da Educação duplicou.»
Aumento de 100% das despesas, com menos alunos e poucos mais professores, e sem nenhuma melhoria dos indicadores do ensino. Para onde foi essa imensa quantidade de dinheiro? Quem é que está a "assaltar" o orçamento do Estado? Não vale adivinhar à primeira, mas aqui fica uma dica: quanto cresceu a massa salarial dos professores nesses dez anos?
Depois disto, o mínimo que se pode exigir é toda a informação sobre as finanças da educação. E, já agora, uma comparação entre as remunerações dos nossos professores com os de outros países da UE, em termos de paridade de poder de compra.

Saída espanhola

«Foi ontem prestar provas de selecção às universidades espanholas, em Lisboa, engrossando o número cada vez maior de alunos interessados em estudar no país vizinho. São 810 candidatos, quase todos ao curso de Medicina.» (Público de hoje).
É assim, todos os anos. Em Portugal faltam médicos e o preço dos serviços médicos privados é dos mais caros da Europa (desde logo por défice de médicos e falta de concorrência). Mas as faculdades não proporcionam lugares para os candidatos a frequentá-las. Nas universidades públicas, as vagas aumentaram, mas continuam muito aquém da procura. E uma política demasiado restritiva continua a vedar a criação de cursos de medicina em universidades privadas. Ora, se o Estado não garante vagas a todos os interessados, pelo menos deve autorizar alternativas no ensino privado. Assim, resta a saída espanhola, para os que podem arcar com as despesas inerentes à deslocação.

Excesso

A propósito do sistema de avaliação dos professores do ensino básico e secundário, a centralidade que tem sido dada à questão da opinião dos pais é manifestamente excessiva. Na verdade, tal opinião só entra em conta, entre oito "indicadores", na avaliação efectuada pela direcção executiva da escola, a quem compete a ponderação de todos esses itens.
Diz o preceito em causa:
«Artigo 46º
Itens de classificação
1 - A avaliação efectuada pelo coordenador do departamento curricular ou conselho de docentes pondera o envolvimento e a qualidade científico-pedagógica do docente, com base na apreciação dos seguintes parâmetros classificativos:
a) Preparação e organização das actividades lectivas;
b) Realização das actividades lectivas (cumprimento dos programas curriculares);
c) Processo de avaliação das aprendizagens dos alunos.
2 - Na avaliação efectuada pela direcção executiva são ponderados, em função de dados estatísticos disponíveis, os seguintes indicadores de classificação:
a) Nível de assiduidade;
b) Resultados escolares dos alunos;
c) Taxas de abandono escolar;
d)Participação dos docentes no agrupamento/escola e apreciação do seu trabalho colaborativo;
e) Acções de formação contínua frequentadas;
f) Exercício de outros cargos ou funções de natureza pedagógica;
g) Dinamização de projectos de investigação, desenvolvimento e inovação.
h) Apreciação realizada pelos pais e encarregados dos alunos que integram a turma leccionada, em relação à actividade lectiva do docentes»
.
Não vejo nenhum motivo para censurar esta solução.

Correio dos leitores: Ordens profissionais e concorrência

«Tarde se fazia -- face à sua importância que é, sobretudo, e muito mais do que jurídica, económica -- passar da mera discussão para a plena e devida aplicação das normas da concorrência. É nesta senda que se chega, agora ao sector das ordens profissionais.
(...) Foram já apontadas justificações para a proibição de preços mínimos, podendo afirmar-se, sem margem para dúvidas, que estes são limitativos da autonomia das empresas, impedindo os operadores económicos de praticar preços mais baixos e, assim, concorrerem entre si. Isto, enquanto privam os consumidores da aquisição, ao melhor preço, de um bem ou serviço, ao que acresce a agravante de reforçarem, artificialmente, os obstáculos ao acesso de novos concorrentes. Naturalmente impedidos, em função do preço, de concorrer.
Mas se é fácil perceber os inconvenientes da proibição de fixação de preços mínimos, já não é tão perceptível a proibição dos preços máximos. E, no entanto, estes limitam, igualmente, a concorrência. Na verdade, a fixação de preços máximos potencia o alinhamento dos preços, de modo que o "preço máximo estabelecido" pode tornar-se a regra. Tal fixação é ainda restritiva, ao proporcionar a previsão do preço máximo dos concorrentes, funcionando como desincentivo à inovação e ao oferecimento de bens ou serviços de qualidade superior. (...) Não concordo, portanto, com a posição que defende a abolição dos preços mínimos, com a manutenção, contudo, de um tecto, de uma fixação de máximos. Um entendimento deste tipo contraria o princípio que subjaz a esta precisa questão, ou seja, e em última instância, o direito da livre concorrência. É, quanto a mim, uma manifesta contradição, apenas explicável numa perspectiva conciliadora, de "agradar a gregos e a troianos".»

Marta Ávila,

Correio dos leitores: Farmácias

«Foi surpreendente o acordo entre o Governo e a ANF. (...) E lembrar-me eu do "bota abaixo" inacreditável manifestado pela ANF perante aquela proposta [das farmácias sociais] de Ferro Rodrigues! Agora sim, compreendo a pacificação.
Quanto à abertura de 300 novas farmácias, ou muito me engano, ou elas vão ter quase inteiramente às mãos dos que já são proprietários. Não esqueçamos que agora, com o novo regime, os actuais detentores podem possuir até quatro estabelecimentos. Pois não são eles que têm mais facilidade de as constituir por já estarem dentro dos "segredos" e dos meandros das secretarias? Que têm contacto com os fornecedores, etc?
Na verdade, parece-me que a ANF ganhou em toda a linha.»

Fernando Barros

Comentário
Na verdade, o acordo entre o Governo e a ANF mantém o concurso para as novas farmácias, tendo prioridade quem não tiver farmácias, ou quem tiver menos. E também não confere prioridade aos farmacêuticos, se bem que eles têm uma vantagem à partida, visto que um dos critérios de selecção é a composição do quadro técnico previsto.
Já quanto à possibilidade de acumulação de 4 farmácias, sem liberalização da instalação de farmácias, isso vai reduzir o número de proprietários, com a inerente diminuição da concorrência, o que me parece contraditório com os propósitos anunciados pelo Governo.

Correio dos leitores: Farmácias

«(...) A ANF, mais uma vez venceu e tem tudo o que quer do governo:
1º - Liberalizar apenas a PROPRIEDADE: só beneficia os actuais proprietários, e legaliza as falsas propriedades existentes.
2º - Os valores dos trespasses ainda vai inflacionar mais: porque vai haver menos farmácias à venda e vai haver maior procura.
3º - As ditas farmácias nos hospitais, serão para as farmácias já existêntes nos arredores dos mesmos (...).
4º - A alteração da capitação de 4000 hab para 3500 é ridícula (em 1999 Eng Gueterres alterou a capitação de 6000 hab para 4000 hab e abriram pouco mais de 200 farmácias).
Conclusão - infelizmente, na opiniao pública dá a ideia que a ANF foi combatida, mas na realidade ela sai fortalecida, pois moldou o acordo tal como queria.
O governo perdeu a oportunidade de repor a justica nas farmácias, por isso concordamos, quando diz que as medidas são insuficientes.
O Sr. Primeiro ministro diz, e bem, que um jornal não tem de ser de um jornalista, uma clinica do médico, um cinema de um cineasta, só não explica o seguinte: um médico pode abrir um consultório; um cineasta, um cinema; um jornalista, um jornal. Mas, um farmacêutico não pode abrir a sua farmácia. Porquê?
A liberalizar, deve ser tudo - propriedade e abertura das farmácias. Só assim as populações beneficiam e há concorrência. Os farmacêuticos querem a LIBERALIZAÇÃO DA ABERTURA DE FARMÁCIAS, que é o que a ANF não quer e conseguiu.»

Mov. Farmácia Livre

sexta-feira, 2 de junho de 2006

O primeiro veto (3)

«Paridade: PS só pode apresentar novo diploma a 15 de Setembro» - lê-se numa publicação digital. Erro grosseiro: na verdade, a AR pode proceder, acto contínuo, à modificação do diploma vetado pelo Presidente, no ponto por ele questionado, e reenviá-lo para Belém. E obviamente a maioria necessária para aprovar as modificações é a mesma que serviu para aprovar o diploma, e não uma maioria de 2/3, como defendeu inadvertidamente um deputado oposto à lei.
Só não seria assim, se o PS tentasse e falhasse (como seguramente sucederia) a confirmação do diploma, para forçar o Presidente a promulgá-lo tal como está, o que exigiria uma maioria de 2/3, que obviamente o PS não está em condições de reunir. Então, sim, perdida a confirmação, ficaria encerrado o procedimento legislativo, o qual só poderia ser repetido na próxima sessão legislativa.

O primeiro veto (2)

Não está evidentemente em causa a legitimidade constitucional do veto presidencial, sobretudo tratando-se de legislação eleitoral, ou seja, das regras do jogo democrático, cujo cumprimento incumbe ao Presidente vigiar e cuja alteração carece sempre de especiais cuidados.
Mas o tema do diploma vetado e as razões do veto mostram uma evidente clivagem entre Belém e a maioria parlamentar num tema politica e ideologicamente muito sensível. Só os distraídos é que podiam pressupor candidamente uma convergência entre as posições de Cavaco Silva e as do PS nesta e em várias outras áreas. Afinal, não basta a "boa fé e a inteligência" para apagar conflitos entre Belém e São Bento, que têm a ver com diferentes valores e que estão inscritos no cerne da disputa política.
Este foi somente "o primeiro veto". Parafraseando António Vitorino, habituemo-nos!

O primeiro veto

O Presidente da República vetou a chamada "lei da paridade", que obriga os partidos a compor as listas eleitorais com pelo menos 1/3 de candidatos de cada sexo, de modo a promover a igualdade de género nos órgãos representativos.
Na sua justificação, Cavaco Silva não impugna o objectivo nem a solução da lei, mas somente a sanção prevista para o não cumprimento das referidas quotas, que era a rejeição das listas. Fica assim aberta a possiblidade de manter a lei, optando por outro tipo de meios para levar os partidos a cumprir aquela exigência. Não se vê que outra alternativa reste, senão as sanções pecuniárias.
Sucede, porém, que as sanções têm de ser suficientemente pesadas para dissuadirem efectivamente os partidos de as ignorarem, sob pena de assistirmos à situação francesa, em que a lei da paridade é ridicularizada pela sua generalizada violação, a troco do pagamento de multas pouco significativas.
Pior do que não haver lei, seria uma lei "sem dentes".

O triunfo da ANF

Decorrido os dois dias de embargo estabelecido pelo Público para a difusão pela Internet dos artigos nele publicados, já está na Aba da Causa o meu artigo desta semana, intitulado "As farmácias e o poder".
Há no acordo entre o Governo e a ANF mais um ponto importante (que não mencionei no artigo por falta de espaço) em que a segunda levou a melhor. É que, se ficou estabelecido, e bem, que a liberalização da propriedade das farmácias não beneficiará os laboratórios farmacêuticos, que ficam proibidos de ter farmácias, sucede porém que esta proibição de "integração vertical" não ficou estabelecida, e mal, no sentido inverso, podendo a ANF manter as suas empresas de produção de medicamentos (o que pensarão os laboratórios farmacêuticos desta desigualdade de tratamento?).
Também aqui o Governo não seguiu as recomedações da Autoridade da Concorrência, que explicitamente propunha:
«Definição de normas que proíbam o acesso à propriedade de empresas produtoras de medicamentos por parte de empresas detentoras de farmácias, bem como das respectivas associações sectoriais, excluindo investimentos de natureza financeiras»
(Recomendação A7.
Trata-se de mais um grande triunfo da ANF neste acordo, porventura o mais importante. É estranho que ninguém ainda tivesse dado conta dele!

Correio dos leitores: Honorários médicos

«(...) Mas, afinal, não seria útil manter limites máximos para os honorários dos médicos, como defende a Ordem? Sem isso os consumidores podem ser surpreendidos com preços incomportáveis. Além disso, sendo poucos os médicos em várias especialidades na maior parte do País, a falta de limites máximos e a ausência de concorrência vão tornar as consultas e tratamentos ainda mais caros do que já são».
João Reis

Comentário
Primeiro, se houver uma obrigação de afixação dos honorários em cada consultório ou uma obrigação de ajuste prévio da remuneração, ninguém pode ser surpreendido pelo preço, podendo procurar alternativas mais baratas. Segundo, as leis da concorrência não proíbem preços máximos, desde que não sejam estabelecidos pelas associações profissionais, mas sim pelo próprio Estado. Basta haver uma lei que tal imponha ou que autorize o Governo a fazê-lo.
Concordo que pode fazer todo o sentido manter limites máximos para os serviços profissionais, lá onde a concorrência seja escassa. É o que sucede justamente no caso dos médicos entre nós, visto que um deliberado malthusianismo profissional restringiu artificialmente o acesso à profissão desde há muito tempo, através das restrições à entrada nos cursos de Medicina. Situação que, embora muito atenuada, continua a existir, pois a entrada nas faculdades de Medicina continua sujeita a "numerus clausus" e o Estado não tem autorizado cursos de Medicina em universidades privadas.
O melhor antídoto contra os preços altos é mesmo aumentar a oferta. Mas como esta não pode aumentar do pé para a mão...

Jornalistas e empresas de comunicação

Com o seu livro e as suas acusações, M. M. Carrilho pode ter concitado contra si a animosidade de muita gente no meio jornalístico. Mas estas duas propostas que ele apresenta -- declaração de interesses (ou melhor, de conflito de interesses) por parte dos jornalistas e código de conduta das empresas de comunicação -- podem fazer muito sentido, pelo que deviam ser bem acolhidas pelos próprios visados.

quinta-feira, 1 de junho de 2006

O massacre de Haditha (2)

«As in My Lai [massacre no Vietname em 1968], the army's first response was to cover up. The marines gave money to the victims' families, perhaps to buy silence. The official story was that 15 Iraqi civilians were killed by the same bomb that killed the marine, and that another eight victims were ?gunmen?. Courageous reporting by Time magazine has exposed that account as a lie. Most of the dead were killed in their homes; most and maybe all were unarmed; and they may have been killed in cold blood, not in the heat of battle. Only after Time gave the army its findings did the Pentagon launch an investigation of its own.»
The Economist, ed. 1 de Junho de 2006.

Quem está farto de quem

Como era de esperar e aqui se antecipou, a Fenprof anunciou mais uma greve nacional de professores (agora é assim todos os verões, se calhar para preparar as férias...).
Segundo a federação sindical, «os professores e educadores estão fartos dos descontrolados impulsos persecutórios da ministra da Educação». É pena não se darem conta de que a generalidade dos portugueses pode estar a ficar farta do extremismo sindical da Fenprof e dos prejuízos que os seus impulsos descontrolados causam aos alunos e à escola pública.

O massacre de Haditha

Depois do episódio das torturas na prisão de Abu Graib, era de esperar que a ocupação militar do Iraque não trouxesse a público mais histórias sórdidas de violência gratuita. Porém, é agora indesmentível o massacre de Haditha, em que um grupo de militares norte-americanos matou a sangue frio muitos civis iraquianos indefesos, incluindo mulheres e crianças, em pura retaliação pela morte de um soldado norte-americano. Já que os danos causados à lógica da ocupação são irreversíveis, o mínimo que se pode esperar é a severa punição dos culpados. Como diz um editorial do Guardian, "um crime de guerra é um crime de guerra".
E quantos mais "abu graibs" e "hadithas" serão necessários, para além das dezenas de milhares de outras vítimas, para que os defensores da ocupação reconheçam que ela foi um erro?

A Dinamarca e a Índia

Há uns dias atrás, os media fizeram grande alarido com o "dia da libertação dos impostos", para sublinhar os muitos dias (137) em que os portugueses "trabalham para o Estado". A mensagem era dupla: primeiro, que em Portugal a carga fiscal é anormalmente pesada; segundo, que os impostos são consumidos por uma máquina anónima e improdutiva chamada "Estado", sem retorno social.
Ora, a verdade é que -- mais ineficiência, menos ineficiência --, a carga fiscal corresponde em geral ao volume e qualidade dos serviços públicos que são exigidos ao Estado. Basta comparar a Dinamarca (205 dias) ou a Bélgica (194) com a Índioa (74 dias) ou o México (91). Afinal, o "Estado social" custa dinheiro: basta pensar no custo de um serviço nacional de saúde, como o Portugês.
Mais importante é o facto de que -- como se lê numa artigo de J. Albano Santos ontem publicado no Jornal de Negócios (indisponível online) -- a carga fiscal em Portugal, medida pelo número de dias de rendimento absorvidos pelos impostos, é bem menos pesada do que e média da OCDE (137 dias contra 146) e ainda menos do que a média da UE (137 dias contra 173), contrariando as ideias que por aí correm. Claro, também não dispomos do nível de serviços públicos de que outros países dispõem.
Mas uma coisa é certa: menos impostos significariam menos (ou piores) serviços públicos. Do que se trata é de saber se queremos ser como a Índia ou como a Dinamarca!

Cartas dos leitores: Professores

«(...) O senhor também é daqueles que acredita que o insucesso é culpa dos professores dos ditos níveis de ensino, só, pura e simplesmente? Penso que não! Então as Universidades e as ESE's formaram/formam mal os professores? Porque é que o Ensino Superior tem de ficar sempre de fora da polémica da educação em Portugal? Eu andei na sua Universidade, já há alguns anos (quando o senhor aí dava os seus primeiros passos como docente) e também vi lá muita coisa... tive muitos assistentes, agregados, catedráticos..., como professores e também os poderia avaliar... pois todos podemos avaliar tudo, até santos, pecadores e demónios, mas adiante... pois tudo é relativo. Imagino como será hoje, com os valores antigos (...), já há muito desaparecidos, mas que no meu tempo, apesar de tudo e de outras coisas, ainda lá havia alguns desses valores...
Porque é que o senhor não fala/escreve sobre a indisciplina dos alunos que grassa nas escolas e refere, pelo menos e como exemplo, as medidas que recentemente foram tomadas na Inglaterra, exactamente para, nesse contexto, se tentarem resolver muitos problemas na educação? Gostaria de o ver a ministrar aulas no ensino básico e secundário, em certas escolas, e iria ver como saía de lá exausto e às vezes desiludido, pelo motivo de que o senhor queria fazer o seu trabalho sério e não o poderia fazer, muitas vezes eficazmente, porque os alunos não lhe reconheciam autoridade, ou porque pura e simplesmente não acreditam no futuro deste país e, por tal, já se encontram à partida muito desmotivados. Isto é um problema social, se calhar também um problema de cultura da sociedade portuguesa de hoje que, cada vez mais, se generaliza e nada, neste campo, é feito em Portugal. É preciso actuar em várias frentes neste combate... e não só referindo os docentes (mas só alguns) como os causadores de todos os males da educação em Portugal. A demagogia é fácil e é sempre uma bom jogo populista...
(...) Porque é que também nada diz (peço desculpa se não estou correcto, ou seja, se já disse ou escreveu) quanto ao ensino que é ministrado nas Universidades e nas ESE's, que formaram e estão ainda a formar os docentes do básico e do secundário? Se há certos males, há origens... (...)»

David A. C.

quarta-feira, 31 de maio de 2006

As ordens profissionais e a concorrência (3)

Sem prejuízo das regras da concorrência, as ordens profissionais não estão inibidas de defender, se o desejarem, os clientes dos serviços contra os abusos dos profissionais em matéria de preços. Bastaria, por exemplo, recomendar (ou impor) aos profissionais o anúncio prévio ou o ajuste prévio dos preços dos seus serviços. Isso seria muito mais importante do que a fixação genérica de preços.

As ordens profissionais e a concorrência (2)

As ordens profissionais são seguramente entidades reguladoras da actividade dos respectivos profissionais. Contudo, a auto-regulação profissional não é de tal modo abrangente, que inclua implicitamente a regulação económica da profissão, designadamente os preços. Isso era assim no regime corporativo. Numa economia de mercado, porém, isso só será assim excepcionalmente, se a lei, designadamente o estatuto de cada ordem, o estabelecer.
Isto não significa que as ordens deixam de fazer sentido. Nada disso. Há muito mais regulação para além da regulação económica.

As ordens profissionais e a concorrência

Uma das tendências inatas das associações profissionais é a fixação de preços dos serviços profissionais, normalmente preços mínimos (alegadamente para defender o "prestígio da profissão"), outras vezes também preços máximos. Em qualquer caso, as associações profissionais não gostam da concorrência nos preços.
A Autoridade da Concorrência, porém, prossegue na sua missão de fazer valer a concorrência na prestação de serviços profissionais, atacando designadamente a fixação de preços. A última "vítima" do zelo do Prof. Abel Mateus foi a Ordem dos Médicos. Esta contesta a punição, argumentando que não está sujeita às regras da concorrência nem à jurisdição da AdC.
A verdade é que, de acordo com o Direito comunitário europeu, os serviços das profissões liberais estão sujeitos às regras da concorrência. E, nos termos da jurisprudência do TJCE, as associações profissionais, qualquer que seja o estatuto jurídico, são associações de empresas para efeitos do art. 81º (ex-art. 85º) do Tratado CE, que proíbe as decisões de associações contrárias à concorrência. Isso inclui as ordens profissionais, como decorre explicitamente da decisão Wouters (2002), onde estava em causa a Ordem dos Advogados da Holanda. Ora, como se sabe, o Direito Comunitário prevalece sobre o direito nacional. De qualquer modo, mesmo que o Direito comunitário não fosse aplicável à situação, o direito nacional da concorrência é uma réplica dele, não fazendo sentido interpretá-lo de maneira diferente.
Por isso, a fixação de honorários profissionais só não estaria ao alcance do direito da concorrência se fosse da responsabilidade directa do Estado ou decorrente de uma imposição legal. O que não é o caso, no que respeita à Ordem dos Médicos. De resto, o Estatuto da Ordem nem sequer lhe confere poderes nessa área, o que sempre tornaria a fixação de honorários uma medida ilícita, por incompetência absoluta, mesmo que não infringisse as regras da concorrência.

Correio dos leitores: Hospitais militares

«(...) Os Hospitais Militares, igualmente objecto das atenções de Vital Moreira ("para quê HM?"), arriscam-se a contribuir, à semelhança do que se desenha para o IPO, para um programa de saúde SA.
Embora militarmente pouco correcto, não vejo qualquer problema em pagar uma qualquer taxa de utilização nos mesmos, por parte de uma parcela do universo militar, reserva e reforma e familiares por exemplo.
Pior do que haver ou não haver, é não ver a possibilidade de, reformando os hospitais militares, aproveitar alguns, o da Boa-Hora em Lisboa por exemplo, para os abrir à população. Ou transferir o inqualificável Centro de Saúde da Ajuda, num prédio de habitação de sete andares, para um dos vários quartéis da Calçada da Ajuda de há muito esvaziados de tropa e, não tarda muito, em processo acelerado de degradação. Ou para belos projectos imobiliários, privados.
Resultado da falta de tempo para pensar, de que se lamentava um CEME recente, nisto bem acompanhado por tantos altos dirigentes da República. E do estado a que isto chegou, parafraseando o meu camarada Salgueiro Maia.»
Barroca Monteiro

terça-feira, 30 de maio de 2006

Correio dos leitores: Timor

«Muitos pensaram que Timor-Leste, ao conquistar a independência - que nos anos 80 parecia de todo irrealizável - tinha "passado o rubicão". A verdade é que tudo está por fazer.
Timor é uma sociedade fracturada, marcada por várias etnias, línguas e dialectos e por influências culturais e geopolíticas diversas. A sobrevivência das formas de organização tradicional, o baixo nível de instrução e a falta de preparação de uma elite pouco consciente dos perigos que o país enfrenta, tornam a população facilmente manipulável pelos poderes que em Timor se digladiam.
Assim se explica que o Presidente caia na tentação de atear o fogo entre os "lorosai" e os "loromono", ou que o Bisbo de Dilí diga, à porta de Xanana, que "está claro que o povo não gosta de Mari Alkatiri". Ouve-se e não se acredita!
Perante este cenário, cabe a Portugal promover o diálogo, fazer a pedagogia da democracia e "ensinar os timorenses a pescar", apoiando a escolarização, a formação de quadros e o desenvolvimento das infra-estruturas. Esta acção deve ser prosseguida num quadro de parcerias que ajudem ao fortalecimento da organização do país e ao comprometimento dos seus dirigentes com um projecto de desenvolvimento e boas práticas de governação. Tudo isto, com respeito pela independência do país, mas fazendo ver ao Governo de Timor que os nossos recursos para a cooperação são escassos e têm de ser eficazmente utilizados.
Pelo evoluir dos acontecimentos, julgo que o Governo português e Freitas do Amaral mais não têm feito que assumir estes objectivos e esta agenda, com insistência, zelo e discrição.»

Eduardo Gravanita

Bloggers

«Tribunal [californiano] diz que bloggers têm os mesmos direitos que jornalistas» -- conta o Público de hoje, que informa que estava em causa a recusa de indentificação da fonte de uma notícia publicada em blogues.
Muito bem: e também terão as mesmas obrigações (por exemplo, proporcionarem o direito de resposta)?

Quem tem medo de ser avaliado?

Depois de ter acabado com a estúpida instituição quer era a publicação de uma ordenação anual de todos os professores com base na nota de licenciatura e a antiguidade, a Ministra da Educação avança com uma proposta de revisão da carreira docente, que inclui um sistema de avaliação de desempenho individual, a qual passa a ser determinante para a carreira, podendo inclusive justificar o afastamento da função docente.
Só há que saudar mais esta medida de saneamento do sistema de ensino nacional. Claro que a FENPROF já ameaçou com raios e coriscos, quem sabe preparando uma nova greve a exames. Não aprenderam nada com a derrota do ano passado.

segunda-feira, 29 de maio de 2006

Correio dos leitores: "Farmácias"

«Tudo o que diz [sobre a reforma do regime das farmácias] é, evidentemente, verdade. Resta-me, no entanto, a sensação de que nos devíamos todos entusiasmar com as GRANDES conquistas, e esta é uma, mais do que chorarmos a ausência das conquistas ENORMES. Penso que o apoio (mais) claro e explícito às medidas que forem sendo tomadas será motivador para novas reformas.
É verdade que a ANF limitou algumas perdas, mas também é verdade que apanhou algum chumbo grosso, o que já motivou o (re)aparecimento de vozes críticas no seu âmbito de influência. A convicção de que a intocabilidade está posta em causa vai motivar os ataques quer por parte dos radicais favoráveis à defesa da sua "coutada", quer dos que, favoráveis a uma maior liberalização, verificam que o caminho começa a ser percorrido. Não me parece, portanto, que João Cordeiro se sinta "de parabéns". Será que o que agora conseguiu é mais do que o que perdeu?
Quanto à acumulação de até 4 farmácias, não vejo porque não. A SONAE tem mais hipers que isso. Aliás, penso a limitação da propriedade deveria caber à Autoridade da Concorrência. Não sei, até, se a limitação a 1 única farmácia era cumprida. É que existem sempre os testas de ferro, e a concorrência não negligenciável dos farmacêuticos filhos de proprietários de farmácias.»

Manuel Costa

Comentário
Também concordo com a acumulação de até 4 farmácias; o que penso é que o alargamento só deveria ocorrer no contexto da liberalização da instalação de farmácias. Mantendo-se o racionamewnto, não vejo motivo para modificar o actual regime, mesmo que haja situações ilegais de acumulação.

domingo, 28 de maio de 2006

Farmácias (6)

Para quem, como eu, vem combatendo, desde há vinte anos, o actual regime da farmácia, nomeadamente no que respeita às restrições à liberdade de estabelecimento e à concorrência, a reforma anunciada só peca por tardia e por incompleta. Não podendo deixar de aplaudir as mudanças enunciadas, não posso deixar de lamentar que se não tenha ido mais longe, quando estavam criadas todas as condições para fazer o trabalho completo.
Só espero que não leve outros vinte anos antes de serem levantadas as barreiras que indevidamente foram preservadas desta vez.

Farmácias (5)

Quem se manifestou imediatamente contra a abertura do estabelecimento de farmácias foi o PCP, que é por definição contra toda a "liberalização", mesmo que se trate, como é o caso, da manutenção de um monopólio corporativo em benefício de uma pequena minoria de instalados.

Farmácias (4)

Quem não gostou do novo regime da propriedade das farmácias foi a Ordem dos Farmacêuticos, que se insurgiu contra a liberalização da propriedade, na defesa dogmática do exclusivo corporativo.
Ora, considerando que o novo regime só vai beneficiar os farmacêuticos e a sua profissão (mais lugares de director-técnico e outros lugares nas novas farmácias, mais independência dos farmacêuticos face aos proprietários das farmácias, etc.), é caso para dizer que a OF cuida mais dos interesses comerciais dos farmacêuticos-proprietários, que são uma minoria privilegiada, do que dos interesses profissionais dos farmacêuticos-farmacêuticos, que são todos.
Trata-se de um evidente "desvio de poder" da corporação oficial dos farmacêuticos, que não deveria passar sem a devida denúncia.

Farmácias (3)

A reforma do regime da farmácia foi formalizada num inesperado acordo formal entre o Governo e a ANF. O aval dado pela associação empresarial das farmácias à reforma pode parecer surpreendente, visto que algumas das medidas anunciadas sempre contaram com a sua oposição. Porém, analisado o acordo em todos os seus aspectos, a posição da ANF faz todo o sentido.
Na verdade, a ANF só deixou sacrificar os anéis de nobreza (nomeadamente o exclusivo da propriedade farmacêutica) para preservar o essencial, ou seja, a continuação do racionamento do número de farmácias e, portanto, os confortáveis proveitos que as situações de restrição à liberdade de estabelecimento e à concorrência asseguram.
Além disso, a ANF ainda conseguiu para os donos das farmácias alguns bónus não despiciendos: a concessão das novas farmácias dos hospitais, um considerável alargamento da área de negócios das farmácias, a possiblidade de acumular quatro farmácias (hoje cada farmacêutico só pode ter uma), etc.
Se pensarmos que a reforma poderia (e deveria) ter sido bem mais profunda, sem nenhuma concessão em troca, é evidente que a ANF não somente limitou os danos como conseguiu valiosas contrapartidas. É caso para dizer: parabéns Dr. João Cordeiro!

Farmácias (2)

Em matéria de abertura à concorrência, a reforma fica a meio caminho, muito aquém das recomendações da Autoridade da Concorrência. Acaba-se, é certo, o insólito monopólio corporativa da propriedade dos farmacêuticos, pelo que doravante as farmáciss já podem ser criadas e adquiridas por não farmacêuticos. É uma grande mudança simbólica. Porém, mantêm-se, ainda que ligeiramente atenuadas, as limitações da distância mínima entre farmácias e da capitação populacional mínima em cada concelho, também sem paralelo na nossa ordem económica.
Deste modo, persistem substanciais restrições à liberdade de estabelecimento e à concorrência no sector, o que só pode justificar-se, não por qualquer interesse público, mas sim pelo interesse privado de assegurar por via oficial rentabilidade às farmácias instaladas. Não se vislumbra que razões é que podem explicar a manutenção de tais restrições. Numa economia de mercado não compete ao Estado garantir os proveitos comerciais das empresas. Trata-se de um privilégio anómalo, cuja manutenção não honra a reforma.