sábado, 16 de março de 2019

Horizonte 2023 (II): Regresso do défice comercial

O aspeto mais desfavorável do cenário económico e orçamental do Conselho das Finanças Públicas até 2023 é a continuação do crescimento das exportações abaixo das importações, consumindo a atual excendente comercial, voltando o País a uma situação de défice comercial já em 2020 (como aqui se antecipou anteriomente), que se torna maior nos anos seguintes, embora moderadamente.
Também aqui existem riscos de evolução mais negativa, se se agravar o abrandamento económico nos nossos principais mercados externos, se o Brexit correr mesmo mal, se as anunciadas guerras comerciais ameaçadas a partir de Washington se vierem a desencadear, etc..
Prognóstico reservado, portanto.

sexta-feira, 15 de março de 2019

Horizonte 2023 (I): Riscos orçamentais

1. Apesar do abrandamento geral do ciclo económio, o Conselho das Finanças Públicas prevê para Portugal a manutenção do crescimento no horizonte de 2023 (à volta de 1,5% ao ano), o que perfaz um período de nove anos de expansão económica contínua (com início em 2014), sem paralelo desde 1974.
Num quadro de aumento sustentado das receitas orçamentais e de contenção da despesa pública, nomeadamente da despesa com juros da dívida pública, vai ser possível cumprir, num cenário de "políticas invariantes", as regras de consolidação orçamental da zona euro, quer quanto ao défice (chegando a prever um excedente orçamental em 2021!), quer quanto à redução do rácio da dívida pública no PIB (mas não quanto à redução do "défice estrutural").

2. No entanto, o CFP enuncia uma série de riscos para este cenário favorável, nomeadamente os seguintes:  (i) uma deterioração da economia mundial mais acentuada [do que o previsto], com efeitos no crescimento da economia portuguesa e consequentes impactos negativos ao nível da receita e da despesa; (ii) o impacto de novos apoios ao sector financeiro; (iii) a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública (concretamente despesas com prestações sociais e despesas com pessoal); e (iv) a capacidade de manter o controlo do crescimento da despesa com consumos intermédios.
Ora, se os dois primeiros fogem ao alcance do Governo, já os dois últimos dependem essencialmente das condições políticas internas. A provável hipótese de um novo governo minoritáio a partir das eleições de outubro próximo, sem condições para um acordo parlamentar sobre a estabilidade orçamental, pode tornar o cenário mais problemático, em consequência da maior vulnerabilidade do Governo às pressões do setor público e a "coligações negativas" com impacto orçamental significativo.

+Europa (12): Corpo Europeu de Solidariedade

1. Criado pelo Regulamento (UE) n.º 2018/1475, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de outubro de 2018, o Corpo Europeu de Solidariedade (CES) é mais uma instituição que visa radicar socialmente a União, novamente focada na juventude.
Cofinanciado pela União (com uma dotação de €375.6 milhões para o triénio 2018-20) e pelos Estados-membros, compete a estes designar as estruturas de gestão interna, o que acaba de ser efetuado em Portugal através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2019, de 12 deste mês.

2. Vocacionado, como o nome diz, para ações de voluntariado social em vários domínios, incluindo desastres naturais e refugiados - como se lê no seu portal no site da União -, o CES pode atuar não somente ao nível nacional, mas também a nivel europeu e internacional. Sem poder ter a visibilidade e o impacto do Erasmus (a principal "fábrica" de cidadãos europeus inventada pela União), o CES tem, porém, o pontencial de envolver numerosos jovens europeus em ações desinteressadas de cooperaçao e de apoio social.
É também assim que se constrói a Europa, pela base. Como escrevia há dias o Presidente Macron da França, numa carta aberta aos cidadãos europeus, a "UE não é somente um mercado, mas também um projeto" - neste caso, um projeto de coesão social, através do envolvimento da juventude europeia em tarefas de apoio social.

quinta-feira, 14 de março de 2019

Corporativismo (12): Cada macaco no seu galho

1. Registe-se este eloquente diálogo político:
«“Bom dia, como está?”, perguntou António Costa [cumprimentando a bastonária da Ordem dos Enfermeiros]. “Estou bem. Vamos chegar a acordo?”, respondeu Ana Rita Cavaco, dirigindo de imediato uma pergunta ao Chefe de Governo. “Estamos a negociar com os sindicatos”, devolveu de forma lacónica o primeiro-ministro (...).
À primeira e única provocação, Costa respondeu com uma frase que arrumou o assunto. Sem revelar se haverá acordo ou não entre as duas partes, deu a entender aquilo que por várias vezes já foi afirmando nos últimos meses: as negociações sobre as reivindicações dos enfermeiros são para ser mantidas com os sindicatos e não com a representante da Ordem dos Enfermeiros. Uma ideia que a Ministra da Saúde recuperaria no fim da inauguração desta nova unidade hospitalar.»
É assim mesmo, como tenho proclamado há muito: o Governo tinha de tornar claro, sem margem para confusões, que não negoceia nem trata de condições de trabalho ou de emprego do setor público com ordens profisssionais, mas apenas com os sindicatos, únicos representantes dos trabalhadores nessas matérias.

2. Resta, porém, a outra parte, ou seja, tornar igualmente claro, sem margem para nenhuma dúvida, que as ordens não podem envolver-se nessas matérias nem tomar posição sobre as mesmas, incluindo sobre greves, e que o Governo não vai mais tolerar mais essa ingerência.
Como entidades públicas que são, as ordens não existem para tratar de relações de trabalho, que são competência própria dos sindicatos e dos próprios trabalhadores. Ora, as ordens não representam trabalhadores, muito menos os do setor público, mas sim os profissionais enquanto tais, independentemente do regime de prestação de serviços.
Há males que vêm por bem. Os exageros provocatórios da Ordem dos Enfermeiros obrigaram o Governo a acabar de vez com a complacência política habitual em relação às ordens profissionais, designadamente no setor da saúde.

Direito de resposta: ERC chumba na justiça administrativa

1. A atual Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) não é muito amiga do direito de resposta, um direito fundamental dos cidadãos e pessoas coletivas contra os média, reconhecido na Constituição, que lhe compete fazer valer em caso de ilegítima recusa de publicação/transmissão da resposta.
Justamente por não ter dado provimento a um recurso contra a recusa de um direito de resposta da IURD na TVI, a ERC acaba de ser duplamente censurada pela justiça administrativa, em 2ª instância, depois de ter recorrido da decisão da 1ª instância que a obrigava a reconhecer o direito de resposta nesse caso.

2. Entretanto, como é evidente, com o tempo decorrido por efeito da sua recusa inicial e, depois, do seu recurso judicial, a ERC reduziu a atualidade do direito de resposta da entidade interessada. O direito de resposta perde pela demora!
Um problema adicional é que os cidadãos comuns poucas vezes têm disponibilidade e meios para impugnar judicialmente as decisões negativas da ERC, que por isso subsistem, mesmo quando injustas, como era o caso.

Ainda bem! (3): Responsabilidades governativas

“Rasgar contratos [pelo Estado] não é uma forma de cortar rendas excessivas”, afirmou o Secretário de Estado da Energia no Parlamento.
Para defender essa posição não deveria ser necessário chegar ao Governo, mas ainda bem que as responsabilidades governativas morigeram os ímpetos políticos!
Essa prudente regra geral de bom governo vale em especial para contratos do Estado com investidores, incluindo com investidores estrangeiros, que Portugal tem de atrair, em vez de afugentar (desde logo, dada a carência de investimento doméstico). Além de que rasgar contratos, ademais do dano reputacional do crédito político do Estado, gera responsabilidade civil, que pode ficar bem mais cara ao erário publico do que os eventuais ganhos resultantes da quebra contratual.
Sempre um mau negócio, portanto!

quarta-feira, 13 de março de 2019

Praça da República (14): Excessos legislativos

1. A nota da Comissão Nacional de Eleições sobre a publicidade institucional de órgãos da Administração Pública em período eleitoral, ou seja, a partir da convocação oficial de atos eleitorais (e referendos) suscitou reações desencontradas dos média, dos partidos e dos órgãos administrativos abrangidos, tendo também desencadeado uma guerrilha política que só pode tornar-se mais aguda com o passar do tempo.
A questão tem a ver, antes do mais, com uma indevida equiparação entre a publicidade institucional da Administração e a propaganda eleitoral - que implica promoção de uma candidatura -, a qual obviamente está vedada, por definição, à Administração pública (mesmo quando disfarçada). Ora, a CNE levou esta equiparação ao extremo.

2. Mas, além do escusado rigorismo da CNE na interpretação da noção de "publicidade institucional", a responsabilidade pela confusão criada tem de imputar-se à própria lei, quando a dois outros aspetos:
    - quando parece abranger todos os órgãos administrativos, em qualquer nível da Administração (local, regional, nacional), independentemente das eleições em causa, incluindo as eleições presidenciais e os referendos, em vez de limitar a inibição ao nível de administração diretamente envolvida em cada tipo de eleições (admitindo, no caso das eleições presidenciais e europeias, que a Administração nacional também as pode influenciar);
    - quando define o período eleitoral de forma aleatória, pois depende da antecedência com que as eleições forem oficialmente marcadas, que pode ser muito amplo (três meses no caso das próximas eleições europeias), em vez de estabelecer um período fixo (por exemplo, nos trinta dias antes da eleições).

3. Além disso, as eleições regionais não estão abrangidas, o que cria uma situação assimétrica, pois os órgãos da administração local e regional das regiões autónomas ficam inibidos de publicidade institucional da sua ação por causa das eleições locais e nacionais, mas não no caso das eleições regionais, o que não faz sentido.
Além do excesso, também inconsistência legislativa!

Adenda
A CNE publicou hoje uma "nota de esclarecimento" que atenua o rigor da anterior "nota informativa" (por exemplo, permitindo notícia de inaugurações), mas que obviamente não supera os referidos excessos da lei.

Bloquices (6): O Estado na gestão de empresas privadas

1. A última ideia brilhante do Bloco de Esquerda é que o Estado devia ter um administrador no Novo Banco. «Se pusemos lá dinheiro - diz líder do Bloco -, no mínimo tínhamos de lá ter um administrador».
Ora, o Estado não é acionista do NB, que é um banco privado; nem o Estado "pôs dinheiro" no NB - o que fez foi emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução (não diretamente ao NB), o qual teve de recapitalizar o banco, nos termos da resolução do antigo BES decidida pelo Banco de Portugal. Obviamente, esse empréstimo é reembolsável, com juros, pelo Fundo de Resolução, que é alimentado por contribuições anuais de todos os bancos, logo que ele tenha disponibilidade financeira.
Independentemente de toda a propositada confusão das declarações da responsável pelo BE, o que avulta é a facilidade com que o Bloco ignora as regras da economia de mercado e do Estado de direito, como se fosse normal que o Estado participasse na gestão de empresas privadas que de qualquer modo beneficiam de dinheiros públicos - e tantas são!

2. O Bloco parece querer recuar aos tempos do Estado Novo, em que o Estado participava da gestão das empresas privadas "de interesse público" - uma noção bem ampla nessa altura - e aos tempos a seguir à revolução de 1974, em que o Estado se permitiu assumir a gestão das empresa privadas "intervencionadas" - que em geral acabaram na falência -, regime que foi revogado em logo 1981, para não voltar a ser recuperado, por ser dificilmente compatível com a liberdade de empresa, constitucionalmente garantida.
Obviamente, o Estado pode e deve estabelecer condições quando concede subvenções ou outras ajudas a empresas privadas, mas entre elas não deve estar a de entrar na sua gestão. Numa economia de mercado, a responsabilidade pela gestão das empresas cabe aos seus acionistas, pelo que o Estado só deve ter responsabilidades de gestão das empresas públicas ou mistas.

Legislativas/2019 (2): Fragmentação parlamentar

1. Não alinho com a preocupação dos analistas  - como Pedro Adão e Silva e Paula Vicente no Expresso de sábado (acesso condicionado) -, relativamente ao crescimento da percentagem de eleitores que votam em partidos que não chegam a obter representação parlamentar, que foi de 3,2% nas últimas eleições.
Por um lado, isso deve-se sobretudo ao nascimento de novos partidos sem apoio eleitoral suficiente para elegerem deputados, apesar do baixo limiar de eleição no círculo de Lisboa, onde é possível eleger um deputado com menos de 2% dos votos.
Por outro lado, esse número é comparativamente muito reduzido, visto que, mesmo em sistemas eleitorais proporcionais, não são muitos os países onde existem círculos eleitorais da dimensão do de Lisboa (47 deputados) e sem "cláusula-barreira".

2. O que deveria preocupar, pelo contrário, é o crescente número de partidos que obtêm representação parlamentar. Tendo começado por ser 5 na AR de 1976, são agora 7 e na próxima legislatura serão provavelmente pelo menos 8, com a previsível entrada do Aliança. São ainda poucos, comparando com outros países (por exemplo, o caso extremo do Brasil), mas a tendência de aumento parece instalada.
De resto, essa tendência é agravada pela transferência de mandatos do interior para Lisboa e para o Porto, por efeito da deslocação demográfica, fazendo baixar ainda mais o limiar de eleição de deputados nesses dois círculos (como mostrei em anterior post).
Ora, num sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso, em que os governos dependem da confiança parlamentar, a fragmentação da representação parlamentar torna mais complicada a formação dos governos e mais instável a sua vida.

terça-feira, 12 de março de 2019

Regionalização (1): Desconstitucionalizar?

1. Para o bem e para o mal, no seguimento do entendimento entre o PS e o PSD sobre a descentralização territorial, está de volta o debate sobre a regionalização do Continente, mediante a criação de regiões administrativas como autarquias territoriais supramunicipais, que a Constituição impõe desde 1976, mas cuja concretização a revisão constitucional de 1997 veio, contraditoriamente, submeter a um duplo referendo, que ocorreu em 1998 e rejeitou a solução regional proposta.
Duas década passadas, tenho para mim que uma segunda tentativa - ainda que com diferente mapa regional e mais informação - dificilmente terá diferente resultado, pela simples razão de que os cidadãos não votam em geral a favor daquilo que desconhecem, para mais numa área ideologicamente contaminada pelo atavismo centralista contra o aumento das estruturas políticas e o reforço da "classe política".

2. Desde 1998, a única coisa que mudou para melhor foi o ter-se criado um relativo consenso sobre o mapa regional, assente nas atuais cinco NUTS II, sob jurisdição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (no mapa junto, com a divisão das respetivas NUTS III, ou comunidades intermunicipais, CIM), tendo ficado sepultado o abstruso mapa das oito regiões levianamente colocado a votação em 1998 pelo então Ministro João Cravinho, tendo constituído uma das razões para o fracasso do referendo.
Quanto ao mais, porém, as autarquias regionais - designação que acho preferível à de "regiões administrativas" - continuam a ser um mistério para a generalidade dos portugueses, quanto a atribuições, financiamento, etc. Foi pena não ter avançado a ideia de uma experiência piloto (por exemplo, o Algarve), para testar a instituição.

3. Não sendo possível desfazer, pura e simplesmente, a revisão constitucional de 1997 - que resultou da "conspiração" do então primeiro-ministro, Guterres, com o então líder da oposição do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, para "tramar" a regionalização -, uma solução alternativa para fugir à armadilha de há duas décadas poderia ser a desconstitucionalização da própria regionalização, acabando com a inconstitucionalidade por omissão que perdura desde 1976 (e que compromete a autoridade da Constituição), tornando a regionalização facultativa e remetendo-a para a lei (mesmo se por "lei reforçada"), como sugere o Prof. António Cândido de Oliveira, no Público, invocando o exemplo francês.
Mas está bom de ver que uma tal proposta de revisão constitucional vai suscitar a maior resistência das posições centralistas, que preferem o status quo constitucional. Não deixa de ser irónico que os mais estrénuos opositores da regionalização se prevaleçam do texto cosntitucinal que... continua a impor a regionalização!

Praça da República (13): Enriquecimento injustificado

1. Várias vezes, o Parlamento, com o voto dos partidos da direita e da extrema-esquerda, propôs a punição de um pretenso "crime de enriquecimnto ilícito" dos titulares de cargos públicos - que mais não era do que a punição penal de rendimentos de origem desconhecida, mas sem prova de origem ilítica -, que o Tribunal Constitucional devidamente "chumbou", desde logo por violação do princípio da presunção da imocência e inversão do ónus da prova.
Na ocasião tive a oportunidade de, não somente subscrever a posição do TC, mas também indicar uma alternantiva viável, que era a de estabelecer para os titulares de cargos públicos um dever de indicação das fontes de rendimentos e punir depois a eventual falta de cumprimento dessa obrigação.

2. Na solução agora adotada no texto final da Comissão de Transparência da AR, opta-se por punir criminalmente somente a ocultação intencional desses rendimentos nas declarações obrigatórias dos titulares de cargos políticos, acrescentando uma "punição" fiscal dos rendimentos injustificados acima de certo montante com uma taxa de 80% (o que pode ser considerado desproporcionado), independentemente de, como é obvio, o Ministério Público achar razões para investigar qualquer crime já previsto no Código Penal (como corrupção, tráfico de influências, etc).
É claro que uma solução praticável como esta poderia ter sido encontrada há muito tempo, não fora a insistência de alguns justicialistas em bater contra a parede da Constituição!

segunda-feira, 11 de março de 2019

Estado regulador (3): Acabar finalmente com um fóssil?

1. Aleluia, o PSD virou liberal no que respeita à mobilidade urbana, propondo o fim ao atual regime legal dos táxis e acabando com a contingentação municipal e com os preços tabelados, o que não deixa de ser surpreendente vindo de quem ainda recentemente dificultou a regularização das plataformas digitais de transportes (tipo Uber) e sobrecarregou o regime aprovado com alguma regulação perfeitamente desnecessária.
Baseando-se num devastador parecer da Autoridade da Concorrência de 2016, a proposta do PSD segue a maior parte das suas recomendações, incluindo o abandono de cor uniforme dos táxis, permitindo a cada operador adotar uma cor distintiva para os seus veículos.
Se esta proposta for para a frente, acaba finalmente um dos vestígios "fósseis" antiliberais e anticoncorrenciais oriundos do Estado Novo, abrindo o setor à concorrência, à diversidicação da qualidade e dos preços, etc.

2. Só é de esperar que nesta bem-vinda viragem liberalizadora não se esqueçam as obrigações de serviço público (obrigação de prestação do serviço, transporte de incapacitados e de animais de companhia, etc.) que devem continuar a caracterizar o serviço de táxi e a justificar as suas vantagens legais (estacionamento cativo em aeroportos e estacões ferroviárias e rodoviárias e nas placas municipais dedicadas, utilização da faixa bus, serviços por hailing, etc.).
Não faz sentido passar, de um golpe, do corporativismo ao libertarismo económico!

Adenda
Sendo de prever que uma proposta destas vai suscitar a ira da influente indústria taxística, aconchegada no atual protecionismo legal, não deixa de ser politicamente temerário apresentá-la à vista de eleições...

Legislativas/2019 (1): Prémio repartido

1. A sondagem eleitoral do Expresso de sábado passado (acesso condicionado) reforça a ideia de que, a manterem-se as atuais condições, (i) o PS se encaminha para uma folgada vitória eleitoral, com um score acima de 37%, mais do que os três partidos de direita somados (PSD, CDS e Aliança), mas que (ii) essa vitória deixa o PS bem afastado de qualquer perspetiva de maioria absoluta.
De registar também a subida do PAN (mercê do bom desempenho parlamentar do seu único deputado) e o voo baixo do novel Aliança (2%), todavia ainda numa fase incipiente da sua atividade.

2. Pode pensar-se que, com os muito favoráveis resultados governativos, desde logo na frente económica e social (recuperação de rendimentos, crescimento económico, emprego, prestações sociais, etc.), o PS poderia aspirar a um ganho mais expressivo em relação a 2015 (37,5% versus 32,5%) e as perdas dos partidos da direita somados poderiam ser mais acentuadas (38,5% versus 35%).
Mas, quanto ao PS, há que notar que os outros partidos da Geringonça têm conseguido valer o seu argumento de que sem eles os sucessos do Governo naquelas áreas não teriam sido possíveis, o que justifica os seus bons resultados nas estimativas (8% cada um deles, embora abaixo dos resultados de 2015 no caso do BE). E quanto aos partidos de direita, cabe assinalar que, concorrendo agora o PSD e o CDS separados, arriscam-se a perder mais deputados do que a sua votação indicia.

Bloquices (5): À margem da democracia liberal

É puramente aventureira a proposta do Bloco de Esquerda de parlamentarizar a gestão da RTP, acabando com o atual conselho geral independente, para fazer eleger o presidente pela maioria parlamentar/governamental da hora e dar também à mesma maioria o poder de destituir toda a administração.
Há dois decisivos argumentos contra:
    - por um lado, numa democracia parlamentar assente na separação de poderes, o Parlamento não deve ter funções de nomeação de gestores de empresas públicas, assumindo poderes executivos;
    - por outro lado, e mais importante, numa democracia liberal as maiorias não podem tudo, havendo pelo contrário instituições independentes, não sujeitas à lógica maioritária; e entre elas deve figurar, à cabeça, a televisão pública, por razões óbvias.

Dinheiro Vivo (4): Poderes públicos, interesses privados


Eis o cabeçalho da minha coluna semanal de sábado passado no Dinheiro Vivo, o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, desta vez para denunciar novamente o abuso de poder das ordens profissinais, neste caso a Ordem dos Enfermeiros, utilizando o seu estatuto público e os seus poderes públicos para a defesa de interesses laborais dos profissionais do SNS.
Utilizar poderes públicos contra instituções públicas é uma contradição nos termos.

domingo, 10 de março de 2019

O que o Presidente não deve fazer (17): "Magistratura de interferência"

1. Num artigo intitulado "um Presidente-sempre-presente", no jornal Público, a jornalista São José Almeida aproveita os três anos da posse de Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente da República para caracterizar e fazer o balanço do exercício do seu mandato.
Assinala, em especial, a passagem de uma "magistrutura de influência" (noção popularizada por Mário Saores quando foi PR) para uma "magistratura de interferência" (outros, menos benévolos, prefeririam falar em "magistratura de ingerência"), como se se tratasse de uma simples questão de grau (uma "modernização"), e não de uma mudança qualitativa, que efetivamente é (como tenho assinalado nesta série de posts, desde o início).

2. Mesmo admitindo a tese de que o PR não extravasa as margens dos seus poderes no sistema político-constitucional vigente - que, a meu ver, não é de sufragar, mesmo numa leitura laxista da Constituição, que estipula expressamente que os poderes do PR são somente os nela previstos -, sempre resta a questão estratégica da distorção da perceção pública sobre quem é competente para quê (nomeadamente na função legislativa e na condução política do País) e sobre a correspondente responsabilidade política.
No nosso sistema constitucional, em que o PR não responde politicamente pela sua ação, o Governo só é politicamente responsável perante o parlamento e não deve poder eximir-se a essa responsabilidade por causa de "interferências" presidenciais.

3. Sem surpresa, concordo com Pacheco Pereira, quando refere o "défice de escrutínio" da atividade e das posições do Presidente da República.
Deixando de lado a peculiar exuberância pública de MRS, que faz exultar os média e os comentadores (é uma questão de gosto), já o seu protagonismo político, sem precedente na República de 1976, merecia uma análise mais substantiva e menos complacente por parte do "comentariado" nacional.

Praça da República (12): Mudança no mapa eleitoral

1. Segundo esta notícia do Público, pode haver uma alteração no mapa eleitoral nas próximas eleições para a AR - a ter lugar em outubro próximo -, com possível perda de um deputado nos círculos eleitorais da Guarda e de Viseu e aumento de um deputado em Lisboa e no Porto, em relação ao mapa de 2015 (na imagem).
Não é a primeira vez desde 1976 que ocorre uma redução dos deputados dos distritos do interior em favor dos distritos do litoral, por efeito das perdas demográficas do interior.
Outro fator que pesa em desfavor dos distritos menos populosos do interior tem a ver com adoção do método de Hondt como critério de repartição dos mandatos pelos círculos eleitorais, que favorece as unidades maiores.

2. São evidentes as nefastas consequências eleitorais desta redução dos círculos mais pequenos e do aumento dos círculos maiores.
Nos primeiros, eleva-se o limiar de eleição de deputados, reduz-se a proporcionalidade da representação partidária e aumenta a percentagem de votantes cujo voto não elege ninguém. No caso do aumento dos círculos maiores, diminui o limiar eleitoral e aumenta a proporcionalidade, podendo levar a maior fragmentação da composição da AR, com a entrada de mais pequenos partidos.

3.  Sendo impossível nesta matéria uma "discriminação positiva" a favor do interior, dando-lhe mais deputados do que os que lhe cabem de acordo com a sua população eleitoral, importa pelo menos conter a crescente assimetria da dimensão dos círculos eleitorais, que prejudica os pequenos círculos.
Independentemente de uma mudança do sistema eleitoral que se discute inconsequentemente há mais de duas décadas, há duas soluções possíveis para a referida questão:
    - mudança do critério de repartição dos deputados pelos círculos eleitorais (que não está fixado na Constituição), em favor de um que seja menos favorável aos grandes círculos (por exemplo, método do quociente);
    - agregação dos círculos mais pequenos em círculos maiores (Vila Real e Bragança, Guarda e Castelo Branco, e distritos alentejanos) e divisão dos círculos eleitorais maiores, nomeadamente Lisboa e o Porto.

Adenda
Esta questão mostra, mais uma vez, como a redução do número de deputados, por vezes defendida, redundaria antes de mais numa diminuição da representatividade territorial da AR.

sábado, 9 de março de 2019

Bloquices (4): "Esquerda popular"?

Num entrevista ao Diário de Notícias de hoje (acesso por assiantura), Francisco Louçã - que continua a ser a referência doutrinária do Bloco de Esquerda, 20 anos depois - rejeita a qualificação de partido de extrema-esquerda para o Bloco - embora este tenha feito questão de se sentar na ponta esquerda do hemiciclo de São Bento, à esquerda das outras esquerdas - e prefere utilizar a expressão de "esquerda popular" -, como se pudesse utilizar essa designação um partido cuja base eleitoral assenta essencialmente nas elites urbanas (academia, quadros técnicos e profissionais) e que quase não tem expressão sindical nem nos meios rurais (como mostra a sua ausência nas respetivas autarquais locais).
Portanto, o Bloco constitui uma esquerda bem menos "popular" - com referência a "classes populares " - do que o PCP ou o PS! Não é "esquerda popular" quem quer!

Bloquices (3): Contaminação

1. No ano passado, o Bloco de Esquerda propôs a criação de tribunais especializados para os crimes de violência doméstica, o que, além de tipicamente demagógico, seria rotundamente inconstitucional. De facto, a Constituição não permite tribunais especializados em matéria penal  - e com boas razões, como mostrei a outro propósito.
De resto, aberto um precedente, não se ficaria por aí: aposto que a próxima ideia neste filão seria uma proposta do PAN para os crimes de maus tratos a animais ou dos Verdes para os crimes ambientais. A própria OCDE não resistiu à ideia de tribunais especializados para os crimes de corrupção...

2. A questão da relativa impunidade desses crimes, como de outros, reside sobretudo a montante - nomeadamente na falta de denúncia, no seguimento tardio destas e na sua deficiente instrução - e não na falta de tribunais especializados (nem de penas aplicáveis mais elevadas), que aliás levariam seguramente à concentração territorial da competênca judicial em dois ou três tribunais.
Problemas complexos raramente têm respostas simples; e estas são quase sempre falsas respostas.

3. O que é estranho é que o próprio Governo tenha vindo agora a namorar a ideia, mandando estudar a possibilidade de tribunais de família de competência mista, cível e penal, como se essa mistela judicial pudesse iludir a manifesta inconstitucionalidade. Há contaminações bem escusadas.
Se há matérias em que governos prudentes têm de resistir ao impulsos emocionais e às vagas demagógicas são as questões penais!

Estado regulador (2): Autoridades reguladoras

«A ideia que as entidades reguladoras podem ser fortes é um mito. Toda a experiência mundial demonstra como essas entidades falham, são corruptas e são absorvidas pelos interesses privados que deviam regular (a promiscuidade das pessoas que, ora estão no sector privado, ora vão para as agências de regulação, com o argumento de que têm experiência no sector – o caso da finança é paradigmático – demonstra bem a ineficácia destas entidades)». [Sublinhado acrescentado]
Este texto contra as agências reguladoras dos setores económicos onde se verificam "falhas de mercado" (serviços financeiros, energia, telecomunicações, etc.) exprime uma opinião que não me parece ter fundamento bastante. Pelo contrário, elas obedecem a regras de recutamento dos seus dirigentes, de incompatibilidades, de escrutínio público muito mais exigentes do que os dirigentes da Administração Pública ou os governantes. É assim em Portugal e em muitos outros países.
De resto, não é por acaso que, tendo surgido nos anos 30 do século passado nos Estados Unidos, se tornaram entretanto uma instituição global nas economias de mercado.

sexta-feira, 8 de março de 2019

"Dinheiro Vivo" (3): Macrocefia territorial

Este é o cabeçalho da minha coluna regular da semana passada no Dinheiro Vivo (suplemento semanal de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias), desta vez sobre a crescente macrocefalia territorial em Portugal, ativamente estimulada por programas de investimento público que favorecem ainda mais a capital em prejuízo do resto do País, como sucede agora com o programa de investimento em residências para estudantes do ensino superior, 60% das quais vão para Lisboa, um tema que já abordara anteriormente aqui no blogue.

Direito Constitucional da União Europeia

1. Repetindo uma experiência do ano passado, que constituiu um assinalado êxito, a Associação de Estudos Europeus da Faculdade de Direito da UC vai organizar de novo, no próximo dia 23, sob minha coordenação, um curso breve (um dia) de Direito Constitucional da União Europeia, aberto a todos os interessados.
Ficha de inscrição AQUI.

2. Entendo há muito que, embora a UE não seja um Estado, o sistema político-jurídico da União deve ser lido em termos de direito constitucional (como defendo no meu livro, 'Respublica' Europeia - Estudos de Direito Constitucional da União Europeia, 2014) e também penso que, hoje em dia, o próprio direito constitucional nacional não pode ser devidamente compreendido sem ter em conta o direito constitucional da União (como ensino nas minhas lições de Direito constitucional, agora na Universidade Lusíada - Norte).
O curso acima referido visa justamente abordar os principais traços da "constituição supranacional" da UE.

SNS, 40 anos (14): "Medicare for all"

1. A proposta política mais emblemática atualmente da esquerda do Partido Democrata dos Estados Unidos consiste no programa "Medicare for all" [Cuidados médicos para todos], ou seja, um sistema público universal de cuidados de saúde, estendendo a todos o atual Medicare, reservado aos idosos, indo desse modo além do programa "Obamacare", do anterior Presidente Democrata.
Havendo várias versões quanto à sua configuração - ver este importante estudo comparativo -, a versão mais à esquerda, defendida pelo Senador Bernie Sanders (na imagem) - que já anunciou a sua pré-candidatura às eleições presidenciais de 2020 -, consiste num sistema público universal de cobertura de despesas de saúde financiado por via de impostos. Noutra versão, menos ambiciosa, o "Medicare for all" seria um sistema público de adesão facultativa, cofinanciado com contribuições dos beneficiários, mantendo-se em aberto a possibilidade de seguros de saúde privados.

2. Vistas da Europa, essa propostas estão longe de ser revolucionárias, mesmo na sua versão mais ambiciosa, visto que se traduz na importação para os Estados Unidos, com muitas décadas de atraso, de um sistema público universal de cuidados de saúde, financiado ou cofinanciado pelo Estado, que, em matéria de envolvimento do Estado, fica longe do modelo britânico de SNS, baseado no financiamento e na provisão pública dos cuidados de saúde.
A acesso universal a cuidados de saúde, sem deixar ninguém de fora por falta de meios, é um objetivo incontornável de qualquer programa de esquerda. Mas há diversas modalidades para alcançar tal objetivo. Por isso, resta saber se a referida proposta mais à esquerda, que implicaria a adesão obrigatória ao novo sistema dos muitos milhões de americanos que têm seguro de saúde (em geral pago pelos empregadores), é politicamente sensata nos Estados Unidos, onde a ideia de subsidiariedade do Estado em relação ao mercado está arreigada na cultura política, mesmo na tradição progressista.
Não admira, por isso, que mesmo dentro do Partido Democrata a ideia esteja longe de ser consensual.

quinta-feira, 7 de março de 2019

Estado regulador (1): 17ª Pós-graduação em Regulação Pública e Concorrência

Aqui está o cartaz da 17ª edição do Curso de Pós-Graduação em Regulação Pública e Concorrência, de que sou codiretor (e de que fui fundador em 2002), organizado pelo CEDIPRE, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC).
Se desde há três décadas, a liberalização da generalidade das utilities e a privatização de quase todas as empresas públicas reduziu a pouco o tradicional papel do Estado como operador económico ("Estado-empresário") - que, mesmo assim, continua responsável por muitas infraestruturas e pela prestação de importantes serviços públicos (como a saúde, os transportes e outros) -, a verdade é que aumentou correspondentemente o seu papel na ordenação da economia, quer para assegurar a defesa da concorrência contra conluios ou abusos de posição dominante, quer para regular as atividades sujeitas a falhas ou insuficiências do mercado.
Mais informações sobre o curso AQUI.

quarta-feira, 6 de março de 2019

Praça Schuman (3): Macron, de novo!

Com esta carta aberta a todos os cidadãos europeus, o Presidente Francês E. Macron vem mais uma vez agitar o debate sobre o presente e o futuro da União Europeia, mostrando que não tem competidor à altura entre os estadistas europeus quando se trata de pensar ousada e construtivamente a integração europeia.
Com um apelo a um "renascimento europeu", Macron avança com uma série de ideias inovadoras para o relançamento do projeto europeu, baseado na liberdade, na segurança e no progresso. Como diz na sua carta aberta, «a Europa não é meramente um mercado, é um projeto».
Prouvera que este novo desafio do Presidente francês não caísse em saco roto e abrisse espaço para uma reflexão ampla nestes meses que precedem as eleições europeias de maio próximo.

Praça Shuman (2): Sim à tributação do transporte aéreo!

1. Esta proposta da Holanda, secundada pela Bélgica, para tributar o transporte aéreo ao nível da União faz todo o sentido.
Em primeiro lugar, não existe nenhuma razão, pelo contrário, para isentar de IVA os bilhetes de avião, como atualmente sucede, quando a aviação se conta entre os maiores emissores de CO2. É a simples aplicação do princípio poluidor-pagador. A modalidade de tributação a aplicar deveria, por isso, penalizar os voos mais poluentes, estimulando o investimento em aparelhos e em combustíveis mais eficientes.

2. Por outro lado, parece evidente que um tal imposto só pode ser definido ao nível da União (e constituir receita própria desta), em vez de o deixar à discrição dos Estados-membros, com o inerente risco de concorrência desleal dos países menos exigentes.
Pode dizer-se que este é mesmo um excelente test case sobre a tão debatida criação de impostos próprios da UE.

terça-feira, 5 de março de 2019

Privilégios (11): Mais uma vez, os da Universidade Católica

1. Em 1990, o então primeiro-ministro, Cavaco Silva, e dois dos seus ministros, todos ligados à Universidade Católica, decidiram renovar as isenções tributárias de que a instituição gozava desde a sua criação em 1971, no final do Estado Novo.
Um caso escandaloso de decisão política em causa privada própria, à custa dos contribuintes! Pior do que este privilégio, somente o subsídio orçamental direto de que a instituição gozou até ao final dos anos 90, igualmente atribuído por um Governo amigo.

2. Mais escandaloso ainda é que tal privilégio tributário em relação às demais universidades particulares se tenha mantido ao longo do tempo e que a UCP tenha impugnado a liquidação de IRC que a Autoridade Tributária acabou por efetuar, ainda que tardiamente.
Sucede que, além de inconstitucionais, por flagrante violação do princípio da igualdade, essas isenções são também contrárias à própria Concordata de 2004 (que, aliás, sempre teria de ser interpretada em conformidade com a Constituição), que explicitamente estabelece que as entidades canónicas ficam sujeitas ao regime fiscal aplicável às atividades não estritamente religiosas a que se dediquem, incluindo as atividades educativas, como é o caso da Universidade Católica (sendo óbvio que esta não é uma IPSS, como alguém poderia alegar, em desespero de causa e de argumentos).

segunda-feira, 4 de março de 2019

Antologia do nonsense (10): O juiz Neto de Moura no seu labirinto

Não lembrava ao diabo a ideia do Juiz-Desembargador Neto de Moura de acionar judicialmente, para efeitos de reparação de danos, por alegado atentado à sua honra, todos os que (políticos, comentadores e, mesmo, humoristas!) comentaram com maior ou menor severidade, aliás merecida, as suas bizarras conceções acerca das mulheres quando vítimas de violência doméstica.
Com esta canhestra ofensiva judicial contra os seus críticos, o Desembargador Neto de Moura não vai somente ser alvo da condenação de ainda mais gente, mas também se arrisca a tornar-se o "bombo da festa" de todos os humoristas deste País.
De resto, mesmo que no final conseguisse alguma condenação por parte dos seus pares - que acabaria seguramente no Tribunal Europeu de Direitos Humanos em Estrasburgo -, seria uma "vitória de Pirro" no tribunal da opinião pública. Nada mais arrasador para um juiz do que tornar-se alvo prolongado de desconsideração pública...

Adenda
Não é menos insensata a ideia da associação representativa dos juízes de assinalar o dia internacional da mulher com um... workshop sobre maquilhagem! Francamente!

Adenda 2
Como previsto, a imprudente decisão de NdM de avançar para os tribunais só acirrou os ânimos dos seus críticos, numa escalada de virulência que não evita excessos escusados, os quais, além de poderem dar razão ao queixoso, podem também gerar solidariedade com ele, sobretudo nos meios judiciais. Mesmo no humor cáustico, est modus in rebus...

SNS 40 anos (13): A ADSE e o princípio beneficiário-pagador

1. Confirmando o que aqui se escreveu sobre a insustentabilidade financeira da ADSE, este relatório interno, agora dado a conhecer pelo Diário de Notícias (acesso condicionado), vem mostrar que com a despesa a crescer muito mais do que a receita, está muito próximo o fim dos saldos positivos e o início dos défices.
As medidas propostas, nomeadamente a entrada de novos contribuintes (funcionários sujeitos ao regime laboral comum) e a contenção dos gastos, podem trazer algum alívio temporário, mas não resolvem o problema estrutural do sistema, que é a falta de relação entre as contribuições e os diferentes riscos de saúde dos beneficiários.

2. Uma das medidas propostas para aumentar a receita consiste em colocar a cargo do Estado o pagamento das contribuições dos beneficiários atualmente isentos, ou seja, os que recebem pensões abaixo do salário mínimo. Mas, como mostrei no referido post, é de rejeitar qualquer solução que ponha o financiamento do subsistema dos funcionários públicos a cargo dos contribuintes, que já financiam o SNS, tendencialmente gratuito, que aliás padece de notório subfinanciamento. A prioridade deve ser o SNS, e não a ADSE!
De facto, não há nenhuma justificação para que tais beneficiários sejam isentos de contribuição, quando a inscrição é voluntária e todos têm sempre acesso ao SNS. Importa não tergiversar sobre o princípio beneficiário-pagador. De resto, contribuir com menos de 22,75 euros (3,5% de 650 euros) para beneficiar dos mesmos cuidados de saúde que para outros funcionários podem ficar em mais de 100 euros não se pode considerar propriamente injusto!

domingo, 3 de março de 2019

Geringonça (16): Radicalismo ambientalista

[Fonte: aqui]
1. Em 2016, como preço pelo apoio dos Verdes à Geringonça, o atual Governo determinou o cancelamento de alguns dos empreendimentos hidroelétricos do plano nacional de barragens aprovado anos antes (como Girabolhos e Alvito) e suspendeu a construção da barragem de Fridão (rio Tâmega), até uma decisão dentro de três anos, portanto no corrente ano.
Agora, que a decisão do Governo se aproxima, o BE veio juntar-se à contestação ambientalista, exigindo o cancelamento definitivo da construção da referida barragem, apesar de esta ter passado em devido tempo na obrigatória avaliação de impacto ambiental. De resto, o Bloco quer também, nas próprias palavras da sua líder, «garantir que cancelar essa construção não representa nenhum custo para os consumidores de energia e para o erário público», o que pode ser pouco consentâneo com a responsabilidade civil do Estado pelos danos causados pelo cancelamento, sendo de notar que o concessionário (nesta caso, a EDP) adiantou à cabeça um pagamento pela respetiva licença (70 milhões de euros pelas barragens de Fridão e do Alvito, esta cancelada em 2016), que a elétrica não quererá perder.

2. Com ou sem indemnização (ou outra compensação), o que está em causa com o provável cancelamento da barragem suspensa há três anos, em aras ao radicalismo ambientalista (Geringonça oblige), não é somente a perda do investimento e o emprego direto e indireto que o empreendimento iria gerar, mas principalmente o sacrifício de mais essa fonte de energia renovável, de que o País tanto carece, em virtude da capacidade de armazenamento de água e de energia que as hidroelétricas representam (o que não sucede com a energia eólica nem com a solar).
Vale a pena aguardar pela decisão e sua fundamentação...