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domingo, 28 de abril de 2024

Não concordo (48): À justiça o que é da justiça

1. Apesar de ser muito crítico do lawfare antipolítico do Ministério Público e da sua ostensiva irresponsabilidade pública (por exemplo, AQUI), não penso que seja pertinente a proposta do presidente da AR, de "convidar" a PGR a ir explicar perante o parlamento o caso Influencer e o caso da Madeira, que levaram à demissão dos governos nacional e regional, respetivamente. 

Uma coisa é a sujeição da atividade geral do MP e da orientação do/a PGR ao escrutínio parlamentar, designadamente quanto à sua eficiência e quanto ao cumprimento das prioridades da política penal, em especial - o que lamentavelmente não tem acontecido -, outra coisa é uma interpelação parlamentar sobre processos concretos em curso de investigação pelo MP, cujo controlo externo deve manter-se reservado aos tribunais. É de ressalvar, porventura, o caso especial de inquéritos parlamentares. 

De resto, face à assumida irresponsabilidade da PGR - cuja demissão já defendi - quanto aos referidos inquéritos (cuja legalidade e pertinência ela própria deveria controlar internamente), não se vê que esclarecimento poderia resultar de tal audição parlamentar.

2. É certo que, pelo menos no caso Influencer - que os tribunais já arrasaram e que, portanto, já devia ter sido arquivado -, o MP instrumentalizou os seus poderes de investigação como arma de perseguição política, mas o parlamento não deve contribuir, pelo seu lado, para a lastimável politização da ação penal, que, de resto, os partidos podem condenar sem terem de "chamar a capítulo" a PGR.

Se o MP parece não se inibir em violar a necessária separação entre a esfera da justiça e a esfera política, a AR deve ser mais escrupulosa em observar tal separação.


sábado, 20 de abril de 2024

Perguntas oportunas (2): Impunidade

A comentadora São José Lopes pergunta hoje no Público porque é que a PGR não se demite, depois da arrasadora decisão da Relação de Lisboa que reduziu a pó o caso Influencer, em que o MP, além de imputar uma série de crimes a várias pessoas, entre as quais dois ministros e um presidente de câmara municipal, submetendo várias delas a prisão preventiva, conseguiu também envolver no caso o Primeiro-Ministro, por delitos até agora não identificados, o que levou à sua demissão e à crise política subsequente.

A resposta mais evidente seria: porque não não lhe resta um pingo de vergonha institucional. A resposta verdadeira é, porém, a seguinte: porque entende que o Ministério Público, em geral, e a PGR, em especial, não têm de prestar contas a ninguém e que pode, portanto, invocar que a decisão do TRL foi "somente" sobre as "medidas de coação" determinadas pelo MP e prosseguir a pseudoinvestigação, a fim de manter o ex-PM como refém político por tempo indeterminado.

A verdade é que, entre nós, os abusos de poder do MP gozam de impunidade.

sexta-feira, 22 de março de 2024

Ai, Portugal ! (12): Estado de não-direito

1. A PGR, Lucília Gago, veio admitir que a responsabilidade pela investigação a António Costa, até agora nas mãos dos magistrados do Ministério Público junto do STJ, por este ser o foro competente para eventual julgamento do chefe do Governo, poderá ser transferida para o DCIAP, agora que ele está em vias de cessar aquelas funções, mas logo foi desautorizada pelo presidente do sindicato do MP - que se pronuncia habitualmente como se fora o verdadeiro PGR -, que lhe veio negar qualquer poder para alterar a situação. 

Assim vai, com este problemático grau de autoridade, uma instituição que deveria primar no respeito do Estado de direito.

2. Seja como for, nem a PGR nem o sindicato, se permitiram adiantar o que quer que seja sobre a situação da tal investigação, passados mais de quatro meses sobre o fatal último parágrafo do comunicado da PGR de 7 de novembro que provocou a demissão de AC, não tendo o visado recebido nenhuma informação durante todo este tempo, nem sido ouvido no processo - um manifesto abuso de poder.

Pelos vistos, apesar de ter conseguido a sua demissão, o MP mantém-se inabalável na perseguição ao ex-líder do PS e ex-PM, mantendo-o indefinidamente como refém da sua inqualificável operação de lawfare, sem nenhuma possibilidade de reação, com lesão evidente da sua vida pessoal, profissional e política. Isto não é próprio de um Estado de direito.

Adenda
Sobre este assunto, merece ser lido este artigo do Professor Miguel Romão no Diário de Notícias de hoje, sintomaticamente intitulado "Golpe". Há golpes pela calada, literalmente.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Assim, não! (8): A arte de fazer reféns políticos

1. A PGR demorou nada menos do que 45 dias, para tomar medidas organizativas sobre a investigação do caso Influencero que revela que o processo não merece nenhuma celeridade, ao contrário do que foi anunciado. 

Sucede, aliás, que nesse período não houve nenhum desenvolvimento quanto ao inquérito ao Primeiro-Ministro, que foi enxertado "a martelo" no processo, não se sabendo ainda por suspeita de que crime. Pior do que isso, no comunicado de ontem, a PGR diz explicitamente que a investigação do PM seguirá «em articulação» com as demais vertentes do processo, o que deixa entender que vai demorar tanto tempo quanto este -, o que não promete ser breve.

2. A ser assim, António Costa corre o risco de ficar indefinidamente refém da propositada lentidão do MP, com o óbvio propósito de travar a sua eventual disponibilidade para novos desafios políticos, nomeadamente na UE. Pelos vistos, o lawfare do MP contra Costa, consumado com o aleivoso parágrafo final do comunicado da PGR de 7 de novembro, não se satisfaz com a sua demissão do PM e o fim prematuro da legislatura. 

Quando for ilibado da abusiva suspeita, já terá cumprido, sem acusação nem condenação judicial, a mais pesada pena para um político por vocação: ver suspensa a sua cidadania política.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Outras causas (9): O que me move

1. Recebo mensagens de amigos a pedir-me que, agora que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro no processo Influencer, desafie o PS - principal vítima dele - a vir a terreiro assumir o combate a este abuso do MP.

Lamento não poder ir ao encontro desse objetivo. Concordando com o apelo de António Costa, logo no início, penso que nem o Partido nem ninguém com responsabilidades políticas no PS, incluindo os deputados, deve entrar publicamente nesta luta política, porque seria contraproducente, dando armas ao MP.

O que o PS pode e deve fazer - como está a fazer -, é reclamar publicamente a necessária celeridade judicial, quer no desenlace do estranho "inquérito" que impende sobre António Costa, quer na decisão sobre se vai haver ou não acusação no processo, e sobre quê e relativamente a quem. Para além dos danos políticos já irreversíveis (demissão do PM e interrupção da legislatura), o PS tem o direito de disputar as eleições em condições de igualdade política, com a plena clarificação das suspeitas enunciadas pelo MP.

2. Perguntam-me porque é que, não sendo membro do PS e sendo por vezes muito crítico das suas políticas, me empenhei na denúncia da leviandade e da inconsistência da investigação do MP e da irresponsabilidade da PGR neste processo, que qualifiquei como golpe de Estado.

Estando definitivamente fora de qualquer atividade ou compromisso político há vários anos, não me candidato obviamente a nenhuma recompensa de qualquer natureza. O meu empenhamento na denúncia deste caso é pela honra política dos vários visados que conheço, a começar por António Costa, em cuja integridade confio plenamente; pela democracia liberal, que não pode criminalizar a busca de investimentos que promovam o desenvolvimento económico; pela responsabilidade republicana, a que nenhum poder do Estado, salvo os juízes, está imune no exercício das suas funções: e pela Constituição da República, que não consente a instrumentalização da investigação penal ao serviço da perseguição política.

São demasiado importantes para mim (e para o Causa Nossa) os valores que estão em causa neste mal-enjorcado e não-inocente processo judiciário.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...

Alhos & bugalhos (5): Mau perder

1. Este texto de uma conhecida personalidade do PSD mostra que a direita já dá como perdida a acusação de corrupção no caso Influencer, apesar de a ter exibido sem escrúpulos, antes de qualquer validação judicial, como trunfo político durante dias, para atacar o Governo e o Primeiro-Ministro.

Só é pena que, em vez de se render à ausência de qualquer fundamento para a suspeição (apesar de anos de escutas telefónicas e de buscas de toda a espécie pelo MP), MPM tenha tentado justificar a derrota com uma imaginária insuficiência do nosso sistema processual-penal quanto à prova da corrupção, nomeadamente a falta da famigerada "delação premiada" (a que, aliás, o PSD se opõe, e bem!). 

Sendo o autor também professor de direito, não lhe fica bem tal argumento.

2. Propondo mudar de conversa - como se faz usualmente quando se perde uma causa -, MPM propõe que, na falta de corrupção de políticos, tratemos da "corrupção do sistema político". 

Concordo, e proponho um tema para abrir a discussão: como é que o Ministério Publico - que é internamente uma magistratura hierarquizada e responsável e é externamente uma instituição que, através do PGR, deve prestar contas à AR e ao PR - consegue inventar e trazer a público (violando flagrantemente o segredo de justiça a que está vinculado) uma grave acusação contra o Primeiro-ministro e o Governo, levando à sua demissão e à abertura de uma grave crise política, e no final não há ninguém responsável, nem interna, nem externamente, por este atentado qualificado ao Estado de direito e à democracia parlamentar?

Com este acintoso ataque ao poder democrático, transformando a investigação penal em arma de perseguição política, a irresponsabilidade no e do Ministério Público tornou-se um problema sistémico na ordem político-constitucional vigente, pondo em causa o "regular funcionamento das instituições".

Adenda
No Diário de Notícias de hoje, o jornalista Pedro Tadeu apresenta uma relação das vítimas (não por acaso, quase todos políticos) dos abusos de poder do MP. Pior do que a obsessiva cultura "caça-políticos" vigente na instituição é a irresponsabilidade interna e externa, que os legitima e incentiva.

Adenda 2
Uma leitora, que sabe do que fala, entende que o caminho para acabar com a inaceitável irresponsabilidade do MP no abuso da investigação penal como ilegítima arma de poder é explicitar a sua responsabilidade penal, criando o crime de "perseguição penal de pessoa inocente", como no Código Penal Alemão. Aplaudo.

Adenda
Outra leitora, especialista em Direito Penal, considera que o comentário de MPM revela «desconhecimento do regime processual-penal do crime de corrupção desde a reforma de 2001, que tornou muito mais fácil prová-lo» - e explica porquê. Eis o risco de comentários apressados e politicamente motivados.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Ai, Portugal (12): O golpe de Estado

Depois desta primeira decisão judicial sobre o processo "Influencer", nenhum arguido fica detido e nenhum fica acusado de corrupção, o terrível crime que tanto jornalistas e comentadores sem escrúpulos como a imprensa de referência (como notei AQUI) brandiram durante estes dias contra o Governo e o PS.

A "inventona" judiciária - como a qualifiquei AQUI - malevolamente construída pelo Ministério Público começa a desmoronar-se, mas o golpe de Estado que ela consubstanciava foi muito bem sucedido, acrescentando à demissão do Primeiro-Ministro e do Governo a interrupção da legislatura e a convocação de novas eleições ("cortesia" do PR), sem esperar por nenhuma avaliação judicial da solidez da construção imaginária do MP.

No entanto, depois deste primeiro indício de esvaziamento da acusação, que sentido faz manter em suspenso a outra peça do golpe de Estado ainda em curso, que é abertura de inquérito penal ao Primeiro-Ministro, quando o seu objetivo (a demissão) já foi conseguido? Ainda resta à Procuradora-Geral da República uma reserva de brio e dignidade institucional suficiente para pôr fim a esta baixa provocação, retirando a queixa?

Adenda
Um leitor argumenta que, mesmo que o processo venha a dar em nada, por falta de matéria penal, «o problema é que os do MP conseguiram demitir o Primeiro-Ministro e abrir um crise política de enormes dimensões e não vão pagar por isso». Sim, é esse problema: o MP não pode continuar a ter o poder de, através de pseudoindícios criminais, sem controlo judicial prévio, fazer demitir governos e lançar o País numa enorme crise política, e depois os responsáveis, incluindo o Procurador-Geral, não serem chamados a responder pelos devastadores danos causados pela sua leviandade ou má-fé. Ao contrário dos juízes, o MP é um magistratura responsável, quer quanto ao PGR (responsabilidade político-institucional), quer quanto aos magistrados (responsabilidade disciplinar, civil e penal). Algo vai ter de mudar no estatuto e na conduta do Ministério Público

Adenda 2
Outro leitor observa que se mantém a suspeita relativa ao crime de tráfico de influência. Certo, mas não vejo como é que se pode transformar em tráfico de influências (supostamente promovido pela empresa, por intermédio de Lacerda Machado) uma típica operação de lobbying empresarial junto dos decisores políticos, que não tem nada de ilícito, e que normalmente é efetuada ou assistida por profissionais, próprios ou contratados ad hoc (bem remunerados). Por isso, a viabilidade de essa tentativa de prestidigitação conceptual vingar parece-me nula, desde logo em sede de acusação, e ainda menos em sede de julgamento, se lá chegar. Se se frustrar, como é de esperar, então esta pseudoinvestigação do MP fica reduzida ao que foi desde o início - uma "golpada" mal urdida (mas, ai de nós!, bem conseguida) contra o Governo em funções, à margem das instituições democráticas.

Adenda 3 (14/11)
No Podcast do Público de hoje, a questão e a de saber se «a credibilidade da justiça fica em causa com a libertação dos arguidos». A resposta, porém, é óbvia: pelo contrário, a credibilidade da justiça - que é missão dos tribunais - sai reforçada. Quem sai descredibilizado - por culpa própria - é o Ministério Público, que nesta operação desserviu a justiça.

Revisão constitucional (9): Tempo perdido

1. Uma das principais "vítimas colaterais" da crise política aberta pela demissão do Primeiro-Ministro - provocada pelo desleal ataque da PGR -, e pela dissolução parlamentar - cortesia do PR, ao preterir a hipótese de nomeação de um novo Governo - é obviamente o processo de revisão constitucional, desencadeado no início da legislatura.

Mais uma vez, como assinalei na altura, lamento que o PS tenha consentido na abertura de um processo de revisão ordinária, para a qual não estava bem preparado, em vez de começar por uma revisão extraordinária, limitada aos pontos identificados que necessitavam de uma alteração urgente; e também que, tendo apresentado um projeto de âmbito propositadamente limitado (direitos fundamentais), tenha depois consentido no alargamento do debate na CERC a todas as propostas apresentadas, arrastando consequentemente a conclusão da revisão. 

E assim ficámos sem nenhuma revisão, incluindo onde ela era mesmo necessária.

2. Com mais este falhanço na revisão da CRP, vai prolongar-se o largo período de estabilidade constitucional, que dura desde 2005, que vai em quase vinte anos, o que já não sucedia desde o século XIX.

Será, portanto, a próxima legislatura, se houver condições políticas para isso, a retomar a questão, tendo de decidir, de novo, à cabeça, se opta por começar por uma revisão extraordinária expedita e limitada, seguida de um processo de revisão ordinária, necessariamente mais ampla e mais demorada, ou se incorre no mesmo erro cometido na legislatura cessante.

Com as várias revisões entretanto efetuadas, a CRP de 1976 passou claramente o "teste do tempo", mas a usura das décadas passadas não deixa de mostrar-se no envelhecimento de vários trechos, designadamente na "constituição económica" e em alguns capítulos da "constituição política". 

Tal como na natureza, também na CRP os "ramos mortos" devem ser removidos, para dar nova energia à árvore constitucional.

3. Tendo sido um dos constituintes de 1976 - o que poderia levar-me ao conservadorismo constitucional -, penso, porém, que, em vez de a preservar intocada, à custa da sua capacidade para comandar a "realidade constitucional", vale a pena investir numa operação de "aggiornamento" da Lei Fundamental.

Quando está prestes a completar meio século de vigência - o que anteriormente só a Carta Constitucional de 1826 tinha conseguido -, a melhor homenagem que se lhe pode tributar é prepará-la para enfrentar o próximo meio século!

sábado, 11 de novembro de 2023

Ai, Portugal (11): O Ministério Público é intocável?


1. Compreendo o apelo de António Costa ao PS para não entrar num ataque ao Ministério Público, primeiro porque isso levaria este a fazer-se de vítima, invertendo os papeis, e depois porque, ainda não há muito tempo, o PS primou na defesa do MP contra a reforma proposta pelo PSD, sob a presidência de Rui Rio, acusando-a de atacar a "autonomia" e a "independência" da instituição (atenção que o MP "retribui" agora, forçando a demissão do Governo PS...). 

Todavia, não sendo eu filiado no PS, nem tendo compartilhado do ataque à iniciativa do PSD, não tenho que respeitar essa obrigação de silêncio perante este verdadeiro "golpe de Estado" do MP (a expressão é tomada emprestada daqui), que levou à demissão do Primeiro-Ministro e deu o ambicionado pretexto ao PR para dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, interrompendo a legislatura antes de decorrida metade dela. 

Ora, estamos perante uma sucessão de atos demasiado graves e bem encadeados e cerzidos, que não deixam dúvidas de que obedecem a um deliberado propósito de provocar o máximo de danos políticos ao PS e ao País.

2. De facto, não pode deixar de merecer frontal condenação, não somente o desaforo de transformar num nefando "plano criminal" uma comum operação de lobbying empresarial bem-sucedida relativamente a um vultuoso investimento estrangeiro vantajoso para o País e a correspondente liberdade governativa de o avaliar, onde não há um mínimo vislumbre de corrupção relativamente aos governantes visados, mas também a inacreditável justificação sumária e displicente da abertura de "inquérito" ao PM no final do comunicado da PGR de 7/11, sabendo que tal só poderia resultar na sua demissão imediata, para culminar no cínico "esclarecimento" de hoje, de onde se fica a saber que a investigação sobre António Costa começou em 17 de outubro e que vai ficar dependente da evolução do demais processo, ou seja,  sem fim à vista, tudo sem que a PGR tivesse o mínimo cuidado de informar, à puridade, o PR  - a quem deve a nomeação e de cuja confiança institucional depende - dessas graves circunstâncias. 

Se o "libelo" constante da pseudoinvestigação não passa de uma laboriosa, mas mal urdida, "inventona", denegando ostensivamente a indeclinável esfera de liberdade política do Governo, a atitude da PGR revela uma inaceitável e comprometedora deslealdade institucional. 

3. Não satisfeito com a demissão de dois ministros de António Costa - Azeredo Lopes, da Defesa, e Eduardo Cabrita, da Administração Interna, ambos entretanto ilibados pelos tribunais, expondo a leviandade do Ministério Público na sua acusação -, o ativo "comando de caça-políticos" do MP resolveu visar mais alto, nada menos do que outros dois ministros e o próprio chefe do Governo, sabendo bem que, em relação a este, bastaria a publicação de qualquer suspeição, por mais infundada que fosse - como é o caso -, para o fazer demitir e provocar a queda do Governo, lançando o País numa crise política sem precedentes.

Ora, não podiam deixar de ser facilmente antecipáveis as nefastas consequências da demissão do Governo, tanto no plano político - provavelmente meio ano sem Governo e a previsível instabilidade governativa subsequente -, como no plano económico - desde a perda do importante investimento em causa, ao adiamento da decisão sobre o novo aeroporto, passando pelo atraso dos investimentos do PRR - e no plano financeiro - eventual desconfiança dos mercados financeiros e consequente agravamento do custo da dívida pública -, sem esquecer o devastador efeito sobre a reputação externa do País e sobre a confiança dos investidores estrangeiros.

Por isso, a irresponsável investida do MP contra a liberdade política do Governo, e em especial a conduta negligente da PGR, não podem passar à margem do julgamento público sobre esta crise política e as suas consequências.

4. Há quem ache que atacar o MP equivale a atacar a justiça. Nada de mais falso, porém!

A justiça é função dos juízes, constitucionalmente imparciais, independentes e irresponsáveis pelas suas decisões. O MP é simplesmente uma instituição auxiliar da justiça, especialmente quanto à investigação e à acusação penal, devendo, porém, mesmo aí, respeitar as prioridades de política penal definidas pela AR. Os magistrados do MP não são nem imparciais, nem independentes, nem irresponsáveis, estando inseridos numa hierarquia chefiada pelo PGR, e sendo pessoalmente responsáveis pela sua atividade, em última instância perante ele. O próprio PGR só é relativamente independente, visto que é livremente nomeado e demitido pelo PR, sob proposta do Governo, sendo, portanto, institucionalmente responsável perante aquele. 

Além disso, não sendo um órgão judicial, mas somente judiciário (o que não é a mesma coisa), o MP deve também prestar contas perante a AR e o País, por intermédio do PGR. A pretensa independência do MP, como se fosse uma magistratura equiparada à magistratura judicial, é uma ficção e um estratagema para torná-lo indevidamente imune à crítica pública. 

Decididamente, é preciso reverter o MP e o PGR para o seu lugar constitucional de órgão auxiliar da justiça responsável perante o PR e a AR, e não de um quarto poder político, sem a inerente legitimidade nem responsabilidade política, abusivamente autoerigido em instrumento de controlo da liberdade política dos governos na prossecução do interesse público.

Adenda
Causa fastio político ver comentadores da área do PSD aplaudir esta inaceitável tentativa de criminalização da incontornável liberdade de ação governamental na atração de IDE, esquecendo as recentes propostas do seu partido para reduzir a abusiva autogestão do MP, e sem se darem conta de que, no futuro, o mesmo vezo antipolítico pode ter por alvo um governo seu. Como diziam os antigos: «de te fabula narrantur» (ou seja, «esta história também te diz respeito»).
[Substituída uma anterior "adenda", que vai ser publicada autonomamente]

Adenda 2
Um leitor pergunta: «E o dinheiro escondido no gabinete de Escária»? Trata-se, sem dúvida, de um dado sumamente embaraçoso, mas que compromete somente o próprio (e não, evidentemente, o PM), e tem de ser o MP a provar que tal dinheiro provém de "luvas" recebidas no âmbito deste processo, e não de outra origem. Tanto quanto se sabe, não há na investigação nenhum indício nesse sentido, sendo, aliás, óbvio que a empresa interessada nem sequer precisava dele para influenciar o PM, tendo à mão "influencers" bem mais capacitados, como Lacerda Machado e João Galamba. Mas entendo que, se Escária tiver um mínimo de dignidade moral, deve ele próprio clarificar a origem concreta do dinheiro, mesmo que incorra na confissão de outro crime, como por exemplo a evasão fiscal...

Adenda 3
Ao contrário de algumas críticas apressadas, considero que a comunicação pública do Primeiro-Ministro se justificou plenamente, para dizer duas coisas essenciais: (i) que a ponderação entre as vantagens económicas de um grande investimento privado e a defesa do ambiente e sobre a eventual necessidade de alterações regulamentares é uma questão do foro político, e portanto da competência do Governo, e não do foro judicial ("à política o que é da política, à justiça o que é da justiça"); (ii) que, como chefe do Governo, o PM assume a responsabilidade política pela decisão tomada, cobrindo a ação conforme dos seus ministros. Só é de saudar a clareza do enquadramento e louvar a reivindicação da responsabilidade política. Ora, o Governo não é politicamente responsável perante o Ministério Público..

Adenda 4
E no caso de ter havido «atos ilegais» no processo - pergunta um leitor. Resposta: 1º - o Governo pode alterar leis (salvo em matéria reservada à AR) e regulamentos, quando o entenda necessário para prosseguir o interesse público;  2º- no caso de eventuais atos ilegais, o remédio é a sua impugnação no foro competente, que é a justiça administrativa (e o MP tem por norma não usar esse poder); 3º - uma coisa é uma eventual ilegalidade, e outra, bem diferente, é um ilícito penal - que, aliás, pode existir na prática de atos legais. Portanto, uma ilegalidade só é penalmente punível se preencher autonomamente um "tipo legal de crime" -, que é o que o MP tem de acusar e provar. Ora, passados estes dias todos sobre a demissão forçada do PM, continua sem se saber sequer que possível ilicitude (muito menos de caráter penal) é que lhe possa ser imputada. Numa democracia, não se pode derrubar um Governo assim...

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Não vale tudo (12): Abuso de poder

1. E vai mais um governante constrangido a demitir-se, perante o massacre público subsequente à notícia de que estava sob investigação e perante a posterior acusação formal (conhecida pelo próprio pelos jornais!), por alegadas ilegalidades em anterior cargo público. 

Repetiu-se a história, a que me referi já em post anterior: (a) o Ministério Público recebe uma denúncia contra um membro do Governo e inicia uma investigação, como lhe compete, mas a primeira coisa que faz, se o magistrado responsável não gostar do Governo da hora, é deixar sair a notícia para a imprensa, como não lhe compete; (b) a imprensa faz o seu papel, os partidos da oposição juntam-se ao coro e o visado acaba julgado e condenado na praça pública, sem provas nem direito a defesa, sentindo-se obrigado a demitir-se, para não pôr em causa o Governo a que pertence; (c) como tantas vezes tem sucedido, o caso pode vir a dar em nada, por nem sequer haver acusação, ou por o acusado vir ser ilibado e absolvido em tribunal, mas a pena já está aplicada e cumprida, sem apelo nem agravo. 

Dificilmente, se alguma vez, a vítima pode vir a recuperar integralmente o seu bom nome e reputação política

2. Perante mais esta situação, três perguntas se impõem: 

  - quanto é o PGR abre procedimento disciplinar contra a abusiva divulgação de abertura de investigações, antes da eventual acusação, com evidentes objetivos políticos, sabendo que isso vai acarretar a demissão do visado?

  - quando é o PSD deixa de explorar politicamente estas situações, sabendo que, como partido de vocação governamental, também virá a ser vítima delas, quando chegar a sua vez de ser Governo? 

  - quando é que os primeiros-ministros decidem negar ao Ministério Público o "poder potestativo" de desfazer os seus governos, recuperando o seu inalienável poder de decidir sobre a composição dos seus governos e o momento da sua recomposição?

Sem dúvida, os governos devem pagar pelas malfeitorias dos seus membros, incluindo em anteriores cargos públicos, mas os políticos, só por o serem, não podem ser privados de direitos fundamentais básicos como a não perseguição penal por motivos políticos, a reserva judicial da punição penal (mesmo por "crimes de responsabilidade" política), o direito de defesa dos acusados e a presunção de inocência até à condenação. Num Estado de direito constitucional, não pode valer tudo, mesmo contra os malqueridos políticos.

Adenda
No título da peça em que noticia a demissão, o Público diz que António Costa teria comentado que «é a justiça a funcionar». Mas é evidente que Costa não poder ter tecido esse comentário acerca da demissão. A investigação e a acusação são evidentemente a justiça a funcionar; mas o conhecimento da acusação pelo imprensa antes de o acusado ser notificado, não é a justiça a funcionar, pelo contrário (e infelizmente, não é «uma originalidade», como diz o PM, tendo ocorrido noutras ocasiões semelhantes, sem nenhum apuramento de responsabilidade); e a demissão imposta como consequência politicamente automática da acusação, também não é justiça a funcionar, pois nenhuma lei a impõe e não deve haver pena antes do julgamento. Ou seja, neste caso, como em outros semelhantes anteriores, a justiça deixa muito a desejar.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Não dá para entender (8): Reações corporativas

1. É evidente que, independentemente da sua legitimidade constitucional e da sua eventual justificação política, a desajeitada proposta do PSD de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público surge a destempo e contra a corrente, só pondendo suscitar a frustrante polémica que provocou.

2. No entanto, sendo óbvia a sua inviabilidade legislativa à partida, por não ter nenhum outro apoio parlamentar, a precipitada ameaça de greve do sindicato do MP é, pelo menos, descabida, como expressão fútil das "dores corporativas" da respetiva magistratura.
Mais despropositada, para não dizer ilegítima, tem de ser considerada a insólita ameaça preventiva de demissão da recém-nomeada Procuradora-Geral da República, que, como titular de uma instituição da República, não pode dedicar-se a exercícios de chantagem virtual sobre o poder legislativo. Um passo em falso, que não credibiliza quem o deu.

Adenda
Quanto à substância da questão, Rui Rio tem razão num ponto decisivo. Se o Conselho Superior da Magistratura - que é o órgão supremo de governo dos juízes, que gozam de independência superlativa -  tem uma maioria de membros designados do exterior, por que razão é que o mesmo não há de suceder no Conselho Superior do Ministério Público, que tem funções parcialmente afins em relação aos respetivos magistrados, quando é certo que a Constituição remeteu a composição daquele para a lei e que o Ministério Público não goza da mesma independência constitucional dos juízes, sendo o/a PGR discricionariamente nomeado/a e exonerado/a por vontade conjunta do PM e do PR? Há alguma razão para que o grau de autogestão do MP ser superior ao dos juízes?

Adenda 2
Mais importante do que a questão da composição do CSMP é que questão do seu poder de gestão dos quadros do MP e do seu poder disciplinar. Ao contrário dos juízes, que são independentes e não têm "chefe", os agentes do MP são funcionários públicos, sujeitos a uma hierarquia encimada pelo/a PGR. Porque é que aqueles poderes hão de ser exercidos em autogestão pelos próprios, em vez de caberem ao/à PGR, que tem a legitimidade democrática que deriva da sua nomeação pelo PR, sob proposta do PM?

Adenda 3
Não deixa de ser curioso ver comentadores liberais, tradicionais inimigos do corporativismo no setor público, a defenderem a autogestão na gestão de quadros e no poder disciplinar do Ministério Público. Contradições que a incoerência doutrinária tece...

terça-feira, 13 de janeiro de 2004

Blogposts nocturnos (5)

1. Favoritismo (I)
Ficou agora a saber-se que, sem qualquer anúncio público, pela calada dos acordos discretos, o Ministro Pedro Lynce tinha ampliado o privilégio da concessão do serviço público à Universidade Católica de Viseu, de modo a contemplar o curso de Medicina Dentária, que antes não estava abrangido. Deste modo, o Estado passa a suportar o diferencial entre as empoladas propinas da UC e as propinas do ensino público (resta saber se tendo em conta o montante mínimo ou máximo legal destas...).
Trata-se de um acto singular de privilégio e uma evidente operação de favoritismo dessa universidade, que obviamente voltou a "capturar" em seu proveito o departamento do ensino superior. Resta saber o que fazem o Tribunal de Contas e a PGR, os quais, recorde-se, têm a seu cargo a defesa da legalidade financeira e administrativa (embora a segunda pratique pouco).
Note-se que o acordo é tão reservado que não se encontra sequer mencionado nem no website da UCP nem no do Ministério do Ensino Superior.

2. Favoritismo (II)
Um parecer oficial do Conselho Consultivo da PGR - que se pode ver aqui -veio confirmar o que toda a gente sabia, ou seja, a ilegalidade do despacho de Pedro Lynce que permitia a entrada da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros no curso de Medicina, ao abrigo de um esquema excepcional cujos requisitos ela não preenchia. Esse acto custou a demissão dos dois ministros, que pagaram assim politicamente a leviandade do favorecimento. Mas o director-geral do ensino superior, que agenciou o tratamento de favor e elaborou o frustrado parecer em que se fundou o acto ilegal, continua em funções. Nem teve a hombridade de se demitir com o ministro cuja queda causou nem foi demitido pelo sucessor daquele (trata-se de um cargo de livre nomeação e exoneração). Há alguma moralidade nisso? Cesteiro que faz um cesto...

3. A honra perdida da ministra das Finanças
O cambalacho da isenção retroactiva do "pagamento especial por conta" (PEC) dos taxistas constitui um fundo golpe na imagem de rigor da Ministra das Finanças. Na verdade, é uma verdadeira imoralidade. Uma vez que aquela medida visava introduzir alguma moralidade em sectores onde quase ninguém paga impostos (e tal é o caso dos táxis), a endrómina que acabou na sua isenção dessa obrigação, incluindo a devolução das importâncias já pagas, destroça qualquer ideia de coerência financeira e de igualdade dos contribuintes. Como é que os demais sectores, não beneficiários da generosidade governamental, podem ficar quietos?
É evidente a cedência à força desestabilizadora dos taxistas. O Governo teve medo e desarmou a contestação à custa do erário público, da igualdade entre os cidadãos e da honra da Ministra das Finanças. Tudo indica que não foi uma boa troca...

Vital Moreira