terça-feira, 4 de maio de 2004

Apostilas das terças

1. Cheiro a esturro
Com dois ex-ministros do PSD a aparecerem como face visível da Carlyle no negócio da privatização da Galp (Ângelo Correia e Martins da Cruz, este saído do presente Governo e recentemente enviado em representação oficial à Africa do Sul!), e ainda por cima dispondo do financiamento da CGD, o banco do Estado presidido por outro ex-Ministro do PSD, como é que se espera que uma eventual vitória no concurso não fique a cheirar a esturro? A pergunta é feita por Nicolau Santos no Expresso online, e tem toda a pertinência.

2. Judicialização da política
O ministro Paulo Portas desafiou o deputado Francisco Louçã a prescindir da imunidade parlamentar para responder pelas acusações que o segundo fez ao governo sobre uma alegado envolvimento governamental no apoio da CGD ao grupo norte-americano Carlyle na candidatura à privatização da Galp.
Trata-se de tontice ou de má-fé. Portas sabe: a) que a imunidade parlamentar não é renunciável; b) que, mesmo sendo infundada, a referida acusação é irrelevante sob o ponto de vista penal; c) que num debate parlamentar a uma acusação política se responde com uma refutação política. Nós ficámos a saber: a) que se não houvesse imunidades parlamentares Portas accionaria judicialmente meia oposição por injúria ao governo; b) que Portas não distingue entre a esfera da controvérsia política e o campo da lei penal.
A barra dos tribunais não foi feira para dirimir combates políticos entre o Governo e a oposição, como se sabe desde os primórdios do governo representativo. Pelos vistos há quem ainda não se não tenha dado conta disso.

segunda-feira, 3 de maio de 2004

João Salgueiro

Há personalidades assim. Sabedoras, ponderadas, politicamente moderadas e pessoalmente independentes, apesar da filiação partidária. Refiro-me a João Salgueiro, presidente da SEDES e da Associação de Bancos, membro mais ou menos distanciado do PSD, longe da proeminência que teve há vinte anos. Perante a entrevista à Rádio Renascença e ao Público, hoje publicada neste último, sentimos que mesmo quando não compartilhamos da sua visão política nem podemos acompanhá-lo nas suas opiniões temos de reconhecer a pertinência dos seus alertas e a consistência das suas posições.
Uma pequena antologia:

O mercado
«Porque há muita coisa no curto prazo que não pode ser resolvida pelo mercado. Tudo o que não tem que ver com os bens de mercado, os bens públicos, a redistribuição, a implantação regional o planeamento urbano, o mercado não pode resolver. Nós hipertrofiamos a função de mercado, o que tem lógica porque o mercado estava muito recalcado pelo condicionamento industrial e pelo proteccionismo, mas não se pode dispensar uma estratégia de médio e longo prazo, e que as empresas têm, mas o país não.»

A crise
«Desta vez, a crise que atravessamos tem uma nova natureza. O quadro mundial é outro, diferente de há dez anos, e altera-se de dia para dia, vejam os efeitos da China no comércio mundial, ao nível das matérias-primas e dos produtos acabados, e nos serviços da União Indiana. Já não podemos desvalorizar a moeda e apagar os erros, como acontecia antes. E um processo de ajustamento sem desvalorizar é mais difícil. Em terceiro lugar, começa haver desemprego de pessoas com formação superior e até com mestrados. É a primeira vez que está a acontecer. E temos a concorrência dos países do alargamento na captação de investimento estrangeiro. Há agora uma conjugação de factores muito grande que nos levará a perceber que ou mudamos de vida, ou vamos pagar a conta daqui a alguns anos e não serão muitos.»

Sociedade civil
«A sociedade civil tinha possibilidade de ter muito mais influência na vida politica, sem substituir os partidos. Temos uma democracia representativa mas é preciso que funcione. Há passividade dos cidadãos que se limitam a votar, e no intervalo não exigem dos eleitos o que eles prometeram fazer, há ineficácia das instituições, e há o escasso prestígio de que muitos políticos gozam.»

Constituição europeia
«Deveríamos ter já suscitado o problema da lógica regional e da coesão em novas coordenadas, porque com a Europa a 25 terão de existir novas coordenadas. Ora este problema não foi debatido em nenhuma universidade, não foi posto à discussão. Não é possível haver Constituição europeia sem haver finanças europeias. Não há políticas comuns, sem recursos comuns. Ficou completamente à margem da discussão sobre a Constituição europeia o problema do federalismo fiscal ou da revisão do orçamento europeu. Isto não é aceitável.»

A derrota de Sharon

A pesada derrota de Sharon no referendo interno dentro do Likud sobre o plano de retirada da faixa de Gaza não deixa dúvidas sobre a resistência da direita israelita a qualquer cedência no que respeita aos territórios ocupados. Dali ninguém os tira a bem. Encorajados pelo partido na política de colonização judaica dos territórios, os membros do partido governamental, muitos com interesses directos nos colonatos, não aceitam nenhum abandono, mesmo a troco da anexação definitiva de Jerusalém e da Cisjordânia, que Sharon lhes garantia.
Depois disto como pode ainda haver ilusões de que a retirada israelita dos territórios ocupados e a criação de um Estado palestiniano pode depender da boa vontade do Governo israelita?

Vocação minoritária

A propósito do post antecedente do Luís Nazaré sobre a vitória do Benfica noto que existe uma clara maioria benfiquista tanto no Causa Nossa como no meu círculo de familiares e amigos. Definitivamente não consigo pertencer à maioria em nada!...

domingo, 2 de maio de 2004

Adoro a segunda circular

A vitória sobre os leões soube-me pela vida. Eles até jogaram melhor, nem mereciam perder, mas a bola é assim mesmo. Já que fomos escandalosamente prejudicados na primeira volta – como é usual acontecer nos jogos com o Sporting –, ao menos que a sorte, por uma vez, nos acompanhasse. Para o próximo ano cá estaremos, contra o Porto de Camacho e o Sporting de Queiroz.
Luís Nazaré

O "sindicato" mundial das entidades locais

O Presidente da República Jorge Sampaio, também na sua qualidade de antigo presidente da Câmara municipal de Lisboa e de presidente da Federação Mundial das Cidades Unidas (FMCU), participa hoje em Paris na sessão inaugural do congresso fundador da Organização Mundial de Cidades e Autarquias Locais Unidas (United Cities and Local Governments), produto da fusão da referida FMCU com a União Internacional de Autoridades Locais (UIAL), decidida em 2001 no congresso do Rio de Janeiro.
A nova organização internacional vai ser seguramente uma das mais influentes entre as numerosas organizações internacionais de organismos públicos intra-estaduais, que se vão multiplicando em todas as áreas (universidades, entidades reguladoras, tribunais de contas, tribunais constitucionais, ordens profissionais, etc., etc.) e que testemunham a crescente expressão internacional de entidades públicas internas, que no quadro da concepção “westfaliana” do Estado estavam confinadas às fronteiras nacionais. Juntamente com as ONGs internacionais, produto da nova “sociedade civil mundial”, as organizações internacionais de entidades públicas internas são outra das novas categorias de protagonistas da cena internacional, a par dos Estados e das organizações inter-estaduais.

Tortura e humilhação de prisioneiros no Iraque

A Amnistia Internacional emitiu um comunicado declarando que os casos de tortura e maus tratos de prisioneiros pelas forças de ocupação no Iraque não são casos isolados e exige uma investigação completa, bem como a punição dos culpados.

«Our extensive research in Iraq suggests that this is not an isolated incident. It is not enough for the USA to react only once images have hit the television screens.
Amnesty International has received frequent reports of torture or other ill-treatment by Coalition Forces during the past year. Detainees have reported being routinely subjected to cruel, inhuman or degrading treatment during arrest and detention. Many have told Amnesty International that they were tortured and ill-treated by US and UK troops during interrogation. Methods often reported include prolonged sleep deprivation; beatings; prolonged restraint in painful positions, sometimes combined with exposure to loud music; prolonged hooding; and exposure to bright lights. Virtually none of the allegations of torture or ill-treatment has been adequately investigated by the authorities


Como se já não bastasse a ocupação em si mesma, ainda a tornam mais detestável com estas sórdidas violações dos direitos humanos. Imagine-se que os Estadios Unidos não tinham ido invadir e ocupar o Iraque supostamente para implantar a democracia e os direitos humanos!...

Actualização
Entretanto o Independent de hoje revela a existência de um relatório militar americano contendo "revelações horrendas" sobre numerosos casos de tortura e maus tratos de prisioneiros iraquianos. A pergunta que se coloca é obvia: sendo os abusos do conhecimento das autoridades militares, pelo menos, porque não fizeram nada para punir os culpados? Se não tivesse havido a fuga das fotografias publicadas há dias, algum vez teria vindo a público a informação sobre os acontecimentos?

O milagre da multiplicação dos deputados

No Independente a jornalista Maria Guiomar Lima refere-se ao Causa Nossa como “blog de deputados socialistas”. O Vicente Jorge Silva deixa assim de estar sozinho e os restantes autores do blogue são promovidos expeditamente a representantes da Nação. Infelizmente, não fomos eleitos e não há mais vagas na AR...

sábado, 1 de maio de 2004

Regozijo

Pouco tempo passado sobre a sua última experiência de encenador de teatro, o nosso Luís Osório – de quem partiu originariamente a ideia do Causa Nossa – já está noutra, a saber, o cargo de director do diário lisboeta A Capital. O lamento pela perda da sua disponibilidade bloguística não pode obnubilar o regozijo pela sua nova e desafiadora tarefa.
Felicidades, Luís!

Augúrios eleitorais

1. A caminho da derrota
Particularmente más são as perspectivas eleitorais da coligação governamental, segundo o "Barómetro" de Abril da Marktest para o DN e a TSF. Por junto os dois partidos somam menos de 39%, bem abaixo do PS sozinho, que perfaz 42%. Somados os três partidos de esquerda, eles valem 56%. Um desastre eleitoral em perspectiva para a direita.
O único ponto de relativo alívio para o PSD, com uns respeitáveis 36,5% de intenções de voto, é a distância ainda não dramática para o PS, que se fica pelos 42%. Já o CDS/PP tem razões para muito maior preocupação, reduzido que está a uns ridículos 2,6%, ficando em 5º lugar no ranking partidário, muito abaixo do PCP e do BE!

2. Nada de brilhante
Apesar de aparecer à frente da coligação governamental, o PS não tem razões para embandeirar em arco com estes resultados. Primeiro, porque um score de menos de 42% nesta altura de intensas dificuldades governamentais não é propriamente brilhante, ficando aquém dos resultados eleitorais do partido em 1995 e 1999. Depois, porque no contexto da esquerda o PS não conquista terreno ao PCP e deixa fugir eleitorado para o BE, que aparece surpreendentemente a par daquele. A explicação para estes resultados está na imagem fracamente atraente de Ferro Rodrigues e no défice de estratégia e de "elan" oposicionista dos socialistas, frequentemente superados pelos partidos à sua esquerda. O PS está a precisar manifestamente de estimulantes!

3. Imitar os Verdes?
O CDS-PP revela-se crescentemente abandonado nas preferências dos inquéritos eleitorais. Nas próximas eleições a lista conjunta com o PSD vai esconder essa rarefacção política do partido de Paulo Portas. A pergunta que se põe é a de saber se o CDS/PP voltará a deixar-se contar separadamente em eleições nos próximos anos. Será que o seu destino é o de imitar os Verdes, limitando-se a parasitar eleitoralmente o PSD enquanto convier a este? E quando PSD concluir que é um mau negócio manter esse apêndice, ainda por cima ideologicamente comprometedor?

Welcome to the club!

De uma assentada passámos a ter mais umas dezenas de milhões de concidadãos – refiro-me à cidadania europeia, bem entendido, desde agora acrescentada por mais dez cidadanias nacionais. É uma revolução na UE e na Europa em geral a entrada deste grupo de países do leste e do sul do continente, ampliando consideravelmente o território, a população e os recursso da UE, mas também aumentando a sua diversidade e heterogeneidade. Mais força à custa de menos coesão?
Sendo a maior parte deles antigos membros do antigo bloco “socialista”, incluindo três Estados da ex-União Soviética, também eles vêem abrir-se-lhes a porta da UE, catorze anos depois da transição democrática – um pouco mais do que Portugal, que demorou 12 anos. Tirando os “outsiders” por opção (Suíça e Noruega), a vocação de todos as democracias europeias é a entrada na UE. Chamar "Europa" à UE é cada vez menos uma sinédoque.

sexta-feira, 30 de abril de 2004

Passados e presentes

No Abrupto, José Pacheco Pereira (JPP) morde a cabeça do blog Barnabé e interpela, de modo intelectualmente marialva, a sua suposta retaguarda político-partidária, o Bloco de Esquerda (BE).

Não tenho qualquer procuração do Barnabé ou do BE (embora esteja preparado para uma acusação nesse sentido) nem tenciono voltar a imiscuir-me em polémicas estranhas, mas entendi, por uma vez, que a sobranceria intelectual tinha limites e justificava um reparo desabrido, à moda do Porto.

Como todos os espíritos superiores, JPP tem dificuldade em enxergar-se. Quem verbera o passado-presente dos outros nos termos em que ele o faz – recomendo uma leitura atenta ao seu post de hoje, Memória Elástica –, enjeitando alegremente o seu próprio com uma arrogante fuga em ré menor – “Há muita gente que se incomoda com o seu passado, o que não é o meu caso como se sabe (…)” – não merece especiais temperos de linguagem.

Vamos a factos: JPP foi comunista, marxista-leninista-maoísta, em idade perfeitamente adulta, quando já nenhum sonho justificava a adesão a causa tão tonta. Sempre tive imensa dificuldade em entender a ligeireza com que os totalitaristas ideológicos da década de setenta se reconverteram, sem o mínimo rebuço, aos valores da liberdade “burguesa”. Pela minha parte, estou disposto a esquecer-me do passado politicamente infeliz de JPP (quem não teve desvarios?) desde que nos poupe a falsos exercícios de coerência evolutiva e de pretensa superioridade intelectual.

Luís Nazaré

Comércio justo?

Também adiro ao elogio de Vital Moreira à recente “decisão preliminar” da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre a subsidiação aos produtores de algodão do mundo desenvolvido (ver post abaixo), no seguimento de uma queixa do Brasil.

Todavia, não me esqueço de uma visita que realizei aos estados do nordeste brasileiro há alguns anos atrás. Depois de ter percorrido, à solta, algumas fazendas de cana-de-açúcar e de ter presenciado a realidade da exploração agrária – feita de abuso de direitos, prepotência patronal e indigência salarial -, tive o privilégio de ser convidado pela mais reservada das confederações patronais do estado do Pernambuco para dissertar sobre economia. No período de debate, fui literalmente assaltado por acusações de “unfair trade” por parte da Europa no tocante ao comércio do açúcar, onde alegadamente o Brasil era credor de um pesado capital de queixa vis-à-vis o proteccionismo do Velho Continente, especialmente visível nas pautas alfandegárias e na subsidiação à beterraba. Tive então de aludir aos “notórios desequilíbrios nas condições sociais e remunerativas”, o que visivelmente incomodou e acalmou a plateia. No final, tive mesmo direito a um desabafo privado de um dos maiores produtores de cana da região: “Luís, é mesmo a primeira vez que vem a Pernambuco?”. São um charme, estes brasileiros.

Luís Nazaré

O poeta nu

Em mecânico zapping após uma noite em branco, ouço - súbito - uma voz sedutora anunciar, convicta, a estreia absoluta do filme "A Anfitriã da Casa dos Sonhos". A poesia do título desperta-me. Em que canal estou? Telecine Gallery, Arte, Hollywood, a:2, TCM, BBC?
Não. SexyHot. Codificado, hélas.

perdoa

Tive uma namorada que morava nas Laranjeiras. Nas noites passadas em casa dela era vulgar incomodar-me, em constrangido silêncio, com um barulho semelhante a um ronco que vinha de todo o lado e não chegava de lado nenhum. Escutava-o quando estávamos sós e em silêncio absoluto. O sorriso dela tirava-me toda a coragem de fazer "a" pergunta.
Só esta noite, estacionado em Sete Rios, é que compreendi que o ruído não era oriundo do interior de uma barriga humana, resultado de um qualquer problema gástrico. São os rugidos dos leões no Jardim Zoológico.
Agora tenho de rever todas as razões não confessadas que me levaram a terminar a relação.

post per se

Na madrugada do dia 25 de Abril, na companhia de dois amigos relativos, ouvi esta declaração apaixonada de um bêbado que nos agradecia um cigarro: "Salazar foi o primeiro Capitão de Abril. Viva Salazar!". Fumar mata.

não foi só a democracia que o homem revolucionou

Apenas há poucos dias descobri que José Saramago apagou todas as dedicatórias a outras mulheres desde que conheceu Pilar. Ou seja, as novas edições de obras escritas antes da espanhola viram as dedicatórias originais serem substituídas por um simples "para Pilar".
Julgo tratar-se do acto fundador daquilo que se poderia designar por estalinismo romântico.

aforismo de directa (07:53 am)

As pessoas que ainda não definiram o seu rumo na vida caminham mais devagar.

«Comércio justo»

No seguimento de uma queixa do Brasil, a Organização Mundial do Comércio (WTO), numa recente “decisão preliminar”, condenou os Estados Unidos a baixar os enormes subsídios aos seus produtores algodoeiros, que contribuem para a pobreza de muitos países subdesenvolvidos.
Segundo um estudo bem informado da Oxfam, «125,000 American cotton farmers received $3.9bn in subsidies in 2002, twice as much as they had in 1992. This are more than the entire GDP of Burkina Faso, a country in which more than 2 million people depend on cotton production, and more than the entire US aid budget for Africa’s 500 million-plus people».
No caso de se manter, face à inevitável impugnação norte-americana, a decisão da WTO representa um notável triunfo dos defensores do “comércio justo” (fair trade), que censuram os países desenvolvidos (EUA e UE, designadamente) que recorrem ao proteccionismo agrícola contra os países do sul, enquanto exigem a liberalização do comércio dos seus produtos industriais. Essa foi a principal causa do falhanço da última reunião da WTO no México, no ano passado.
Por outro lado, a condenação dos subsídios ao algodão norte-americano também confere algum conforto aos adeptos da “globalização virtuosa” e do papel regulador e supervisor da WTO na ordem económica mundial.
Mesmo quando isso sucede raramente, a vitória dos países pobres sobre os ricos numa questão de elementar justiça é sempre de saudar.

quinta-feira, 29 de abril de 2004

"Depois de mim virá..."

Como bem se suspeitava, o défice das contas públicas do ano passado, oficialmente declarado em 2,8% do PIB, foi realmente superior a 5%, se se descontarem as receitas extraordinárias que o “maquilharam”, equivalentes a 2,5%. Essa verificação torna-se incontestável, quando quem o diz é o ponderado e confiável Banco de Portugal, como se lê no seu Boletim relativo ao mês de Março, agora divulgado. Quando nos lembramos como o último governo do PS foi crucificado pelo PSD, por o défice ter excedido os 4% no exercício financeiro de 2001, é caso para dizer que “depois de mim virá quem de mim bom fará”!
É certo que o controlo do défice se torna um exercício mais difícil em ambiente de recessão económica, apesar de algumas severas medidas de contenção da despesa pública. Mas tentar “vender” o fruste resultado como um sucesso da gestão orçamental, como o Governo tenta fazer, não é propriamente uma prova de seriedade política. É claro que com a venda de património e créditos do Estado lá vai sendo possível esconder boa parte do défice “debaixo do tapete”, de modo a respeitar formalmente o limite de 3% consentido pela Comissão Europeia (enquanto houver o que vender...). Assim vai suceder também no corrente ano, face às previsões de défice de novo muito acima desse tecto.
Com o cuidado verbal que se espera do discreto Banco de Portugal, a referida publicação observa que o elevado défice das contas do ano passado "mostra bem a dimensão do esforço adicional de consolidação orçamental que é necessário prosseguir". Em linguagem chã, isto quer dizer que a tal consolidação orçamental continua por fazer, porventura à espera do regresso das “vacas gordas”. A esperança do Governo está em que de futuro as coisas só podem ser menos más...

Mais Catalunha e buraco do túnel

Eis dois extractos de um mail que me foi enviado por um velho companheiro de outras lides, o Carlos Oliveira, hoje "exilado" no Luxemburgo ao serviço da Comissão Europeia. A propósito dos meus posts Notas da Catalunha e O buraco do túnel, diz ele:
"Compreendo o entusiasmo com o movimento autonómico e independentista catalão (ao qual devemos a nossa indepenência - a fazer fé nalguns historiadores) que sempre se distinguiu por um pendor vincadamente progressista (basta lembrar no passado não muito longínquo as histórias do POUM contadas por Orwell), todavia não existe uma correlação natural e directa entre as ambições autonómicas e as ideais progressistas (os exemplos da Bélgica e da Córsega estão aí para o demonstrar). Também eu tenho uma grande admiração pela cultura catalã, pelo seu espírito de iniciativa e um saudável cosmopolitismo. Todavia sou bem mais reservado em relação a certas manifestações de nacionalismo (e nem preciso de invocar o passado recente da Jugoslávia). É que em muitos casos a saudável ideia de preservar a identidade cultural descamba fácilmente em tentativas de assimilação forçada, numa mistura explosiva do mais retrógrado comunitarismo com uma mal disfaçada intolerância sectária cujas trágicas consequências estão bem à vista.

E agora a propósito do "buraco do túnel" - independentemente do facto de o túnel ter sido uma das bandeiras da campanha do actual Presidente da Câmara (talvez a maior demonstração da inépcia eleitoral da lista derrotada) - causa-me um certo desconforto a ideia do "constrói-se e logo se vê" (e se não funcionar - fecha-se o túnel? e quem é que tapa o buraco?). Da mesma forma que fico espantado quando o Presidente da Câmara declara, apoiado nas declarações do sec. estado e perante todo o mundo (sem aparente contestação) que não é obrigado a realizar um estudo de impacto ambiental como se o mesmo se tratasse duma mera formalidade administrativa - isto depois de terem vindo a público personalidades cuja independência e competência estão acima e qualquer suspeita dizer que há uma série de aspectos técnicos (características geologicas do terreno, existência de linhas de água, impacto nas construções circundantes, túnel do metro) cujo estudo não foi realizado com o necessário detalhe e profundidade. Vem-me à memória as famosas obras de alindamento da rua do Carmo do Eng. Abecassis cuja inadequação se veio a constatar aquando do incêndio do Chiado, isto para não falar no túnel do metro no Terreiro do Paço".

A ideia de Arnaut

Na edição de hoje de A Bola, o jornalista Nuno Saraiva Santos presta um serviço à Nação, ao provar à evidência que o Ministro-Adjunto é um ser pensante. Eis, com a devida vénia, o primeiro parágrafo do seu artigo sobre a aventurosa viagem de Arnaut a Coimbra para ir ver a Selecção: “A ideia nasceu na mente de José Luís Arnaut e depressa o ministro-adjunto a passou à prática. Viajar de Lisboa até Coimbra para ver um jogo da Selecção Nacional utilizando os transportes colectivos foi missão realizada com êxito. À hora marcada, o Alfa pendular 133 da CP partiu de Santa Apolónia e sem atrasos deixou a comitiva ministerial em Coimbra B. Depois, o autocarro fez o resto. A viagem foi tão confortável que Arnaut até aproveitou para…passar pelas brasas.”

Justa condenação

A carta aberta publicada anteontem por um grande conjunto de personalidades do meio diplomático britânico (embaixadores, altos-comissários, governadores, altos funcionários diplomáticos) é profundamente crítica do alinhamento de Blair com Bush tanto no caso da Palestina como no caso do Iraque.
O simples facto de essas pessoas – tradicionalmente conhecidas pela sua discrição pública – terem tomado tal iniciativa revela o crescente isolamento do primeiro-ministro britânico na opinião pública quanto a essas questões. A gota de água que desencadeou esta inusitada tomada de posição colectiva tem a ver com a recente visita de Blair aos Estados Unidos, onde convergiu com Bush não somente na prossecução da política de ocupação no Iraque como essencialmente no alinhamento com Sharon no que respeita à retirada da faixa de Gaza e à anexação de uma considerável parte da Cisjordânia.
Ao concluírem que as políticas prosseguidas em ambos os casos estão “condenadas ao malogro” (doomed to failure), os subscritores não poupam na severidade da condenação. Blair começa a pagar o preço do seguidismo em relação a Washington. Há condenações bem merecidas!

Madeira independente?

O Governo regional da Madeira encomendou um estudo sobre a viabilidade económico-financeiro de uma Madeira independente. Com base nesse estudo, Alberto João Jardim veio declarar, numa entrevista ao Jornal da Madeira (referido pelo Expresso online), que «a Madeira poderia viver independente» e «não seria um país miserável», ficando ao nível de Chipre, por exemplo. Jardim referiu, contudo, que a independência «seria um erro», porque, nas suas palavras «eu e todos os madeirenses somos portugueses, sentimo-nos no mesmo projecto pátrio, de unidade nacional».
A verdade é que a encomenda do citado estudo é tudo menos inocente. E se ele mostra que a Madeira seria viável por si mesma, é evidente que nada se compara ao privilégio da cornucópia dos milhões recebidos anualmente do Orçamento do Estado, ou seja, do Continente, pagos aliás por regiões que hoje são mais pobres do que a Madeira. Por isso, seria interessante testar o tal “portuguesismo” de Jardim e dos seus seguidores, caso cessasse a, agora injusta, transferência de fundos. Tendo em conta precedentes declarações e tomadas de posição, é de suspeitar que o seu preito à “unidade nacional” tem a dimensão do cheque recebido de Lisboa. Resta saber até quande deve se manter a obrigação de o pagar...

Carta à Ministra da Ciência e do Ensino Superior

«Acordei ontem com a rádio a noticiar que haviam sido introduzidas alterações no financiamento destinado à ciência, que “discrimina positivamente a Excelência , a Produção Científica, a Transferência de Tecnologia, a Formação de Recursos Humanos Qualificados e o Emprego Científico”, tanto quanto nos é dado a ler no documento encontrado no site do MCES. Espero ser surpreendida, também positivamente, pelo que aí vem, já que o meu testemunho em relação à situação actual é bem pouco abonatório relativamente à política seguida neste sector.
(...) Ontem, no mesmo dia em que despertei com o foguetório em torno do «novo» sistema de financiamento para a ciência, enviei um ofício ao presidente da FCT, Prof. Fernando Ramôa Ribeiro, a devolver os 200 euros concedidos para uma deslocação a Marselha, onde iria coordenar o painel “Conflicts and Encounters around European Frontiers” do Colóquio «Among Others – Conflict and Encounter in European and Mediterranean Societies», promovido por uma das mais importantes sociedades europeias da área da Antropologia, a Societé Internationale d’Ethnologie et de Folklore (SIEF) e que tem lugar entre 26 e 30 de Abril corrente. Manifestamente sub-financiada para esta deslocação com a atribuição de 200 euros – pouco mais de 1/5 da quantia solicitada e sem a qual não poderia ir – fui forçada a informar os colegas da organização da minha impossibilidade de estar presente. Não apresentar a comunicação que preparava ainda era o mal menor, neste caso.
É a terceira vez, nos últimos anos, que a FCT inviabiliza a minha deslocação a encontros internacionais, devido à escassez dos financiamentos atribuídos. (...)
Como desde há vários anos não é aberto concurso por parte dessa Fundação para o financiamento de novas unidades de investigação, não é possível a muitos de nós, ligados a centros de pesquisa à espera desse concurso, dispor de fundos alternativos, através dos quais fosse possível financiar as deslocações. Mais, a descapitalização das universidades a que a política governamental vem procedendo impede que sejam também essas entidades a complementarem os fundos necessários para este tipo de deslocações. No caso da faculdade onde desempenho funções, os cortes drásticos de financiamento levam a que esta instituição só possa financiar a inscrição aos investigadores que se deslocam a congressos e colóquios de importância reconhecida. Cercados pelo lado da Universidade, que está a contas com o sufoco de um orçamento que a impede de expandir, de recrutar jovens excelentes que todos os anos forma como docentes e investigadores, de proporcionar condições de trabalho aos que aí têm aulas e fazem investigação; cerceados pela FCT da possibilidade de mostrar o que vamos pesquisando, se não mesmo dos fundos para a investigação; limitados pelas «áreas estratégicas» que impediram que até agora, e desde há dois anos, não tenha aberto período de concurso para projectos em todas as áreas – assim se vislumbram muitos investigadores, em alguns casos forçados a uma precariedade laboral que se arrasta bem além do doutoramento ou de pósdoutoramentos. No caso que relato, não basta dirigir à FCT as críticas, já que as decisões são mais vastas e nelas está envolvido todo o ministério que dirige neste momento. (...)
É neste contexto que é lançado o programa ontem apresentado na comunicação social. Com este envolvimento, resta-me cada vez menos confiança e revejo-me cada vez mais como seguidora de São Tomé. De qualquer modo, gostaria de ser informada sobre as possíveis alterações em torno das questões que lhe levanto: reforço do FACC, data de abertura de concurso para projectos em todas as áreas, candidaturas ao programa plurianual para novos centros de investigação, reforço de fundos para as universidades, que estão sufocadas, mesmo após terem procedido ao aumento de propinas.
Os meus cumprimentos.»


Lisboa, 14.4.2004

Paula Godinho
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas
Universidade Nova de Lisboa
Departamento de Antropologia

quarta-feira, 28 de abril de 2004

Vêem-nos decadentes

Aeroporto de Lisboa, sala de espera do voo para Barcelona, conversa ouvida pelo rabo da orelha entre um comerciante italiano do ramo do trapo e um cabo-verdiano instalado há largos anos na cidade condal: “Há algum tempo que não passava por Lisboa e achei-a simpática mas decadente. Já reparou nas lojas do aeroporto? No de Barcelona, há mais marcas de prestígio do que em toda zona comercial lisboeta. E o centro da cidade? Que pobreza, que falta de alma! O centro do Mindelo é mais vivo do que o de Lisboa”, concluiu o transalpino, para suprema satisfação do conviva cabo-verdiano.

Tive vontade de me meter na conversa, de dizer ao italiano que não era bem assim, que a alegria dos tugas se concentrava nos centros comerciais, que não tínhamos o gosto mediterrânico da rua, que o dinamismo de um povo não se media pelo número de lojas chiques, que a Baixa lisboeta, enfim, tinha um charme muito seu. Mas calei-me. Não por educação (afinal tinha estado a cuscar uma conversa alheia), mas por profunda falta de convicção nos meus argumentos.

Luís Nazaré

«A crise existe apenas para alguns...»

«A "retoma" chegou à Câmara Municipal de Lisboa! Entre Março de 2003 e Março de 2004, o Município Lisboeta adquiriu 11 viaturas topo da gama no valor de 600.000 euros, cerca de 120 000 contos. Nove da marca Peugeot a quase 50.000 euros cada, um Lância Thesis de igual valor e um Audi A8 4.2 V8 Quattro de 115.000 euros. Acresce registar que o Audizito consome 19,6 litros de gasolina em circuito urbano!
Segundo Santana Lopes foi um bom negócio, visto que, e segundo ele, o seu antecessor gastou mais dinheiro. Os carros substituídos estavam velhos, tinham três anos! Porquê este despesismo, estando o país na situação económica em que está? Carros topo da gama com três anos são carros velhos? João Soares deixou um Volvo S80. Será que este carro com três anos não está em condições de circulação? Porquê a necessidade de um Presidente de Câmara circular num Audi A8 4.2 V8 Quattro? Ainda por cima num país que está de tanga! O Lância Thesis foi para a vereadora do PSD Teresa Maury e os Peugeot para os outros colegas de partido. O vereador do PS, Vasco Franco continua com o seu Laguna de 99 e o seu colega do PCP, António Abreu também continua com o seu Laguna de 98!
Giro não é?
Sabem qual é o slogan da Audi para promover este carro?
"Os sonhos não têm preço".»


(HM)

Declaração de voto sobre a revisão constitucional

Na minha qualidade de deputado eleito pelas listas do Partido Socialista, apresentei a seguinte declaração de voto sobre a última revisão constitucional.

Votei globalmente a favor da revisão constitucional, não apenas por disciplina partidária mas também porque me revejo no essencial das alterações aprovadas. Votei, todavia, contra outras, nomeadamente no que se refere às autonomias insulares. E tenho dúvidas de fundo relativamente à filosofia e aos procedimentos que presidiram à adaptação da Constituição portuguesa ao futuro texto constitucional europeu.

Sobre este último ponto, e apesar da minha identificação plena com um projecto federal europeu – diferenciando-me, por isso, das posições assumidas pelo Partido Comunista Português, o Bloco de Esquerda e o Partido Ecologista Os Verdes –, não me conformo com o défice democrático actualmente existente no funcionamento das instituições europeias. Encarar a Europa como uma fatalidade e não como um desígnio assumido e desejado voluntariamente pelos portugueses constitui uma contradição e uma perversão do contrato estabelecido entre as partes. Qualquer alteração do pacto anterior, a nível constitucional, entre os portugueses e a Europa, deveria ser precedido de um referendo.

Quanto ao princípio das autonomias insulares, sempre o defendi, antes mesmo do 25 de Abril. E precisamente por coerência com esse princípio considero que a experiência vivida do regime autonómico, especialmente na Madeira, deveria ter suscitado uma atitude menos condescendente, menos táctica e menos eleitoralista do que aquela que foi adoptada nesta revisão constitucional, nomeadamente pelo Partido Socialista.

Sempre fui a favor da autonomia como um valor em si, mas constato que a prática autonómica na Madeira se tem traduzido num exercício de poder autocrático que desvirtua e corrompe não apenas o princípio da própria autonomia mas também regras essenciais do funcionamento do Estado de direito democrático.

A autonomia é um direito que tem de ser assumido em pleno. Não pode ser algo que caucione a fuga aos deveres e às responsabilidades para com a Constituição e o todo nacional. E muito menos algo que exista numa mera base de conflito e crispação permanente com as instituições da República, como ainda agora o Presidente do Governo da Madeira e outros responsáveis regionais acabam de confirmar.

Na Madeira, ao antigo autoritarismo do poder central sucedeu um autoritarismo regional e pessoal que, em muitos aspectos, chega a ser tão antidemocrático e opressivo como o que vigorava durante o salazarismo. O poder local encontra-se claramente instrumentalizado pela subserviência ao poder “centralista” de quem protagoniza o Governo da Região. E sob a bandeira do poder autonómico, na Madeira, praticamente toda a sociedade se encontra governamentalizada e asfixiada por uma liderança política vigente há mais de um quarto de século. É a autonomia virada do avesso e convertida no oposto do que deveria ser.

As liberdades, os direitos e as garantias que sustentam a Constituição da República não podem ser sacrificados no altar de abstracções ou tacticismos conjunturais, motivados por qualquer cedência a inegociáveis chantagens políticas ou interesses eleitorais de curto-prazo. É fundamental reflectir sobre a perversão do regime autonómico na Madeira e sobre as condições que têm impedido um verdadeiro pluralismo político e uma efectiva alternância democrática naquela região.

A atribuição de direitos acrescidos às autonomias insulares não deveria ser feita sem a ponderação, a clarificação e a concretização dos correspondentes deveres e responsabilidades políticas, sejam quais forem as cautelas e reservas introduzidas na presente revisão constitucional (em particular no que se refere às futuras leis eleitorais das Regiões Autónomas). Aliás, as atitudes agora reafirmadas pelos principais responsáveis do poder político regional madeirense constituem – se acaso ainda fosse necessário – um inequívoco desmentido à boa-vontade dos deputados que viabilizaram as alterações introduzidas nesta revisão.

Lisboa, 25 de Abril de 2004

Vicente Jorge Silva

terça-feira, 27 de abril de 2004

VPV e o 25 de Abril

De Henrique Jorge, cibernauta, a transcrição integral da sua opinião sobre o ensaio de Vasco Pulido Valente (VPV) a que me referi no post "25 de Abril new look":

"O texto de VPV é vinagre azedo despejado no papel, onde se salva a ideia incontestável de que Mário Soares foi uma figura central da institucionalização da democracia. De resto é chamar mentecaptos, ignorantes, estúpidos, anormais, a todos os outros. Sobretudo se forem militares. Não serve para nada e nem sequer Mário Soares merecia estar metido no meio de tanto azedume. Nem sei como é que Vasco Pulido Valente tem a lata de dizer que Melo Antunes era arrogante. Melo Antunes!... Eram todos maus e fizeram o 25 de Abril porque eram medrosos. Um absurdo. Uma linguagem igual à dos pides que falaram na televisão".

O buraco do túnel

Estou dividido quanto à utilidade da bandeira eleitoral de Pedro Santana Lopes. Nesta altura, de pouco adianta recapitular argumentos favoráveis e desfavoráveis, há que esperar para ver o resultado final e o impacto na vida da cidade. Por mim, concedo o benefício da dúvida ao presidente da câmara, mas não mais do que isso. Se os efeitos forem contra-producentes e o investimento se revelar inútil – coisa que não desejo – estarei na primeira linha da denúncia ao desperdício de fundos públicos, de tempo e de paciência dos lisboetas. Não porque cultive a lógica pequenina do “ora toma lá”, mas porque seria inconcebível que uma tal empreitada não tivesse sido antecedida de um estudo minimamente sério sobre os efeitos e os benefícios esperados.

Ao que sei, e sei pouco, a obra merece as maiores reservas dos pontos de vista técnico, ambiental e de segurança. Ao que sei, o túnel foi iniciado sem se saber onde iria acabar – ainda hoje os motoristas de táxi fazem apostas como no bingo sobre a localização das futuras saídas – nem qual seria o seu traçado subterrâneo. Não é, assim, de espantar que a Comissão Europeia tenha lançado sérios avisos aos donos da obra e que um tribunal português tenha mesmo ordenado a suspensão da empreitada por falta de estudo ambiental. É lamentável que a obra seja interrompida? É. A juíza que o decretou revelou-se insensata? Não. Com a segurança das pessoas não se brinca.

Luís Nazaré