sábado, 10 de julho de 2004

De todos os portugueses?

Não. Sampaio foi o presidente da minoria de portugueses que não votou nele. Que belo gesto de desprendimento e isenção! Ficará certamente na história.

Luís Nazaré

Sampaísmo constitucional

A decisão presidencial de ontem e o discurso que a fundamentou -- link para o texto oficial -- ficarão seguramente como peças de eleição para a compreensão do actual presidente em relação aos seus poderes, em especial, e ao sistema de governo, em geral, dentro do quadro assaz aberto da Constituição nessa matéria.
Ao optar pela formação de um novo governo da coligação governamental existente, não atendendo aos argumentos que poderiam justificar a convocação de novas eleições (e não eram poucos), o PR reforçou, numa situação assaz controversa, o seu pensamento de que havendo maiorias parlamentares deve em princípio seguir-se esse caminho e que nessa situação a dissolução deve ser uma via realmente excepcional. Além disso, o PR aceitou sem contestação para primeiro-ministro o polémico (para não dizer mais...) novo líder do partido maioritário, prescindindo de exercer um poder de recusa, que no entanto ele detém. Parece ter triunfado aqui portanto um entendimento não intervencionista no que respeita à formação de governos e uma compreensão muitíssimo estrita e exigente quanto à dissolução parlamentar.
Há porém a outra face da moeda. O PR impôs ao novo governo um requisito de continuidade de políticas essenciais, condicionou fortemente a sua liberdade de formulação do programa de governo e colocou-o sob vigilância especial, ou seja, em rédea curta. Nesta perspectiva, inédita no nosso sistema democrático, o PR adopta uma inesperada atitude intervencionista. Ao referir-se explicitamente às "orientações políticas votadas nas eleições de 2002", o Presidente sugere que as eleições servem para escolher políticas e que portanto não são legítimas outras na vigência dessa legislatura. Ele torna-se um fiscal da fidelidade governamental ao programa político supostamente sufragado em eleições. Levada às suas últimas consequências, esta posição parece indicar que Sampaio não admite a formação de governos na mesma legislatura com sinal político divergente, situações que, no entanto, não são raras noutros sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso.
Esta leitura, que nada constitucionalmente impõe, parece ser uma contribuição originária do "sampaísmo constitucional".

Belém e São Bento

Ao optar por um novo governo da coligação PSD-PP, em vez de convocar eleições, o Presidente da República impôs-lhe continuidade nas políticas essenciais e anunciou uma vigilância presidencial apertada da acção governativa.
A imposição de continuidade de políticas é de certo modo contraditória com a doutrina de respeito pela maioria parlamentar, a qual deveria levar ao não envolvimento presidencial na definição das orientações governamentais. Além disso, é uma posição equívoca, pois tanto pode comprometer o Presidente na acção governamental, tornando-o corresponsável por ela, como dar ao Governo um capital de queixa, acusando o Presidente de ser "força de bloqueio" e de não o deixar levar a cabo as suas políticas. Ambos os factores são funestos.
A maior vigilância sobre o Governo também pode ser um exercício fruste e arriscado. Fruste, porque o Presidente não goza de grandes meios de controlo sobre um Governo que dispõe de maioria parlamentar absoluta; o principal instrumento de obstrução presidencial, o veto às leis, pode ser em geral superado por uma segundo votação parlamentar. Arriscado, porque pode dar lugar a um conflito institucional entre o Presidente e o Governo, não estando garantido quem o ganha. Seja como for, conflito institucional é coisa que não corresponde propriamente à "estabilidade política" que esteve na base da justificação presidencial para a formação de novo governo da coligação.

Efeitos colaterais

Com a renúncia de Ferro Rodrigues, a seguir à de Guterres há menos de três anos, o PS dá uma imagem de excessiva vulnerabilidade dos seus dirigentes à adversidade e à derrota. Mesmo se em nome de uma virtuosa assunção de responsabilidade pessoal pelos insucessos politicos, a repetição de demissões também pode ser lida como sintoma de um défice de resistência e de determinação política. Os gestos mais nobres podem ter efeitos colaterais negativos...

sexta-feira, 9 de julho de 2004

Ferro Rodrigues

A sua demissão é um singular momento dramático na história política portuguesa. Ao demitir-se da liderança do PS acto contínuo à comunicação presidencial, considerando-a como uma intolerável "derrota pessoal e política", Ferro Rodrigues agiu claramente sob o império da emoção e da indignação. Devemos respeitar a atitude e admirar o seu sacrifício, mesmo que não acompanhemos a radicalidade do gesto. Mas quem conhece a sua forte personalidade e percebeu a ordália que foi a sua luta contra a sórdida conspiração que o tentou liquidar no ano passado (com a infame tentativa de envolvimento no caso Casa Pia) dificilmente pode censurá-lo por ter deixado decidir o coração em vez da razão.
Com a sua demissão o PS não perde somente um líder que não recusou "pegar" no partido numa situação particularmente difícil, a seguir à saída de António Guterres, e que conseguiu em apenas dois anos, apesar de todas as contrariedades pessoais e políticas, recolocá-lo na senda das vitórias eleitorais, com fortes perspectivas de voltar ao poder na próxima oportunidade. Perde também uma certa maneira despojada e exigente de fazer política, fiel a princípios e a normas de ética pessoal. Não é preciso ser seu amigo nem concordar com ele em tudo para lastimar profundamente o seu abandono, sobretudo nas condições em que ocorre. Pessoas deste calibre fazem sempre falta à República e à esquerda.

Vital Moreira

Jorge Sampaio

O Presidente da República partiu do princípio, correcto, de que a questão não era a constitucionalidade nem a legitimidade das duas alternativas em causa, não havendo nenhum princípio que tornasse obrigatória a continuidade governamental (como queria a direita) ou a realização de eleições (como queria a esquerda e diversas personalidades a ela alheias). O que estava em causa era uma questão política, cuja resolução num sentido ou noutro cabia na liberdade de decisão pessoal do Presidente, a saber, se havia razões bastantes para rejeitar a formação de novo governo da actual coligação com outro primeiro-ministro e para justificar a dissolução parlamentar e convocar novas eleições.
Sampaio privilegiou claramente os argumentos a favor da continuidade governativa (apesar de ela ter sido efectivamente interrompida pelo abandono do primeiro-ministro), tornando a legislatura uma espécie de fetiche a que tudo se deve sacrificar, não tendo considerado decisivos (ou nem relevantes, porque não os mencionou sequer) os argumentos que poderiam fundamentar a opção pelas eleições, designadamente a saída do primeiro-ministro que encarnava a vitória eleitoral da direita nas eleições de 2002 e a coligação governamental, o inequívoco divórcio entre o eleitorado e a maioria parlamentar existente -- revelada nas recentes eleições europeias e noutros elementos relevantes --, a controversa personalidade e as inclinações populistas do apontado primeiro-ministro e ainda o perigo sério de este novo governo não passar de um "comité eleitoral" no ciclo de eleições que vão ocorrer neste dois anos, colocando o Estado ao serviço dos interesses políticos da coligação.
Objectivamente, portanto, numa questão em que ambas as alternativas em presença eram admissíveis (de outro modo não se compreenderia tanta hesitação), o Presidente acabou por optar a favor da coligação governamental, ao livrá-la de se confrontar com o eleitorado e responder, com uma previsível derrota, pelo governo que agora termina . Se esta decisão tivesse sido assumida sem tergiversação desde o início, seguramente que ela não teria suscitado tanta paixão. O pior é que, tendo demorado 15 dias a decidir e tendo dado campo para a criação de uma ampla convicção favorável à antecipação de eleições -- que se tornou ela mesma um elemento da equação a resolver pelo Presidente --, a sua decisão final aparece como um inesperado prémio à direita e uma imerecida derrota da esquerda.
Doravante nada será como dantes na relação do PR com o "povo de esquerda", que duas vezes o elegeu.

Justiça para a Palestina !

As agências noticiosas antecipam esta manhã o veredicto do Tribunal Internacional de Justiça, que vai ser oficialmente anunciado logo à tarde, sobre a ilegalidade do muro de separação que Israel está a construir na Palestina, salvo na parte em que ele coincide com a fronteira internacional de Israel. O Tribunal apela às Nações Unidas para assegurar a destruição do muro e declara também o direito dos Palestinianos lesados nos seus direitos a uma indemnização.
Mas quem é que duvidava que na questão palestiniana Israel é uma Estado fora dda lei?

A fotografia dos Açores

«Quando penso em Barroso, vejo-o sempre com Bush e Aznar, nos Açores», salientou Martin Schultz, o presidente do grupo socialista no Parlamento Europeu, exprimindo as suas objecções ao presidente designado da Comissão Europeia (segundo o Diário de Notícias de hoje).
A objecção é sem dúvida pertinente. Mas a citada observação suscita uma interrogação: Blair não estava também na fotografia dos Açores? Ou Schultz esqueceu-se convenientemente dele só por ele ser presidente de um partido que é membro do PSE e cujos deputados também integram o grupo parlamentar a que ele preside?

Distinções

Populismo tem tão pouco a ver com popular como demagogia com democracia, nacionalismo com patriotismo, PSD com social-democracia, etc.

ESPLANAR por aí

Já tinha saudades de dar boas notícias. Nasceu há duas horinhas o blog linkado no título - uma mesa de esplanada onde se sentam o Rui Branco, Filipe Nunes, Alexandre Borges e Nuno Costa Santos. Meus queridos amigos, sim, mas isso não vem ao caso. É bem mais interessante constatar que se trata do encontro feliz de dois membros do extinto Desejo Casar(um regresso que muito se saúda, de AB e NCS!) com dois dos melhores bloggers nacionais - o Cristiano Ronaldo e o Deco do País Relativo - FN e RB, respectivamente. Seguramente, um local para visitar todos os dias. Vai direitinho para a coluna de preferidos aqui do Causa, mal acabe de curar a ressaca.

LFB, feliz da vida, às 6 e meia da manhã

«PS pisca o olho a Manuel Monteiro»...

...diz o Diário de Notícias de hoje. Não deve ser verdade, mas se o fosse seria caso para dizer que o PS começa mal a corrida para as esperadas eleições antecipadas, com uma manifestação do mais rasteiro oportunismo político.

quinta-feira, 8 de julho de 2004

Marlon Marco Brando António

Tendo eu relembrado há dias o meu fascínio juvenil pelo papel de Marlon Brando no Marco António do "Júlio Cesar" de Mankiewics, de 1953, apraz-me ler no Economist esta passagem sobre o mesmo filme:
«Then he [Brando] played Mark Antony in "Julius Caesar" (1953) and the cynics were silenced. The scene in which he enters the senate after Caesar's murder, acknowledging none of the conspirators but gliding regally past as if they did not exist, points vividly to the play's denouement. For this, credit Marlon Brando, not Shakespeare. Ask if Rod Steiger, James Dean or Paul Newman, who all, like Brando, graduated from the Method school of acting, could have matched his Mark Antony, and the answer is a definite no.»

A angústia da democracia

Para descomprimir, eis o meu artigo de hoje no Jornal de Negócios, arquivado na Aba da Causa.

Luís Nazaré

E, nesse caso, que fazer?

Se houver eleições, «o PS vai bater-se por uma maioria absoluta» --, diz Ferro Rodrigues. Eis uma diferença de ousadia em relação a António Guterres, que, mesmo depois de andar a trabalhar para a tal maioria absoluta durante 4 anos, foi depois incapaz de a reclamar explicitamente nas eleições de 1999, tendo ficado manifestamente desapontado por os eleitores não terem "percebido" que era essencial tê-la (quem se não lembra da sua reacção na noite das eleições, como se tivesse sofrido uma derrota, apesar de ser o melhor resultado eleitoral de sempre do PS?). Mas não basta vontade e determinação para conseguir os 44,5% de votos necessários para ter mais de 50% de deputados. Por isso, a pergunta seguinte precisa de resposta tão depressa quanto possível: e se obtiver outra vez somente uma maioria relativa? Volta a optar por um governo minoritário ou equaciona agora a hipótese de coligação com outro(s) partido(s)?

Lembram-se da "moção de censura construtiva"?

Desde há muitos anos que o PS defende entre nós a moção de censura construtiva (MCC), existente na Alemanha e na Espanha, segundo a qual as moções de censura parlamentar aos governos -- com a sua consequente demissão -- têm de incluir um programa de governo e o nome de um primeiro-ministro alternativo. Essa proposta tem sido rejeitada nas sucessivas revisões constitucionais, por se entender -- com toda a razão, diga-se -- que ela dificulta a censura aos governos, obrigando as oposições a entenderem-se previamente sobre um governo alternativo, e corta a liberdade do Presidente da República para decidir as saídas da crise governamental decorrente de uma moção de censura, obrigando-o a nomear tal primeiro-ministro.
Para os que defendem agora que os primeiros-ministros são eleitos pelos cidadãos nas eleições parlamentares e que portanto não pode haver a sua substituição sem novas eleições, essa figura da MCC é obviamente uma heresia, tanto mais que ela pode levar à formação de governos contra o partido e o primeiro-ministro que ganharam as eleições (como poderia ter acontecido entre nós em 1987, após o derrube do primeiro governo Cavaco Silva). Mas parece evidente que quem defende a MCC não pode aderir àquele argumento.
Existem na actual situação razões políticas bastantes para convocar eleições antecipadas (embora também haja argumentos contra). Mas trata-se de uma faculdade e não de uma obrigação do PR, pois nada na Constituição nem na lógica do sistema político a impõe (nem tampouco proíbe). Para haver dissolução parlamentar e novas eleições não é preciso subverter a lógica constitucional e política do nosso sistema de governo. Basta usar os bons argumentos e não os maus.

O regime "governamentalista"?

Num artigo de hoje na revista Visão o Professor Freitas do Amaral volta a defender o recurso a eleições como saída necessária para a presente crise política, defendendo que a "escolha do primeiro-ministro pertence ao povo".
Por mim, embora entenda que o Presidente da República pode invocar razões mais do que suficientes para convocar eleições em vez de nomear um novo governo da actual maioria parlamentar, penso porém que isso se deve a uma livre opção presidencial e não a uma obrigação de entregar a escolha do novo chefe do Governo aos eleitores. Este entendimento não decorre da Constituição nem é uma imposição política do nosso sistema de governo. O líder do Governo não é eleito, sendo nomeado pelo Presidente no quadro da composição parlamentar existente. É dessa nomeação presidencial e desse apoio parlamentar que decorre a sua legitimidade democrática, não de eleições. Suponho que nunca nenhum primeiro-ministro se considerou eleito para o cargo.
Defender que a escolha do primeiro-ministro deve resultar necessariamente de eleições teria pelo menos as seguintes implicações: (i) as eleiçõs parlamentares seriam definitivamente desviadas da sua função constitucional, que é a de formar uma assembleia representativa das correntes e forças políticas do Pais; (ii) o Presidente da República deixaria de ter qualquer margem de decisão para escolher o Primeiro-ministro em cada situação concreta, poder que a Constituição inequivocamente lhe concede; (ii) sempre que o primeiro-ministro morre, fica impedido ou se demite, teria de haver novas eleições; (iii) deixaria de ser possível constituir um segundo governo na mesma legislatura, mesmo que na base da mesma maioria parlamentar; (iv) o primeiro-ministro passaria a ter a mesma legitimidade eleitoral do Presidente da República e da AR, tornando-se dificilmente justificável a possibilidade da sua demissão por qualquer deles, como prevê a Constituição.
Enfim o nosso sistema de governo deixaria de ser de tipo parlamentar ou semipresidencialista, como se tem entendido (conforme a perspectiva), para passar a ser um regime "governamentalista". A Constituição teria de ser reescrita.

quarta-feira, 7 de julho de 2004

Sem escrúpulos

No longo tempo de antena que a RTP 1 ontem deu ao CDS-PP à porta do palácio de Belém, depois da audiência presidencial, Paulo Portas invocou um livro do Presidente da República em que este teorizava sobre os possíveis fundamentos de dissolução parlamentar e convocação antecipada de eleições, entre as quais não cabia alegadamente a presente crise política. Por isso -- rematou Portas --, para ser fiel ao seu pensamento, o PR não poderia deixar de reconduzir a coligação no Governo.
Só que, verificado o livro em causa (vol. VI da série "Portugueses"), encontra-se esta passagem:
«A não ser nessas situações, ela [a dossolução parlamentar] só deve verificar-se em circunstâncias excepcionais e muito estritamente delimitadas. Será esse o caso em que a sua avaliação pessoal e maduramente ponderada, o PR conclua que o interesse nacional exige a relegitimação da representação parlamentar, quando se convença que a representação parlamentar deixou definitivamente de corresponder à vontade do eleitorado ou quando considere que ela não permite a formação de um Governo capaz de mobilizar adequadamente as energias nacionais para as tarefas que se colocam ao país.»
Esse texto, que confere plena justificação para uma eventual convocação de eleições antecipadas nas circunstâncias presentes, e que obviamente destrói a tentativa do CDS-PP para "encostar o PR à parede" e enganar a opinião pública, foi porém omitido pela arenga de Portas, como revela hoje o Público.
Uma pura vigarice, é evidente, para além do agravo institucional ao PR. Esta gente não tem escrúpulos. E o Governo só deveria ser composto por gente politicamente séria. Uma razão adicional para despedir este Governo!

Pergunta preventiva (II)

No caso de haver convocação de eleições e de o PS as ganhar sem maioria parlamentar absoluta, as fórmulas de governo possíveis são três (excluindo um entendimento com os partidos de direita): (i) um governo minoritário do PS sem garantia de apoio parlamentar maioritário; (ii) um governo minoritário com um acordo parlamentar de garantia de apoio à sua esquerda (PCP e/ou BE); (iii) um governo de coligação à esquerda, com um ou ambos dos referidos partidos.
Não é provável que o PS queira repetir a primeira fórmula, depois do seu insucesso nos governos Guterres. A pergunta que se coloca é a de saber se é possível um acordo de governo, sobretudo na fórmula de coligação, havendo divergências tão profundas num dossier fundamental como é o da UE, designadamente no que se refere à Constituição Europeia. Estando previsto um referendo para o início do próximo ano, será possível imaginá-lo com posições diametralmente opostas dos parceiros governamentais (o PS pelo "sim", o PCP e o BE pelo "não")?

Pergunta "preventiva"

Segundo o "Público" de hoje o Bloco de Esquerda teria garantido ao Presidente da República, na audiência de ontem, que em caso de eleições antecipadas e de maioria somente relativa do PS, o BE asseguraria a estabilidade governativa, mesmo não fazendo parte do Governo, comprometendo-se a votar os diplomas fundamentais, incluindo o orçamento de Estado.
A pergunta que exige uma resposta inequívoca é a seguinte: essa garantia do BE manter-se-ia mesmo que o PS decidisse continuar -- como a meu ver deve -- uma política de rigor e disciplina orçamental, com todas as implicações em matéria de contenção da despesa pública, remunerações da função pública, financiamento dos serviços públicos, etc.?

Actualização - Francisco Louça já veio desmentir que tivesse dado garantias de sustentação parlamentar de um governo minoritário do PS. Pois claro, não há apoios grátis!

Kerry & Edwards

Está completo o "ticket" democrático para as eleições presidencias nos Estados Unidos em Novembro próximo, com a escolha do candidato a vice-presidente, que recaiu no senador John Edwards, que já tinha disputado a nomeação democrática para a candidatura a presidente, tendo perdido para Kerry, que agora o foi "repescar". Ao progressista rico do nordeste junta-se um candidato mais jovem, sulista, de origem modesta, "self made man", politicamentre mais moderado, pessoalmente atraente e de discurso empolgante. Deu já as suas provas na campanha para a nomeação democrática. Eis uma equipa para vencer a parelha Bush & Cheney. Eu "voto" neles.

Incongruência

Parece que os deputados do PS no Parlamento Europeu (PE) vão apoiar a indigitação de Barroso para presidente da Comissão (assim o diz, pelo menos, o Correio da Manhã, que descobri via o Jumento).
Aparentemente haveria boas razões para o não fazerem. Ele foi designado no seguimento da imposição do Partido Popular Europeu (PPE), o mais representado no PE, de que o presidente da Comissão tinha de ser um dos seus, inviabilizando por isso a candidatura de António Vitorino. Como presidente da CE, Barroso vai naturalmente defender e implementar na UE orientações políticas muitos diferentes das do Partido Socialista Europeu (PSE). O PSE definiu uma orientação de voto contra. Foi em disputa e contra o ramo nacional do PPE, ou seja, o PSD, presidido por Barroso, que os socialistas ganharam as eleições europeias em Portugal. Não foi seguramente para votarem em Barroso que os eleitores portugueses do PS os elegeram. Barroso não precisa dos seus votos para ser confirmado no PE.
A posição favorável só pode significar que o "factor nacional" (como se o presidente da Comissão fosse representante de Portugal, o que seguramente não é) prevalece sobre todas as demais considerações, mesmo à custa da solidariedade política devida aos seus colegas do PSE, em cujo grupo parlamentar se integram. Porquê?

Desconfiança

Segunda-feira passada. Reunião em Bruxelas no novo edifício do Comité Económico e Social da UE (ao lado do Parlamento Europeu, sobranceiro ao Parque Leopoldo). Participantes oriundos de quase todos os Estados-membros. Procuram saber da minha decepção pela derrota da selecção nacional no Euro 2004, mas sobretudo há surpresa e curiosidade sobre o indigitado presidente da Comissão. Procuro explicar o mais objectivamente que posso (nem sequer tenho nenhuma antipatia pessoal por Barroso). Mas ou me engano muito ou ele vai ter de provar muito. Se fosse alemão, francês ou britânico, sucederia o mesmo?

Sofia e Marlon, o sol e a lua

Há tempos a esta parte (não sei exactamente dizer quando) evito escrever sobre mortes, sobre mortos, especialmente os que me são mais queridos. Por isso não escrevi sobre Marlon Brando e Sophia de Mello Breyner, mortos no mesmo dia, ele aos oitenta anos, ela aos oitenta e quatro. Mas li no Causa Nossa belos posts sobre eles, sobretudo o que o Jorge Wemans escreveu sobre Sophia. Bastaria isso para resgatar o meu silêncio que, todavia, me ficou atravessado como um remorso. Que espantoso casal, esse, desaparecido num mesmo dia. Ela que aspirava à luz, ao mar, ao sol, à manhã, trespassada pela sua vertigem helénica, mediterrânica. Ele mergulhado na sombra, na noite, na ambiguidade crepuscular das suas personagens sobre as quais pairava uma lua negra e densa de presságios. Talvez um fantasma os unisse a ambos, não saberei dizer porquê: o de Camus.
V.J.S.

terça-feira, 6 de julho de 2004

O outro lado da questão

A melhor argumentação contra a solução das eleições antecipadas é da autoria de Paulo C. Rangel, no seu artigo de hoje no Público. Pode não ser convincente nem sequer desinteressado, mas não pode passar despercebido para quem deseja conhecer os diversos lados da questão.

Parcerias improváveis

O Público anuncia que vai distribuir um destes dias, juntamente com o jornal, o mais recente número da revista Nova Cidadania, publicação que exprime as posições da direita religiosa em Portugal. Quem diria?

Descoesão territorial

Sabia que há municípios deste País que estão em risco de perderem as carreiras de transportes rodoviários de passageiros? Tal é o tema do meu artigo de hoje no Público (também arquivado aqui na Aba da Causa.

Bendita blogolândia

O Santanório acabou de ser criado, dizem-me. É um blog de acesso livre - coisa que nem sabia ser possível. E para quê? Para dizer o que pensamos de Santana Lopes. Uma boa alternativa para quem não tem pachorra para as manifs.

Tempus fugit

A blogosfera nacional está a ficar adulta. Parabéns a Alexandre Monteiro, a Ivan Nunes, a Paulo Gorjão e a Rui Branco, pelo primeiro aniversário dos seus blogues ocorrido por estes dias (todos entre os nossos preferidos).

Advogado do diabo

«Se o Presidente da República convocar eleições parlamentares antecipadas, essa decisão, qualquer que seja a sua justificação, será sempre vista como um acto de hostilidade contra o PSD e Santana Lopes. Ora admitindo por um momento que eles viessem a ganhar as eleições (a vitória da Grécia também era improvável, não era?...), é evidente que quem sairia fortemente desautorizado seria o Presidente. Não é assim?
E, depois, seria a vez de o PSD pedir eleições presidenciais antecipadas?»


(PL, Coimbra)

Comentário - O mafarrico, ele mesmo, não faria observação mais venenosa...

O "populismo" de PSL

«O "Causa Nossa" tem vindo, nos últimos tempos, a passar a imagem de que o PSD se está a tornar cada vez mais parecido com o PP, no sentido de que faz do populismo o seu estilo ou "imagem de marca", agora ainda mais vincada depois da eleição de Santana Lopes para líder do PSD.
Ora, interessa perceber o que é isto do populismo, tão criticado pelas hostes socialistas. Será que não é populismo fazer campanha eleitoral em lotas de peixe, numa tentativa de mostra nas televisões peixeiras aos gritos de apoio ao candidato visitante? Será que não é populismo participar em manifestações populares em frente à casa oficial do Presidente de República gritando contra um líder de um partido oposto e mostrando desconfiança e falta de respeito pelo Presidente da República? Será que não é populismo querer passar a imagem de que um partido está unido em torno do seu líder, quando dois dias antes várias personalidades desse mesmo partido afirmavam que o referido líder não tinha uma ideia para o País? Será que não é populismo termos um partido que critica uma coligação PSD/PP, mas que não coloca de parte fazer uma coligação com o Bloco de Esquerda ou o Partido Comunista?
Se bem sei populismo significa "simpatia pelo povo" e, não querendo questionar se Santana Lopes é ou não igual a Paulo Portas no estilo de fazer política, acho mais importante fazer valer as regras da democracia e respeitar a Constituição enquanto pilar da democracia, do que vir com especulações acerca do populismo do PSD.»


(Pedro Peixoto)

Comentário - Como categoria política, o populismo não é propriamente "simpatia pelo povo", mas sim a exploração demagógica de sentimentos populares, sobretudo dos menos esclarecidos, para fins políticos. Não existe somente populismo de direita. Mas não se pode misturar alhos com bugalhos.