sexta-feira, 16 de julho de 2004

Santana, o imparável

No seu afã de nos surpreender a todos, ao ritmo de um facto político por minuto, Santana Lopes já deve ter deixado cair o propósito de colocar ministérios e secretarias de Estado fora de Lisboa. Imagine-se só que o novo Ministro de Estado e dos Assuntos Económicos iria trocar a Lapa pela Boavista! (Quem sabe, aliás, se uma das razões da promoção estatal do ministério não foi mesmo para justificar a sua permanência na capital?).

Em contrapartida, a nomeação anunciada de Nobre Guedes para o Ambiente (falara-se dele para a Justiça, mas, pelos vistos, as duas pastas são claramente intermutáveis) é uma demonstração de génio imaginativo na relação de forças dentro da coligação. Já agora, porque não recuperar Celeste Cardona para a Cultura ou até Figueiredo Lopes para a Inovação, em vez de remetê-los para o desemprego político?

O único problema é que a sugestão já não vai a tempo (embora Santana tenha demonstrado uma humildade assinalável na aceitação de todas as sugestões, nomeadamente as da comunicação social, conforme declarou). Lançado no seu afã de voluntarismo político e de primeiro-ministro mais veloz do que a própria sombra, Santana já terá antecipado a tomada de posse do Governo para este fim-de-semana, precedendo assim o glorioso 19 de Julho de todos os aniversários que se propunha comemorar. Será que, afinal, não quis ser confrontado com o fantasma de Sá Carneiro e decidiu surpreendê-lo pela antecipação?

Vicente Jorge Silva

Milagre socrático

Segui pela SIC-Notícias o discurso de candidatura de José Sócrates a secretário-geral do PS. Foi um discurso arguto e abrangente, tão abrangente que eu não teria qualquer dificuldade de subscrever na maioria dos pontos. Especialmente aqueles que se referiam à necessidade imperiosa de renovação do PS, de abertura à sociedade e de regresso ao espírito dos Estados Gerais (pontos onde Ferro, muito por culpa própria, fracassou).

Durante o discurso, essas passagens foram sublinhadas por aplausos muito vivos de uma plateia que a câmara (imóvel) da SIC não mostrava. Só no fim se quebrou o suspense e nos foram revelados rostos entusiastas da renovação prometida. Estava lá a fina flor do aparelho do PS, nomeadamente das federações distritais que tão bem conhecemos e cuja paixão pelas propostas renovadoras se tornou célebre. E pairava no ar aquele clima unanimista e inconfundível da velha corte pressurosa em prestar vassalagem ao novo príncipe.

Espero para ver como Sócrates irá ultrapassar a quadratura do círculo. Sobretudo depois dos meses a fio que ele levou a recrutar apoios para a sua candidatura entre o que o PS tem de mais velho, mais gasto, mais clientelista e menos renovável. Construir o novo com o velho releva do milagre. Mas Sócrates chama-se Sócrates. Quem sabe se esta coincidência auspiciosa não nos reserva um prodigioso milagre?

Vicente Jorge Silva

Rui Cardoso Martins

Portugal parece um país de humoristas. Um país de gente refém das gargalhadas e de um sentido não real da existência. Não é, de todo, algo de muito surpreendente. As pessoas tomam comprimidos para rir e para chorar, a vida é cada vez mais um exercício complexo, cada dia um exercício onde o curto prazo vence qualquer dimensão mais profunda.
Com o nascimento das Produções Fictícias, que começaram por aproveitar a oportunidade de Herman José, o universo do humor tornou-se mais interessante. Mas, ao mesmo tempo, inquietante. Há gente que, manifestamente, começou a sobrevalorizar-se doentiamente. Formataram-se na construção de piadas e, julgando poder deixar uma qualquer marca na história, estão condenados ao esquecimento.
Voltarei ao assunto. Mas não posso deixar em claro o texto publicado no excelente Inimigo Público por Rui Cardoso Martins. É que agora posso dizer que já fui motivo de cinco minutos da atenção daquele que é, na minha opinião claro, o mais talentoso e brilhante escritor de humor em Portugal. Aquele que é responsável, creio, pelo melhor programa dos últimos anos na RTP e por uma extraordinária crónica semanal no Público.
Por um lado, faz o seu caminho e continua a dar lições aos mais jovens. Mas, por outro, tenho um pouco a ideia que está a perder tempo numa estrutura que privilegia o anonimato e lhe trava as ambições. Mas isto sou eu a pensar. E pode ser que nada disto faça sentido para o Rui, que nem sequer conheço pessoalmente. 
Luís Osório

O Estadão dos Assuntos Económicos

Depois de dois pesos pesados (pesadíssimos) dos «lobbies» económicos, Dias Loureiro e Angelo Correia, terem apadrinhado Santana Lopes nas suas diligências para a formação do Governo, a designação de Álvaro Barreto para o ministério da Economia confirma que a confederação informal dos interesses empresariais vai estar representada ao mais alto nível no próximo Executivo. Aliás, Barreto não será simplesmente ministro da Economia, mas ministro de Estado e dos Assuntos Económicos.

Álvaro Barreto é um velho senhor educadíssimo e simpatiquíssimo (digo-o sem qualquer sombra de ironia, ele é mesmo assim) que passou por inúmeros conselhos de administração e foi assessor de outros tantos. A sua carteira como agente de representações do poder económico é tão volumosa que chega a intimidar. Além disso, Barreto é uma bela figura, com um perfil de patrício romano, no esplendor dos seus quase setenta anos de idade.

Ministro da Economia, «tout court», era um papel escasso para tal personagem. A Economia foi assim promovida, assaz justamente, a Assuntos Económicos (pois é deles que se trata, não de mera e abstracta Economia). Só acho que ministro de Estado é um título que sabe a pouco, tendo em conta o volume e infinita diversidade dos ditos Assuntos de que Álvaro Barreto é familiar. Estadão seria mais adequado e soaria melhor. De facto, os Assuntos Económicos não são apenas matéria de Estado, mas de Estadão.

Vicente Jorge Silva

Entro de baixa...

... ao blogue por motivo de férias, por umas duas semanas. Vantagem dos blogues colectivos, sempre fica quem se encarregará de alimentar o Causa Nossa

Receita para o êxtase

Veneza, Mahler (em versão jazz pelo Uri Ensemble Caine)  e um poema que fala em «perder (...) / a última carreira do vaporetto». Eis uma receita simples para o êxtase.
Obrigado Ademar!

Comércio electrónico & confiança

Mantidas em "low profile" durante os primeiros anos, as compras "on line" disparam agora a ritmos relativamente acelerados. Mais de um terço dos internautas franceses (8,3 milhões), de todas as idades, compram em linha com regularidade. À frente continuam os discos e os livros, mas o mercado das viagens e do turismo é o que mais progride. Roupa, produtos de fotografia e informáticos, jogos de vídeo, bilhetes de espectáculos, perfumes e flores (mesmo a sério e não apenas virtuais como as que recebi no dia da festa do Causa Nossa) ocupam os lugares seguintes. Os produtos alimentares são os que mais resistem, provavelmente devido à densidade do comércio de proximidade neste sector.
Tal como entre nós, em estudos feitos há alguns anos, o principal obstáculo continua, no entanto, a ser a segurança das formas de pagamento em linha. Em boa verdade, talvez não seja tanto um problema de insegurança informática propriamente dita, mas muito mais um problema de falta de confiança no sistema aquilo que afasta tantos consumidores de escrever o número do seu cartão de crédito num écran de computador.


«O mundo é imperfeito»

«(...) O gesto [de Pacheco Pereira] é bonito e nobre (é um bom exemplo de postura pública e dignidade pessoal). Mas parece-me que se baseia num erro de apreciação do contexto, contudo.
Continuo a defender, à semelhança do que escrevi várias vezes em
http://taf.net/opiniao/ , que devemos adoptar uma posição mais institucional. Parece-me mal que decisões destas sejam tomadas em função da pessoa concreta que irá estar nas funções de Primeiro-Ministro. O que está em causa não pode depender de fulano A ou de fulano B. É de Portugal que estamos a falar, não é de PSL ou PP.
Mais: quer se queira quer não, PSL foi _eleito_, mesmo que indirectamente. Pode-se argumentar (provavelmente bem) que não era isso que o povo queria, mas as regras que nos regulam são essas e chegou-se aqui sem violar objectivamente a Lei.
O mundo é imperfeito, aceitemo-lo assim e façamos o melhor que sabemos nestas condições. Isso não é quebrar princípios nem amolecer com inércia. A única razão válida para uma "demissão" nestas circunstâncias seria considerar que o simbolismo desse acto tem o valor de um exemplo de alerta. Respeito-o por isso.»


(Tiago Azevedo Fernandes)

quinta-feira, 15 de julho de 2004

Pacheco Pereira renuncia...

... ao cargo de representante na UNESCO, para que tinha sido nomeado há pouco tempo pelo Governo cessante. É evidente a ligação desse gesto com a sua posição fortemente crítica em relação ao novo primeiro-ministro, Santana Lopes.
A dignidade pessoal e a coerência nos princípios não têm preço. Ainda bem!

Seguindo o rasto

De palavra quase desconhecida na língua portuguesa até há pouco (salvo na área médica), a rastreabilidade tornou-se, em poucos anos, um instrumento de enorme importância para garantia da segurança das pessoas, da informação ou das mercadorias. Seguir o rasto ou o percurso desde a origem é hoje uma tarefa central, quase obsessiva, em muitos domínios, que vão desde a genética aos alimentos. Foi este o tema que desenvolvi no artigo do Diário Económico de hoje, também disponível na Aba da Causa.

Aplauso para Luís Osório

Pleno acordo com o Rui Branco, no Adufe, no elogio da atitude de Luís Osório, como director de A Capital, face à não confirmação da convocação de eleições, que o jornal tinha dado como certa com base em "fontes absolutamente fidedignas".
Ver também as declarações do próprio LO ao Diário de Notícias.
Vale a pena transcrever uma passagem do seu editorial sobre o assunto no jornal que dirige:
«O meu lugar
(...) Um director de jornal deve saber assumir e honrar compromissos, em primeiro lugar consigo próprio e com a sua equipa e, obviamente, selar um acordo de confiança com os seus leitores. Não vejo outra forma, apesar de no nosso país esta verdade ser muitas vezes uma realidade meramente teórica.
No auge da chamada crise política, dois dias antes da decisão de Jorge Sampaio,
A Capital, sob minha responsabilidade, noticiou em manchete que o Presidente já se decidira por eleições. Considerei as fontes insuspeitas. Achei que devia avançar porque, na passada quarta-feira à noite, tive a certeza de que as eleições antecipadas eram absolutamente certas. Nunca direi as fontes que tinha, mas a verdade é que não me questionei da veracidade da informação. Só que, dois dias depois, Jorge Sampaio não dissolveu o Parlamento. E, até ao fim, apesar de muita gente me garantir que, afinal, a decisão era contrária ao esperado, acreditei nas minhas fontes de informação.
No dia a seguir, num editorial assinado por mim e por Rogério Rodrigues, pedimos desculpa e garantimos que as consequências desse erro grosseiro seriam avaliadas internamente. É nesse processo que estamos. Coloquei o meu lugar à disposição da administração e da redacção.
Pelo compromisso que assumi consigo quando aceitei a direcção do jornal, quero partilhar tudo o que for verdadeiramente importante na vida de A Capital. E esta é uma altura fundamental na história deste jornal. É crucial assumir riscos, mas, nesse percurso tantas vezes sinuoso, não podemos perder pelo caminho o essencial do que julgamos ser por dentro. Não podemos perder o respeito pelo leitor, esse é o limite de tudo e o princípio de tudo o que deve nortear um órgão de comunicação. E não devemos perder o respeito por nós próprios. (...)»
.
Exemplar, sem dúvida.

Outros muros

Ó Nuno Guerreiro, este post nem parece seu. A diferença essencial entre o muro israelita na Palestina e os outros muros que refere é que estes estão construídos na fronteira dos respectivos territórios, enquanto o muro israelita está construído na sua maior parte em território alheio, isto é, em território palestiniano ocupado, ainda por cima causando o isolamento de numerosas povoações palestinianas, a separação destas em relação às suas terras de cultivo, etc., ou seja, com violação caracterizada do direito internacional humanitário e das obrigações dos ocupantes. Ora, o Tribunal Internacional de Justiça reconhece a Israel o pleno direito de construir o muro na sua fronteira com a Palestina, tendo declarado ilegal o muro na parte em que ele anexa território palestiniano (que é a grande parte dele).
Não confundamos o que não tem comparação!

"Abnóxio"

O Ademar Ferreira dos Santos ("Ademar" somente para os amigos), que trocou o curso de direito em Coimbra pelo ofício de poeta e de professor inovador e dedicado do ensino secundário no seu Minho natal -- quem não ouviu falar na experiência da Escola da Ponte? (*) --, acaba de entrar na blogolândia.
Eis a sua carta de anúncio:
Amigos, Confidentes, Cúmplices e Companhia
Pois, era inevitável!!!!
Desempregado de governo e divorciado de presidente, resolvi associar-me ao movimento bloguista, fundando o ABNOXIO (sem acento, por estúpidas embirrações tecnológicas que jamais entenderei). Quando quiserdes espreitar-me (sem que eu vos veja), sabereis agora como fazê-lo.
Não prometo muito: só poesia (própria e alheia) e algumas intimidades (a propósito ou despropósito). Ah! o endereço da fechadura é o seguinte: www.abnoxio.blogs.sapo.pt.
Não aceito sócios, nem colaboradores: quero masturbar-me sozinho.
Saudações calorosas do

Ademar
Com efeito, era inevitável. E não acreditem no nome do blogue. Ao contrário do que ele insinua, nas mãos do Ademar tudo, até um simples blogue, se torna perigoso.
Felicidades, Ademar!

(*) "Blogue não oficial" da Escola da Ponte aqui.

«A quota de Belém»

Observação malévola ouvida à mesa do jantar:
«Nos primeiros nomes do governo da nova coligação alargada, Bagão Félix, nas Finanças, pertence naturalmente à quota do CDS-PP, reforçada. E o embaixador António Monteiro, na pasta dos Negócios Estrangeiros, pertencerá porventura à quota de Belém?».
"Honni soit..."

quarta-feira, 14 de julho de 2004

Antes fossem mentiras...

«Fracas desculpas [as dos defensores da invasão do Iraque]. Se os serviços de informação funcionaram mal (como já havia acontecido no 11 de Setembro), a responsabilidade política cabe ao Presidente. Pior, ainda, se foram pressionados a dizer o que convinha aos entusiastas da invasão. É irresponsável fazer uma guerra com base em informações tão débeis. Não é irrelevante a ausência de ligações de Saddam à Al-Qaeda (que o vice-presidente Cheney garantia serem de longa data), pois foi esta organização - e não outros terroristas - que declarou guerra ao Ocidente. E qualquer pessoa medianamente informada sabia não ser fácil forjar uma democracia onde ainda não existe um verdadeiro país.
Há quem fale em mentiras, não em enganos. Mas acreditemos na boa fé de Bush: fiquemos pelos enganos. Não serão erros demais para o Presidente da única superpotência? Seria, até, menos inquietante se fossem deliberadas mentiras.»

(Francisco Sarsfield Cabral, Diário de Notícias, 14 de Julho)

Quem diria, hein!?

Numa das audições de Durão Barroso com os grupos políticos do Parlamento Europeu (em vista da sua confirmação como presidente da Comissão Europeia), depois de defender o seu apoio à invasão do Iraque em nome da solidariedade com o aliado norte-americano, acrescentou, porém, tentando ganhar simpatias, que detestava «a arrogância e o unilateralismo» de Washington.
O que vão pensar e dizer desta oportunista manifestação de "antiamericanismo primário" -- quem diria, hein?! -- os costumeiros epígonos lusitanos do Pentágono e de Bush? Um "renegado" em perpectiva?

«Hipocrisia»

«Se os deputados socialistas no Parlamento Europeu votarem contra a nomeação de Durão Barroso para o cargo de Presidente da União Europeia e os deputados do PS português se abstiverem ou votarem a favor estaremos perante um gesto de cobardia e, mais do que isso, da mais pura hipocrisia» --, lê-se no Jumento.
Corrosivo e fundamentado. Leia o resto do post.

Madre televisão

Vale a pena ler este naco de prosa do inefável Luís Delgado, o conhecido comissário "santanalopista" na Lusa (que usualmente anda travestido de comentador político):
«Se vier a confirmar-se [a candidatura de José Socrates à liderança do PS], e a ganhar contra outras hipóteses, o destino tem algumas ironias: Sócrates e Santana fizeram uma dupla de sucesso na RTP, como comentadores, e agora poderão ver-se, não no mundo da Comunicação, mas na realidade, como os dois opositores políticos directos: um como líder da oposição, e o outro como primeiro-ministro.»
Abençoada televisão, prodigiosa parideira de líderes políticos de sucesso! Doravante um tirocínio televisivo deveria ser requisito obrigatório de candidatura a cargos políticos de maior responsabilidade.

Passaculpas

Como antecipavam os mais cínicos, o relatório Butler não culpa ninguém em especial -- nem o Governo britânico nem os responsáveis pelos serviços secretos -- pelos grosseiros erros que levaram Blair a alinhar com Bush na invasão e ocupação do Iraque, a pretexto de armas de destruição massiva (que afinal não existiam) e de ligação entre Bagdad e a rede terrorista da AlQaeda (que também não tinham fundamento). O relatório britânico é por isso ainda mais passaculpas do que o relatório do Congresso dos Estados Unidos, o qual, embora poupando Bush, responsabilizou fortemente a CIA. Em Londres, segundo o referido relatório, a culpa é "colectiva", o que quer dizer que ninguém tem de pagar por ela.
E assim se desculpa uma guerra ilegal e ilegítima, que humilhou as Nações Unidas, dividiu a comunidade internacional, retirou autoridade e meios à luta antiterrorista, deu pasto à hostilidade das massas árabes contra o Ocidente, custou muitos milhares de vidas (sobretudo de inocentes civis iraquianos) e destruiu um País.
"Accountability democrática", dizem eles!?

Parecer

Tenho sido mencionado em vários órgãos de comunicação social nos últimos dias como tendo dado um parecer ao ainda Ministro Carmona Rodrigues sobre a debatida questão da licitude do seu regresso à Câmara Municipal de Lisboa após o termo da incompatibilidade derivada das suas funções governativas.
Na verdade não emiti nem me foi pedida nenhuma opinião jurídica sobre esse caso. Trata-se de errada referência a um estudo que fiz há mais de uma ano para a Associação Nacional dos Municípios sobre a questão, em geral, da suspensão do mandato executivo municipal por efeito do desempenho de funções governativas. A minha conclusão é a de que tal suspensão, que decorre directamente da lei, não tem limite de tempo e que ela não se confunde com as suspensões voluntárias por outros motivos, só estas tendo um limite máximo cumulativo de 365 dias durante o mandato de 4 anos, sob pena de o perda do cargo.
Embora sem ter em conta nenhuma situação concreta, é evidente que essas conclusões valem para o caso de Carmona Rodrigues, o qual pode assim ir ocupar o cargo de Presidente do CM de Lisboa, em substituição de Santana Lopes. Tal é, juridicamente, o meu parecer (salvo melhor evidentemente...).

Palmas comprometedoras

José António Saraiva bate palmas a Sampaio. Se fosse ele, preocupava-me!

Inesperado

António Vitorino "borregou", recusando a liderança do PS. A sua justificação (fora as «razões pessoais«, que são insindicáveis) é pouco convincente. Como entender que Vitorino, um típico "animal político", tenha enjeitado a forte possibilidade de vir a ser primeiro-ministro em 2006 (se não fosse antes)? Não cessam as surpresas na política!

terça-feira, 13 de julho de 2004

Santana sob tutela de Sampaio?

Tal é o tema do meu artigo de hoje no Público, também arquivado aqui na Aba da Causa.

Notas da crise

1. Jorge Sampaio
Confesso que a decisão de Sampaio não me surpreendeu. Também não me senti defraudado nem traído. Tive ocasião de escrever aqui e no Diário Económico da última sexta-feira que qualquer que fosse a solução escolhida seria sempre uma má-solução, porque a forma como o Presidente geriu a crise só serviu para agudizá-la. Sampaio não começou por confrontar Durão Barroso com as suas responsabilidades políticas e deixou arrastar a situação até perder o controlo sobre os respectivos efeitos perversos. Favoreceu objectivamente o clima de rumores, não falou ao país quando devia (ou seja, logo que a crise se desencadeou), criou falsas expectativas, mostrou-se errático e sem uma ideia clara, desde o início, sobre as implicações da demissão de Barroso. Alienou assim o seu campo político, independentemente do que possamos pensar sobre a maior ou menor justeza da decisão. Se se faz o caminho caminhando, o problema de Sampaio foi não ter sabido para onde e como caminhar.

2. Ferro Rodrigues
Compreendo que se tenha sentido defraudado e traído. Só que deu sempre a entender que respeitaria a decisão do Presidente, fosse ela qual fosse, o que torna a sua reacção incoerente, emocional e precipitada. No fundo, Ferro acabou prisioneiro do isolamento que criou à sua volta no PS (e que levou quase toda a gente a sentir-se marginalizada da vida do partido e frustrada com a sua direcção, incluindo muitos que se identificavam com ele e nele haviam depositado grandes esperanças quanto à renovação partidária). Apenas isso explica a situação inverosímil que se seguiu às eleições europeias: a de o líder que conduziu o PS à maior vitória eleitoral de sempre acabasse tão vulnerabilizado e dependente da realização de eleições antecipadas para sobreviver politicamente. A minha simpatia e estima pessoal por Ferro nunca estiveram em causa. A sua capacidade de resistência à campanha miserável que contra ele foi desencadeada a pretexto do processo Casa Pia mereceu sempre a minha solidariedade e admiração. Mas Ferro fechou-se dentro do seu casulo e ficou refém do autismo e da desconfiança que o paralisaram. A consequência previsível é que, a partir de agora, o PS poderá vir a ter a direcção mais à direita desde o 25 de Abril. E que à deslocação para a direita da maioria governamental corresponderá uma simétrica deslocação para a direita do PS (uma espécie de «blairização» retardada e quando já ninguém acredita na estrela de Blair).

3. Maria de Lourdes Pintasilgo
Conhecia-a, admirei-a, votei nela na primeira volta das presidenciais ganhas por Soares (em quem votei na segunda volta). Era uma força da natureza e de uma generosidade de convicções como raramente se terá encontrado nas personagens políticas que emergiram desde o 25 de Abril. Mas há muito que o seu missionarismo me parecia deslocado no terreno que torna a prática política e cívica verdadeiramente frutífera e eficaz. E é certo que nunca conseguiu traduzir o conteúdo da sua «democracia participativa» em vivência concreta, tal como não fundamentou a articulação desse conceito com as formas de democracia representativa (de que, de resto, visivelmente desconfiava). Havia uma nebulosa ideológica no seu pensamento que a conduzia a uma região etérea, quase celeste, própria, aliás, da sua formação religiosa. Era, assim, apesar do seu aparente e inesgotável optimismo, uma personagem trágica. E isso emprestava-lhe uma dimensão suplementar (mas menos evidente) da grandeza que a caracterizava como ser absolutamente único na nossa história contemporânea. Ela fez-nos sonhar. Não soube e não pôde, porém, dar forma continuada a esse sonho sobre a terra.

Vicente Jorge Silva

Longe, na Catalunha

Entre a última sexta-feira e domingo, passei dois dias fechado num hotel, 140 kms a norte de Barcelona, participando num colóquio sobre as relações ibéricas. Alguns dos meus companheiros de retiro eram jornalistas, intelectuais e políticos portugueses. Foi nesse ambiente um tanto irreal que fomos recebendo notícias do país: a comunicação do Presidente da República, a demissão de Ferro Rodrigues, a morte de Maria de Lourdes Pintasilgo.

Escusado será dizer que, apesar do interesse dos temas em debate no colóquio, passámos (nós, os portugueses) a maior parte do tempo a discutir as novidades do outro lado da península. Fiquei com a sensação de que a distância a que nos encontrávamos dos acontecimentos se tornara subitamente muito maior do que aquela que efectivamente nos separava do palco onde eles ocorriam. Uma sensação de estranheza, como se fôssemos estrangeiros observando, muito de longe, fenómenos surpreendentes. E sabendo, ao mesmo tempo, que eles tinham a ver directamente connosco.

Senti a impotência dos espectadores perante os acontecimentos, reforçada pelo décor bizarro de um hotel a meio de um campo de golfe à beira dos Pirinéus. Poderia ser o ponto de partida para uma «short-story», uma peça de teatro, talvez um filme. Entretanto, regressado a Lisboa, mergulhando no «vivo» da situação, lendo o nosso blog, que me resta dizer? Seguem acima algumas notas.

Vicente Jorge Silva

Governo para Coimbra, já!

Passei a noite acordada. Já o que o presidente da Câmara de Coimbra está dormir, alguém tem de pensar por ele nos interesses da cidade. Que ministérios devem vir para Coimbra no novo formato do "Governo descentralizado"?
O do Ensino Superior, nem se discute. Então não temos a mais antiga universidade do país?
O da Saúde, evidentemente também. Somos conhecidos pela qualidade dos nosso serviços hospitalares, que nos valeram a designação honrosa de "capital da saúde".
Também o Ministério da Justiça não seria mal recebido. Afinal estamos no centro do País. Ficava mais perto para os operadores do norte. Temos uma excelente Faculdade de Direito. E se quiserem trazer também os tribunais superiores, por uma questão de eficiência e proximidade ao Ministério, cá nos arranjaremos para os receber.
Ainda poderíamos pensar também no Ministério do Trabalho, mas creio que não. Esse deve ir para o Porto. É comum ouvir dizer que eles é que trabalham para o resto do país.
Fico-me por aqui. Sempre nos acusaram de sermos pouco ambiciosos e não é agora que vamos mudar...

«Decisão sensata e racional»

«O Presidente da República fez algo raro no panorama político Português: com prejuízo próprio(*), tomou uma decisão sensata e racional. Por muito que não gostemos deste Governo (e eu não gosto), é forçoso admitir que os motivos para dissolver a Assembleia eram muito mais débeis que os motivos para a manter. Ora, mantendo esta Assembleia, cabe naturalmente ao PSD designar um novo PM e respectivo Governo.
Quanto ao facto de o PSD escolher Santana Lopes... estão no seu direito, é a sua escolha, demonstram assim que não consideram a governação de Portugal um assunto a ser levado muito a sério. O preço dessa escolha irá ser pago nas próximas Eleições para a Assembleia.

(*) Os seus "camaradas" do PS dificilmente lhe irão perdoar... Sampaio irá passar uns anitos difíceis.»

(JML)

As políticas que Sampaio quer ver continuar...

...são oportunamente mencionadas aqui no Puxapalavra.

segunda-feira, 12 de julho de 2004

Chorar sobre leite derramado

Melhor do que chorar sobre leite derramado, é deitar mãos ao trabalho. O PS, em particular, tem a casa para arrumar e muito mais para fazer. Renovar a agenda e virá-la para a efectividade dos direitos das pessoas (dos consumidores, das mulheres, das crianças), para o direito ao ambiente, à qualidade de vida, à saúde, à formação profissional contínua, ao acesso aos serviços de interesse geral (incluindo a Internet em banda larga), todos lidos num novo registo próprio do século XXI. Mostrar como a Europa é hoje condição do nosso futuro coeso e solidário e torná-la parte activa do futuro da humanidade. Aproveitar, já agora, para dar uma refrescadela no modo de fazer política. Mãos à obra, portanto, acabemos com as lamentações, as queixas e o desencanto. Estamos vivos, não estamos? E a democracia não acabou ontem.

"Complexo de esquerda"

«Claro como a água do Mondego na nascente da Serra da Estrela, o seu comentário às perguntas de CG ("Cor política"). Estou inteiramente de acordo com ele, como, aliás, com a generalidade do que tem escrito sobre o assunto no Causa Nossa, de que sou assíduo frequentador.
Em ambas as eleições, para o primeiro e segundo mandatos, votei convictamente Sampaio, quer pelos valores que sempre o vi defender como pessoa, quer pelas suas posições políticas, e confesso que nesta decisão me decepcionou, não pela decisão em si mesma, mas pelo facto de, como Presidente, não ter sido capaz de dominar um complexo de esquerda, pois deve ser disto que se trata; recuso-me a acreditar que Jorge Sampaio possa ter considerado a solução por que optou como o menor dos dois males.»

(LVP)