Acaba de ser anunciada no Iraque a constituição das listas xiitas às eleições iraquianas previstas para fim de Janeiro próximo, legitimadas pelo seu próprio líder religioso, Ali Sistani. Como se trata, de longe, da comunidade religiosa mais populosa, está antecipadamente assegurada a sua vitória. É aliás por isso que eles têm sido os principais opositores a qualquer adiamento das eleições, apesar da violência e da insegurança em muitas zonas do País.
O problema que se põe é se se pode esperar algo de parecido com uma democracia com base em eleições disputadas entre facções religiosas e na vitória de uma delas, que não hesitará em subjugar as demais. Se mesmo na Irlanda do Norte se sabe qual é o resultado da política assente em clivagens religiosas, as perspectivas iraquianas só podem ser pessimistas. Uma democracia não equivale à tirania de uma facção religiosa, por mais maioritária que seja. Numa sociedade dividida, reduzir a democracia ao triunfo da maioria eleitoral, ainda por cima com base numa hegemonia religiosa, pode ser a receita para o desastre.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 10 de dezembro de 2004
Na massa do sangue
Publicado por
Vital Moreira
Num óbvio e precipitado gesto de propaganda pré-eleitoral, o ministro da Defesa, Paulo Portas, vem anunciar triunfalmente, de voz embargada por fingida emoção, que a extinta Bombardier, da Amadora -- a cujo encerramento este Gobverno assistiu sem protesto --, vai ser associada a um projecto de fabrico de viaturas blindadas para as forças armadas. Mas o ministro das Actividades Económicas, Álvaro Barreto, apanhado de surpresa pelos jornalistas, veio negar que houvesse já um acordo estabelecido sobre o assunto.
Demagogia até ao fim! Está-lhes na massa do sangue.
Demagogia até ao fim! Está-lhes na massa do sangue.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2004
"Double standards"?
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Vital Moreira
O Economist desta semana acha que a decisão da Comissão europeia de proibir a incorporação do gás natural na EDP é acertada, pois criaria um único grupo energético integrado no nosso país, diminuindo a concorrência no sector e prejudicando por isso os consumidores. Observa, porém, que não foi seguido idêntico critério em situações semelhantes na Alemanha e na França, insinuando que os monopólios só são proibidos quando se trata de pequenos países. No entanto, é de notar que no caso alemão existe mais do que um grupo energético e no caso francês a electricidade e o gás continuam separados, pelo que as situações não são coincidentes.
Intransigência
Publicado por
Vital Moreira
Os Estados Unidos não descansam na sua luta contra o Tribunal Penal Internacional. Acaba de ser aprovada no Congresso e assinada pelo Presidente a "emenda Nethercutt", segundo a qual os países que tenham ratificado o Estatuto de Roma e que não tenham assinado com os Estados Unidos o acordo de imunidade perante o ICC em favor dos seus cidadãos deixam de poder beneficiar de mais um fundo de ajuda financeira norte-americana, o Economic Support Fund (ESF), que financia uma variada lista de programas de assistência internacional, desde cadeiras de rodas até à luta contra a sida. Este corte vem acrescentar-se ao que já tinha sido aprovado em 2002 em relação a outras ajudas.
O império faz valer os seus trunfos, sem complacência.
O império faz valer os seus trunfos, sem complacência.
A dissolução parlamentar
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Vital Moreira
«(...) Não deixo de notar que há um consenso relativo à dissolução ser principalmente motivada pela instabilidade crescente do executivo bem como pelo desvio de rumo. Eu admito que assim seja, mas se for sentir-me-ei profundamente frustrado em relação aos políticos em geral e, em particular, em relação ao Presidente da República porque a sensação que me dá é que nos escudamos em razões de pormenor e deixamos o país seguir o rumo em que está.
Outro alento e respeito pela decisão ser-me-ia dado pelo PR se as razões da dissolução conduzissem à ausência das famigeradas reformas estruturais que todos os quadrantes políticos dizem reconhecer com necessárias sem nada fazer e que o PR vem reclamando insistentemente nos seus discursos à Nação. Eu não sei se ele o pode fazer, nem sequer se é esse o seu sentimento, e também não sei se, o podendo, terá a coragem política necessária. Receio bem que, a acontecer, os eleitores não alcancem o verdadeiro significado da decisão e que a resposta seja dada pelos principais partidos com mais uma revisão constitucional que reduza os poderes presidenciais e reforce o carácter parlamentar («partidocrático») do nosso regime. (...)»
(Luís Malheiro)
Outro alento e respeito pela decisão ser-me-ia dado pelo PR se as razões da dissolução conduzissem à ausência das famigeradas reformas estruturais que todos os quadrantes políticos dizem reconhecer com necessárias sem nada fazer e que o PR vem reclamando insistentemente nos seus discursos à Nação. Eu não sei se ele o pode fazer, nem sequer se é esse o seu sentimento, e também não sei se, o podendo, terá a coragem política necessária. Receio bem que, a acontecer, os eleitores não alcancem o verdadeiro significado da decisão e que a resposta seja dada pelos principais partidos com mais uma revisão constitucional que reduza os poderes presidenciais e reforce o carácter parlamentar («partidocrático») do nosso regime. (...)»
(Luís Malheiro)
Caudilhismo
Publicado por
Vital Moreira
A extraordinária acusação de "caudilhismo" lançada pelo ainda ministro Morais Sarmento contra a decisão de convocação de eleições antecipadas, para além do propósito ofensivo em relação ao Presidente da República, revela também a profunda ignorância do autor acerca das categorias políticas. O caudilhismo é um expressão de liderança carismática de políticos populistas, normalmente de chefes militares. Freitas do Amaral tem toda a razão, quando diz que se há alguém com vocação caudilhista entre nós é obviamente... Santana Lopes! Há ocasiões em que mais valera estar calado.
quarta-feira, 8 de dezembro de 2004
Reguladores de nomeação Presidencial?
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Anónimo
Não concordo. Explico as razões para quem tenha paciência para as ler!
1. O Presidente da República manifestou-se preocupado com a legitimidade das autoridades reguladoras independentes (como a ANACOM ou a E. R. da Saúde). É de saudar essa preocupação, mas já não a proposta que a acompanhou: a de presidencializar a nomeação dos seus dirigentes (mesmo que antecedida de proposta do Governo).
2. Tratar-se-ia de uma solução estranha ao actual sistema jurídico-constitucional. Convém não esquecer que, apesar dos poderes especiais de que dispõem, estamos perante autoridades administrativas. E não se argumente com o exemplo dos EUA, na medida em que aí o Presidente é o chefe do executivo e é nessa qualidade que propõe os presidentes das agencies.
3. É certo que, para além das garantias estatutárias, a independência destas autoridades, em relação ao governo e em relação às empresas reguladas, bem como a sua legitimidade dependem da qualidade de quem as dirige e, em especial, dos seus presidentes. Por isso, os critérios determinantes para a sua escolha, à frente de quaisquer outros, devem ser a competência técnica incontestável e a capacidade do exercício da função de forma independente .
4. Para que assim aconteça, pode melhorar-se o sistema actual, submetendo a proposta do Governo a escrutínio e aprovação parlamentar, mas não do PR, e sujeitando os indigitados a um processo exigente de audição prévia.
5. Seria ainda importante reforçar os mecanismos de accountability destas autoridades, obrigando-as a apresentar regularmente relatórios ao parlamento e exigindo-se um esforço deste para os analisar e discutir em profundidade.
6. Naturalmente, nenhuma destas alterações evitará completamente o risco da sua captura pelos regulados e muito menos as críticas que lhes possam ser feitas (o exemplo referido pelo Presidente). Mas o problema não está nas críticas das empresas reguladas. De duas uma: ou elas são merecidas e ainda bem que são feitas; ou não são, constituindo apenas uma forma de pressão ou um sinal de incompreensão. Aí far-se-á o teste da independência e competência da autoridade sob ataque. Lembro, como exemplo, o "alarido" que ocorreu a primeira vez que a ERSE desceu as tarifas da energia eléctrica. Não consta que tenha soçobrado às enormes pressões de que foi alvo! Mérito do seu Presidente e da sua Direcção.
1. O Presidente da República manifestou-se preocupado com a legitimidade das autoridades reguladoras independentes (como a ANACOM ou a E. R. da Saúde). É de saudar essa preocupação, mas já não a proposta que a acompanhou: a de presidencializar a nomeação dos seus dirigentes (mesmo que antecedida de proposta do Governo).
2. Tratar-se-ia de uma solução estranha ao actual sistema jurídico-constitucional. Convém não esquecer que, apesar dos poderes especiais de que dispõem, estamos perante autoridades administrativas. E não se argumente com o exemplo dos EUA, na medida em que aí o Presidente é o chefe do executivo e é nessa qualidade que propõe os presidentes das agencies.
3. É certo que, para além das garantias estatutárias, a independência destas autoridades, em relação ao governo e em relação às empresas reguladas, bem como a sua legitimidade dependem da qualidade de quem as dirige e, em especial, dos seus presidentes. Por isso, os critérios determinantes para a sua escolha, à frente de quaisquer outros, devem ser a competência técnica incontestável e a capacidade do exercício da função de forma independente .
4. Para que assim aconteça, pode melhorar-se o sistema actual, submetendo a proposta do Governo a escrutínio e aprovação parlamentar, mas não do PR, e sujeitando os indigitados a um processo exigente de audição prévia.
5. Seria ainda importante reforçar os mecanismos de accountability destas autoridades, obrigando-as a apresentar regularmente relatórios ao parlamento e exigindo-se um esforço deste para os analisar e discutir em profundidade.
6. Naturalmente, nenhuma destas alterações evitará completamente o risco da sua captura pelos regulados e muito menos as críticas que lhes possam ser feitas (o exemplo referido pelo Presidente). Mas o problema não está nas críticas das empresas reguladas. De duas uma: ou elas são merecidas e ainda bem que são feitas; ou não são, constituindo apenas uma forma de pressão ou um sinal de incompreensão. Aí far-se-á o teste da independência e competência da autoridade sob ataque. Lembro, como exemplo, o "alarido" que ocorreu a primeira vez que a ERSE desceu as tarifas da energia eléctrica. Não consta que tenha soçobrado às enormes pressões de que foi alvo! Mérito do seu Presidente e da sua Direcção.
Dúvidas sobre a dissolução parlamentar
Publicado por
Vital Moreira
"(...) Sinceramente, devo dizer-lhe que me sinto confuso com a decisão do Presidente. Para já, a maneira como foi anunciada. Não penso que tenha sido correcto o facto de ser o Primeiro-Ministro a fazer este anúncio, e que este silêncio do PR se arraste há tanto tempo. Afinal de contas, há quatro meses andámos duas semanas em suspense para saber se haveria ou não dissolução. Chegaram a acusar o PR de indecisão. Agora, que a coisa é mais grave, vem uma interposta pessoa anunciá-la e acusa mesmo o PR de lhe ter garantido que não o faria (quase faltou dizer que mentiu).
Não compreendo que, sendo uma das possíveis razões o rumo que este governo estava a tomar, que o seu principal instrumento, o orçamento, tenha sido aprovado. Segundo opinião de alguns economistas (que não sou), a solução de duodécimos não seria de todo desvantajosa e traria (penso eu) até a vantagem de o próximo governo não ter razões de queixa. Em conversa com um colega meu, ele opinou que seria para garantir, pelo menos, o aumento da função pública. Mas, ao que ouvi dizer, este aumento seria possível com a solução dos duodécimos, uma vez que é através de portaria que este aumento é viabilizado e haveria dotação no presente orçamento. Opiniões?
A solução da dissolução traz a certeza de eleições, ao contrário da demissão
do governo, portanto essa opção já entendi e aceito. Mas, não será um "abuso de poder" do PR? Constitucionalmente pode fazê-lo, e aí não há dúvidas. Mas, da próxima vez que uma grande parte de população esteja descontente (e isto pode acontecer com algum governo que decida empreender as tão faladas e necessárias reformas de fundo), o PR da altura terá um precedente, se assim o desejar. Parece-me algo perigoso e fora da tradição politica de Portugal. (...)"
(Luis Antas)
Notas
1. Se bem julgo, a principal razão da dissolução não tem a ver com o descontentamento popular em relação ao Governo, mas sim com a sua errática condução política e a instabilidade política por ele provocada, bem como com o desvio em relação às condições postas pelo Presidente quando nomeou o primeiro-ministro (desde logo sobre a consolidação orçamental). Como ambas as coisas parecem notórias, não creio que se possa colocar o problema do "abuso de poder" (mesmo que este pudesse colocar-se nesta questão...). Por isso, o que fica para discutir é a vantagem ou oportunidade da dissolução, onde obviamente as opiniões podem divergir.
2. Também defendi que nào deveria ter sido aprovado o orçamento. Mas penso que sem ele não poderia haver aumento dos funcionários públicos nem das pensões (por falta de dotação orçamental). O futuro orçamento bem poderia mais tarde proceder ao mesmo aumento com efeitos retroactivos a Janeiro, mas o efectivo recebimento teria de ser adiado até là...
Não compreendo que, sendo uma das possíveis razões o rumo que este governo estava a tomar, que o seu principal instrumento, o orçamento, tenha sido aprovado. Segundo opinião de alguns economistas (que não sou), a solução de duodécimos não seria de todo desvantajosa e traria (penso eu) até a vantagem de o próximo governo não ter razões de queixa. Em conversa com um colega meu, ele opinou que seria para garantir, pelo menos, o aumento da função pública. Mas, ao que ouvi dizer, este aumento seria possível com a solução dos duodécimos, uma vez que é através de portaria que este aumento é viabilizado e haveria dotação no presente orçamento. Opiniões?
A solução da dissolução traz a certeza de eleições, ao contrário da demissão
do governo, portanto essa opção já entendi e aceito. Mas, não será um "abuso de poder" do PR? Constitucionalmente pode fazê-lo, e aí não há dúvidas. Mas, da próxima vez que uma grande parte de população esteja descontente (e isto pode acontecer com algum governo que decida empreender as tão faladas e necessárias reformas de fundo), o PR da altura terá um precedente, se assim o desejar. Parece-me algo perigoso e fora da tradição politica de Portugal. (...)"
(Luis Antas)
Notas
1. Se bem julgo, a principal razão da dissolução não tem a ver com o descontentamento popular em relação ao Governo, mas sim com a sua errática condução política e a instabilidade política por ele provocada, bem como com o desvio em relação às condições postas pelo Presidente quando nomeou o primeiro-ministro (desde logo sobre a consolidação orçamental). Como ambas as coisas parecem notórias, não creio que se possa colocar o problema do "abuso de poder" (mesmo que este pudesse colocar-se nesta questão...). Por isso, o que fica para discutir é a vantagem ou oportunidade da dissolução, onde obviamente as opiniões podem divergir.
2. Também defendi que nào deveria ter sido aprovado o orçamento. Mas penso que sem ele não poderia haver aumento dos funcionários públicos nem das pensões (por falta de dotação orçamental). O futuro orçamento bem poderia mais tarde proceder ao mesmo aumento com efeitos retroactivos a Janeiro, mas o efectivo recebimento teria de ser adiado até là...
terça-feira, 7 de dezembro de 2004
Nos 80 anos de Mário Soares
Publicado por
Anónimo
Nestes anos todos nem sempre Mário Soares esteve ao nosso lado, e vice-versa. Mas, bem vistas as coisas, na maior parte do tempo foi ele quem esteve no sítio certo. A sua história pessoal confunde-se em grande medida com a história da democracia portuguesa. Que maior homenagem lhe poderemos prestar? Parabéns!
Alerta ao Presidente da Repùblica
Publicado por
Vital Moreira
A notìcia do «Público» de hoje sobre o SIS é inquietante. Suspeito que o Governo está a fazer nos serviços secretos algo de gravíssimo.
Um fonte digna de crédito assegura-me que a directora foi chamada ao PSD e que lhe mandaram demitir o director-adjunto, nomear outro e de caminho meter uma cambulhada de pessoas que precisam de colocação. Com este Governo nada pode ser excluìdo. O SIS é um sítio óptimo para isso, pois não tem concursos, etc. Querem ocupar o màximo de lugares enquanto nào tèm de deixar o poder. E logo onde! Jà se imaginou os serviços secretos "capturados" por uma turba de afilhados de Santana Lopes!?
O Presidente da Repùblica nào pode deixar de acompanhar esta questao e de demitir imediatamente o Governo se a suspeita se verificar. Aqui, sim, està em causa o "regular funcionamento das instituiçòes"...
(Nota: acentos exòticos por causa do teclado italiano...)
Um fonte digna de crédito assegura-me que a directora foi chamada ao PSD e que lhe mandaram demitir o director-adjunto, nomear outro e de caminho meter uma cambulhada de pessoas que precisam de colocação. Com este Governo nada pode ser excluìdo. O SIS é um sítio óptimo para isso, pois não tem concursos, etc. Querem ocupar o màximo de lugares enquanto nào tèm de deixar o poder. E logo onde! Jà se imaginou os serviços secretos "capturados" por uma turba de afilhados de Santana Lopes!?
O Presidente da Repùblica nào pode deixar de acompanhar esta questao e de demitir imediatamente o Governo se a suspeita se verificar. Aqui, sim, està em causa o "regular funcionamento das instituiçòes"...
(Nota: acentos exòticos por causa do teclado italiano...)
Mário Soares
Publicado por
Anónimo
É um lugar comum dizer-se que Mário Soares foi a personagem mais marcante da democracia portuguesa nestas últimas três décadas. Mas hoje, quando ele faz 80 anos de vida, talvez seja tempo de nos interrogarmos sobre a relação, distante ou próxima, que ele teve com as nossas próprias vidas. Há tempos atrás, convidado para apresentar um livro de que Mário Soares era co-autor, acabei por fazer uma confissão: no fundo, passei os últimos trinta anos a dialogar com Soares e, mais do que isso, a ser indirectamente interpelado por ele na relação que eu tinha comigo mesmo. Acompanhei-o como jornalista nas três primeiras campanhas eleitorais depois do 25 de Abril, viajando à boleia no seu carro e confrontando-me quase permanentemente com ele. Depois disso, com intervalos maiores ou menores, nunca perdemos o contacto e viajámos até lugares tão improváveis como a Rússia de Gorbatchov ou a Índia. Nunca foi uma relação fácil e pacífica, mas a verdade é que não tive outra tão profunda e intensa com uma figura política. Apesar das nossas divergências -- que nos anos 70 e inícios de 80 eram consideráveis: ele um animal político pragmático, eu um jovem jornalista idealista -- estabeleceu-se entre nós uma corrente de afectividade que o tempo foi cimentando. Aprendi a estimá-lo e a gostar humanamente dele, até nos seus defeitos óbvios e transparentes -- ou até por causa disso, por ele ser tudo menos um santo. Agora que ele pretende ser mais esquerdista do que eu alguma vez terei sido, as divergências não desapareceram, mas o afecto consolidou-se. Gosto dele porque ele é o Mário Soares, alguém que me ensinou o gosto da liberdade e de viver em democracia, neste regime imperfeito que, todavia, como dizia o Churchill, é sempre melhor do que qualquer outro. Gosto dele porque ele é único, insubstituível, porque os últimos trinta anos são impensáveis sem ele, com tudo o que ele nos trouxe de melhor e pior, na infinita relatividade humana das coisas e da vida. A minha vida não teria sido a mesma se Soares não tivesse existido. Não poderei dizer o mesmo de nenhum outro português historicamente relevante no tempo em que tenho vivido. E esse sentimento pessoal é porventura comum à esmagadora maioria dos portugueses. Mesmo os que nunca tiveram o privilégio de gostar dele.
Vicente Jorge Silva
Vicente Jorge Silva
Declaração de voto sobre o Orçamento de Estado
Publicado por
Anónimo
Na votação de ontem do Orçamento de Estado, e na minha qualidade de deputado independente eleito nas listas do Partido Socialista, apresentei a seguinte declaração de voto:
«A Assembleia da República foi chamada a votar o Orçamento de Estado para 2005 depois de se saber que o Presidente da República decidiu a dissolução do Parlamento (embora ainda não se tenha pronunciado formalmente sobre o assunto). Trata-se de um acontecimento inédito e anómalo que suscita as maiores dúvidas e perplexidades sobre a autenticidade democrática desse acto e as respectivas consequências políticas. Um Orçamento saído de um Parlamento «ferido de morte» é um orçamento também ferido de morte, uma vez que já não poderá reflectir -- sejam quais forem os resultados das próximas eleições legislativas -- a nova legitimidade política que emergir das urnas.
Entendo, por isso, que esta votação não deveria realizar-se e que os custos da dissolução da Assembleia da República deveriam ser assumidos frontalmente não só pelo Presidente da República como pelas forças políticas com representação parlamentar. Não foi esse, porém, o entendimento dos partidos e do chefe do Estado.
Confesso que hesitei em comparecer a uma votação cuja autenticidade questiono. Mas apesar das minhas fundadas razões de discordância política, considerei dever respeitar o compromisso de disciplina de voto com o partido de cujo grupo parlamentar faço parte, uma vez que não estão aqui em causa, para mim, questões essenciais de consciência moral. É por isso, e só por isso, que entendi cumprir formalmente o meu mandato (embora, na prática, o considere já extinto).»
Vicente Jorge Silva
«A Assembleia da República foi chamada a votar o Orçamento de Estado para 2005 depois de se saber que o Presidente da República decidiu a dissolução do Parlamento (embora ainda não se tenha pronunciado formalmente sobre o assunto). Trata-se de um acontecimento inédito e anómalo que suscita as maiores dúvidas e perplexidades sobre a autenticidade democrática desse acto e as respectivas consequências políticas. Um Orçamento saído de um Parlamento «ferido de morte» é um orçamento também ferido de morte, uma vez que já não poderá reflectir -- sejam quais forem os resultados das próximas eleições legislativas -- a nova legitimidade política que emergir das urnas.
Entendo, por isso, que esta votação não deveria realizar-se e que os custos da dissolução da Assembleia da República deveriam ser assumidos frontalmente não só pelo Presidente da República como pelas forças políticas com representação parlamentar. Não foi esse, porém, o entendimento dos partidos e do chefe do Estado.
Confesso que hesitei em comparecer a uma votação cuja autenticidade questiono. Mas apesar das minhas fundadas razões de discordância política, considerei dever respeitar o compromisso de disciplina de voto com o partido de cujo grupo parlamentar faço parte, uma vez que não estão aqui em causa, para mim, questões essenciais de consciência moral. É por isso, e só por isso, que entendi cumprir formalmente o meu mandato (embora, na prática, o considere já extinto).»
Vicente Jorge Silva
segunda-feira, 6 de dezembro de 2004
Os outros direitos
Publicado por
Vital Moreira
A ofensiva neoliberal tem o seu principal alvo no "Estado social" e o modelo social europeu. Por isso é pelo menos oportuna a conferencia que vai realizar-se na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre os direitos economicos, sociais e culturais. (Declaraçao de interesses: sou director do organismo que promove a iniciativa...).
(Texto sem acentos por defeito do teclado).
(Texto sem acentos por defeito do teclado).
Os Bons e os Maus
Publicado por
Anónimo
Nos últimos dias, alguns comentadores encarregaram-se de glosar a questão dos "maus políticos". Num alargado exercício de maniqueísmo e com enorme arrogância, dividiram o país entre os bons e maus políticos, os bons e os maus profissionais, etc. etc. Aos bons, muito poucos e na reserva, contrapuseram os maus, quase todos e espalhados por aí a fazer estragos. Obviamente, esses comentadores colocam-se do lado dos bons ou talvez mesmo acima deles! Desconfio sempre destes "iluminados" que nunca se enganam e raramente têm dúvidas. Entre as pessoas que julgo inteligentes com que me cruzei na vida, nunca encontrei nenhuma que assumisse tal postura.
domingo, 5 de dezembro de 2004
Uma correcção muito «científica»
Publicado por
Anónimo
O Blasfémias acusou-me de elogio balofo ao PR (e outras coisas piores) quando brincava no meu post (Serenidade) com o "novo princípio da ciência política" (o dito cujo da «serenidade emocional»). O rídículo que seria tal sugestão (se fosse séria) parece-me evidente, mas com a falta de humor nos caracteriza, nunca se sabe o que pode acontecer. Por isso, à cautela já retirei a referência "científica". Ainda poderia mais alguém acreditar e sei lá mesmo iniciar uma tese de mestrado sobre o tema, rever um manual, ou mudar a aula de amanhã. Talvez nos falte mesmo alguma serenidade!
Serenidade
Publicado por
Anónimo
Se fores paciente num momento de ira, escaparás a cem dias de tristeza.
(Provérbio chinês sobre a serenidade)
O Presidente da República apelou à «serenidade emocional». Recomendou-a para estes dias, mas já agora também pode estender-se à campanha eleitoral. Aplicada aos debates que vão realizar-se, evitará falsos estímulos às nossas emoções: que vamos pagar menos impostos, duplicar os dias de férias e usufruir gratuitamente de mais serviços públicos. Parafraseando o provérbio chinês, quem for verdadeiro no momento da campanha talvez escape a quatro anos de aldrabices.
(Provérbio chinês sobre a serenidade)
O Presidente da República apelou à «serenidade emocional». Recomendou-a para estes dias, mas já agora também pode estender-se à campanha eleitoral. Aplicada aos debates que vão realizar-se, evitará falsos estímulos às nossas emoções: que vamos pagar menos impostos, duplicar os dias de férias e usufruir gratuitamente de mais serviços públicos. Parafraseando o provérbio chinês, quem for verdadeiro no momento da campanha talvez escape a quatro anos de aldrabices.
Nem mais um cêntimo para as agências de viagens!
Publicado por
Anónimo
Com a bênção presencial de Telmo Correia, ministro do Turismo, o congresso anual das agências de viagens lusitanas, realizado em terras brasileiras durante a última semana, teve um momento de glória: a assinatura de um protocolo entre a associação representativa do sector (a APAVT, donde é oriundo o presidente da Confederação do Turismo, Atílio Forte) e a TAP, mediante o qual a transportadora aérea se compromete a aplicar aos clientes via internet a mesma taxa sobre a emissão de bilhetes que aplica às agências de viagens. Nós todos, internautas sabidões que beneficiávamos de condições especiais de preço, lesivas dos legítimos interesses dos comissionistas, vamos passar a dar valor ao suor dos agentes. Foi uma grande conquista, clama a APAVT, dado que (pasme-se!) "evita situações de concorrência desleal".
Não sei ao certo a quem imputar a maior dose de descaramento, se às agências de viagens, se ao ministro ou se à nossa companhia de bandeira. Mas sei que merece uma resposta da parte dos consumidores electrónicos. Hesito entre o apelo à chacota e a acção directa, entre a denúncia caricatural e o boicote puro e duro. O que pensa a comunidade internáutica?
Não sei ao certo a quem imputar a maior dose de descaramento, se às agências de viagens, se ao ministro ou se à nossa companhia de bandeira. Mas sei que merece uma resposta da parte dos consumidores electrónicos. Hesito entre o apelo à chacota e a acção directa, entre a denúncia caricatural e o boicote puro e duro. O que pensa a comunidade internáutica?
Eleições em Moçambique
Publicado por
Anónimo
Em breve, Joaquim Chissano deixará presidência da República de Moçambique. Parece natural que assim aconteça. Que haja rotação, ainda que o novo presidente possa vir do mesmo partido. Mas olhando para muitos outros países africanos, não é frequente encontrar um chefe de Estado que voluntariamente abandone as suas funções, que não se eternize no poder até dele ser arredado tantas vezes de forma violenta. Por isso, a atitude de Joaquim de Chissano merece admiração e faz bem à democracia em Moçambique.
sexta-feira, 3 de dezembro de 2004
Um nova lei para o arrendamento
Publicado por
Anónimo
Felicito-a pelo seu post "cuidado com as promessas".
Sobre o mercado de arrendamento, creio ser urgente assumir que as rendas "antigas" vão ter que acabar. Isto é, que o objectivo final, a prazo (mas não imediatamente!), é fazer caducar todos os contratos de arrendamento "antigos".
No entanto, isto não pode ser feito imediatamente. Impõe-se, primeiro que tudo, uma estratégia de limitação à durabilidade desses contratos. Isto pode ser feito imediatamente, através da adopção de duas medidas:
1) Proibição da transmissão dos contratos de arrendamento, a não ser no caso de cônjuges muito idosos ou de filhos deficientes.
2) Proibição rigorosa e sem excepções dos trespasses. As lojas arrendadas devem manter-se com o mesmo proprietário e no mesmo ramo de negócio.
Como segundo passo, que também pode ser dado de imediato, é necessário liberalizar radicalmente o mercado de arrendamentos "novos", com o fim de dar confiança aos potenciais senhorios. Isso passa pelas seguintes medidas:
1) O contrato de arrendamento pode ser celebrado por qualquer período de tempo arbitrário. Não há período mínimo para o contrato. O período do contrato é acordado entre as partes. Tanto se pode alugar uma casa por três meses, como por dois anos e meio; o contrato segue exactamente os mesmos moldes.
2) A renda tem um valor imutável, que é o fixado no contrato. Quando o contrato termina é que se actualiza a renda, por mútuo acordo entre as partes, através da celebração de novo contrato com novo valor da renda. O Estado não interfere na actualização das rendas. (Ou então fá-lo de forma não política, por exemplo através da taxa de inflação homóloga publicada mensalmente pelo INE.)
3) A renda é obrigatoriamente paga através de depósito bancário. Se o depósito não é efectuado, o despejo efectua-se imediatamente, sem necessidade de qualquer acção judicial. Exactamente da mesma forma que o telefone é cortado quando não se paga a conta.
4) O valor de IMI pago pelo imóvel é constante, e independente do valor pelo qual o imóvel seja, eventualmente, arrendado.
Só após o mercado de arrendamento ter sido liberalizado, nestes moldes, pode verificar-se se esse mercado começou a funcionar. Passados uns anos, se o mercado estiver a funcionar, com muitas casas disponíveis para arrendar, por valores substancialmente mais baixos que os actualmente prevalecentes, então arranja-se um mecanismo para começar a cancelar os contratos "antigos". Sem direito a quaisquer "indemnizações" e sem qualquer obrigatoriedade de "obras", como é evidente.
Luís Lavoura
Sobre o mercado de arrendamento, creio ser urgente assumir que as rendas "antigas" vão ter que acabar. Isto é, que o objectivo final, a prazo (mas não imediatamente!), é fazer caducar todos os contratos de arrendamento "antigos".
No entanto, isto não pode ser feito imediatamente. Impõe-se, primeiro que tudo, uma estratégia de limitação à durabilidade desses contratos. Isto pode ser feito imediatamente, através da adopção de duas medidas:
1) Proibição da transmissão dos contratos de arrendamento, a não ser no caso de cônjuges muito idosos ou de filhos deficientes.
2) Proibição rigorosa e sem excepções dos trespasses. As lojas arrendadas devem manter-se com o mesmo proprietário e no mesmo ramo de negócio.
Como segundo passo, que também pode ser dado de imediato, é necessário liberalizar radicalmente o mercado de arrendamentos "novos", com o fim de dar confiança aos potenciais senhorios. Isso passa pelas seguintes medidas:
1) O contrato de arrendamento pode ser celebrado por qualquer período de tempo arbitrário. Não há período mínimo para o contrato. O período do contrato é acordado entre as partes. Tanto se pode alugar uma casa por três meses, como por dois anos e meio; o contrato segue exactamente os mesmos moldes.
2) A renda tem um valor imutável, que é o fixado no contrato. Quando o contrato termina é que se actualiza a renda, por mútuo acordo entre as partes, através da celebração de novo contrato com novo valor da renda. O Estado não interfere na actualização das rendas. (Ou então fá-lo de forma não política, por exemplo através da taxa de inflação homóloga publicada mensalmente pelo INE.)
3) A renda é obrigatoriamente paga através de depósito bancário. Se o depósito não é efectuado, o despejo efectua-se imediatamente, sem necessidade de qualquer acção judicial. Exactamente da mesma forma que o telefone é cortado quando não se paga a conta.
4) O valor de IMI pago pelo imóvel é constante, e independente do valor pelo qual o imóvel seja, eventualmente, arrendado.
Só após o mercado de arrendamento ter sido liberalizado, nestes moldes, pode verificar-se se esse mercado começou a funcionar. Passados uns anos, se o mercado estiver a funcionar, com muitas casas disponíveis para arrendar, por valores substancialmente mais baixos que os actualmente prevalecentes, então arranja-se um mecanismo para começar a cancelar os contratos "antigos". Sem direito a quaisquer "indemnizações" e sem qualquer obrigatoriedade de "obras", como é evidente.
Luís Lavoura
Lamento
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Vital Moreira
Ao consultar este excelente relatório de uma comissão da Assembleia Nacional Francesa sobre o espaço europeu de ensino superior, no contexto do "processo de Bolonha" -- que é apenas um entre numerosos relatórios notáveis disponíveis on-line, sobre os mais diversos temas, produzidos quer na Assembleia Nacional quer no Senado, incluindo utilíssimos estudos de direito comparado --, pergunto-me sempre por que é que a nossa Assembleia República não é capaz de fazer algo de semelhante. Como é que se pode legislar e exercer as demais funções de um parlamento moderno, sem aprofundada informação e estudo dos assuntos, designadamente sobre as soluções adoptadas nos demais países, pelo menos os da UE?
Viagem à Palestina (5)
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Vital Moreira
Entrada a Exposição audio-visual «A Stateless Nation», na Universidade de Bir Zeit - organizada para a Bienal de Veneza por uma palestiniana e um italiano, na base de entrevistas com palestinianos de Belém (que falam das dificuldades de ir - ou nunca ter ido a Jerusalém - a 5 km de distância, por causa do muro e dos conmtroles israelitas) e com palestinaianos da diáspora. Temos de trazer esta exposição a Portugal.
(Foto e legenda de Ana Gomes)
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)
Viagem à Palestina (4)
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Vital Moreira
Meninos de Jabalya, vindos da escola, nos destroços das suas casas destruídas, ao pé dos pais e velhos da família, à cata do que possa ainda ser salvo. Sorrisos desarmados e desarmantes de futuros terroristas? Como todos os terroristas que a ocupação e a repressão de Israel, desgraçadamente, fazem germinar a cada dia que passa.
(Foto e legenda de Ana Gomes)
(Pode ver a foto em tamanho maior clicando sobre ela.)
Viagem à Palestina (3)
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Vital Moreira
Viagem à Palestina (2)
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Vital Moreira
Viagem à Palestina (1)
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Vital Moreira
Orçamento
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Vital Moreira
«(...) Qual é a legitimidade de um orçamento aprovado por um Governo que já tem a sua morte anunciada?
Se nas próximas Eleições Legislativas antecipadas for eleito um Governo do PS, não será também esse um sinal que o povo não concorda com um Orçamento do Governo cessante?
Em condições dessas não seria tal Orçamento um obstáculo ao pressuposto da governabilidade em estabilidade do novo Governo, entrando em conflito com o Programa de Governo apresentado previamente?
Considerando que o anterior sucederia, que soluces haveria?
Teria o novo Governo de recorrer a Orçamentos Rectificativos ou há em termos constitucionais solução para tal problema? (...)»
(José Maia Costa)
Se nas próximas Eleições Legislativas antecipadas for eleito um Governo do PS, não será também esse um sinal que o povo não concorda com um Orçamento do Governo cessante?
Em condições dessas não seria tal Orçamento um obstáculo ao pressuposto da governabilidade em estabilidade do novo Governo, entrando em conflito com o Programa de Governo apresentado previamente?
Considerando que o anterior sucederia, que soluces haveria?
Teria o novo Governo de recorrer a Orçamentos Rectificativos ou há em termos constitucionais solução para tal problema? (...)»
(José Maia Costa)
Bolonha (2)
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Vital Moreira
1. Objecção
«O seu post sobre "a fórmula de Bolonha" trouxe-me a seguinte ideia: qual é a necessidade de aplicar o processo de Bolonha aos cursos de Direito, se ? tanto quanto julgo -- a aplicação prática desses cursos é, quase exclusivamente, de âmbito nacional? O processo de Bolonha pretende incentivar a circulação entre universidades europeias; mas, nos cursos de Direito tal circulação é de escassa necessidade, dado que os Direitos português, alemão e letão (digamos) são profundamente diferentes.
Compreendo a necessidade e conveniência de engenheiros ou médicos portugueses poderem estudar ou trabalhar noutros países da UE. Duvido que muitos juristas portugueses possam alguma vez exercer profissão jurídica na Alemanha ou na Letónia.
Será que estou errado?»
Luís Lavoura
2. Comentário
Sim, a meu ver, não tem razão.
Por quatro motivos:
a) Há vantagem em ter um curso curto de formação jurídica para actividades profissionais (que na economia privada quer na função pública), que não precisam de uma formação de 5 anos; além disso permite reduzir o insucesso escolar, proporcionando um grau curto a quem por diversas razões não está em condições de obter uma formação de cinco anos;k
b) No processo de Bolonha a ideia é "descompartimentar" o ensino superior, permitindo o cruzamento de formações, de tal modo que um estudante que tenha obtido um primeiro ciclo numa área possa prosseguir um curso afim no segundo ciclo.
c) Hoje há cada vez mais domínios do direito convergentes nos Estados-membros da UE, justamente devido à homogeneização do direito comunitário; será cada vez menos rara a existência de formações em Direito obtidas em duas universidades de países diferentes. Os "graus conjuntos" (joint degrees) de universidades de diferentes países são uma realidade em desenvolvimento, incluindo no campo do Direito. Há um número crescente de juristas com mestrados e doutoramentos em universidades de outros países. Com o processo de Bolonha, a médio prazo esse será um modelo altamente procurado.
d) Os órgãos e serviços da UE e de outras organizações europeias e internacionais estão cheios de juristas formados num dos Estados-membros. A sua formação será melhor com uma graduação plurinacional.
«O seu post sobre "a fórmula de Bolonha" trouxe-me a seguinte ideia: qual é a necessidade de aplicar o processo de Bolonha aos cursos de Direito, se ? tanto quanto julgo -- a aplicação prática desses cursos é, quase exclusivamente, de âmbito nacional? O processo de Bolonha pretende incentivar a circulação entre universidades europeias; mas, nos cursos de Direito tal circulação é de escassa necessidade, dado que os Direitos português, alemão e letão (digamos) são profundamente diferentes.
Compreendo a necessidade e conveniência de engenheiros ou médicos portugueses poderem estudar ou trabalhar noutros países da UE. Duvido que muitos juristas portugueses possam alguma vez exercer profissão jurídica na Alemanha ou na Letónia.
Será que estou errado?»
Luís Lavoura
2. Comentário
Sim, a meu ver, não tem razão.
Por quatro motivos:
a) Há vantagem em ter um curso curto de formação jurídica para actividades profissionais (que na economia privada quer na função pública), que não precisam de uma formação de 5 anos; além disso permite reduzir o insucesso escolar, proporcionando um grau curto a quem por diversas razões não está em condições de obter uma formação de cinco anos;k
b) No processo de Bolonha a ideia é "descompartimentar" o ensino superior, permitindo o cruzamento de formações, de tal modo que um estudante que tenha obtido um primeiro ciclo numa área possa prosseguir um curso afim no segundo ciclo.
c) Hoje há cada vez mais domínios do direito convergentes nos Estados-membros da UE, justamente devido à homogeneização do direito comunitário; será cada vez menos rara a existência de formações em Direito obtidas em duas universidades de países diferentes. Os "graus conjuntos" (joint degrees) de universidades de diferentes países são uma realidade em desenvolvimento, incluindo no campo do Direito. Há um número crescente de juristas com mestrados e doutoramentos em universidades de outros países. Com o processo de Bolonha, a médio prazo esse será um modelo altamente procurado.
d) Os órgãos e serviços da UE e de outras organizações europeias e internacionais estão cheios de juristas formados num dos Estados-membros. A sua formação será melhor com uma graduação plurinacional.
Reservas à dissolução parlamentar
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Vital Moreira
«(...) Se, do ponto de vista constitucional, a dissolução parlamentar é inatacável, do ponto de vista político ela parece-me muito contestável. (...) Dá a impressão (e, em política, as impressões contam) de que Jorge Sampaio quis afinal corrigir a sua decisão de há quatro meses atrás quando aceitou a posse deste Governo. Mas, se a sua decisão estava correcta nessa altura, não se vê por que é que tinha que ser agora corrigida: se lermos o discurso do Presidente da República quando anunciou a nomeação de Santana Lopes, as condições que justificaram essa decisão, nomeadamente a existência duma maioria estável e coerente na Assembleia da República, não se alteraram de forma fundamental.
Não é bom, nem para a imagem do país nem para a imagem do Presidente, que um Governo seja demitido por ser objecto duma campanha de imprensa desfavorável ou de comentários menos elogiosos das tais «forças vivas» do país (de que eu desconfio como da peste): os nossos empresários, a nossa imprensa, os nossos sindicatos... É que, muito embora a minha opinião pessoal seja extremamente negativa a respeito do Governo, não deixa de ser isso mesmo: uma opinião. Tal como várias outras, abundantemente expressas nestes últimos meses, semanas e dias. Dizer, por exemplo, que o artigo de Cavaco Silva foi decisivo para a posição do Presidente da República é dar a Cavaco Silva uma autoridade que nada permite atribuir-lhe: por certo, não a Constituição nem as regras normais do jogo político? A sua opinião é importante mas certamente não mais nem menos importante do que a de Santana Lopes ou Paulo Portas, que defendem orientação diferente.
Nem para o país, esta é a boa solução. José Sócrates chegará ao poder cedo demais e é de temer que, sem tempo nem para formar uma equipa que ultrapasse o quadro restrito dos barões socialistas nem para pensar adequadamente os exactos contornos da solução de esquerda moderada que defende (e esta reflexão é essencial para conciliar as expectativas do eleitorado que nele votará com as exigências da governação, dessa governação moderna e dinâmica que pretende o novo secretário-geral do PS), se deixe envolver no clima de coscuvilhice que deu cabo do último governo de Guterres. Resta-nos esperar que, pelo menos, a maioria absoluta provável o alivie da necessidade de recorrer aos homens de Ponte de Lima?»
(José Pedro Pessoa e Costa)
Não é bom, nem para a imagem do país nem para a imagem do Presidente, que um Governo seja demitido por ser objecto duma campanha de imprensa desfavorável ou de comentários menos elogiosos das tais «forças vivas» do país (de que eu desconfio como da peste): os nossos empresários, a nossa imprensa, os nossos sindicatos... É que, muito embora a minha opinião pessoal seja extremamente negativa a respeito do Governo, não deixa de ser isso mesmo: uma opinião. Tal como várias outras, abundantemente expressas nestes últimos meses, semanas e dias. Dizer, por exemplo, que o artigo de Cavaco Silva foi decisivo para a posição do Presidente da República é dar a Cavaco Silva uma autoridade que nada permite atribuir-lhe: por certo, não a Constituição nem as regras normais do jogo político? A sua opinião é importante mas certamente não mais nem menos importante do que a de Santana Lopes ou Paulo Portas, que defendem orientação diferente.
Nem para o país, esta é a boa solução. José Sócrates chegará ao poder cedo demais e é de temer que, sem tempo nem para formar uma equipa que ultrapasse o quadro restrito dos barões socialistas nem para pensar adequadamente os exactos contornos da solução de esquerda moderada que defende (e esta reflexão é essencial para conciliar as expectativas do eleitorado que nele votará com as exigências da governação, dessa governação moderna e dinâmica que pretende o novo secretário-geral do PS), se deixe envolver no clima de coscuvilhice que deu cabo do último governo de Guterres. Resta-nos esperar que, pelo menos, a maioria absoluta provável o alivie da necessidade de recorrer aos homens de Ponte de Lima?»
(José Pedro Pessoa e Costa)
quinta-feira, 2 de dezembro de 2004
Cuidado com as promessas
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Anónimo
Luís Nazaré,no Jornal de Negócios de hoje, toca num ponto crucial: que as promessas próprias de ambiente eleitoral não deitem por água abaixo o que de aproveitável tivemos nestes últimos anos de governação (não nestes meses, visto que algumas das medidas referidas vieram do consulado Barroso).
Cito a necessidade de encetar reformas na saúde que mantenham um serviço público de qualidade, mas financeiramente sustentável; uma lei do arrendamento que estimule o mercado de arrendamento para a habitação (além do mais, uma condição indispensável para travar o endividamento das famílias) e que contribua para a modernização do comércio independente (uma condição também incontornável para a sua sobrevivência e competitividade relativamente aos grandes espaços comerciais); o pagamento de alguns serviços, no caso as portagens, pelos seus utilizadores; e algumas medidas (de eficácia ainda não comprovada) para combater a fraude fiscal.
Cito a necessidade de encetar reformas na saúde que mantenham um serviço público de qualidade, mas financeiramente sustentável; uma lei do arrendamento que estimule o mercado de arrendamento para a habitação (além do mais, uma condição indispensável para travar o endividamento das famílias) e que contribua para a modernização do comércio independente (uma condição também incontornável para a sua sobrevivência e competitividade relativamente aos grandes espaços comerciais); o pagamento de alguns serviços, no caso as portagens, pelos seus utilizadores; e algumas medidas (de eficácia ainda não comprovada) para combater a fraude fiscal.
Os salvadores da Pátria
Publicado por
Anónimo
Se tivesse podido escrever um post na semana passada (em que estive sem acesso ao blogger), teria sido para criticar as palavras messiânicas do Prof. Cavaco Silva, apelando aos salvadores da pátria desaparecidos (os bons, os da Bayer), sejam eles Viriatos escondidos nos confins da Serra, ou Sebastiões perdidos no deserto de Marrocos. Mas a demora não retirou totalmente a oportunidade.
Vale a pena lembrar que a vida se faz com os que estão disponíveis em cada momento para participar e arriscar, sejam eles políticos ou empresários ou quaisquer outros profissionais.
No entanto, isso não significa, em primeiro lugar, que não haja escolhas incompreensíveis entre os que estão disponíveis (vide casos H. Chaves, Cardona/CGD, etc.); e, em segundo lugar, que não haja procedimentos e atitudes a corrigir para estimular a disponibilidade para o exercício de cargos políticos, não só dos mais competentes e preparados, mas também daqueles que incorporam alguma ética serviço público e já agora alguma ética pessoal (que de novo o caso H Chaves mostrou fazerem muita falta sob diversos pontos de vista). Veremos em breve que esforço será feito nesse sentido.
Vale a pena lembrar que a vida se faz com os que estão disponíveis em cada momento para participar e arriscar, sejam eles políticos ou empresários ou quaisquer outros profissionais.
No entanto, isso não significa, em primeiro lugar, que não haja escolhas incompreensíveis entre os que estão disponíveis (vide casos H. Chaves, Cardona/CGD, etc.); e, em segundo lugar, que não haja procedimentos e atitudes a corrigir para estimular a disponibilidade para o exercício de cargos políticos, não só dos mais competentes e preparados, mas também daqueles que incorporam alguma ética
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