quarta-feira, 15 de dezembro de 2004

Assessores de imprensa

«(...) A sua ideia [sobre a declaração de interesses dos ex-assessores de imprensa] é engraçada. Estou disponível para criar o grande Index dos assessores de imprensa dos vários governos. Vai decerto assustar-se ou passar a não ler jornais. Porque vai descobrir que para além dos que já foram ou são assessores de imprensa, são filhos, genros ou cunhados de políticos conhecidos, colegas de escola ou sócios de empresas.
Vai descobrir uma quantidade dos seus alunos (não é uma forma de domínio?), outros que são jornalistas de economia e que têm acções das empresas de que falam. As empresas de comunicação pagam viagens a jornalistas! As de telemóveis oferecem-nos no Natal!! Há jornalistas nos grandes jornais de referência que acabam as suas entrevistas e passam a vender os seus produtos de comunicação aos entrevistados.
Mas também há assessores de imprensa que não conseguem marcar uma entrevista ou um artigo engraçado e depois do telefonema do seu superior directo ao director do jornal tudo corre pelo melhor...
Tal index não faria o mundo melhor. Porque o mundo melhor não existe dessa forma. E se os jornalistas criticassem abertamente os académicos que vão para o Governo e depois conseguem contratos chorudos para as suas universidades ou empresas?
O mundo é destruído pela suspeição. Ou acreditamos em algumas das várias fontes que lemos, ou não vale a pena ler jornais, acreditar em políticos...»


(João Oliveira)

A separação fictícia

O acordo tirado a ferros entre o PSD e o PP para a disputa separada das eleições, com contrato-promessa de reconstituir a coligação caso vençam as eleições, faz lembrar aquelas separações matrimoniais fictícias, só para efeitos fiscais, continuando porém os "separados" a viver vida comum.
Sobram porém duas dúvidas: (i) será que esta separação fictícia vai impedir a perda pelo PSD do eleitorado do centro a quem o PP de Portas afugenta? (ii) apesar das juras de continuação da aliança, só suspensa para as eleições, será que os dois parceiros poderão evitar as lutas intestinas na conquista de um eleitorado que em grande parte ambos disputam?

terça-feira, 14 de dezembro de 2004

Por que é que ...

... não tem razão quem acha que a dissolução parlamentar aponta para uma "presidencialização" do regime? A minha resposta encontra-se na minha coluna de hoje no Público (também recolhida como habitualmente no Aba da Causa, acessível no link aqui ao lado).

Cuidado com as sondagens

Batem-lhe à porta, tocam-lhe ao telefone: querem saber em quem é que votaria se as eleições fossem hoje. CUIDADO! Não seja leviano nas respostas! Sem saber, está a decidir se PP e PSD vão coligados às eleições. Pensava que existiria um projecto político, um desígnio, uma ambição para o país? Está redondamente enganado! Todo este folhetim de aliança sim, aliança não, depende de uma única questão sintetizável na resposta a uma pergunta comezinha: "Como é que conseguimos sacar mais votos e mais deputados?" Nenhuma convicção, nenhuma vontade, nenhuma aposta. Apenas e só aritmética para manter o poder...
JW

A entrevista de encomenda

Já se sabia que a polémica entrevista de Morais Sarmento ao Diário Económico, a acusar o Presidente da República de "caudilhismo", tinha sido combinada com o próprio primeiro-ministro. Sabe-se agora, por este artigo no sítio do Clube dos Jornalistas (link por via do Abrupto), que um dos responsáveis pela entrevista foi assessor de imprensa de Durão Barroso até à saída deste para Bruxelas. Branco é, galinha o põe.
Desde há muito defendo que tem de haver regras imperativas para combater a promiscuidade entre jornalistas e o Governo, a começar por requisitos de transparência e de declaração de interesses. Imagine-se, por exemplo, que o dito jornalista estava obrigado a declarar em todos os seus trabalhos a sua anterior função de assessor governamental. Não era muito mais decente?

Adenda
Por informação do seu autor é de registar que a assessoria governamental de um dos autores da entrevista a Morais Sarmento tinha sido logo assinalada no blogue Amor & Ócio. O melhor é sempre acompanhar as boas fontes!

Heranças do Governo PSD-CDS (1)

Diferentemente do que Portas e Santana Lopes querem fazer crer, a herança do Governo da coligação no campo da disciplina orçamental e financeira é francamente má. O insuspeito Governador do Banco de Portugal não deixa dúvidas. Défice real das contas públicas de cerca de 5% desde 2002, incluindo o de 2005, tal como resultante do orçamento recém-aprovado (portanto sempre acima dos muito criticados 4% do último ano de Governo socialista). As receitas extraordinárias que serviram para maquilhar o défice real e fazê-lo baixar para menos de 3% não tiveram nenhum efeito virtuoso sobre a consolidação das finanças públicas, por não terem nenhum efeito sobre a economia.
Redobrada responsabilidade para o Governo que sair de eleições, tanto mais que o ano de 2005 já está praticamente comprometido.

O papel do Presidente

«Na passada 6ª feira esperei com uma ansiedade crescente (creio que inusitada desde as comunicações do Gen. Ramalho Eanes, há mais de 20 anos) a comunicação ao País pelo PR e, embora o texto do discurso aludisse de facto à necessidade de criar condições para proceder às reformas estruturais do país, não pude deixar de sentir frustradas as minhas expectativas de um puxão de orelhas aos políticos em geral e ao XVI governo em particular.
Repensando a situação, cheguei à conclusão que a atitude do PR é a mais pedagógica da democracia ? é aos eleitores que cabe decidir votando, tendo o PR de se manter como fiel da balança apartidário e pronto a aceitar o resultado que o eleitorado decidir. Eu entendo e defendo que ele não deva nem queira descer ao nível de campanha eleitoral, mas não posso deixar de pensar que ele podia e devia ser mais actuante em defesa do interesse nacional ? afinal, quando no Parlamento se forma uma maioria, o PR transforma-se no último reduto dessa defesa. (...)»

(Luís Malheiro)

«Populismo para a classe média»

«Concordando plenamente consigo em que Santana Lopes não tem personalidade para primeiro-ministro, confidencio-lhe não obstante que estou a considerar seriamente a possibilidade de votar PSD, uma vez que considero imprescindível que seja feito um sério "commitment" no sentido de acabar de vez com o problema das rendas antigas e no sentido de acabar com as auto-estradas de borla, e uma vez que o PSD me parece ser capaz de fazer esses compromissos, enquanto que a esquerda (...) me parece decididamente mergulhada numa de política populista para a classe média.(...)»
(Luís Lavoura)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2004

Lacuna

O abandono de funções na administração pública, para além de ser uma infracção disciplinar grave, constitui também um crime previsto e punido no Código Penal. Mas estranhamente a lei dos crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos não prevê o abandono de funções no exercício desses cargos. Uma lacuna evidente. Na feitura da lei, em 1987, a ninguém ocorreu que uma personagem como Santana Lopes pudesse vir a exercer o cargo de primeiro-ministro...

Oximoro

A notícia de que, em reacção à comunicação do Presidente da República sobre os motivos da dissolução da AR e da convocação de eleições, Santana Lopes encarou a ideia de abandono de funções -- acto inconstitucional de indizível gravidade --, tendo sido preciso refreá-lo nesse intento, mostra que o ainda primeiro-ministro não preenche os requisitos mínimos para um governante, a começar pelo respeito das instituições e a acabar na estabilidade emocional. Ligar a noção de governante a Santana Lopes é uma contradição nos termos.
Se dúvidas restassem sobre as razões presidenciais para a dissolução, esta reacção de Santana Lopes encarregar-se-ia de as dissipar.

No meu tempo é que era!

Para os mais nostálgicos, um convite a uma reflexão natalícia, aqui ao lado, no Aba da Causa.

Blasfémia

Se não forem cuidadosamente delineadas, podem ser assaz perigosas as propostas oficiais de revivescência e ampliação do crime de blasfémia em alguns países europeus (Holanda, Reino Unido), numa tentativa para aplacar a ira dos círculos islâmicos contra o que eles consideram atentados à sua religião. Isso pode facilmente traduzir-se numa severa limitação da liberdade de expressão e de crítica em matéria religiosa, incluindo a criação literária e artística. Lembremos por exemplo as acusações de blasfémia que foram lançadas pelos líderes fundamentalistas islâmicos contra os "Versículos Satânicos" de Salman Rushdie.
Obviamente, não se pode deixar de combater a intolerância religiosa e de condenar o ódio religioso e a sua instigação. Mas as religiões e as práticas sociais em nome delas não podem estar acima da crítica nem da refutação. De resto, a liberdade religiosa não é somente a liberdade de ter e praticar uma religião e de fazer proselitismo religioso, mas também a liberdade de não ter e de não praticar e de fazer crítica das religiões (a chamada "liberdade negativa de religião"). Não são somente os direitos dos crentes que reclamam adequada protecção mas também os direitos dos não crentes.

Mais cedo do que o esperado

Provavelmente desde o seu discurso de Outubro o Presidente da República só estava à espera de bons motivos e de uma boa ocasião para convocar eleições antecipadas e para pôr fim ao Governo Santana Lopes. O primeiro-ministro deu-lhos de bandeja, e óptimos, mais cedo que toda a gente esperava, com a condução errática do Governo e com a série de trapalhadas dos seus ministros mais próximos, desde o caso Marcelo até ao indescritível caso do insólito ministro Chaves.
Porventura com receio de perder esta oportunidade e de não vir a dispor de uma tão propícia conjugação de factores no futuro, o Presidente precipitou a decisão nesta altura -- recorrendo ao "cartão vermelho" directo por acumulação de faltas graves, sem passar pela amostragem de "cartão amarelo" --, sem poder escolher a sua oportunidade temporal. As coisas estiveram porém longe de correr bem, por causa do tempo decorrido entre o anúncio da dissolução e a sua efectivação, a fim de proporcionar a aprovação do orçamento, o que deu azo a uma incómoda situação de "suspense" que não favoreceu a posição presidencial e que permitiu a organização de uma contra-ofensiva dos partidos governamentais.

Adenda
Por lapso não fiz aqui menção da minha coluna do Público de terça-feira passada sobre a questão da dissolução parlamentar, cujo texto se encontra recolhido, como habitualmente, no Aba da Causa (link aqui ao lado, na coluna da direita).

domingo, 12 de dezembro de 2004

Guterres

Pode não se gostar de António Guterres por muitos motivos (fui um dos seus críticos nas suas funções de primeiro-ministro). Mas não se pode acusá-lo de falta de clarividência na análise da situação internacional e nas ideias de reforma das Nações Unidas, como revela na excelente entrevista hoje publicada na Capital (infelizmente disponível só em pequena parte na edição online do jornal).

De vez em quando...

... há momentos de racionalidade no meio do coro populista. Por exemplo, este texto de J. M. Leite Viegas no Público de hoje sobre o referendo da Constituição europeia (entretanto adiado por efeito da dissolução da AR e convocação de eleições parlamentares).

Demissão do Governo

«O momento presente exige análises racionais, que evitem as conclusões mais pelo que se deseja do que pela realidade em si. (...) O governo demitiu-se não pela compreensão de Santana Lopes da sua limitação no estado actual, mas pelo desejo de criar mais um incidente político, concorrente na propaganda populista que lhe é peculiar. Repare que, no próprio dia da demissão do governo, Dias Loureiro dizia que não fazia sentido que o governo se demitisse, a não ser para prolongar uma guerrilha institucional que não beneficia o país (cito de cor). E é verdade.
O governo - se tivesse a noção da situação e o sentido dos valores democráticos - só podia sentir que não estava em condições de governar para além da gestão corrente. Essa era já uma situação clara, com ou sem demissão. Deveria resultar do seu sentido democrático. Não o entendeu assim e demitiu-se - como muito bem diz - convocando "uma manifestação do conselho de ministros" para atacar o Presidente e, sobretudo, vitimizar-se, lamuriar-se, chorar, ...
Isto é tudo tão mau que ainda não tenho a certeza de que seja Santana Lopes a disputar as eleições.»

(HJ)

«Uma enorme tragédia...»

«Desabou sobre o Mundo uma enorme tragédia, que foi o desaparecimento da União Soviética» --, assim declarou ao Expresso Domingos Abrantes, um dos mais zelosos guardiões da ortodoxia "marxista-leninista" do PCP. Há gritos de alma assim, inequívocamente reveladores do que persiste no fundo da alma dos comunistas portugueses.

Responsabilidade financeira, precisa-se

Em declarações ontem proferidas na Covilhã, José Sócrates prometeu que com um Governo socialista não haverá portagens nas auto-estradas que hoje beneficiam do regime SCUT (gratuitidade para os utentes), nomeadamente a da Beira Interior.
Não é uma boa promessa, quer em termos de custos financeiros, quer em termos de equidade social. Nos próximos anos os recursos financeiros do Estado vão ser demasiado escassos para responderem às inevitáveis subidas dos custos da saúde e da segurança social e às necessidades de investimento que o desenvolvimento do País reclama. Gastar um ror de dinheiro para benefiar uma pequena parte dos camionistas e automobilistas portugueses é, além de incomportável, injusto.

sábado, 11 de dezembro de 2004

A demissão do Governo

Defendi que o Governo se deveria ter demitido logo quando o Presidente da República anunciou a sua intenção de dissolver a AR e antecipar eleições. Primeiro, faz pouco sentido que o Governo se mantenha em funções normais com a Assembleia dissolvida, e portanto sem base parlamentar; segundo, e sobretudo, tendo em conta as razões da dissolução -- ou seja, o descrédito e a instabilidade criados pelo Governo --, só com uma extraordinária falta de dignidade e de amor próprio do Primeiro-Ministro é que ele se poderia manter como se nada tivesse ocorrido. Este demite-se finalmente depois de o PR ontem ter anunciado que, apesar de o Governo se não ter demitido, o considerava "politicamente limitado", o que tornou insustentável a sua posição. Passando a "Governo de gestão" em virtude da demissão, as coisas tornam-se mais lógicas e coerentes, acabando a ficção de um Governo em funções normais.
Só é pena que para tirar, atrasadamente, as consequências óbvias da dissolução, Santana Lopes tenha tido a necessidade de convocar uma manifestação do conselho de ministros à frente da televisão para atacar o Presidente. É uma pura manobra de diversão para esconder o óbvio, ou seja, a equívoca e comprometedora situação em que o Governo se encontrava.

Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ensandeceram?

Não conheço os pormenores do caso, mas acho inacreditável que a juíza Maria da Graça Mira, apoiada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, condene o jornalista Manso Preto por este ter faltado ao seu dever de colaboração com a justiça, negando-se a identificar uma sua fonte de informação.
Ainda por cima a juíza sublinha, de acordo com o Público de hoje, o "carácter pedagógico" dos 11 meses de prisão a que condena o jornalista. Fica assim feita a pedagogia para o próprio e para toda a classe: "mininos!" - toca a esquecer o Código Deontológico e passar a revelar aos tribunais a identificação das pessoas que nos fornecem informações sob condição de sigilo profissional!
Os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa ensandeceram? Consideram que o eventual apuramento da verdade num caso criminal é mais importante do que a confiança dos cidadãos no segredo profissional dos jornalistas? Preferem apurar os factos de um caso de tribunal à Liberdade de Informação? Ou não sabem que não existe verdadeira Liberdade de Informação sem a garantia da confidencialidade das fontes?
Já não nos bastava o inacreditável facto de que um jornalista gravava conversas confidenciais, para ainda termos de ver isto? Alguém me explica o que terá passado pela cabeça dos senhores juízes?
JW

A metamorfose do PSD

A aceitação da coligação pré-eleitoral com o CDS-PP torna manifesta a deslocação do PSD para a direita e revela o desrespeito de Santana Lopes pelo sentimento contrário do partido evidenciado no recente Congresso.
É certo que a coligação pode, por um lado, poupar o PSD à flagelação a que o PP não deixaria de o sujeitar como principal responsável pela imagem de incompetência e instabilidade do Governo e, por outro lado, atenuar a expressão da previsível derrota nas eleições e diluir as culpas por ela. Mas é evidente que se a soma dos votos de ambos os partidos numa lista conjunta pode trazer mais alguns deputados à coligação, também é verdade que a aliança com o PP de Portas pode alienar para o PS uma parte do eleitorado de centro-direita que costuma votar PSD, ampliando portanto as hipóteses eleitorais dos socialistas. Por isso, em vez de antídoto contra uma ambicionada maioria absoluta de Sócrates, a coligação da direita bem pode ser um argumento a favor dela.

Exige-se melhor

Programa "Expresso da meia-noite" da Sic Notícias.
Uma jovem cientista política, criticando a decisão de Jorge Sampaio, diz duas vezes -- o que afasta a hipótese de lapso -- que na França o Presidente da República nunca dissolve um parlamento em que exista uma maioria governamental. Erro: a regra é o Presidente recém-eleito dissolver a Assembleia se nela existir uma maioria de orientação política diversa da sua.
Um credenciado analista de sondagens políticas assevera que todos os chefes de Estado de regimes parlamentares gozam do poder de livre dissolução do parlamento. Erro: num regime parlamentar típico trata-se de um poder puramente nominal do chefe do Estado, que é exercido sob proposta do primeiro-ministro para antecipação de eleições, não havendo portanto em regra dissolução contra a maioria de governo em funções.
Num programa de televisão de referência exige-se melhor.

Autoridades reguladoras

1. Tendo em conta alguns comentários que recebi sobre as autoridades reguladoras independentes, penso justificarem-se algumas notas adicionais. Trata-se de autoridades com funções administrativas (algumas das suas funções eram antes de direcções-gerais ou institutos públicos), pelo que faz pouco sentido atribuir poderes nessa matéria ao PR, a não ser que se altere o seu perfil constitucional.
2. A desejável "desgovernamentalização" da função regulatória não tem de passar por aí. A nomeação dos dirigentes das Autoridades reguladoras já é feita por um período de cinco anos, precisamente para ser maior do que a legislatura, sendo nesse período inamovíveis, salvo pelas razões excepcionais previstas nos Estatutos. Nada se ganharia, portanto, nesta matéria com a nomeação presidencial.
3. Reforçar o controlo parlamentar sobre a escolha e sobre a actividade das entidades reguladoras ajudaria à legitimidade destas Autoridades, ao reforço da sua independência e à transparência das suas decisões, precisamente as questões mais sensíveis do modelo.
4. É certo que o modelo das autoridades administrativas independentes, de raiz norte-americana, é estranho à nossa tradição administrativa (e em geral à de toda a Europa continental). Mas ao fim destes anos de convivência com elas (Banco de Portugal, CMVM, ANACOM, ERSE e agora a Autoridade da Concorrência e a da Saúde) era bom que começássemos a perceber as vantagens deste modelo, melhorando a nossa cultura de regulação. Entre elas estão a especialização técnica, a auto-suficiência financeira e protecção de determinados sectores da influência do poder político e da pressão dos grupos de interesses, evitando, além do mais, as decisões de acordo com os ciclos eleitorais. O "senão" da falta de "accountability" perante o parlamento e perante o público pode ser minorado. Modelos perfeitos só em Hollywood!
5. Um das tarefas principais das entidades reguladoras é fixar ou controlar as tarifas das actividades em regime de monopólio, de acordo com critérios predefinidos. Se uma empresa em monopólio, como a EDP, fixasse livremente os preços, é natural que fossem maiores os dividendos dos accionistas e superior o valor das suas acções, mas à custa do preço da energia e dos interesses de todos os consumidores. Para evitar que assim aconteça é que as tarifas têm de ser reguladas, enquanto não houver concorrência.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2004

O rosto de um herói

"We all live in the gutter, but some of us look at the stars"
Oscar Wilde

Esta história foi contada no New York Times e referida hoje por Jacinto Lucas Pires na sua crónica d'A Capital:

Viktor Iuschenko, o candidato da oposição na Ucrânia - que, tudo indica, terá sido envenenado -, dirige-se à multidão de um púlpito em Kiev. Sobe e pergunta,

"Gostam da minha cara?"

Silêncio da multidão perante um homem cujo rosto se desfigurou em poucas semanas.

"Gostam da minha cara?" - repete Iuschenko.

"É esta a cara da Ucrânia de hoje".

E, súbito, num mundo cada vez mais deserto de referências e símbolos, um político entrou para a História.

"Democracia"

Acaba de ser anunciada no Iraque a constituição das listas xiitas às eleições iraquianas previstas para fim de Janeiro próximo, legitimadas pelo seu próprio líder religioso, Ali Sistani. Como se trata, de longe, da comunidade religiosa mais populosa, está antecipadamente assegurada a sua vitória. É aliás por isso que eles têm sido os principais opositores a qualquer adiamento das eleições, apesar da violência e da insegurança em muitas zonas do País.
O problema que se põe é se se pode esperar algo de parecido com uma democracia com base em eleições disputadas entre facções religiosas e na vitória de uma delas, que não hesitará em subjugar as demais. Se mesmo na Irlanda do Norte se sabe qual é o resultado da política assente em clivagens religiosas, as perspectivas iraquianas só podem ser pessimistas. Uma democracia não equivale à tirania de uma facção religiosa, por mais maioritária que seja. Numa sociedade dividida, reduzir a democracia ao triunfo da maioria eleitoral, ainda por cima com base numa hegemonia religiosa, pode ser a receita para o desastre.

Na massa do sangue

Num óbvio e precipitado gesto de propaganda pré-eleitoral, o ministro da Defesa, Paulo Portas, vem anunciar triunfalmente, de voz embargada por fingida emoção, que a extinta Bombardier, da Amadora -- a cujo encerramento este Gobverno assistiu sem protesto --, vai ser associada a um projecto de fabrico de viaturas blindadas para as forças armadas. Mas o ministro das Actividades Económicas, Álvaro Barreto, apanhado de surpresa pelos jornalistas, veio negar que houvesse já um acordo estabelecido sobre o assunto.
Demagogia até ao fim! Está-lhes na massa do sangue.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2004

"Double standards"?

O Economist desta semana acha que a decisão da Comissão europeia de proibir a incorporação do gás natural na EDP é acertada, pois criaria um único grupo energético integrado no nosso país, diminuindo a concorrência no sector e prejudicando por isso os consumidores. Observa, porém, que não foi seguido idêntico critério em situações semelhantes na Alemanha e na França, insinuando que os monopólios só são proibidos quando se trata de pequenos países. No entanto, é de notar que no caso alemão existe mais do que um grupo energético e no caso francês a electricidade e o gás continuam separados, pelo que as situações não são coincidentes.

Intransigência

Os Estados Unidos não descansam na sua luta contra o Tribunal Penal Internacional. Acaba de ser aprovada no Congresso e assinada pelo Presidente a "emenda Nethercutt", segundo a qual os países que tenham ratificado o Estatuto de Roma e que não tenham assinado com os Estados Unidos o acordo de imunidade perante o ICC em favor dos seus cidadãos deixam de poder beneficiar de mais um fundo de ajuda financeira norte-americana, o Economic Support Fund (ESF), que financia uma variada lista de programas de assistência internacional, desde cadeiras de rodas até à luta contra a sida. Este corte vem acrescentar-se ao que já tinha sido aprovado em 2002 em relação a outras ajudas.
O império faz valer os seus trunfos, sem complacência.

A dissolução parlamentar

«(...) Não deixo de notar que há um consenso relativo à dissolução ser principalmente motivada pela instabilidade crescente do executivo bem como pelo desvio de rumo. Eu admito que assim seja, mas se for sentir-me-ei profundamente frustrado em relação aos políticos em geral e, em particular, em relação ao Presidente da República porque a sensação que me dá é que nos escudamos em razões de pormenor e deixamos o país seguir o rumo em que está.
Outro alento e respeito pela decisão ser-me-ia dado pelo PR se as razões da dissolução conduzissem à ausência das famigeradas reformas estruturais que todos os quadrantes políticos dizem reconhecer com necessárias sem nada fazer e que o PR vem reclamando insistentemente nos seus discursos à Nação. Eu não sei se ele o pode fazer, nem sequer se é esse o seu sentimento, e também não sei se, o podendo, terá a coragem política necessária. Receio bem que, a acontecer, os eleitores não alcancem o verdadeiro significado da decisão e que a resposta seja dada pelos principais partidos com mais uma revisão constitucional que reduza os poderes presidenciais e reforce o carácter parlamentar («partidocrático») do nosso regime. (...)»


(Luís Malheiro)

Caudilhismo

A extraordinária acusação de "caudilhismo" lançada pelo ainda ministro Morais Sarmento contra a decisão de convocação de eleições antecipadas, para além do propósito ofensivo em relação ao Presidente da República, revela também a profunda ignorância do autor acerca das categorias políticas. O caudilhismo é um expressão de liderança carismática de políticos populistas, normalmente de chefes militares. Freitas do Amaral tem toda a razão, quando diz que se há alguém com vocação caudilhista entre nós é obviamente... Santana Lopes! Há ocasiões em que mais valera estar calado.