sexta-feira, 8 de setembro de 2006

O acordo (6): Os juízes

Por último, no que respeita ao estatuto dos juízes, também há mudanças que desde há muito se impunham, incluindo quanto à famigerada subvenção substitutiva da "casa de função" (que continuava a ser paga mesmo depois da cessação de funções activas!) e quanto ao regime de aposentação e de reforma, que passa a ser o dos demais "servidores do Estado" (o qual, de resto, para os novos entrantes desde o início do corrente ano, é o regime geral da segurança social).
Cessam assim os privilégios da magistratura neste capítulo. Só não se compreende por que é que se há-de manter o direito à "casa de função" (ou ao seu generosíssimo sucedâneo financeiro), quando os outros titulares de cargos públicos só têm direito a subsídio de habitação se exerçerem funções fora do seu local de residência e quando as razões para aquela regalia (associada à antiga obrigação de mobilidade territorial dos magistrados todos os seis anos) deixaram de existir.

O acordo (5): O Conselho Superior da Magistratura

No que respeita ao Conselho Superior da Magistratura as mudanças também vão no bom sentido: (i) reconhecer-lhe autonomia administrativa e financeira, tornand-o portanto mais responsável; (ii) viabilizar o exerício a título pleno do cargo pelos membros leigos do CSM, tornando-o um órgão efectivamente misto e não essencialmente um órgão de autogestão da magistratura, como na prática é.
Penso, porém, que estas reformas devem ser acompanhadas pela expressa institucionalização da responsabilidade "política" do CSM, designadamente pela apresentação de um relatório anual à Assembleia da República. Como órgão de governo da magistratura, o CSM não está imune ao dever geral de "accountability" pública pelo exercício das suas funções, que é própria de um Estado democrático.

O acordo (4): Acesso à magistratura e aos tribunais superiores

No acesso à magistratura e aos tribunais superiores também há subtanciais novidades dignas de aplauso, sendo de destacar quatro: (i) o acesso à magistratura passa a ser aberto, em pé de igualdade, a jovens graduados em direito (com valorização específica dos mestrados e doutoramentos) e a profissionais (não necessariamente juristas) com currículo profissional adequado para a magistratura (acabou-se a ideia do juiz "formado para juiz desde a origem"); (ii) o acesso aos tribunais superiores passa a ter em conta somente o mérito, incluindo uma prova pública de apreciação do currículo dos candidatos (acabou-se a promoção por antiguidade, totalmente descabido no acesso a cargos públicos); (iii) o acesso aos tribunais supremos passa a incluir uma quota obrigatória de 1/5 de juristas de mérito alheios à magistratura (acabou o boicote à entrada de leigos no STJ); (iv) vai ser reduzido o número de juízes no STJ, acabando com o manifesto excesso hoje existente.
No segundo e no terceiro caso trata-se, aliás, de dar execução a normas contituicionais persistentemente desrespeitadas até agora. Só é pena que não se tenha sido mais ambicioso no acesso de não juízes ao STJ...

Aditamento: O acordo só fala nos tribunais judiciais. Mas não se vê razão para não aplicar os memos princípios oas tribunais administrativos e fiscais.

O acordo (3): A divisão judicial do território

Uma das mais inovatórias -- e mais positivas -- reformas é a que diz respeito ao mapa judiciário, passando a organização judiciária a corresponder à divisão administrativa do território, com base nas NUT III (agrupamentos de municípios) e das NUT II (as 5 regiões-plano do continente), o que lhe confere muito maior clareza e racionalidade. Na base haverá portanto "macrocomarcas", com a agregação das actuais comarcas da mesma NUT III, o que permitirá enormes ganhos de eficiências em termos de quadros de magistrados e de pessoal, bem como de gestão de recursos materiais e humanos.
Quanto aos tribunais de relação, a correspondências às NUTs II implicará a criação de um TR no Algarve (e nos Açores e na Madeira?) e a extinção do TR de Guimarães (cuja racionalidade nunca compreendi).

O acordo (2): O processo penal

No que respeita ao processo penal, merecem destaque as soluções para o segredo de justiça, as escutas telefónicas e a prisão preventiva. O âmbito do segredo de justiça é drasticamente reduzido, mas em contrapartida torna-se vinculativo para toda a gente (acabando a peregrina tese que isentava dele os jornalistas, que sempre critiquei); as escutas telefónicas são também restringidas, passando o seu procedimento a estar mais salvaguardado; o mesmo sucede com a prisão preventiva.
Para além da bondade das soluções em si mesmas, incluindo em termos de garantias dos direitos individuais, elas vão contribuir seguramente para a diminuição da conflitualidade jurídica em matéria processual-penal.

O acordo (1): A justiça como questão de Estado

O acordo político entre o PS e o PSD sobre a reforma da justiça é um excelente acordo em todos os aspectos. Primeiro, pelo seu conteúdo, permitindo uma profunda reforma da justiça, num bom sentido (se algumas soluções pecam por alguma coisa é por defeito, não por serem erradas). Segundo, o acordo dá à reforma um apoio político alargado, o que diminui a possiblidade da sua contestação, sobretudo por parte dos juízes. Terceiro, trata-se de um acordo win-win, em que ambos as partes ganham: o PS, porque leva a cabo o seu programa de reforma da justiça, sem grandes transigências, com o apoio do principal partido da oposição; o PSD, porque se torna corresponsável por uma grande reforma e faz valer a sua posição sobre a consensualização das reformas que têm a ver com a construção do Estado. Por outro lado, nada impede os demais partidos de, na fase parlamentar, contribuir para a implementação concreta das reformas (muitas das soluções deixam um margem de livre decisão legislativa) e propor soluções adicionais.
Há um outro aspecto digno de destaque. Este acordo é um compromisso entre partidos, e não um pacto misto entre Estado e as profissões jurídicas, como muitos propunham, numa promiscuidade negocial que só podia reverter em favor das segundas. Pelo contrário: como disse um dos protagonistas, este acordo é o triunfo do Estado sobre as corporações.

"Sobrevivências corporativas"

Pode agora ler-se na Aba da Causa o meu artigo desta semana no Público, com o título em epígrafe, onde retomo a "provocação" de extinguir a ADSE, o subsistema de saúde privativo dos funcionários públicos.
Na minha caixa de correio há quem me chame nomes feios por causa dele. Mas já estou habituado: ainda está para ocorrer o milagre em que, denunciado um privilégio, os seus beneficiários não venham protestar que se trata, afinal, de um direito justíssimo!

Correio dos leitores: Azambuja

«Assisti ao telejornal da RTP1 e à reportagem em directo da fábrica da General Motors na Azambuja. Daquilo a que assisti, retive que:
- a GM propôs uma indemnização de 1,75 x salário mensal por cada ano de trabalho (para além do exigido na lei que, creio, para o caso dos despedimentos colectivos obrigar a uma indemnização de 1 salário mensal por cada ano de trabalho);
- os trabalhadores acham a proposta "insultuosa", e, aparentemente, querem os salários por inteiro até 2009, que era a data prevista de fim de produção do actual modelo Combo. E enquanto a GM não vergar às exigências deles, paralisam a fábrica e bloqueiam-lhe os acessos.
Não conheço as razões do encerramento nem as motivações dos trabalhadores da GM para tomar a atitude "Verão quente de 75" que tomaram, e como tal não posso apoiar ninguém (se os trabalhadores da GM têm a minha simpatia natural porque eu também trabalho por conta de outrem, também sei que tratar investidores à canelada não ajuda - a GM não pensará em voltar tão cedo e os outros pensarão duas vezes antes de investir em Portugal, e a nossa indústria é essencialmente subcontratada). (...)
Curioso é ninguém aparecer associado ao protesto na Azambuja... nem sindicatos, nem partidos políticos da oposição, nem advogados a querer negócio, ninguém. Se percebo bem que o PSD não queira aparecer (mesmo tendo oportunidade para reclamar com o governo PS), já a ausência da CGTP, do PCP ou do BE não deixa de ser curiosa.
Mudança dos tempos? Ou falta de fé na vitória final?»

Luís Malheiro

quinta-feira, 7 de setembro de 2006

Destinatário errado

O Presidente da Câmara municipal de Tavira pede à Ordem dos Médicos que actue contra o escândalo dos atestados médicos fraudulentos. Mas engana-se no destinatário. Como entidade de autodisciplina dos médicos, a OM é não-praticante confessa e assumida.

quarta-feira, 6 de setembro de 2006

" O mais ágil do mundo»

Ou como ideias simples e criativas produzem resultados!

Simplex, por favor

A 1ª série do Diário da República continua a ser enxameada por portarias do Ministério da Agricultura sobre zonas de caça. Há dias havia nada menos de 13-portarias-13! Não haverá meio de despachar tais portarias para a 2ª série do DR ou mesmo para a página electrónica do Ministério da Agricultura?

Mais rigor, precisa-se

Os media deram relevo à notícia de que o Tribunal de Justiça da UE confirmou a decisão da Comissão Europeia de 2002 que considerou ilícita a taxa reduzida dos impostos (IRS e IRC) nos Açores. Mas, ao contrário do que se deixou entender, não está em causa, em si mesma, a possibilidade de os impostos serem mais baixos nas regiões autónomas, mas sim o facto de isso poder funcionar como "ajudas de Estado" para certas empresas que não são afectadas pelos "custos de insularidade" (como as empresas financeiras e seguradoras), as quais são assim beneficiadas, o que afecta a concorrência.

Os amigos do PCP

O movimento desencadeado pelo Tugir e outros blogues para confrontar o PCP com as suas resonsabilidades em ter convidado as FARC da Colômbia para a Festa do Avante merece todo o apoio. O PCP solidariza-se com os métodos do seu inesperado aliado?

terça-feira, 5 de setembro de 2006

O processo eleitoral no Congo

(Intervençao no Plenário do PE em 4/9/06)

Participei na missão de observação eleitoral do Parlamento Europeu na República Democrática do Congo.
Visitei mais de quarenta mesas de voto em diferentes bairros de Kinshasa e tive o privilégio de observar até ao fim da contagem o trabalho de uma dessas mesas, em Dima - apenas uma de mais de 250.000 espalhadas por todo o país. Admirei a dedicação paciente do povo congolês, homens e mulheres, membros das mesas de voto e votantes. Todos me disseram, com uma seriedade comovente, que do seu empenhamento e vigilância na execução das tarefas eleitorais dependeria a autenticidade da escolha do povo, dos mais de 25 milhões de eleitores que foram registados numa operação logística de proporções épicas. E dessa escolha dependeria a paz, a democracia e o desenvolvimento do seu país.
Esta operação - e de facto, todo o processo de transição da RDC desde 2003 - não podia ter chegado até aqui sem a União Europeia. As eleições devem ser, assim, motivo de orgulho para o povo congolês, mas também para a Europa, que financiou a 80% as eleições presidenciais e legislativas, tendo a Comissão Europeia contribuído com 165 milhões de EUROS.
O envolvimento da UE na RD Congo desde o fim da terrível guerra que devastou o país tem sido o melhor exemplo da aplicação no terreno da doutrina de Segurança Europeia: ajuda humanitária e ao desenvolvimento, apoio técnico à desmobilização e ao desarmamento de milícias, sustentação do processo político e instrumentos da Política Europeia de Segurança e Defesa - todos são meios complementares usados de forma coerente para atingir um fim último - um Congo democrático, pacífico e próspero, controlando os seus fabulosos recursos em favor do seu povo.
Quanto à EUFOR, a força militar europeia que já teve, depois da votação de 30 de Julho, um papel decisivo em acalmar os ânimos entre as forças dos candidatos presidenciais Kabila e Bemba, deve considerar-se desde já a possibilidade de prolongar o seu mandato até à tomada de posse do novo governo, em fins de Janeiro, de forma a garantir que o processo eleitoral seja levado até ao fim com sucesso. O maior erro seria deixar o trabalho a meio.
Porque o processo de transição continua no fio da navalha. Os combates de 21 e 22 de Agosto na capital, entre a guarda presidencial e as milícias do Vice-Presidente Jean Pierre Bemba, demonstraram que o recurso à violência armada se mantém como opção para principais actores políticos. Demonstraram também aquilo que talvez tenha sido a maior - e mais perigosa - falha no processo de transição: a incapacidade de forjar um exército nacional unificado na RDC. De acordo com o International Crisis Group apenas 50% do trabalho de integração das forças armadas foi feito. Não só Azarias Ruberwa e Jean Pierre Bemba mantêm ainda exércitos privados. O próprio Presidente Kabila tem resistido a submeter a sua guarda presidencial ao processo de brassage e foram as suas forças que desencadearam os confrontos armados em Agosto último.
Seja qual for o resultado das eleições legislativas e presidenciais, a prioridade da comunidade internacional na RD Congo deve ser a desmobilização das milícias e o auxílio à criação de um exército único congolês que seja visto pelos congoleses como um factor de estabilidade e autoridade democráticas.
Mas neste momento, não são as armas congolesas ou europeias que vão garantir o sucesso final do processo eleitoral congolês. Isso depende sobretudo dos congoleses. E das congolesas. Como a candidata independente ao parlamento Eve Bazaiba Masudi, membro da ONG CAFCO (Cadre Permanent de Concertation de la Femme Congolaise) - composta por mulheres que se batem corajosamente pela paz, democracia e direitos humanos. Em estreita coordenação com a MONUC, Eve e outras mulheres representativas da sociedade civil congolesa procuram mediar e chamar às suas responsabilidades os 'senhores da guerra' para que não voltem a precipitar o país numa espiral de violência.
É vital que a UE mobilize recursos para dar visibilidade e apoiar política e financeiramente as iniciativas de diálogo destas mulheres, através da Delegação da Comissão Europeia em Kinshasa e da Missão de Observação Eleitoral dirigida pelo nosso colega General Morillon, que vivamente saúdo, pelo excelente trabalho já cumprido.

Captura ideológica

Está marcado para dentro de duas semanas a segunda edição do Compromisso Portugal, uma iniciativa dos meios empresariais e de negócios para reflectir e fazer propostas de reforma do País.
Se possível, esta edição revela-se ainda mais caracterizadamente ideológica do que a primeira. A presença na comissão promotora de ideólogos da direita tão conspícuos como João Carlos Espada ou Rui Ramos não poderia ser mais expressiva do enquadramento político-doutrinário do evento.
É pena um tal "captura" (ou instrumentalização?) ideológica da iniciativa. Com isso ela perde muito do seu possível impacto.

O ponto de vista de quem sabe

«E o que é ainda mais espantoso é que, não satisfeita com o zelo demonstrado pela nossa federação nesta matéria, a FIFA vai prometendo aplicar sanções gravíssimas a quem, manifestamente, nada tem a ver com este caso (os clubes que disputam competições europeias e a própria selecção nacional). A FPF tudo fez, faz e promete fazer para assegurar o cumprimento das normas da FIFA: despromoveu o Gil [Vicente], instaurou-lhe um processo disciplinar, suspendeu-o de todas as competições desportivas nacionais... Que mais quer a FIFA?»
(Prof. João Leal Amado, ontem no Público - link só para assinantes.)

Afinal, Israel sempre negoceia com "terroristas"

«Hezbollah e Israel aceitam mediação da ONU sobre prisioneiros». Sabendo-se que era esse o propósito do Hezbollah ao capturar os soldados israelitas, por que é que Israel não aceitou as inevitáveis negociações, em vez de se lançar na guerra, com os custos humanos e materiais que ela teve, para agora ter de aceder ao que inicialmente recusou?

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

Más notícias do Afeganistão

(Origem da imagem: New York Times)
Já se sabia das dificuldades em restaurar a segurança e em estabilizar a situação política no País, depois da deposição do regime talibã. A desastrosa aventura americano-britânica no Iraque diminuiu perigosamente os meios e o empenhamento internacional no Afegabistão, apesar de se tratar de uma intervenção legitimada pelas Nações Unidas.
Agora sabe-se, pelo New York Times, que a produção de ópio vai atingir este ano uma colheita record, superior em 50% ao ano anterior! O mercado mundial de estupefacientes não vai ter falta de abastecimento e os rebeldes talibã não vão ter falta de meios financeiros.

Who cares?

(Fonte da imagem: New York Times)
Enquanto as atenções do Mundo e das Nações Unidas continuam centradas no Médio Oriente (Líbano, Iraque, Irão...), longe daí, no Darfur, Oeste do Sudão, o desastre humanitário continua, prosseguem as atrocidades perpetradas pelas milícias árabes contra as tribus rebeldes da região, num conflito que já causou dezenas de milhares de mortos e centenas de milhares de refugiados. O acordo de paz de Maio passado, alcançado em Abuja (Nigéria), não está a ser implementado; as forças de manutenção de paz da União Africana não têm continuidade assegurada; o governo sudanês rejeita uma força das Nações Unidas; os Estados Unidos e a Europa, ocupados com o Médio Oriente, puseram a questão para segundo plano (de onde, aliás, nunca saiu).
É a África profunda. Who cares?

domingo, 3 de setembro de 2006

Que país, este!

Mais uma investigação comprova o laxismo e a irresponsabilidade médica na passagem de "atestados de doença". Mais grave é ainda a "explicação" do bastonário da Ordem dos Médicos, ao dizer que os médicos «não são polícias».
Mas não é verdade que o papel dos médicos é verificar se os alegados doentes estão realmente doentes, antes da passagem do certificado? E sendo (ou devendo ser) uma infracção deontológica grave a passagem de atestados sem fundamento, não é papel da Ordem investigar e punir as infracções disciplinares? Perante os resultados desta investigação, com dados concretos, vai a Ordem desencadear algum processo? Se não, como tudo indica, então não é evidente a cumplicidade da Ordem com as prevaricações dos seus membros?

Uns destroem, outros pagam

Reuniu-se uma conferência de países doadores para a reconstrução do Líbano. Israel destrói, o mundo paga. Ainda bem que há quem esteja disposto a ajudar. Mas não seria melhor aplicar o princípio destruidor - pagador?

Correio dos leitores: Ainda a ADSE

«Estranho que se fale em privilégio quando se fala em beneficiários da ADSE. Já fui beneficiário da Segurança Social; hoje estou ligado ao subsistema da função pública, porque há 17 anos ingressei no quadro de uma Câmara Municipal. Padeço, há 20 anos de uma doença degenerativa, e, podem crer, sou mais prejudicado agora, na ADSE, do que quando tinha a outra protecção social.
Posso dar-vos um exemplo muito claro: a legislação prevê que os doentes de determinadas patologias crónicas têm direito à isenção de taxas moradoras. Pois bem, tal me é reconhecido, mas só apenas quando recorro a serviços dependentes do SNS (hospitais e centros de saúde), enquanto que os beneficiários da Segurança Social estão plenamente isentos, seja nos hospitais e centros de saúde, seja, por via das convenções, quando recorrem aos serviços privados.
No meu caso, como não tenho outra alternativa que não seja recorrer às clínicas privadas para fazer análises, fisioterapia e exames, diagnóstico, etc., porque o serviço público muito raramente satisfaz estas necessidades, lá sou obrigado a pagar as taxas moderadoras. Como os meus tratamentos são diários, no final do ano somo balúrdios de valores pagos, o que considero uma injustiça.
(...) Eu sei que há abusos por parte de certos beneficiários da ADSE, como há abusos de pessoas que recebem o subsídio de desemprego e estão a trabalhar, mas temos que ser cuidadosos e atentos com assuntos desta natureza. Acabem lá com as comparticipações privilegiadas por coisas de somenos importância, como, por exemplo, certos serviços dentários e de natureza idêntica, mas não acabem com o essencial invocando o acessório com sofismas perversos.»

J. C. Pereira

sábado, 2 de setembro de 2006

Complexos...

Portugal e Espanha são vizinhos e parceiros europeus. Vão ambos mandar militares para a Força de Paz da ONU no Líbano. Espanhóis vão cerca de 1.000. Portugueses 140.
Mas parece que há quem queira criar alvoroço em torno da possibilidade do contigente militar português poder ficar sob comando espanhol.
E então?
Há medo de quê?
Que, do contágio com «nuestros hermanos», num àpice se nos derreta a soberania, se nos esborrate o ardor nacional, se nos esboroe a alma lusa?
Ora, não será já tempo de perder complexos e nos deixarmos de pacóvios requisitos soberanistas que só denunciam insegurança e inferioridade?
Cantaria mais o Galo de Barcelos sob comando turco ou letão?

Falta de clientela

«E o essencial, na minha opinião, é tentar perceber por que é que a direita, nas suas mais diversas encarnações, não consegue vingar em Portugal. O fim de O Independente não representa apenas o fim de um ciclo: revela sobretudo o triunfo de um regime que destrói qualquer tipo de alternativa» (Inês Serra Lopes, directora do agora extinto O Independente, em artigo no Público de ontem).
Esta extraordinária afirmação suscita três comentários: (i) Fica a saber-se que o semanário não passava de órgão da direita "anti-regime"; (ii) Constata-se que as facções da direita anti-sistema se consideram sempre "a verdadeira direita", e que para elas o fracasso dos seus projectos constitui uma derrota da direita, em geral; (iii) Com adversários destes o "regime" pode muito bem, sem necessidade de fazer nada para as "destruir": eles encarregam-se de ir à falência, por falta de clientela.
A morte de O Independente é simplesmente a morte das ilusões acerca de projectos de imprensa politicamente militante.

Reciprocidade

Nas discussões públicas que raramente vou tendo (na blogoesfera e fora dela) tenho por regra discutir somente ideias e argumentos, e não atacar os seus autores. E espero reciprocidade. Quando esse pressuposto falha, só tenho que declarar a conversa acabada.

sexta-feira, 1 de setembro de 2006

Vizinhos

O primeiro país que Cavaco Silva visita como Presidente da República é a Espanha. O segundo deveria ser o Brasil. São os nossos vizinhos mais chegados: o primeiro, geograficamente; o segundo, afectivamente. É bom saber que estamos de bem com a geografia e com a história.

Boas práticas democráticas

Julgo ter contribuído, há muitos anos, para firmar a ideia de que o envolvimento das forças armadas em missões externas necessita do consenso do Presidente da República, como "comandante supremo das forças armadas" que constitucionalmente é, sendo esse um dos traços do seu "poder moderador" (o que não contraria a minha contestação da leitura "semipresidencialista" do nosso sistema de governo).
Além disso, porém, tratando-se justamente de uma democracia parlamentar, os princípios aconselhariam a não ignorar o parlamento nestas questões, devendo o Governo levar o assunto à Comissão Permanente da AR, ou pelo menos à comissão parlamenter de defesa. Mesmo que se entenda que isso não é constitucionalmente obrigatório (o que admito ser controverso), a democracia também é feita de "boas práticas".
Dada a tradição parlamentarista do PS, não lhe ficava nada mal inaugurar essa prática.

Ainda o caso de Setúbal

1. Em nota hoje publicada no Público (link só para assinantes), o gabinete de imprensa do PCP afirma ser falso que «a argumentação do PCP contra a nomeação de Santana Lopes alguma vez tenha incluído o argumento de que este não se tinha submetido a votos», ao contrário do que eu referia no meu artigo no mesmo jornal de 3ª feira passada, reproduzido na Aba da Causa. Aqui fica a correcção desse erro involuntário, como é devido.
Tratando-se de uma questão de facto pontual, o resto de meu artigo mantém-se integralmente.
2. Também no Público, o Prof. Jorge Miranda publicou ontem um artigo (link só para assinantes) sobre o caso de Setúbal, contestando a posição daqueles que defendem que «o mandato dos representantes eleitos pertence aos partidos».
Como não defendi, nem sustento, tal tese, a posição de JM não constitui uma crítica ao meu texto, mesmo quando não acompanho inteiramente a sua opinião (em especial quando nega qualquer diferença entre mandatos executivos e mandatos deliberativos para efeitos da avaliação pelos partidos do mandato dos seus representantes).

Hezbollah 0, Israel 0 = ganha o Irão

Já está na ABA DA CAUSA o artigo que hoje publico no "COURRIER INTERNACIONAL" sobre a crise no Médio Oriente.
Nele defendo que uma nova estratégia para a paz tem de passar pelo fim da ocupação e criação de um Estado da Palestina viável e democrático:
"A Europa tem também de assumir a 'responsabilidade de proteger': como já sugeriu o novo MNE italiano, a UE deve preparar o urgente envio de uma força de paz para Gaza. Palestina e Israel estão hoje visceralmente ligados, para o bem ou para o mal: quanto mais se afunda a Palestina sob ocupação, mais se perde Israel também. E todas as metástases terroristas que afligem o Mundo continuarão a alimentar-se deste cancro".

Correio dos leitores: Salários

1. «A propósito de [comparações de salários], ainda mais elucidativo seria comparar a relação entre o salário mínimo e a produtividade, não sei porquê acho que para aquilo que fazemos estamos muito bem pagos, demasiado bem pagos...»
P. Cirne

2. «(...) Sendo nós um país da União Europeia o valor do salário mínimo nacional deve envergonhar-nos. Mais ainda. O valor do salário médio nacional é igualmente motivo de vergonha. São valores como estes - entre tantos outros - que fazem com que a nossa imagem internacional seja a de um país irremediavelmente perdido na cauda da Europa e não exista nenhuma missão internacional, por mais meritória que seja, que permita alterar esta imagem. (...)
Permito-me ainda acrescentar que existe uma relação directa entre o salário mínimo nacional e o salário médio nacional. Se este é indiscutivelmente baixo, a forma mais imediata de o elevar é aumentar o salário mínimo nacional. (...) Aumentando este aumentará, inevitavelmente, aquele. Isto para não falar que não é possível crescimento económico num país onde as pessoas recebem salários tão baixos que apenas podem suportar ? e mal ? as suas despesas essenciais com a habitação, a saúde e a educação.»

M. E. Sampaio