terça-feira, 13 de abril de 2021

Pandemia (57): Assim, não!

Começou na semana passada, nos centros de saúde, a segunda fase da vacinação, destinada à faixa etária abaixo dos 80 anos. Verifiquei, porém, por experiência própria, que as coisas não são tão simples como era devido.

Assim: (i) o link indicado no site do programa de vacinação do Ministário da Saúde não funciona; (ii) os telefones do meu Centro de Saúde não atendem as minhas chamadas (uma dezena de tentativas devidamente registadas a várias horas); (iii) o email que enviei para o mesmo Centro de Saúde, com aviso de receção, continua sem qualquer resposta...

Obrigar uma pessoa a dirigir-se previamente à USF para marcar a vacinação constitui uma exigência francamente desproporcionada e, para muitas pessoas, uma violência gratuita. O direito à vacina devia estar mais facilitado...

Adenda
Acabam de me ligar a marcar a vacina, provavelmente sem ter nada a ver com este post. Assunto resolvido, portanto. Mantenho, porém, a queixa quanto à dificuldade de comunicação com o centro de saúde, que devia ser mais amigo dos utentes, sobretudo em época de pandemia.

Adenda 2
Um leitor de pergunta se consinto ser vacinado com a Astra-Zeneca. Não perguntei, nem faço questão disso. A probabilidade de ser vítima dos propalados efeitos secundários dessa vacina é seguramente inferior à possibilidade de ser atropelado na passadeira de peões da minha rua e muito inferior à possibidade de ser infetado com o vírus...

domingo, 11 de abril de 2021

Praça da República (52): O terramoto judicial

A decisão sobre a acusação no processo Marquês, não pôs a nu somente a incompetência e a parcialidade do Ministério Público na arrastada investigação (?) deste processo, desde a insólita detenção de Sócrates à chegada ao aeroporto de Lisboa, com prévio aviso à televisão. 

Fez revelar também o ódio político da imprensa que lhe deu prestimosa cobertura no julgamento e condenação antecipada na praça pública ao longo deste anos, com violação sistemática do segredo de justiça e dos direitos dos arguidos, assim como a incapacidade da direita mediática (Observador, Sol, Correio da Manhã) para aceitar as bases mais elementares do Estado de direito, como o respeito pelas decisões judiciais e a presunção de inocência dos arguidos em processo penal.

Por último, mas não menos preocupante, as reações à decisão do juiz de instrução na imprensa e nas redes sociais revelam o atávico corporativismo das instituições judiciárias, especialmente do Ministério Público, incluindo a  instrumentalização do respetivo sindicato.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

Concordo (18): Privatizações erradas


1. Concordo com esta opinão de que foi um erro privatizar integralmente a REN e a ANA - ambas privatizadas pelo Governo PSD-CDS durante o período da troika - e que o Estado deveria ter mantido uma minoria de bloqueio no capital dessas empresas.  

Como defendi na altura, questionando a sua privatização (AQUIAQUI e AQUI), trata-se de empresas que gerem infraestruturas vitais para o País (rede de transporte de energia e aeroportos) em situação de "monopólio natural", ou seja, fora do mercado, que, por isso, não deveriam depender inteiramente de estratégias empresariais privadas, aliás estangeiras, à margem do interesse público.

2. Infelizmente, há erros políticos irreversíveis, visto que a retoma de uma partipação pública relevante no capital dessas empresas importaria um investimento proibitivo em termos de finanças públicas, dado o seu impacto no défice orçamental e na dívida pública.

Oxalá, não nos deixemos cair na situação de crise orçamental de há dez anos, que forçou a realização de receita pública a qualquer preço, incluindo privatizações precipitadas, como as referidas. Mas quando vejo o Governo ser criticado, incluindo pelo Presidente da República, por no ano passado não ter esgotado a despesa autorizada pelo orçamento, assim evitando maior aumento do défice e na dívida pública, do novo em valores preocupantes, dou em pensar que a memória é curta e que este País não aprende com as provações passadas!...

sexta-feira, 2 de abril de 2021

O que o Presidente não deve fazer (29): Pior a emenda do que o soneto

Fiquei algum tempo estupefacto e incrédulo, ao saber que o Presidente da República proferiu esta frase - «É o Direito que serve a política e não a política que serve o Direito» -, em jeito de sentença pessoal sobre a generalizada reação negativa, no plano jurídico-constitucional e político, à promulgação das três leis da AR que criam nova despesa pública à revelia e sob protesto do Governo, e atropelando a norma-travão orçamental da CRP (que fui um dos primeiros a censurar).

Que MRS não tenha gostado de se ver generalizadamente criticado por ter circunvindo a Constituição e se tenha sentido "despeitado" pela iniciativa do Governo de recorrer ao Tribunal Constitucional, contra a sua expectativa, compreende-se. Mas que, num Estado constitucional, o Presidente da República, obrigado a cumprir e a fazer respeitar a Constituição, venha inverter a relação entre a política e a Constituição, proclamando o primado da política  (evocando, certamente por acaso, a célebre frase de Maurras, «politique d'abord»), não é somente incompreeensivel - é também inquietante.

Esta frase há de ficar entre as mais infelizes teses alguma vez defendidas por um Presidente da República no exercísio de funções, desde a aprovação da CRP há 45 anos. Importa contraditá-la frontalmente: num Estado-de-direito constitucional vale o primado da Constituição, pelo que não pode haver decisão política à margem da mesma, por mais meritória que se apresente, sobretudo se provinda do órgão que tem por missão a defesa da Constituição.

Um pouco mais de jornalismo, sff (18): O "coro grego"

Nesta peça de comentário da SIC Notícias, defende-se que houve um "coro" socialista contra o PR no caso da promulgação presidencial das três leis da AR, para proclamar aquilo que António Costa não podia dizer.

O comentário é desproprositado, visto que o que se verificou não foi um coro arregimentado pelo PS para atacar o Presidente (que, aliás, ninguém desconsiderou), mas sim um coro universal da comunidade constitucional, independentemente do quadrante político, sobre a violação da norma-travão orçamental da CRP. Bastava à jornalista da SIC ter em conta as peças da sua própria estação, por exemplo, aqui, aqui e aqui, para não citar outras fontes

Jornalismo politicamente sectário é uma contradição.

Memórias acidentais (14): Há 45 anos, a Constituição

1. Foi há 45 anos, a 2 de abril de 1976, que a Assembleia Constituinte, eleita em 25 de abril de 1975, um ano depois da Revolução, concluiu os seus trabalhos e aprovou a nova Constituição da República Portuguesa. 

Para mim não foi somente o culminar feliz de quase dois anos de dedicação praticamente exclusiva aos trabalhos constituintes, tendo integrado três comissões especializadas (Princípios fundamentais, Organização do poder político e Redação final), além da participação ocasional no trabalho de outras; tive também a honra de ser escolhido como relator da Comissão de redação final (que agregou e cerziu o texto final da Constituição a partir dos preceitos isoladamente aprovados ao longo do tempo) e de, nese dia festivo, ler perante os demais deputados o respetivo relatório.

Foi a última das minhas centenas de intervenções no plenário da Constituinte, mas foi seguramente a mais gratificante.

2. Sendo o único deputado do PCP com alguma formação constitucional -- a minha tese de mestrado em Coimbra tinha sido sobre um tema de direito constitucional --, fui naturalmente chamado a colaborar ativamente na preparação do projeto constitucional apresentado pelo partido (juntamento com J. J. Gomes Canotilho, Anibal Almeida, Lopes de Almeida e Silas Cerqueira) e, depois, a uma intervenção na Constituinte que estava longe de poder antecipar.

Com efeito, estando então o PCP politicamente mais empenhado na revolução do que na Constituição, tive de assumir durante a maior parte do tempo a condução do trabalho constituinte, sem nenhum dirigente político presente em São Bento a orientar regularmente os trabalhos. Durante muitos meses limitava-me a redigir um relatório semanal para a direção do partido (de que não tenho a certeza de que guardei cópia). O PCP só passou a interessar-se verdadeiramente pela Constituição depois de o thermidor do 25 de novembro de 1975 ter posto fim à marcha revolucionária.

3. Tenho a felicidade de me contar entre os deputados constituintes que viveram o suficiente para poderem celebrar 45 anos de vigência da Constituição que elaboraram, aliás sem qualquer perturbação do regular funcionamento das instituições. Nenhum dos deputados que integraram as anteriores assembleias constituintes da nossa história (1821-22, 1836-38 e 1911) tiveram essa felicidade, nem de perto nem de longe, dada a a vigência efémera das respetivas constituições, tendo alguns deles acabado no exílio, depois do fim violento das mesmas (como em 1823 e 1926).

Até agora só as constituições outorgadas pelo poder político estabelecido (Carta Constitucional de 1826 e Constituição de 1933) tinham passado o teste do tempo. A CRP de 1976 é já a segunda mais duradoura das seis constituições portuguesas, tendo superado os 41 anos da Constituição da ditadura do chamado "Estado Novo". Não vejo razão para não vir a superar também os mais de 70 anos de vigência da Carta Constitucional...

quarta-feira, 31 de março de 2021

Assim vai a política (7): Spinning presidencial

Depois da sua caprichosa decisão de promulgar leis da AR aprovadas pelas oposições à revelia do Governo, que estabelecem nova despesa pública à margem do orçamento, em claro atropelo da norma-travão constitucional, o Presidente da República desdobrou~se numa operação de spinning junto de vários média (Expresso, Observador, etc.), para tentar justificar a sua injustificável decisão de sobrepor razões políticas ao cumprimento da Constituição (que lhe cumpre fazer respeitar).

Uma das mais originais razões, referida no Observador (reservado a assinantes), invoca a conveniência de não irritar as oposições e de «não deixar o Governo politicamente isolado» e de «salvar o Orçamento para 2022 à esquerda», poupando o risco de uma crise política no final deste ano. Pelos vistos, a melhor maneira de apaziguar a irreprimível pulsão despesista e a irresponsabilidade orçamental do PCP e do Bloco consiste em, desde já, aceitar benevolamente este ensaio de irresponsabilidade orçamental à margem da Constituição.

As boas graças da extrema-esquerda parlamentar valem bem a suspensão da Constituição!

Não dá, simplesmente, para entender...

No bicentenário da Revolução Liberal (30): Abolição da Inquisição

1. Foi há duzentos anos, em 31 de março de 1821, que as Cortes Constituintes decretaram a extinção do Tribunal do Santo Ofício, mais conhecido por Inquisição, por incompatível com as Bases da Constituição, que tinham sido aprovadas em 13 de março, e com a própria ideia da liberdade de consciência e de opinião.

Instituída em 1536 pela bula do papa Paulo III, a pedido do rei D. João III, seguindo o exemplo de Castela, a criação da Inquisição seguiu-se à expulsão ou conversão forçada de judeus e mouriscos em 1496 e marcou quase três séculos de perseguição da heterodoxia religiosa e da liberdade de crença e de opinião, atraves da tortura, do confisco e da execução dos hereges na fogueira, em hediondos autos-de-fé públicos, em Lisboa, Coimbra, Évora e Goa, num casamento maldito entre o Estado e a Igreja Católica.

2. Ainda que enfraquecida por ação do Marquês de Pombal, que a submeteu à autoridade régia, a Inquisição simbolizava ainda em 1821 tudo aquilo que a Revoluação Liberal não podia tolerar. 

Embora sem ser acompanhada da revogação do decreto manuelino de expulsão nem do reconhecimento da liberdade de culto, a extinção da Inquisição punha fim a séculos de obscuratismo, de terror persecutório, de atraso cultural e de eliminação física ou emigração dos melhores espíritos do País. 

Com a extinção da Inquisição, a Revolução Liberal começava a desconstruir o Antigo Regime. Quando veio a contrarrevoluação anticonstitucional em 1823, a extinção da Inquisição contou-se entre as poucas exceções à reversão geral da obra do triénio vintista. 

Uma das páginas mais negras da história nacional tinha sido definitivamente rasgada, incluindo o resgate das suas inúmeras vítimas, sacrificadas no altar do sectarismo e do ódio religioso e do confessionalismo oficial do Estado.

terça-feira, 30 de março de 2021

Falsas boas ideias (3): Premiar os infratores

Não concordo com esta sugestão de Jorge Miranda, de o Goveno apresentar um orçamento retificativo para legalizar o aumento da despesa provocado pelas leis que o Presidente da República indevidamente promulgou, ao arrepio da norma-travão orçamental. Por duas razões.

Por um lado, isso seria o Governo amnistiar o atropelo constitucional cometido contra si pelas oposições e lamentavelmente coonestado por Belém. Por outro lado, as mesmas oposições iriam seguramente aproveitar a ocasião para acrescentar outras despesas, desta vez, provavelmente, sem atentar contra a lei-travão, como defendem vários autores, por se tratar de alteração do orçamento. Era premiar os infratores.

[O título deste post foi mudado]

segunda-feira, 29 de março de 2021

O que o Presidente não deve fazer (28): Suspender a Constituição

 1.  Na insólita decisão presidencial de indevida promulgação de três leis da AR que criam nova despesa pública, aliás de montante elevado, à revelia e sob protesto do Governo (que analisei no post anterior), o Presidente da República não se limitou a suspender a "norma-travão" orçamental; suspendeu também os principais parâmetros constitucionais que balizam a sua ação.

Pela sua gravidade, esta decisão ficará seguramente a assinalar um momento crítico no entendimento e na prática do mandato presidencial entre nós. 

2. Em primeiro lugar, uma das tarefas constitucionais do Presidente, a cumprir justamente através do poder de promulgação, é a salvaguarda da separação de poderes -- uma das traves-mestras do Estado de direito constitucional, desde a sua origem --, ou seja, no nosso caso, a separação de poderes entre a AR e o Governo, impedindo a primeira de invadir o território da segundo e vice-versa.

Ora, no caso concreto, o Presidente desconsiderou uma das mais estritas normas constitucionais de separação de poderes, que é a reserva governamental de criação de novas despesas além do orçamento em vigor, como penhor da disciplina orçamental, pela qual o Governo é politicamente responsável. 

Ou seja, o Presidente coonestou deliberadamente o confisco parlamentar de um poder constitucionalmente exclusivo do Governo

3. No nosso sistema constitucional, sendo a presidência da República um cargo partidariamente independente, não integrado no poder executivo, é suposto o Presidente da República ser neutral na disputa entre o Governo e a oposição, sem prejuízo de fazer respeitar os direitos constitucionais de um e de outra.

Ora, no caso concreto, o Presidente tomou explicitamente partido pela posição dos partidos da oposição contra a do Governo, sacrificando a norma-travão, que exluía à partida qualquer ponderação presidencial do mérito das soluções contidas nas leis sujeitas a promulgação.

4. No sistema político desenhado na CRP, o Presidente não governa nem é eleito para governar nem para se ingerir na esfera governativa, que é competência exclusiva do Governo, pela qual responde politicamente perante o Parlameto e perante os eleitores nas próximas eleições legislativas. Por isso, ressalvada a sua "magistratura de influência" sobre o Governo e demais decisores políticos, o Presidente não pode fazer prevalecer as suas próprias opinioes políticas nas suas decisões institucionais.

Ora, na justificação da promulgação das três referidas leis, o Presidente deixa claramente entender que optou pela promulgação, ignorando a lei-travão, porque concorda com a solução política das leis em causa, assim sobrepondo abusivamente o seu juízo de mérito político ao do Governo.


domingo, 28 de março de 2021

O que o Presidente não deve fazer (27): Ficção constitucional

1. Independentemente da sua leitura política, a promulgação das leis da AR sobre apoios sociais assenta num exercício de ficção constitucional. Por duas razões.

Primeiro, não compete ao PR fazer "interpretação conforme à Constituição" e refazer o alcance normativo das leis que lhe são submetidas para promulgação; em caso de dúvida séria sobre a conformidade constitucional de um diploma (e no caso é mais do que dúvida...), é obrigação do Presidente suscitar a fiscalização preventiva, no cumprimento da sua missão de fazer respeitar a Constituição. 

Em segundo lugar, é absurdo dizer, como decorre do § 9 da justificação presidencial, que o Governo pode executar aquelas leis até onde o orçamento permita, deixando o resto por executar, pela simples razão de que num Estado de Direito, baseado no princípio da legalidade, o Governo está obrigado a cumprir integralmente as leis, mesmo se inconstitucionais, enquanto elas não forem declaradas como tais pelo órgão competente.

2.duas vítimas principais neste lamentável epsisódio.

A primeira é a noção de disciplina orçamental, que inclui a segurança de que o Governo, uma vez aprovado o orçamento, está livre de ver aprovada nova despesa pública, obrigado-o a aumentar a despesa global ou a cortar noutra despesa para realizar aquela. Tal é a função da lei-travão, agora ingloriamente sacrificada pelo próprio PR.

A segunda vítima são os governos minoritários, que veem inutilizada a única defesa constitucional contra o oportunismo político das oposições coligadas. A partir de agora vai ser mais difícil ainda governar em minoria, visto que já nem sequer a despesa orçamentada é intocável. Ora, como as condições para governos de maioria não existem, a governação vai tornar-se ainda mais imprevisível.

Adenda
Um leitor pergunta se a "interpretação" dada pelo Presidente às leis promulgadas - no sentido de elas só obrigarem o Goveno a executá-las até onde houver orçamento - salva ou não a sua constitucionaliade. A meu ver, não, visto que essa pseudointerpretação assenta num equívoco e não salvaguarda o essencial da lei-travão, que consiste em proibir a AR de criar novas despesas no ano orçamental em curso, mesmo que elas possam ser financiadas, seja mediante sacrifício de outras despesas, seja por recurso a alguma folga orçamental. Uma vez aprovado o orçamento, o Governo tem direito a não ver criada nova despesa à sua revelia. É uma questão de confiança, de estabilidade e de disciplina orçamental, que o Presidente da República deveria ser o primeiro a salvaguardar.

Adenda 2
Outro leitor observa que com a promulgação o PR poupou o Governo a ter de pagar os custos políticos da falta dos apoios sociais em causa. Não acompanho este argumento. Primeiro, não sei se o propósito do Presidente foi poupar o Governo ou poupar-se a si mesmo. Segundo, e mais importante, o Governo tem todo o direito de gerir os recursos de que dipõe e de pagar os custos políticos por isso, sem precisar da tutela presidencial. É por isso que ele é políticamente responsável pelos seus atos perante a AR, nomeadamente pela gestão orçamental (o que não acontece com o Presidente...)

Adenda 3
Um leitor observa, com malícia, que afinal o estado de emegência não serve somente para o PR suspender o exercicio de alguns direitos fundamentais, mas também para suspender partes da Constituição, como a norma-travão orçamental... 

Adenda 4
Outro leitor pergunta se, podendo o Governo impugnar essas leis no Tribunal Constitucional, isso não resolve o problema. A resposta é não, porque na fiscalização sucessiva o Tribunal pode demorar meses a decidir e costuma salvaguardar os efeitos já produzidos pelas normas declaradas inconstitucionais, pelo que seria praticamente inútil, pois a despesa já teria sido feita. Ao contrário, a fiscalização preventiva tem prazo de decisão curto (25 dias, suscetíveis de encurtamenro em caso de urgência) e, em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade, as leis não chegam a ser publicadas.

quinta-feira, 25 de março de 2021

Bloquices (15): O mal e a caramunha

Junto com outros partidos da oposição, BE votou a favor de uma lei na AR que concede novos apoios sociais que implicam um considerável aumento da despesa pública previsto na lei do orçamento para o corrente ano. 

Como lhe cumpria, o Governo veio denunciar a flagrante inconstitucionalidade, visto que constitucionalmente a AR não pode aprovar aumentos da despesa para o ano económico em curso, sob pena de estoirar com a gestão orçamental e aumentar o défice e a dívida pública.

Ora, em vez de reconhecer a óbvia infração e meter a viola no saco, o Bloco veio queixar-se publicamente de que o Governo está a fazer pressão ilegítima sobre o PR para impedir a promulgação do diploma.

É preciso topete!

Adenda
Um leitor pergunta porque é que uma maioria parlamentar não pode derrotar um governo minoritário.
Claro que pode. Um governo minoritário está sujeito a todas as "patifarias" políticas, sempre que as oposições se unam da esquerda à direita para isso, como foi o caso. Só existe essa exceção em matéria orçamental, que se compreende por duas razões:
   - o Governo goza de reserva de iniciativa orçamental, pelo que a lei orçamental também só pode ser alterada por sua iniciativa, não pelos deputados;
   - se assim não fosse, um governo minoritário ficaria impedido de governar, pois nada atrai mais a demagogia do que dar apoios financeiros quando outros pagam os custos.
Note-se que, enquanto em Portugal os deputados só não podem aumentar a despesa no ano económico em curso (podendo, porém, fazê-lo com reflexo nos anos seguintes), há países onde os deputados nunca podem propor o aumento da despesa, como é o caso da França.

Adenda 2. 
O semanário Expresso  - que continua a usufruir de um acesso privilegiado a Belém - diz hoje que o PR está indeciso. Não vejo, porém, motivo para tal indecisão. O Presidente não pode consentir um aumento substancial da despesa pública à revelia do Governo, quando os números hoje publicados revelam já uma grande subida da despesa e uma baixa da receita cobrada, com o consequente agravamento do défice orçamental. Além disso, o Presidente está constitucionalmente vinculado a fazer respeitar a Constituição, o que neste caso flagrante impõe a rejeição da lei, sujeitando-a  a fiscalização preventiva da constitucionalidade. 

terça-feira, 23 de março de 2021

Pandemia (55): À portuguesa!

1. No site do SNS pode observar-se o plano inicial de vacinação contra a COVID, sem qualquer atualização.

Tanto quanto é dado saber, em relação ao segundo grupo de prioridades da  Fase 1, os maiores de 80 anos estão  vacinados em cerca de metade e nos maiores de 50 anos com "comorbilidades", a percentagem é muito menor. Entretanto, os prioritários da Fase 2 não se sabe quando chega a sua vez. 

A questão é que este atraso não se deve somente à demora na entrega das vacinas. 

2. De facto, para além dos oportunistas avulso que os média denunciaram,  conseguiram entrar à frente daquelas prioridades os bombeiros, os órgaos de soberania (incluindo os juízes e o Ministério Público, que não é órgao de soberania...) e os professores, não se sabe com que critério, salvo o peso político e sindical. Em consequência destes muitos milhares de arrivistas, os antigos prioritários do segundo grupo da Fase 1 são atrados e os dos da Fase 2 bem podem esperar!

Entretanto, o Governo não se deu ao trabalho de justificar publicamente a introdução desses grupos nem de atualizar os critérios no site oficial do SNS, alimentando a confusão. À portuguesa!

segunda-feira, 22 de março de 2021

Praça da República (51): Reacionarismo sindical

1. Tal como médicos e enfermeiros justificam sempre as suas reivindicações em nome do SNS, por mais mesquinhamente corporativas que sejam, também os professores são incapazes de fazer qualquer reivindicação sindical que não seja em nome da escola pública. Assim sucede mais uma vez com esta petição contra a municipalização em curso das escolas, promovida pela inevitável FENPROF.

Trata-se, porém, de puro contrabando político, invocando em vão a escola pública, pois o único interesse dos sindicatos tem a ver com os seus interesses profissionais, na medida em que temem que esta municipaliazção parcial do ensino (que só abrange o planeamento e gestão do equipamento escolar, transportes escolares, ação social escolar e pessoal auxiliar) possa ser um passo para uma futura verdadeira descentralização do ensino, incluindo a contratação do pessol docente, implicando a sua "despromoção" a  funcionários municipais.

É o atávico reacionarismo sindical no seu melhor!

2. Mas esta petição contra uma modesta descentralização territorial do ensino vai claramente ao arrepio dos princípios constitucionais da descentralização territorial e da subsidiariedade do Estado.

Pelo argumento da igualdade nacional utilizado na petição, nenhum serviço público poderia ser municipalizado (desde a água aos transportes urbanos, passando pela habitação) e teria sido inconstitucional a transferência dos serviços de saúde e de ensino para as regiões autónomas dos Açores e da Madeira há quatro décadas.

Ora, não há nenhuma razão para que o ensino básico e secundário continue a ser gerido centralizadamente a partir de Lisboa e não seja gerido a nivel municipal ou intermunicipal, ao nivel das comunidades que as escolas servem  - obviamente com parâmetros uniformes, definidos e fiscalizados pelo Estado, como estabelece a lei -, como ocorre em muitos países que levam a sério a descentralizaição territorial e que não têm um megaministério da educação na capital, como em Portugal.


domingo, 21 de março de 2021

Praça da República (50): Conflito de interesses

[Fonte da ilustração aqui]
1. Há muito tempo que defendo que os titulares de cargos públicos (desde os políticos aos juízes) e os decisores públicos em geral devem declarar a sua filiação em associações privadas, desde os clubes de futebol aos partidos e às chamadas organizações "dicretas", como a maçonaria e opus dei (ver AQUI, AQUI e AQUI).

Por um lado, não me parece que essa informação constitua um dado pessoal que deva ser protegido; por outro lado, a defesa do interesse público, que constitui o único fim de todos os cargos públicos, exige a declaração de interesses privados que com ele possam conflituar. E, muitas vezes, conflituam!

2. Não tenho dúvidas de que a filiação em grupos de intereses privados, em geral, e nas "irmandades", em especial (dada a sua elevada solidariedade entre os membros), constitui um dos grandes fatores de favoritismo e de compadrio no exercício de cargos públicos, nomeadamente no recrutamento de pessoal, na contratação pública, no licenciamento e na fiscalização, na atribuição de subsídios e de outras vantagens públicas, na dispensa ou "fechar os olhos" ao incumprimento de obrigações públicas.

A declaração de interesses de grupo constitui, a meu ver, condição essencial de realização do princípio republicano da dedição exclusiva à causa pública e do princípio constitucional da imparcialidade e da isenção na administração pública.

Faz pena ver partidos de esquerda, a começar pelo PS, a rejeitar esta proposta. Essa posição, ela mesma, mostra a força desses interesses nos próprios partidos.

sábado, 20 de março de 2021

O que o Presidente não deve fazer (26): Política de defesa

1. Não se justifica, nem em termos políticos nem constitucionais, que o Presidente da República convoque uma reunião do Conselho de Estado para debater propostas governamentais de alteração da Lei de Defesa Nacional e da Lei das Forças Armadas.

O Conselho de Estado só deve reunir para aconselhar o Presidente no exercício das suas funções. Ora, a política de defesa e de gestão das forças armadas é da competência exclusiva do Governo, e o Presidente não tem competência no exercício do poder legislativo, algo como um "direito à participação legislativa". 

Como defendo há muito, em matéria de política de defesa (e de política externa), o Presidente da República tem direito a uma informação qualificada e a ser consultado por parte do Governo. Mas não mais do que isso.

2. Nem se diga que, no final, o Presidente da República sempre tem o poder de apreciar as duas leis, para efeitos de promulgação e de eventual veto. Mas isso é depois de concluído o procedimento legislativo no Parlamento, o qual dever decorrer sem interferência presidencial.

Nessa altura, pode justificar-se a reunião do Conselho de Estado para habilitar uma tomada de posição mais bem informada. Aliás, penso que o Presidente podia recorrer mais vezes ao Conselho de Estado para o exercício do poder de veto legislativo, sobretudo quando estão em causa leis da Assembleia da República, pois o veto político implica sempre uma exceção à soberania legislativa do parlamento, não devendo ser decidido de ânimo leve. 

quarta-feira, 17 de março de 2021

+ Europa (56): Estados Unidos - 4, União Europeia - 0.

1. Segundo o Financial Timestrês razões por que os Estados Unidos recuperam mais rapidamente da crise económica da pandemia do que a União Europeia. Tais são: menor recessão em 2020, vacinação mais rápida e maior estimulo orçamental à economia. 

Se a isto juntarmos o tradicional maior dinamismo da economia americana (mais competitividade, menos impostos, mercado de trabalho mais flexível), eis porque a pandemia vai aumentar o fosso entre as duas economias.

2. A próxima Conferência sobre o Futuro da União Europeia não pode ignorar os fatores que travam a agilidade da governação e o desempenho da economia europeia. Sem crescimento económico robusto não há condições para melhorar as condições de vida dos europeus, para sustentar o Estado social, nem para promover a autonomia estratégica da União no contexto internacional.

Vai sendo tempo de criar as condições institucionais e políticas para manter a União na corrrida entre as grandes potências económicas.

Adenda
Vale a pena ler este devastador artigo de Paul Krugman no New York Times, "Um desastre muito europeu". Devastador! O grave é que ele tem razão no fundamental. Falta "propósito" e liderança na governação europeia; burocracia a mais, excessiva lentidão na decisão, consultas a mais, Parlamento fragmentado, Conselho constrangido pela regra da unanimidade em muitos dossiers, Comissão de composição heteróclita, falta de cultura de inovação e de risco, demasiado "princípio da precaução", etc. Entretanto, a União atrasa-se irremediavelmente, económica e tecnologicamente em relaçao aos Estados Unidos e à China. A Conferência sobre o Futuro da Europa vai ter muito com que se ocupar.

terça-feira, 16 de março de 2021

Em seara alheia (3): Caminho de pedras da democracia constitucional

1. A proposta presidencial de revisão constitucional em Angola inclui muitas alterações positivas, mas há pelo menos duas delas especialmente negativas

    -  a que retira a qualidade de "órgãos de soberania" a todos os tribunais de 1ª e de 2ª instância, o que é impróprio do Estado de Direito; 

    - a que adia para incertas calendas a institucionalização do poder local, como se pudesse haver Estado democrático sem autonomia do poder local.

Lamentável é igualmente que a proposta esteja a seguir um procedimento em marcha acelerada, sem a devida ponderação parlamentar nem o necessário envolvimento das instituições e da opinião pública.

2. Ao contrário de alguns outros países africanos, Angola dispõe de condições razoáveis - quanto a pluralismo político, liberdade de imprensa, quadros jurídicos, etc. -  para ser um Estado de direito constitucional decente.

É pena que iniciativas desequilibradas e precipitadas como estas comprometam essas expectativas. Não precisava de ser tã0 árduo o caminho  para democracia constitucional em Angola...

[Agradeço ao Prof. Melo Alexandrino ter-me chamado a atenção para este assunto.]

Adenda
Um leitor angolano pergunta a que propósito me "intrometo nas questões internas" do seu país. A minha "intromissão" tem dois fundamentos: (i) as questões constitucionais de Angola dizem respeito a todos os constitucionalistas que se interessam pelo progresso democrático do país, como é o meu caso; (ii) orgulho-me de, juntamente com o Professor Canotilho, ter contribuído, há três décadas, a convite das autoridades angolanas, para a transição democrático-constitucional que lançou Angola na difícil senda de um Estado de direito constitucional. Eis as minhas credenciais.

segunda-feira, 15 de março de 2021

Praça da República (49): O acórdão

Não é a primeira vez que não acho convincente uma decisão de inconstitucionalidade do Tribunal Constitucional; neste caso por ela desconsiderar indevidamente o direito irrenunciável de cada pessoa a não continuar a viver em condições insuportáveis de sofrimento sem esperança, como expliquei  AQUI, AQUIAQUI e AQUI.

Em todo o caso, os fundamentalistas da condenação penal da eutanásia não têm razões para festejar. O Tribunal não julgou inconstitucional a despenalização em si mesma, mas apenas nos termos concretos definidos na lei agora rejeitada. 

É evidente que a decisão do Tribunal vai obrigar a apertar a malha da despenalização, restringindo os casos abrangidos. Mas não está tudo perdido.

Adenda
Qaunto à contestação das razões do Acordão, nomeadamente a alegada "indeterminação" de algumas noções da lei, louvo-me neste artigo do Professor J. Faria Costa, que, aliás, vem ao encontro das considerações do meu mais recente post sobre o assunto. O Tribunal errou.

Pandemia (54): O medo

É assim, na era das redes e das reações em rebanho, o medo propaga-se como um incêndio florestal na Austrália. A suspensão da aplicação da vacina da Astra-Zeneca, quando em Portugal não há notícia de nenhuma reação adversa, é uma cedência populista e um golpe no programa de vacinação nacional e da União.

Proponho que ela passe a ser facultativa, sendo aplicada em quem o desejar. Candidato-me já, prescindindo de responsabilidade do SNS ou do fabricante por qualquer eventualidade. 

Adenda
E também não dá para entender a demora da EMA (Agência Europeia do Medicamento) no reconhecimento da vacina russa e outras nem a restência da Comissão à sua importação. A burocracia da EMA e a pusilanimidade política da Comissão Europeia e dos governos nacionais podem matar muitos europeus!

sexta-feira, 12 de março de 2021

Praça da República (48): Finalmente, a reforma eleitoral?

1. Em entrevista ao Público e à Rádio Renascença, o dirigente do PSD, António Capucho, deu algumas indicações sobre a reforma do sistema eleitoral para a AR, que está a preparar para o partido.

Não é muito ambiciosa, passando por duas alterações ao sistema vigente: (i) criar um círculo nacional e (ii) dividir os atuais grandes círculos eleitorais (Lisboa, Porto, Braga, Setúbal e Aveiro), de modo que nenhum eleja mais de nove deputados (mas Leiria tem dez...).

2. Ambas são propostas positivas: com a primeira, finalmente, todos os votos passam a contar, em qualquer parte do país e os partidos podem candidatar nesses círculo os seus dirigentes nacionais; a segunda permite aproximar os eleitores dos eleitos, proporcionando o conhecimento dos segundos pelos primeiros.

No entanto, além de não se ficar a saber quantos deputados caberiam ao círculo nacional, também desconhecemos se contam todo os votos em todo o país ou somente os votos não aproveitados nos círculos eleitorais, à maneira dos Açores.

3. Capucho faz questão de asseverar que não haverá dimimuição da proprocionalidade, apesar da divisão dos atuais megacírculos eleitorais distritais. Mas para isso seria necessário que o círculo nacional equivalesse ao atual círculo de Lisboa, com 48 deputados, ou seja, mais de 1/5 da AR.

Ora, se se mantiver o atual limiar de eleição, que é menos de 2% em Lisboa, manter-se-á a atual tendência para a fragmentação parlamentar, com a entrada de novos partidos. Acresce que um círculo nacional de 48 deputados vai reduzir outro tanto a representação territorial dos círculos distritais do interior, que já é mínima.

Por ambas as razões, é defensável que o círculo nacional não tenha mais de um décimo da AR, ou seja, 23 deputados, o que elevaria o limiar eleitoral para cerca de 3,5% a nível nacional.

4. A proposta do PSD, tal como apresentada, afasta qualquer forma de voto personalizado, nem por via de círculos uninominais (à alemã), nem por via do voto preferencial (à belga), apesar de o PSD ter defendido ou um ou outro nas últimas duas décadas. É essa uma das grandes insuficiências desta proposta.

A outra falha consiste em manter os distritos administrativos como base dos círculos eleitorais (embora, em vários casos, divididos ou agregados, para manter o seu tamanho entre três e nove deputados). Ora, ao contrário do que sucedia em 1976, os distritos estão em vias de perder qualquer relevância administrativa, pelo que seria de equacionar a sua substituição pelas CIM para efeitos eleitorais.

5. alguma hipótese de ir para a frente uma reforma eleitoral destas nas atuais circunstâncias políticas? 

Dificilmente! Apesar de Capucho ter afastado uma das "linhas vermelhas" do PS, não fazendo questão da redução do número de deputados, o PS está refém dos partidos à sua esquerda, que vetam qualquer reforma eleitoral que os possa prejudicar e julgam que qualquer reforma cai nessa categoria. É esse um dos "efeitos colaterias" da dependência do PS em relação ao PCP e ao BE.

Pandemia (53): Incongruências no desconfinamento

Quando a fadiga psicológica do confinamento já se tornava notória, com níveis crescentes de circulação pública, eis que começa o ansiado desconfinamento.

O programa e o calendário - faseado e sujeito a cláusula de correção - não suscitam reservas, face aos dados existentes, mas há alguns pormenores que não se percebem bem. Por exemplo:

a) se, a partir de 5 de abril, abrem as esplanadas em restaurantes, porque não também as dos cafés e pastelarias? 

b) se, a partir de 19 de abril, abrem todas as lojas e centros comerciais, porque é que as lojas de cidadão só atendem por marcação?

quarta-feira, 10 de março de 2021

O que o Presidente não deve fazer (25): Separação de poderes

1. Julgo que a pandemia e a crise económica e social que lhe vem associada não justificam que o Presidente da República assuma poderes que constitucionalmente não tem, e que são do Governo, como o de fixar critérios de desconfinamento e de - no discurso de tomada de posse - estabelecer as prioridades políticas da governação nos próximos anos. 

A Constituição é clara: é o Governo, e só ele, «o órgão de condução da política geral do País» (e, por maioria de razão, das políticas setoriais), desde logo porque é politicamente responsável por ela perante a AR. Ora, no seu juramento de posse o Presidente jura «cumprir a Constituição», desde logo quanto aos limites dos seus poderes e quanto à autonomia política do Governo....

2. O facto de o PS ter apoiado oficiosamente a reeleição de MRS e de contar com o seu apoio institucional em prol da estabilidade política não o deve inibir de reclamar o escrupuloso respeito da separação de poderes estabelecida na Constituição - que é a chave do sistema de governo constitucional -, e que não vale somente para o caso de Presidentes hostis, até porque os precedentes podem ser usados no futuro por outros protagonistas...

O governo do País não é um condomínio entre Belém e São Bento.

[revisto]

terça-feira, 9 de março de 2021

Bicentenário da Revolução Liberal (28): A oposição à Revolução


Aqui está mais um estudo sobre a Revolução Liberal, da minha coautoria com o Prof. José Domingues, publicado no Brasil, desta vez sobre uma das primeiras manifestações da oposição tradicionalista, logo em setembro de 1820, da autoria de F. J. da Madre de Deus, que haveria de se tornar um dos mais ativos e consistentes autores da contrarrevolução antiliberal e anticonstitucional.

Uma das grandes vantagens das comemorações das grandes datas da história está no aprofundamento do conhecimento sobre elas. E, como este estudo mostra mais uma vez, há ainda tanto para saber sobre a Revolução Liberal!

Bicentenário da Revolução Liberal (27): Há 200 anos, a inauguração da era constitucional

1. Sim foi exatamente há 200 anos, a 9 de março de 1821, que as Cortes Constituintes - tendo sido eleitas no final de dezembro de 1820 e iniciado as suas funções em 26 de janeiro de 1821 - aprovaram e decretaram as Bases da Constituição, para «servirem provisoriamente de Constituição» até à aprovação definitiva desta, o que viria a ocorrer somente em 23 de setembro de 1822.

As Bases foram, portanto, a primeira lei constitucional em vigor em Portugal e no Brasil, incluindo uma declaração de direitos dos cidadãos e um capítulo sobre os princípios de organização do Estado, como monarquia representativa, baseada na soberania da Nação, na separação de poderes e na supremacia das Cortes.

2. A aprovação das Bases fora uma ideia de Manuel Fernandes Tomás, o grande mentor da Revolução, a fim de antecipar a constitucionalização da Revolução e prevenir qualquer tentativa de outorga de uma carta constitucional por parte de D. João VI, a partir do Brasil. 

Por coincidência, o decreto das Cortes era assinado pelo mesmo Manuel Fernandes Tomás, como Presidente das Cortes, e por José Ferreira Borges, como um dos quatro secretários da mesa, assim assinalando simbolicamente o papel decisivo dos dois cofundadores do Sinédrio e grandes protagonistas da Revolução Liberal, agora convertida em revolução constitucional.

Começava a cumprir-se o lema da madrugada inicial de 24 de agosto no Porto: «As Cortes e por elas a Constituição!».

3. Juradas pelo infante D. Pedro, regente do Brasil, quando chegaram ao Rio de Janeiro (5 de junho), onde foram também impressas, as Bases vieram a ser juradas presencialmente nas Cortes por D. João VI no seu regresso do Brasil, em 4 de julho seguinte. 

No mesmo dia, D. João VI, agora rei constitucional, nomeava, ao abrigo das Bases, o primeiro Governo constitucional do País. O princípio monárquico cedia o passo ao princípio constitucional.  Estava definitivamente instalada a era constitucional em Portugal.

domingo, 7 de março de 2021

Assim vai a política (6): Diz Cavaco

1. O antigo líder do PSD, Cavaco Silva (também antigo primeiro-ministro e Presidente da República) resolveu sair do seu silêncio para dar dois fortes  conselhos ao atual líder, os quais, trocados por miúdos,  podem ser lidos assim: (i) concentrar todo o fogo político na oposição ao PS, abandonando qualquer entendimento com o Governo; (ii) deixar de se preocupar com o Chega, de quem o PSD virá precisar para voltar ao poder.

É assim: depois de seis anos fora do poder e sem perspetivas imediatas de lá voltar, Cavaco Silva veio exprimir a impaciência que cresce nas profundezas do PSD aumentando a pressão sobre Rio

2. Quando em desespero de causa, a direita recorre sempre ao velho golpe baixo de acusar a esquerda no poder de "amordaçamento da democracia", mesmo quando, como é o caso, as instituições democráticas estão bem e se recomendam, quando o Governo é minoritário e o Presidente é oriundo do PSD, quando os direitos de oposição são respeitados e quando figuras da direita dominam o comentariado nacional nos média.

A verdade é que, para a direita, um goveno de esquerda é sempre, por definição, incompativel com a democracia liberal, monopólio natural da direita.

Vinda de onde vem, porém, a denúncia da "democracia amordaçada", além de manifestamente despropositada, é simplesmente ilegítima

Retratos de Portugal (5): O aeroporto

1.  Com ou sem o novo aeroporto no Montijo, é uma solução politicamente estúpida dar aos municípios o poder de veto sobre obras públicas nacionais. Se se aplicasse tal ideia a portos, barragens, caminhos de ferro, autoestradas, etc., não havia infraestruturas em Portugal!

Por isso, só é de lamentar que esta solução alguma vez tivesse estado em vigor e que tenha demorado tanto tempo a revogá-la!

2. Felizmente, porém, este contratempo veio dar ao Governo um bom pretexto para reabrir a questão aeroportuária de Lisboa.  No entanto, é de duvidar se isso vai permitir abandonar a lógica míope que prevaleceu na solução do Montijo, que foi juntar ao aeroporto acanhado no quintal de Lisboa (a Portela) outro aeroporto acanhado no quintal do vizinho (o Montijo), sem que nenhum deles possa ser o aeroporto internacional da dimensão de que o País precisa. 

Enquanto a questão for encarada apenas sob o ponto de vista dos interesses do moradores de Lisboa e arredores (Lisbon first!), o País fica mal servido.

3. Entretanto, surpreende que o projeto da linha ferroviária de alta velocidade entre o Porto e Lisboaentretanto decidido, não tenha feito reequacionar a localização do novo aeroporto a norte de Lisboa, junto à nova linha ferroviária, colocando Lisboa e todo o centro do País a pouco tempo de distância, em vez da localização excêntrica de Alcochete.

4. Em todo o caso, depois de décadas e décadas de impasses e de soluções abandonadas, Governo após Governo, sem planos de transporte integrados nem pensamento estratégico quanto ao desenvolvimento do país, a questão do aeroporto de Lisboa é bem a imagem da incompetência política nacional.

Adenda (9/3)

Neste artigo Carlos Matias Ramos, antigo presidente do LNEC e da Ordem dos Engenheiros mostra as insuficiências do Mnrtijo e acusa a ANA de ter mais do que triplicado os custos estimados de Alcochete!

quarta-feira, 3 de março de 2021

Pandemia (52): Corporativismo oportunista

Mais corporativismo nas vacinas, não! 

Depois de vacinados os profissionais em contacto direto com infetados (serviços de saúde, lares, bombeiros, etc.), não há nenhuma razão para dar prioridade a classes profissionais que não têm nenhum contacto especial com infetados, como os professores. Por maioria de razão deveriam entrar os cabeleireiros, os massagistas, os "personal trainers", os taxistas, etc., que ao menos têm contactos de proximidade com os seus clientes.

Por este andar, nunca mais chega a vez dos cidadãos comuns, por classes etárias, como é a norma noutros países.

Adenda´
Um leitor comenta que esses outros grupos profissionais não têm os sindicatos nem os votos dos professores e que os governos se movem pelo peso de uns e outros. À vista de episódios destes, tendo a dar-lhe razão.

Adenda 2
Outro leitor acusa-me de egoista e de não querer esperar mais um tempo pela minha vez. Mas engana-se: se entrassem prioritariamente os professores, eu entraria com eles, pois não haveria nenhuma razão para excluir os professores do ensino superior. Portanto, ao contrário da acusação, estou a recusar uma prerrogativa que considero injustificada.

terça-feira, 2 de março de 2021

Praça da República (47): Descentralização territorial

Eis um livro que tive muito gosto em prefaciar, por várias razões:

   -  primeiro, ele vem colmatar uma lacuna bibliográfica entre nós, permitindo comparar o nosso sistema de descentralização territorial (política e administrativa) com o de muitos outros países europeus e questionar várias das nossas peculiariedades;
   -  segundo, é um livro oportuno, quando estamos  a implementar um reforço da descentralização municipal e quando a questão da descentralização regional, pela criação de autarquais regionais, voltou à agenda política;
   - por último, o autor é um reputado especialista nesta matéria e perito do Conselho da Europa nesta área, o que lhe dá autoridade para criticar alguns aspetos do regime vigente entre nós e apresentar várias propostas de alteração, que merecem ser consideradas.

Uma mais-valia, portanto. Parabéns ao autor.