Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 23 de setembro de 2022
No bicentenário da Revolução Liberal (43): Uma forma original de celebração
quinta-feira, 22 de setembro de 2022
Corporativismo (27): Privilégio profissional
1. A notícia de que a AR equaciona a integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social leva-me a lembrar que há décadas que defendo que nenhuma profissão tem direito a um sistema privativo de segurança social, desde a criação da sistema integrado a seguir à Constituição de 1976, que pôs fim ao regime de pensões de base profissional do corporativismo do "Estado Novo".
Como sobrevivência corporativa, a CPAS funciona desde então à margen da Constituição e só o peso político da profissão permitiu manter o privilégio oriundo do antigo regime.
2. Não vai ser fácil, porém, a equação financeira da integração, visto que não se vê como é que se pode pôr a cargo do sistema geral o pagamento das generosas pensões que a CPAS permitia, com base em contribuições elevadas só na parte final da atividade profissional.
Ao contrário do sistema geral de segurança social - que padece da degradação da proporção entre contribuintes ativos e pensionistas -, a CPAS continua a gozar de uma confortável base contributiva, dada a entrada de muitos novos advogados todos os anos, o que permite uma relação mais favorável entre a pensão e a carreira contributiva.
Bicentenário da Revolução Liberal (42): Passam amanhã 200 anos!
1. Eram simples os objetivos da revolução antiabsolutista no primeiro manifesto de 24 de agosto de 1820, no Porto: «As Cortes e por elas a Constituição!».
As Cortes constituintes foram eleitas ainda em dezembro de 1820 e começaram os seus trabalhos em 26 de janeiro do ano seguinte. A Constituição veio a ser aprovada em 23 de setembro de 1822, faz amanhã 200 anos! Missão cumprida!
2. Pelo menos, dois eventos comemorativos assinalam o bicentenário da inauguração da moderna era constitucional em Portugal: (i) uma sessão na Assembleia da República e a inauguração de uma exposição; (ii) um colóquio na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Não é todos os dias que passa uma data que merece ser tão comemorada como esta. O Portugal moderno começou aí e todos somos herdeiros dela!
terça-feira, 20 de setembro de 2022
Não com os meus impostos (9): Discriminação antimunicipal
1. Os municípios têm toda a razão do mundo ao exigirem o fim do financiamento municipal da ADSE, o subsistema de saúde privativo dos funcionários públicos, despesa que este ano monta a mais de 60 milhões de euros.
Há duas razões decisivas. Primeiro, porque o Estado há muito deixou de o fazer, sendo discriminatório manter o cofinanciamento municipal; segundo, porque, por princípio, os sistemas complementares de saúde ou de segurança social devem ser financiados exclusivamente pelos seus beneficiários, e não pelos contribuintes em geral, que já pagam o SNS.
2. Orgulho-me de, há muitos anos (2006), ter iniciado publicamente AQUI e AQUI a luta contra o financiamento da ADSE por via orçamental, ou seja, pelos contribuintes em geral, como então sucedia maciçamente, substituindo-o pelo princípio do beneficiário-pagador.
É lamentável que passados tantos anos a reforma não ter sido levada até ao fim.
Não dá para entender (27): A deriva bloquista do PSD
1. Decididamente, o PSD entrou em "modo BE"!
Ao defender a aplicação, sem modificação, das regras até agora vigentes sobre atualização das pensões, incluindo depois de 2023, acrescida de um bónus de 150 euros à cabeça, o PSD consegue: (i) estabelecer uma clara discriminação em relação aos demais portugueses, a começar pelos funcionários públicos, cujos rendimentos não vão ser atualizados à taxa da inflação; (ii) antecipar em vários anos o défice da segurança social, arrasando a sua sustentabilidade; (iii) gerar um enorme impacto orçamental sobre a défice e dívida pública, favorecendo a subida dos respetivos juros; (iv) acrescentar pressão ao surto inflacionista, pelo aumento da procura.
É obra!
2. Com esta deriva irresponsável, Montenegro replica o lamentável "momento Rio", do apoio à recuperação integral do tempo de serviço dos professores, também em convergência com a esquerda radical, que lhe custou um humilhante recuo, para evitar a antecipação de eleições.
Desta vez, o PSD não corre esse risco, dada a maioria parlamentar do PS. Mas é evidente que um partido de vocação governamental que defende na oposição aquilo que nunca faria se estivesse no Governo perde credibilidade junto ao seu próprio eleitorado. A incoerência política paga-se quando se tratar de escolher o governo.
segunda-feira, 19 de setembro de 2022
Aplauso (25): Inesperada e bem-vinda
domingo, 18 de setembro de 2022
Não dá para entender (26): Facilitismo
Não se compreende que a Associação Nacional de Municípios, onde o PS detém confortável maioria, venha alinhar com o coro facilitista da redução do IVA sobre a energia para 5%.
A resposta ao aumento do custo da energia, sobretudo por efeito da subida da cotação internacional do gás natural, não pode consistir numa descida generalizada do IVA, mas sim em medidas de poupança dos consumidores, incluindo os municípios, os quais deviam ser os primeiros a avançar com medidas nesse sentido.
O País precisa de poupar na fatura da importação de energia e o Governo necessita do dinheiro do imposto para ajudar as empresas e os consumidores mais afetados pela subida dos custos da energia. Além disso, a descida do IVA seria um sinal contraproducente na luta contra a inflação, que exige a restrição da procura agregada.
sábado, 17 de setembro de 2022
Guerra na Ucrânia (49): Não somente nos campos de batalha
A descoberta de centenas de cadáveres, alegadamente vítimas de maus tratos antes da morte, na cidade de Izium, recuperada pelas forças ucranianas na sua recente contraofensiva, não reforça somente a solidariedade ocidental com Kiev, mas arrisca também alienar a compreensão que muitos países noutros continentes têm mantido em relação a Moscovo, sem excluir a redução do apoio interno à guerra na própria Rússia.
A somar aos recentes revezes militares russos no terreno, a eventual alteração do sentimento internacional e interno pode ser determinante para o desfecho da invasão.
As guerras não se perdem somente nos campos de batalha.
Memórias acidentais (16): Há 60 anos
Embora oriundo da Bairrada (Vilarinho do Bairro, Anadia), fiz o ensino secundário na Guarda, onde meu pai era comerciante. Na imagem, o grupo de finalistas do Liceu Nacional da Guarda de 1962, nas "alíneas" de letras (incluindo Direito e Economia), acompanhados do reitor, de alguns professores e do pároco. Estou na última fila, na ponta direita.
Duas notas: (i) apesar de ser um liceu misto, só havia turmas mistas no 3º ciclo, sendo a bata obrigatória para as alunas; (ii) embora sendo então o único liceu do distrito, não chegam às três dezenas o número de finalistas, com acesso à universidade nas áreas indicadas, o que mostra o enorme atraso educativo do país nessa época (refletindo o atraso económico e social); para Direito foram somente 3 (três).
Hoje, felizmente, apesar de declínio demográfico, devem contar-se por muitas centenas!
Assim vai a política (14): A inventona do "corte nas pensões"
1. Seguramente há de ficar na história das falsificações políticas em Portugal a campanha em que comentadores e partidos da aposição conseguiram transformar a maior subida das pensões jamais registada em Portugal num "corte de pensões"!
Ora, o máximo que pode suceder com a solução encontrada pelo Governo - antecipar para o corrente ano uma parte da subida das pensões legalmente devida em 2023, a fim de atenuar o grande impacto orçamental dessa atualização no próximo ano - é que nos anos seguintes a subida das pensões será menos acentuada do que seria.
Contudo, nunca está em causa nenhum "corte" das pensões, mas somente a dimensão da sua subida futura.
2. Acresce que, ao beneficiarem, sem redução, da vantajosa fórmula legalmente em vigor para atualização das pensões, os pensionistas têm um aumento de rendimento (mais de 8%) bem maior do que outras categorias de cidadãos, como os funcionários públicos (a quem o Governo só propõe uma atualização de 2% no próximo orçamento), os senhorios (em relação aos quais o Governo alterou a regra de atualização, reduzindo-a de 5% para 2%) e os trabalhadores do setor privado (cujos salários não serão obviamente atualizados pela taxa de inflação).
Por conseguinte, os pensionistas não só não sofreram nenhum corte nas suas pensões como tiveram um tratamento privilegiado, pelo qual devem estar gratos.
3. E, no entanto, haveria boas razões para modificar imediatamente a regra de atualização das pensões, estabelecendo um "teto" mais baixo (como se fez para as rendas), designadamente as seguintes:
- não pôr em risco a sustentabilidade financeira do sistema de pensões a médio e longo prazo;
- reduzir o impacto financeiro da atualização, em beneficio de menor défice orçamental e de maior redução do peso da dívida pública, a fim de conjurar o risco de uma subida mais acentuada dos juros;
- não contribuir para estimular o surto inflacionista com o aumento sensível da procura agregada, que poderá favorecer uma espiral inflacionista.
Pelos vistos, porém, não bastam boas razões para justificar boas soluções.
4. O mais estranho nesta história é ver o PSD - que tem no seu registo a único corte efetivo de pensões em pagamento na nossa história política, no Governo Passos Coelho - a alinhar nesta inventona do imaginário "corte" das pensões, renegando todo o seu historial virtuoso de luta pela sustentabilidade da segurança social, pela disciplina orçamental e pela contenção da dívida pública.
Só falta ver o PSD a defender também um aumento da remuneração dos funcionários públicos correspondente à taxa de inflação. Se tal for o caso, temos de concluir que o PSD já não é o que era e que deixou de ser fiável como alternativa de governo financeiramente responsável.
sexta-feira, 16 de setembro de 2022
Pobre língua (23): Quando os professores dão o mau exemplo
quarta-feira, 14 de setembro de 2022
Aplauso (24): A coragem de Carlos Moedas
[imagem colhida AQUI]
1. Saúde-se a decisão do presidente da CM de Lisboa, de ordenar a retirada dos enormes cartazes de propaganda política fixados à volta da Praça Marquês de Pombal em Lisboa, conferindo-lhe um ar caótico de permanente feira eleitoral, impróprio de uma capital europeia.
A liberdade de propaganda política não inclui a faculdade de ocupação selvagem do domínio público para instalação de meios de propaganda, prejudicando gravemente o ambiente e a fruição visual desses espaços.
O imenso poder dos partidos ainda não inclui o direito de apropriação privativa do espaço público, o que, aliás, favorece os partidos com mais meios, pondo em causa o princípio da igualdade de armas.
2. Os municípios não têm a liberdade de deixar ficar os cartazes e seus suportes, prescindindo de defender o interesse público, como sucede por esse país fora. A única obrigação legal dos municípios é a de definirem e disponibilizarem espaços públicos especialmente dedicados à afixação de informação e propaganda dos partidos em períodos eleitorais.
Seria bom que esta corajosa decisão da CML fosse seguida não somente em toda a cidade de Lisboa, mas também por todos os municípios, libertando os espaços públicos da poluição visual da propaganda partidária, que nem sequer poupa a envolvente de monumentos nacionais.
terça-feira, 13 de setembro de 2022
Memórias acidentais (15): Godard
A morte de Jean-Luc Godard (1930-2022) - acima, numa foto de 1968 - traz-me à memória o choque do seu filme Pierrot le fou (Pedro, o louco), de 1965 (com Jean-Paul Belmondo e Anna Karina), verdadeiro manifesto da Nouvelle vague do cinema francês, que vi, deslumbrado, na velha sala do Avenida (entretanto desaparecida), em Coimbra. Só depois teria oportunidade de ver o anterior À bout de souffle (1960), que iniciara a sua revolução estética pessoal.
Para a minha geração universitária (1962-68), a "nova vaga" cinematográfica gaulesa foi, juntamente com o neorrealismo italiano, a grande descoberta cultural europeia do após-guerra, no Portugal onde o salazarismo decadente e a guerra colonial, entretanto iniciada (1961) e sem saída à vista, não deixavam margem para o sonho nem para a esperança.
Obrigado, Godard!
Às avessas (3): Subsidiar os mais abastados
Mercê uma oportunista aliança entre o PSD e a extrema-esquerda parlamentar na votação do orçamento para 2021, as portagens nas antigas autoestradas SCUT passaram a beneficiar de um desconto, a cobrir pelo Estado, ou seja, de um subsídio público, que este ano vai custar mais de 80 milhões de euros.
Não se compreende porque é que o uso dessas autoestradas há-de ser subsidiado à custa de todos os contribuintes - mesmo dos que não têm carro ou não usam tais autoestradas -, tanto mais que grande parte das autoestradas beneficiadas se situam no Norte litoral e no Algarve, ou seja, nas zonas mais ricas do País (o que o PSD tentava esconder nesta notícia da altura!...).
Quando o Estado está sob pressão para responder ao surto inflacionista e à subida de preços dos combustíveis e da energia, é uma contradição económica e social subsidiar em dezenas de milhões o uso de infraestruturas de valor acrescentado, em benefício da uma parte da população que menos necessita de ajuda do Estado para viajar.
É de esperar, portanto, que o Governo não deixe de propor a revogação de tal benesse no próximo orçamento, em prol da equidade social e territorial.
Bloquices (21): Renacionalizar, com que dinheiro?
1. Pretextando o aumento dos preços da energia, o Bloco vem mais uma vez propor a renacionalização da REN e da EDP, como se isso pudesse influenciar os efeitos da seca nas barragens hidroelétricas, a elevada cotação internacional do gás natural e a desvalorização do euro, principais razões para a subida do preço da eletricidade.
De resto, Portugal e Espanha conseguiram da Comissão Europeia uma exceção ao regime comum de preços da eletricidade, o que permite moderar a subida da energia. E a redução de 13% para 5% de IVA sobre uma parte do consumo contribui também para minorar o impacto da subida da luz.
As medidas radicais propostas pelo BE não passam de reflexo automático do seu atavismo ideológico.
2. Sempre considei um erro a privatização da REN, por se tratar de um "monopólio natural" fora do mercado, e de uma infraestrutura essencial para a economia e a segurança energética do país, que ainda por cima foi adquirida por uma empresa estatal chinesa. Não conheço nenhum outro caso assim na UE.
O problema é que a sua renacionalização seria uma emenda tão má como o soneto, dado que o Estado teria de aumentar a dívida pública em milhares de milhões de euros para pagar a nacionalização, o que, nas atuais circunstâncias, com os juros a subir, aumentaria muito os encargos da dívida e colocaria Portugal na mira dos mercados.
Seria fazer o contrário do que tem de ser feito, que é reduzir o peso da dívida pública, para moderar a subida dos juros, para o Estado e para a economia!
segunda-feira, 12 de setembro de 2022
Este País não tem emenda (31): Baixas médicas abusivas
Num balanço sobre a contratação de professores, o ministro João Costa declarou que «na segunda reserva de recrutamento, cujas listas agora foram divulgadas, estiveram a concurso 4.416 horários, dos quais cerca de dois mil resultaram de pedidos de substituição por baixa médica».
Duas mil baixas médicas! Mesmo que as juntas médicas venham a rever uma boa parte delas, nada salva a perceção de expediente fraudulento dos interessados, com a colaboração de médicos prestáveis. À portuguesa!
Há um défice em Portugal altamente resiliente: o défice de ética e de responsabilidade pessoal e profissional.
Corporativismo (26): Defender a coutada
Não é provável que este apelo à mobilização da Ordem dos Advogados contra a reforma da lei das ordens profissionais em curso na AR leve a OA a imitar as suas congéneres que, noutras ocasiões, recorreram a manifestações e a greves para fazer valer os seus interesses. Todavia, dada a visibilidade da OA, a omnipresença dos advogados na vida pública e o acesso que têm aos média, não é de descartar uma campanha em forma para reforçar a pressão sobre o parlamento (onde, aliás, dispõem de uma nutrida representação...).
Trata-se, porém, de uma típica expressão de defesa de privilégios corporativos contra o interesse público, que neste caso visa aumentar a liberdade de acesso às profissões e a concorrência na prestação de serviços profissionais, reduzindo as coutadas que as profissões "ordenadas" conseguiram reservar para si, bem como assegurar uma efetiva disciplina profissional, que devia ser a principal tarefa das ordens, mas que elas em geral têm desconsiderado, criando um clima de impunidade que afeta o prestígio da profissão e a confiança dos consumidores.
Por isso, é importante assegurar que os interesses organizados não triunfam uma vez mais, como quase sempre, sobre o interesse geral.
domingo, 11 de setembro de 2022
Não com os meus impostos (8): O "sindicato" das regiões autónomas
Quando o Funchal e Ponta Delgada se reúnem com as finanças regionais na agenda não é seguramente para decidirem tornarem-se mais solidárias com as finanças nacionais - por exemplo, passando a pagar a sua parte côngrua nas despesas gerais da República -, mas sim para tentar sacar mais dinheiro ao orçamento do Estado, ou seja, aos contribuintes do continente (visto que as receitas fiscais nas ilhas revertem inteiramente para o respetivo orçamento regional).
Quase meio século depois da autonomia regional, em que a maciça ajuda financeira da República (e da UE) contribuiu fortemente para a recuperação do seu enorme atraso histórico, tendo já ultrapassado os níveis de desenvolvimento das regiões norte e centro do Continente, não há nenhuma razão para aumentar o substancial volume das transferências orçamentais diretas e indiretas de que já beneficiam; pelo contrário!
sábado, 10 de setembro de 2022
Não concordo (35): Premiar a imprevidência financeira?
Não vejo nenhuma justificação para uma dedução fiscal dos juros do crédito à habitação para toda a gente, para minorar o impacto da subida dos juros.
Por um lado, seria uma medida socialmente regressiva, visto que, além de beneficiar em geral pessoas de rendimento relativamente confortável, seria cega à situação económica de cada devedor. Por outro lado, não se pode dizer que o nível de juros seja anormalmente elevado, pelo contrário; o que foi anormal foi o longo período de juros baixos, ou até negativos, de que beneficiaram todos os devedores. Ora, ninguém poderia ter uma expectativa minimamente razoável de que essa situação anómala se poderia manter indefinidamente.
Tal como os demais portugueses, também os titulares de créditos à habitação devem suportar a sua parte nos custos da inflação. O Estado e os contribuintes não podem ser o seguro pronto a pagar a imprevidência ou irresponsabilidade financeira dos devedores que incorreram em empréstimos acima das suas possibilidades.
quinta-feira, 8 de setembro de 2022
Mais Europa (64): Quando se acorda tarde, a pedalada tem de ser mais forte
1. Tendo alimentado durante um ano a ilusão de que o surto inflacionista era temporário, o BCE vê-se agora obrigado a acelerar a subida das taxas de juro para o travar. Tendo ontem decidido uma subida sem precedentes de 0,75%, não vai ficar por aqui, longe disso.
O gráfico acima, da agência Reuters, mostra que perante o disparar da inflação (linha vermelha), o BCE não somente não mexeu nas taxa de juro negativa, que vinha desde 2015 (linha negra), como manteve o programa de compra maciça da títulos de dívida pública dos Estados-membros (linha azul), injetando biliões de euros na economia, ou seja, estimulando o surto inflacionista!
Em vez de bombeiro, o BCE fez de incendiário.
2. Ao ser obrigado agora a subir fortemente os juros, tornando o dinheiro mais caro, o BCE vem piorar as condições da economia, já negativamente afetada pela subida vertiginosa do petróleo e do gás natural e pela degradação do clima económico, em consequência da guerra na Ucrania e das sanções ocidentais e contrassanções russas.
Uma recessão económica parece agora ser inevitável e até desejável, como meio de travar o monstro da inflação, que reduz o poder de compra de salários, pensões e rendas e degrada o valor das poupanças, empobrecendo grande parte da população.
O lamentável é admitir que tudo poderia ser menos preocupante, se o BCE tivesse intervindo mais cedo, na defesa da estabilidade dos preços, seu mandato primordial.
Corporativismo (25): SNS sofre...
1. A maternidade do País com maior número de médicos nas respetivas especialidades sofre novos períodos de interrupção de funcionamento, por falta de médicos para completar as escalas de urgência, o que sucede pela sexta vez neste verão.
Desta vez a administração não hesita em apontar os responsáveis - os próprios médicos:
“Quando as pessoas estão de boa vontade não é problemático. Mas estamos a viver um período de grande agitação e de grande toque a reunir da corporação e, neste caso, da corporação ao nível da ginecologia e obstetrícia.”
Os cidadãos fazem sua a pergunta do jornal:
«Como é possível que uma maternidade que tem 55 especialistas em ginecologia e obstetrícia e 16 internos (médicos em formação nesta especialidade) no seu corpo clínico – a equipa mais numerosa de todas as maternidades do país – não consiga evitar fechar, de novo, o seu bloco de partos?»
Um escândalo!
2. Basta ler a imprensa, para constatar o corporativismo profissional dessas especialidades, aliás alimentada pela Ordem.
Mas o que não se entende é que as administrações hospitalares não tenham meios (ou autoridade?) para fazer cumprir as escalas de serviço pelos profissionais, tal como manifestamente não têm para gerir as férias e controlar a assiduidade e punir o absentismo...
Assim, o SNS está condenado.
Amanhã vou estar aqui (12): Colóquio na Feira do Livro de Lisboa
Guerra na Ucrânia (49): Quando é que a UE se assume como beligerante?
Para além do auxílio financeiro e da maciça ajuda militar à Ucrânia em armas e logística - que tem sido essencial para ajudar a conter a invasão russa -, a UE equaciona agora a ideia de assumir o treinamento das tropas ucranianas, o que, aliás, vários Estados-membros já fazem há muito, a título próprio. O passo seguinte poderá ser o envolvimento no terreno, com "conselheiros militares" das tropas ucranianas.
Para além das dúvidas sobre o cabimento destas operações nas atribuições da União previstas no Tratados, a questão principal está em saber até onde a Bruxelas está disposta a ir no seu envolvimento direto na guerra, sem correr o risco de ser considerada pela Rússia como beligerante, com todas as imprevisíveis consequências daí resultantes.
quarta-feira, 7 de setembro de 2022
Não com os meus impostos (7): Um direito universal a morar no Restelo ?!
Ou se trata de uma ocasional e inadvertida "força de expressão" no calor do debate parlamentar, ou a declaração da responsável governamental pela política habitacional, de que «toda a gente tem direito a viver nas zonas mais caras de Lisboa» e que o Estado deve assegurar esse direito constitui uma enorme irresponsabilidade política.
Seria bom que Portugal cumprisse o direito constitucional de todas as famílias a uma habitação decente, como é próprio de um "Estado social" digno desse nome. Mas quando isso ainda não sucede, longe disso, apresentar como objetivo governamental garantir a todos o acesso às zonas habitacionais mais caras (e não apenas em Lisboa!), raia o nonsense político, que nem o mais grosseiro esquerdismo igualitário pode justificar.
A pergunta óbvia será saber quanto é que isso custaria e quem pagaria. Considero um grave abuso o desvio dos meus impostos para satisfazer pretensos direitos da "classe média", quando elementares direitos constitucionais universais continuam por realizar. Desde já declaro que, como parte dessa classe, não pretendo que o Estado me assegure o direito de morar no Restelo ou no Parque das Nações, nem em qualquer zona habitacional de luxo no país...
terça-feira, 6 de setembro de 2022
Terra brasilis (9): O bicentenário da independência do Brasil na Universidade de Coimbra
1. Faz todo o sentido que a Universaidade de Coimbra celebre amanhã os 200 anos da independência do Brasil, com uma exposição documental na Biblioteca Geral - aliás inaugurada inicialmente no Recife (Pernambuco), em parceria com a Fundação Joaquim Nabuco - e com uma conferência do presidente da mesma fundação brasileira, Antônio Ricardo Accioly Campos.
A primeira razão para esta comemoração tem a ver com a profunda ligação da independência do Brasil com a Universidade de Coimbra, pois os principais próceres da independência - tal como toda elite intelectual brasileira da época, em geral - fizeram a sua formação académica e intelectual em Coimbra, tais como José Bonifácio de Andrada e Silva, o "patriarca" da independência e conselheiro do príncipe D. Pedro, e seu irmão António Carlos de Andrada, que foi deputado pela província de São Paulo às Cortes Constituintes de Lisboa, tendo sido o mais combativo expoente da "causa do Brasil", defendendo uma solução federal para o Reino Unido, cuja rejeição precipitou a secessão.
A independência do Brasil não pode ser compreendida à margem da UC.
2. Acresce que a UC manteve ao longo destes dois séculos uma profunda relação intelectual e afetiva com o Brasil, que hoje se traduz em proveitoso intercâmbio académico de professores e investigadores e na frequência de milhares de estudantes brasileiros, em todos os graus, desde a licenciatura ao pós-doutoramento.
Para se fazer uma ideia do intercâmbio académico, basta dizer que por estes dias, só na Faculdade de Direito, decorrem dois eventos luso-brasileiros, a saber, um Encontro de Professores de Direito Administrativo e um colóquio sobre Direito à Cidade.
A UC é tanto a maior universidade brasileira fora do Brasil como a universidade mais brasileira de Portugal.
3. Por causa dessa relação com o Brasil, que vem desde o séc. XVI, o Arquivo e a Biblioteca Geral da UC dispõem de um valioso acervo documental, iconográfico e bibliográfico sobre a história do Brasil principalmente até ao séc. XIX, que a Universidade se orgulha em dar a conhecer, como vai suceder amanhã.
De resto, só nos últimos 25 anos lembro-me de duas outras exposições documentais e iconográficas sobre a ligação da Universidade com o Brasil, uma em 1999, por ocasião da conferência Portugal-Brasil, Ano 2000, organizada pela FDUC (em que participei), e outra em 2012, organizada pela BGUC.
Junto as capas dos respetivos catálogos, belas peças bibliográficas, que cuidei de guardar.
Adenda (7/9)
Sim, mas (10): Umas no cravo...
1. São de aplaudir várias das medidas adotadas pelo Governo para aliviar os efeitos da inflação, como as transferências diretas para as pessoas de menores rendimentos ou com filhos, a antecipação da subida das pensões, que devia ocorrer só em janeiro, e o congelamento de todos os aumentos dos passes de transportes públicos e de bilhetes da CP em 2023 (espera-se que com compensação financeira das empresas).
Mas, como anotei em post anterior, não se compreende a redução fiscal geral sobre a energia e os combustíveis, que, além de socialmente regressiva - pois favorece quem mais consome -, é incoerente com os apelos da UE à poupança e com a pressão inflacionista que esse alívio fiscal gera.
2. O Governo também não resistiu à tentação de estabelecer um limite geral à subida das rendas - 2%, contra os 5,43% que decorriam da lei em vigor -, em vez de subsidiar as rendas de pessoas com menor rendimento.
O Goveno diz que os senhorios serão compensados com redução do IRS (ou do IRC) no ano que vem. Todavia: (i) os senhorios menos abonados podem não ter rendimento suficiente para pagar IRS, pelo que não são compensados; (ii) a não atualização das rendas no próximo ano de acordo com os critérios legais vai prejudicar os senhorios nos aumentos dos anos seguintes, por causa da base de cálculo mais reduzida.
E há obviamente o freezing effect que o controle administrativo das rendas tem sobre o investimento habitacional.
segunda-feira, 5 de setembro de 2022
Ainda bem! (7): Rejeição de uma péssima constituição
1. No referendo constitucional de ontem, os chilenos rejeitaram por ampla maioria (mais de 60% contra menos de 40%) a proposta de nova Constituição elaborada por uma Convenção instituída no ano passado e dominada pela esquerda radical e por independentes com ela alinhados.
É de saudar o resultado. Tratava-se de um documento sectário, marcado por igualitarismo, feminismo e ecologismo radicais, hipergarantista, politicamente impraticável, prolixo, repetitivo e ultraextenso (388 artigos, mais 57 disposições transitórias!), que não tardaria a lançar o país num caos político, financeiro e judicial.
2. O resultado negativo, que supera as piores previsões quanto à rejeição, traduz-se também num sério revés para o governo de esquerda do Presidente Boric, que se empenhou na aprovação da proposta, e cuja situação nos inquéritos de opinião já era assaz negativa.
Aproveitando para anunciar uma remodelação do seu desgastado Governo, o Presidente vai pedir ao Congresso o reequacionamento do procedimento constituinte, tendo em conta o mandato do referendo de 2020 para mudar a Constituição em vigor (a qual vem desde a ditadura, embora com muitas alterações já depois da transição democrática). Mas dada a ampla rejeição popular da proposta, não é provável que seja reeditada a convocação de uma convenção nos moldes da anterior.
Ainda bem!
sábado, 3 de setembro de 2022
Não concordo (34): Política pró-cíclica
1. O Governo prepara-se para lançar na próxima segunda-feira um programa no valor de 2 000 milhões de euros, alegadamente para compensar a perda de poder de compra resultante da elevada inflação, incluindo medidas socialmente transversais, como a descida de impostos (IRS e IVA de alguns produtos).
Mas é de duvidar da bondade de injetar tanto dinheiro na economia, não no investimento mas sim no consumo, quando a economia está a crescer e o emprego e os salários continuam a aumentar, o que corre o risco sério de alimentar a espiral inflacionista, que neste momento é o principal perigo. Em vez de favorecerem a necessária redução no consumo, estas medidas aumentam-no. Mais dinheiro no consumo é mais inflação; e mais inflação "puxa" por juros mais elevados, ameaçando uma contração económica mais à frente.
Por isso, tendo a alinhar com aqueles que defendem que o Estado deveria focar-se somente em aliviar a situação das pessoas de menores rendimentos e destinar a folga proporcionada pelo aumento da receita fiscal (cortesia da inflação e do crescimento da economia) à redução do défice e da excessiva dívida pública, cujos encargos vão aumentar com a subida dos juros.
2. Não se sabe se o referido pacote também vai incluir alguma medida quanto às rendas habitacionais, que a inflação vai fazer subir significativamente no ano que vem, por aplicação dos critérios previstos na lei.
Também aqui o Governo não deve ceder à tentação da solução mais fácil, ou seja, a limitação legal da subida das rendas, à custa dos senhorios, como alguns defendem. Primeiro, porque é o Estado, e não os particulares, que deve financiar as medidas de política social; segundo, porque a contenção artificial das rendas levará necessariamente ao retraimento do investimento privado em habitação, agravando ainda mais o défice de casas para arrendamento e fazendo subir as rendas; por último, porque, sendo uma medida transversal, viria a beneficiar desnecessariamente também os arrendatários com rendimentos mais elevados.
A solução política e socialmente correta é, por isso, recorrer ao mecanismo do subsídio público da renda às famílias de menores rendimentos.
sexta-feira, 2 de setembro de 2022
Novo aeroporto (2): Lamentável!
1. Nas suas declarações à SIC Notícias no "Jornal da Noite" de hoje, o Engº Matias Ramos, um dos campeões de Alcochete para o novo aeroporto, não escondeu o seu nervosismo, ao comentar a notícia, que a estação acabava de dar, de que há agora a hipótese de Santarém (que comentei no meu post de ontem), o que o levou a cometer uma série de gaffes comprometedoras.
Antes de mais, é feio desqualificar e rejeitar liminarmente a nova hipótese, que ainda nem sequer foi apresentada publicamente pelos seus promotores, havendo notícia pública de que isso ocorrerá no final do mês. A atitude correta e responsável seria recusar-se a comentar enquanto não for conhecida a proposta e os seus fundamentos.
2. Além disso, Matias Ramos considerou que uma nova alternativa só vem perturbar e atrasar o processo de seleção definitiva do local do novo aeroporto. Ora, o processo está suspenso desde que, antes do verão, António Costa fez revogar o despacho de Pedro Nuno Santos, na expectativa de uma contribuição do PSD sobre o assunto.
Seja como for, sempre haverá necessidade de um nova "avaliação estratégica" das várias hipóteses, onde é lógico que entrem todas as que estejam em cima da mesa e tenham viabilidade. E se os partidários de Alcochete estão tão seguros da sua superioridade, não se vê razão para temerem um novo concorrente.
3. Por último, Matias Ramos, argumenta que o novo aeroporto terá de ter em conta o "centro de gravidade" da procura - o que é óbvio. Ora, sabendo-se que a maior parte da procura se encontra a norte do Tejo, não parece que seja Alcochete, com o estuário do Tejo pelo meio, que se encontra em melhores condições para a satisfazer.
Não foi de ânimo leve que o Engº João Cravinho recentemente qualificou a localização do aeroporto a sul do Tejo como um atentado à coesão territorial do País.
4. Enfim, seguramente, não é com este discurso inconsequente que os partidários de Alcochete descartam liminarmente um novo competidor, se este tiver "pernas para andar" -, o que vamos saber brevemente.
O debate agora reaberto sobre a localização do novo aeroporto não pode descambar num combate "clubístico", onde os adeptos das soluções até agora equacionadas se coligam no propósito de impedir a consideração de qualquer outra, num misto de arrogância e demagogia.
Guerra na Ucrânia (37): Quem vai ganhar a guerra económica e financeira?
Merece ser lido este ensaio de Jean Pisany-Ferry no Project Syndicate (acesso reservado a assinantes) sobre saber quem vai ganhar a guerra económica e financeira que os Estados Unidos e a UE desencadearam contra a Rússia, por causa da invasão da Ucrânia.
Depois de assinalar que, embora possam estar a enfraquecer a economia russa, as medidas sem precedente adotadas não produziram os devastadores efeitos desejados (longe disso), o autor conclui que «no longo prazo, Putin pode perder, mas a UE pode ser derrotada na guerra financeira antes de a Rússia perder a guerra económica».
O drama é que, tal como a Rússia, apesar dos inesperados custos e revezes, não tem como recuar na guerra militar que desencadeou, também a UE não tem como retroceder, apesar dos riscos crescentes, na guerra económica e financeira com que ripostou. Condenados estamos, não sabemos por quanto tempo às enormes perdas destas duas guerras...