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quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...

sábado, 11 de novembro de 2023

Ai, Portugal (11): O Ministério Público é intocável?


1. Compreendo o apelo de António Costa ao PS para não entrar num ataque ao Ministério Público, primeiro porque isso levaria este a fazer-se de vítima, invertendo os papeis, e depois porque, ainda não há muito tempo, o PS primou na defesa do MP contra a reforma proposta pelo PSD, sob a presidência de Rui Rio, acusando-a de atacar a "autonomia" e a "independência" da instituição (atenção que o MP "retribui" agora, forçando a demissão do Governo PS...). 

Todavia, não sendo eu filiado no PS, nem tendo compartilhado do ataque à iniciativa do PSD, não tenho que respeitar essa obrigação de silêncio perante este verdadeiro "golpe de Estado" do MP (a expressão é tomada emprestada daqui), que levou à demissão do Primeiro-Ministro e deu o ambicionado pretexto ao PR para dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, interrompendo a legislatura antes de decorrida metade dela. 

Ora, estamos perante uma sucessão de atos demasiado graves e bem encadeados e cerzidos, que não deixam dúvidas de que obedecem a um deliberado propósito de provocar o máximo de danos políticos ao PS e ao País.

2. De facto, não pode deixar de merecer frontal condenação, não somente o desaforo de transformar num nefando "plano criminal" uma comum operação de lobbying empresarial bem-sucedida relativamente a um vultuoso investimento estrangeiro vantajoso para o País e a correspondente liberdade governativa de o avaliar, onde não há um mínimo vislumbre de corrupção relativamente aos governantes visados, mas também a inacreditável justificação sumária e displicente da abertura de "inquérito" ao PM no final do comunicado da PGR de 7/11, sabendo que tal só poderia resultar na sua demissão imediata, para culminar no cínico "esclarecimento" de hoje, de onde se fica a saber que a investigação sobre António Costa começou em 17 de outubro e que vai ficar dependente da evolução do demais processo, ou seja,  sem fim à vista, tudo sem que a PGR tivesse o mínimo cuidado de informar, à puridade, o PR  - a quem deve a nomeação e de cuja confiança institucional depende - dessas graves circunstâncias. 

Se o "libelo" constante da pseudoinvestigação não passa de uma laboriosa, mas mal urdida, "inventona", denegando ostensivamente a indeclinável esfera de liberdade política do Governo, a atitude da PGR revela uma inaceitável e comprometedora deslealdade institucional. 

3. Não satisfeito com a demissão de dois ministros de António Costa - Azeredo Lopes, da Defesa, e Eduardo Cabrita, da Administração Interna, ambos entretanto ilibados pelos tribunais, expondo a leviandade do Ministério Público na sua acusação -, o ativo "comando de caça-políticos" do MP resolveu visar mais alto, nada menos do que outros dois ministros e o próprio chefe do Governo, sabendo bem que, em relação a este, bastaria a publicação de qualquer suspeição, por mais infundada que fosse - como é o caso -, para o fazer demitir e provocar a queda do Governo, lançando o País numa crise política sem precedentes.

Ora, não podiam deixar de ser facilmente antecipáveis as nefastas consequências da demissão do Governo, tanto no plano político - provavelmente meio ano sem Governo e a previsível instabilidade governativa subsequente -, como no plano económico - desde a perda do importante investimento em causa, ao adiamento da decisão sobre o novo aeroporto, passando pelo atraso dos investimentos do PRR - e no plano financeiro - eventual desconfiança dos mercados financeiros e consequente agravamento do custo da dívida pública -, sem esquecer o devastador efeito sobre a reputação externa do País e sobre a confiança dos investidores estrangeiros.

Por isso, a irresponsável investida do MP contra a liberdade política do Governo, e em especial a conduta negligente da PGR, não podem passar à margem do julgamento público sobre esta crise política e as suas consequências.

4. Há quem ache que atacar o MP equivale a atacar a justiça. Nada de mais falso, porém!

A justiça é função dos juízes, constitucionalmente imparciais, independentes e irresponsáveis pelas suas decisões. O MP é simplesmente uma instituição auxiliar da justiça, especialmente quanto à investigação e à acusação penal, devendo, porém, mesmo aí, respeitar as prioridades de política penal definidas pela AR. Os magistrados do MP não são nem imparciais, nem independentes, nem irresponsáveis, estando inseridos numa hierarquia chefiada pelo PGR, e sendo pessoalmente responsáveis pela sua atividade, em última instância perante ele. O próprio PGR só é relativamente independente, visto que é livremente nomeado e demitido pelo PR, sob proposta do Governo, sendo, portanto, institucionalmente responsável perante aquele. 

Além disso, não sendo um órgão judicial, mas somente judiciário (o que não é a mesma coisa), o MP deve também prestar contas perante a AR e o País, por intermédio do PGR. A pretensa independência do MP, como se fosse uma magistratura equiparada à magistratura judicial, é uma ficção e um estratagema para torná-lo indevidamente imune à crítica pública. 

Decididamente, é preciso reverter o MP e o PGR para o seu lugar constitucional de órgão auxiliar da justiça responsável perante o PR e a AR, e não de um quarto poder político, sem a inerente legitimidade nem responsabilidade política, abusivamente autoerigido em instrumento de controlo da liberdade política dos governos na prossecução do interesse público.

Adenda
Causa fastio político ver comentadores da área do PSD aplaudir esta inaceitável tentativa de criminalização da incontornável liberdade de ação governamental na atração de IDE, esquecendo as recentes propostas do seu partido para reduzir a abusiva autogestão do MP, e sem se darem conta de que, no futuro, o mesmo vezo antipolítico pode ter por alvo um governo seu. Como diziam os antigos: «de te fabula narrantur» (ou seja, «esta história também te diz respeito»).
[Substituída uma anterior "adenda", que vai ser publicada autonomamente]

Adenda 2
Um leitor pergunta: «E o dinheiro escondido no gabinete de Escária»? Trata-se, sem dúvida, de um dado sumamente embaraçoso, mas que compromete somente o próprio (e não, evidentemente, o PM), e tem de ser o MP a provar que tal dinheiro provém de "luvas" recebidas no âmbito deste processo, e não de outra origem. Tanto quanto se sabe, não há na investigação nenhum indício nesse sentido, sendo, aliás, óbvio que a empresa interessada nem sequer precisava dele para influenciar o PM, tendo à mão "influencers" bem mais capacitados, como Lacerda Machado e João Galamba. Mas entendo que, se Escária tiver um mínimo de dignidade moral, deve ele próprio clarificar a origem concreta do dinheiro, mesmo que incorra na confissão de outro crime, como por exemplo a evasão fiscal...

Adenda 3
Ao contrário de algumas críticas apressadas, considero que a comunicação pública do Primeiro-Ministro se justificou plenamente, para dizer duas coisas essenciais: (i) que a ponderação entre as vantagens económicas de um grande investimento privado e a defesa do ambiente e sobre a eventual necessidade de alterações regulamentares é uma questão do foro político, e portanto da competência do Governo, e não do foro judicial ("à política o que é da política, à justiça o que é da justiça"); (ii) que, como chefe do Governo, o PM assume a responsabilidade política pela decisão tomada, cobrindo a ação conforme dos seus ministros. Só é de saudar a clareza do enquadramento e louvar a reivindicação da responsabilidade política. Ora, o Governo não é politicamente responsável perante o Ministério Público..

Adenda 4
E no caso de ter havido «atos ilegais» no processo - pergunta um leitor. Resposta: 1º - o Governo pode alterar leis (salvo em matéria reservada à AR) e regulamentos, quando o entenda necessário para prosseguir o interesse público;  2º- no caso de eventuais atos ilegais, o remédio é a sua impugnação no foro competente, que é a justiça administrativa (e o MP tem por norma não usar esse poder); 3º - uma coisa é uma eventual ilegalidade, e outra, bem diferente, é um ilícito penal - que, aliás, pode existir na prática de atos legais. Portanto, uma ilegalidade só é penalmente punível se preencher autonomamente um "tipo legal de crime" -, que é o que o MP tem de acusar e provar. Ora, passados estes dias todos sobre a demissão forçada do PM, continua sem se saber sequer que possível ilicitude (muito menos de caráter penal) é que lhe possa ser imputada. Numa democracia, não se pode derrubar um Governo assim...

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Não vale tudo (14): O Primeiro-Ministro em causa

1. Não tendo sido desmentida, a notícia do Expresso de hoje, segundo a qual a "empresa fimiliar" do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, continua a receber uma transferência mensal de 4.500 euros por mês, por uma "avença" do Casino da Costa Verde, pode ser fatal. Na hipótese menos má, pode tratar-se de remuneração de serviços, em violação óbvia da regra do exclusividade dos cargos governamentais; na pior, poderia tratar-se de um pagamento de favor da empresa concessionária, à espera de retribuição política do Governo, configurando, portanto, um caso de corrupção preventiva. 

Mesmo na hipótese menos grave, parece evidente que a tal empresa familiar de Montengro - que tem como contacto o número de telemóvel pessoal do Primeiro-Ministro e na qual nenhum dos outros familiares (ou seja, a mulher e os filhos) tem competências profissionais para a consultoria em causa (proteção de dados, etc.), como se argumenta aqui -, pode não passar de um mecanismo fraudulento, que é corrente entre os profissionais liberais, para fugirem ao IRS (substituindo-o pelo IRC, com taxas muito mais baixas), descontarem as despesas domésticas e obterem a devolução do IVA nas suas aquisições (incluindo serviços e produtos domésticos...).  

Só que o PM não é um profissional qualquer, não podendo incorrer em tais esquemas de fuga ao fisco e de instrumentalização de fictícias "sociedades familiares" para efeitos fiscais, além da possível violação da regra da exclusividade profissional dos governantes.

2. Nesta situação, se o PM não tomar a iniciativa pessoal de esclarecer cabalmente estas questões, é obrigatório que ele peça à Autoridade Tributária um relatório sobre as contas da suposta sociedade, para verificar :(i) que houve efetivamente serviços prestados nestes meses ao Casino de Espinho e outros clientes, com as devidas faturas, (ii) que o prestador de tais serviços não foi pessoalmente o PM, ou seus delegatários pessoais, e (iii) que os encargos da empresa não incluem despesas familiares.

A confirmarem-se as gritantes suspeitas levantadas para referida notícia, tratar-se-ia da mais grave situação de má conduta institucional de um PM neste meio século de democracia, em termos de conflito de interesses, que poderia preencher a figura do "irregular funcionamento das instituições", que permite ao PR excecionalmente a demissão direta do PM. 

Não tenho dúvidas de que, se se tratasse de um PM do PS, o PSD e o comentariado que lhe é afeto, já estariam a reclamar a sua imediata demissão. E, na falta de defesa convincente, teriam toda a razão!

Adenda
Um leitor argumenta que, perante este exemplo, a antigo ministro do PS, Manuel Pinho, «bem poderia ter evitado a prisão, se tivesse inventado uma empresa familiar com sua mulher e uma avença com o BES, para ser a empresa a receber aquilo que tontamente recebeu por debaixo da mesa». O que penso é que quem aceita desempenhar cargos políticos não pode continuar a beneficiar das "habilidades" que o Fisco e a sociedade perdoam aos cidadãos comuns, mas que não são compatíveis com as responsabilidades de um governante, segundo a ética republicana e a integridade política num Estado de direito democrático.

Adenda (2)
Há quem entenda que a solução está em Montenegro «afastar-se totalmente da Spinummviva», a tal empresa familiar, como sugere o Público. Porém, por um lado, isso não poderia amnistiar a irregular situação passada, nem suprimir as vantagens até aqui recebidas das tais "avenças"; por outro lado, não se vê como é que o PM se pode separar da empresa, se ele é verdadeiramente a empresa, pois não se vê como é que ela existiria ou teria algum cliente sem ele

Adenda 3
«E se Montenegro se demitisse, o que se seguiria?» No meu entender, dadas as circuntâncias, o PR não poderia recusar a demissão, mas deveria convidar o PSD a tentar formar novo Governo com outro PM. Existe, porém, uma dificuldade, que é o facto de há pouco mais de um ano, aquando da autodemissão de António Costa, por causa do celerado comunicado da então PGR no caso Influencer, o PR não aceitou a proposta do PS de constituição de novo Governo, preferindo a dissolução da AR, de que resultou o afastamento do PS do Governo. Tendo eu criticado na altura essa decisão, continuo a pensar que a autodemissão do PM não justifica a antecipação de eleições parlamentares, se houver condições para formar novo governo no quadro parlamentar existente, mas não sei como que MRS iria emendar a mão, só por se tratar do seu partido...

Adenda 4
Muito «zangado com os comentadores», um leitor acha que é preciso «chamar os bois pelo nome, [que] a Spinum viva é um pseudónimo de Montenegro, [que] os clientes dela são clientes seus e os empregados dela são empregados seus e [que] o resto é gozar com o pagode». Descontando a linguagem despejada, não vejo como se pode contrariar o argumento.

Adenda 5
Penso que tem razão o leitor que alerta para o facto de que «o único partido que ganha com situações comprometedoras como estas, é o Chega». Sim, como é sabido, a extrema-direita populista alimenta-se do desprestígio da "classe política", e situações como estas só o agravam.

Adenda 6 (1/3)
A declaração do PM de hoje, sábado, negando qualquer conduta errada, assenta num enorme farisaísmo. Todo e qualquer profissional (médico, professor, empresário) sabe que tem de suspender a sua atividade ao assumir funções governamentais, que são exclusivas, mas o advogado Montenegro descobriu que, antes de suspender a sua carteira da Ordem, podia constituir uma "sociedade" de consultoria com mulher e filhos, nenhum deles advogado - que obviamente não passava de um pseudónimo ou alter ego seu -, a quem trespassar os seus principais clientes de advogado, para continuar a beneficiar dos respetivos pagamentos, no valor de muitos milhares de euros, aliás com menos encargos fiscais, em acumulação com a remuneração de PM. Como estratagema para fugir à regra da exclusividade, pode parecer brilhante -, mas não é sério

Adenda 7
Quando as condições económicas e sociais são favoráveis ao Governo, como é o caso (cortesia da herança deixada pelo PS...), ele pode dar-se ao luxo de uma "fuga para a frente" e de provocar as oposições. Mais uma vez, o PS não pode "esquentar" e ir na provocação.

Adenda 8
Ao apresentar uma moção de censura - que não vai ser aprovada -, o PCP veio proporcionar a Montenegro uma saída para a sua falsa ameaça de abertura de uma crise política, pois a rejeição da censura vai servir-lhe para dizer que "não perdeu" a confiança do parlamento, dispensando-se, por isso, de apresentar uma moção de confiança, que levaria à sua demissão. Mas não vejo como é que, depois da encenação de baixo nível de hoje como "vítima" de um conspiração geral contra ele, vai poder recuperar a confiança de quem não pode "engolir" a sua novela de baixo quilate para tentar negar a evidência de PM "avençado" durante todo este tempo. A sua reputação fica indelevelmente manchada. Não se pode brincar impunemente com os cidadãos!

Adenda 9
É deprimente ver em três canais de televisão outros tantos ministros a defenderem, sem nenhuma convicção, como "frete" de serviço, a verdadeira miséria moral das "avenças" do seu PM, via uma suposta empresa familiar. A ética republicana está de luto.

Adenda 10
Montenegro assegurou que não vai intervir pessoalmente na decisão governamental sobre a renovação das concessões de jogo, em que a Solverde é obviamente parte interessada. Mas alguém acredita que, depois de ontem terem sido amestradamente arregimentados, primeiro para o "coro mudo" da caricata encenação da comunicação pública do PM e depois para irem por tudo o que é televisão defender o indefensável, algum daqueles ministros tem autonomia para dizer "não" a uma empresa que mensalmente nutriu com milhares de euros mensais, a título de "avença", a pseudosociedade familiar do chefe do Governo, agora supostamente transmitida para os seus filhos? O pior que um governante pode fazer é tomar os cidadãos parvos.

Adenda (11)
Esta informação de que a Solverde tem cinco juristas ao seu serviço e é assessorada por dois escritórios de advogados de topo mostra que ela não precisava nada dos serviços alegadamente prestados por Montenegro através da sua empresa familiar de fachada e reforça a supeição de que a tal "avença" pode não passar de um pagamento de favor. À medida que estes aspetos comprometedores vão sendo conhecidos, impõe-se desafiar Montenegro a divulgar a atividade e a contabilidade da Spinumviva desde que ele tomou posse como PM ...

Adenda (12)
Dada a natureza pessoalíssima da suposta empresa familiar, pura criatura sua, não vejo como é que Montenegro pode sair impune desta: (i) na menos má das hipóteses, a ter havido efetiva prestação de serviços nas tais "avenças", há flagrante violação da exclusividade legal do cargo governamental e da respetiva remuneração e, portanto, enriquecimento irregular; (ii) na pior das hipóteses, a não ter havido efetiva contrapartida de serviços que justifique tão generosos pagamentos, como se suspeita ser o caso, então teríamos crimes de vantagem indevida ou, mesmo, de corrupção, que o Ministério Público teria de investigar. O que não me parece tolerável é que uma República decente mantenha um chefe de Governo nesta insustentável situação, sem a devida clarificação dos factos, que ele próprio devia ser o primeiro a promover, em defesa própria.

Adenda (13)
Segundo esta notícia, no pagamento de uma casa, comprada em 2024, Montenegro terá utilizado várias contas bancárias à ordem de valor inferior a 41 000 euros, as quais, alegadamente, não têm de ser declaradas à Entidade da Tranparência -, pelos vistos, um "artista" experiente na prática de contornar as leis e de esconder o património. 

Adenda (14)
Obviamente, como há muito defendo, esta denúncia anónima sobre a pretensa sociedade familiar de Montenegro só deve avançar para inquérito - ao contrário do que o MP costuma fazer expeditamente, quando de trata de políticos -, depois de uma análise preliminar sobre a sua consistência, a qual deve ser tão célere quanto possível, para não sujeitar o visado a prolongada incerteza, lesiva do princípio da presunção de inocência penal. Todavia, parece-me que só se pode ajuizar, quer da provável violação da regra da exclusividade (ilícito punido com a destituição pela Lei dos titulares de cargos políticos, art. 11º, mas que exceciona o PM e o PR), quer da eventual suspeita de recebimento indevido de vantagem (art. 16º da Lei dos Crimes de Responsablidade), mediante análise do papel de Montenegro na gestão da empresa, na efetividade, ou não, dos serviços alegadamente prestados e no recebimento dos pagamentos recebidos, o que só se pode deduzir a partir da contabilidade da suposta empresa e das comunicações e transferências dos clientes, como argumento AQUI.


quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Não dá para entender (8): Reações corporativas

1. É evidente que, independentemente da sua legitimidade constitucional e da sua eventual justificação política, a desajeitada proposta do PSD de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público surge a destempo e contra a corrente, só pondendo suscitar a frustrante polémica que provocou.

2. No entanto, sendo óbvia a sua inviabilidade legislativa à partida, por não ter nenhum outro apoio parlamentar, a precipitada ameaça de greve do sindicato do MP é, pelo menos, descabida, como expressão fútil das "dores corporativas" da respetiva magistratura.
Mais despropositada, para não dizer ilegítima, tem de ser considerada a insólita ameaça preventiva de demissão da recém-nomeada Procuradora-Geral da República, que, como titular de uma instituição da República, não pode dedicar-se a exercícios de chantagem virtual sobre o poder legislativo. Um passo em falso, que não credibiliza quem o deu.

Adenda
Quanto à substância da questão, Rui Rio tem razão num ponto decisivo. Se o Conselho Superior da Magistratura - que é o órgão supremo de governo dos juízes, que gozam de independência superlativa -  tem uma maioria de membros designados do exterior, por que razão é que o mesmo não há de suceder no Conselho Superior do Ministério Público, que tem funções parcialmente afins em relação aos respetivos magistrados, quando é certo que a Constituição remeteu a composição daquele para a lei e que o Ministério Público não goza da mesma independência constitucional dos juízes, sendo o/a PGR discricionariamente nomeado/a e exonerado/a por vontade conjunta do PM e do PR? Há alguma razão para que o grau de autogestão do MP ser superior ao dos juízes?

Adenda 2
Mais importante do que a questão da composição do CSMP é que questão do seu poder de gestão dos quadros do MP e do seu poder disciplinar. Ao contrário dos juízes, que são independentes e não têm "chefe", os agentes do MP são funcionários públicos, sujeitos a uma hierarquia encimada pelo/a PGR. Porque é que aqueles poderes hão de ser exercidos em autogestão pelos próprios, em vez de caberem ao/à PGR, que tem a legitimidade democrática que deriva da sua nomeação pelo PR, sob proposta do PM?

Adenda 3
Não deixa de ser curioso ver comentadores liberais, tradicionais inimigos do corporativismo no setor público, a defenderem a autogestão na gestão de quadros e no poder disciplinar do Ministério Público. Contradições que a incoerência doutrinária tece...

domingo, 28 de abril de 2024

Não concordo (48): À justiça o que é da justiça

1. Apesar de ser muito crítico do lawfare antipolítico do Ministério Público e da sua ostensiva irresponsabilidade pública (por exemplo, AQUI), não penso que seja pertinente a proposta do presidente da AR, de "convidar" a PGR a ir explicar perante o parlamento o caso Influencer e o caso da Madeira, que levaram à demissão dos governos nacional e regional, respetivamente. 

Uma coisa é a sujeição da atividade geral do MP e da orientação do/a PGR ao escrutínio parlamentar, designadamente quanto à sua eficiência e quanto ao cumprimento das prioridades da política penal, em especial - o que lamentavelmente não tem acontecido -, outra coisa é uma interpelação parlamentar sobre processos concretos em curso de investigação pelo MP, cujo controlo externo deve manter-se reservado aos tribunais. É de ressalvar, porventura, o caso especial de inquéritos parlamentares. 

De resto, face à assumida irresponsabilidade da PGR - cuja demissão já defendi - quanto aos referidos inquéritos (cuja legalidade e pertinência ela própria deveria controlar internamente), não se vê que esclarecimento poderia resultar de tal audição parlamentar.

2. É certo que, pelo menos no caso Influencer - que os tribunais já arrasaram e que, portanto, já devia ter sido arquivado -, o MP instrumentalizou os seus poderes de investigação como arma de perseguição política, mas o parlamento não deve contribuir, pelo seu lado, para a lastimável politização da ação penal, que, de resto, os partidos podem condenar sem terem de "chamar a capítulo" a PGR.

Se o MP parece não se inibir em violar a necessária separação entre a esfera da justiça e a esfera política, a AR deve ser mais escrupulosa em observar tal separação.


sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Não vale tudo (12): Abuso de poder

1. E vai mais um governante constrangido a demitir-se, perante o massacre público subsequente à notícia de que estava sob investigação e perante a posterior acusação formal (conhecida pelo próprio pelos jornais!), por alegadas ilegalidades em anterior cargo público. 

Repetiu-se a história, a que me referi já em post anterior: (a) o Ministério Público recebe uma denúncia contra um membro do Governo e inicia uma investigação, como lhe compete, mas a primeira coisa que faz, se o magistrado responsável não gostar do Governo da hora, é deixar sair a notícia para a imprensa, como não lhe compete; (b) a imprensa faz o seu papel, os partidos da oposição juntam-se ao coro e o visado acaba julgado e condenado na praça pública, sem provas nem direito a defesa, sentindo-se obrigado a demitir-se, para não pôr em causa o Governo a que pertence; (c) como tantas vezes tem sucedido, o caso pode vir a dar em nada, por nem sequer haver acusação, ou por o acusado vir ser ilibado e absolvido em tribunal, mas a pena já está aplicada e cumprida, sem apelo nem agravo. 

Dificilmente, se alguma vez, a vítima pode vir a recuperar integralmente o seu bom nome e reputação política

2. Perante mais esta situação, três perguntas se impõem: 

  - quanto é o PGR abre procedimento disciplinar contra a abusiva divulgação de abertura de investigações, antes da eventual acusação, com evidentes objetivos políticos, sabendo que isso vai acarretar a demissão do visado?

  - quando é o PSD deixa de explorar politicamente estas situações, sabendo que, como partido de vocação governamental, também virá a ser vítima delas, quando chegar a sua vez de ser Governo? 

  - quando é que os primeiros-ministros decidem negar ao Ministério Público o "poder potestativo" de desfazer os seus governos, recuperando o seu inalienável poder de decidir sobre a composição dos seus governos e o momento da sua recomposição?

Sem dúvida, os governos devem pagar pelas malfeitorias dos seus membros, incluindo em anteriores cargos públicos, mas os políticos, só por o serem, não podem ser privados de direitos fundamentais básicos como a não perseguição penal por motivos políticos, a reserva judicial da punição penal (mesmo por "crimes de responsabilidade" política), o direito de defesa dos acusados e a presunção de inocência até à condenação. Num Estado de direito constitucional, não pode valer tudo, mesmo contra os malqueridos políticos.

Adenda
No título da peça em que noticia a demissão, o Público diz que António Costa teria comentado que «é a justiça a funcionar». Mas é evidente que Costa não poder ter tecido esse comentário acerca da demissão. A investigação e a acusação são evidentemente a justiça a funcionar; mas o conhecimento da acusação pelo imprensa antes de o acusado ser notificado, não é a justiça a funcionar, pelo contrário (e infelizmente, não é «uma originalidade», como diz o PM, tendo ocorrido noutras ocasiões semelhantes, sem nenhum apuramento de responsabilidade); e a demissão imposta como consequência politicamente automática da acusação, também não é justiça a funcionar, pois nenhuma lei a impõe e não deve haver pena antes do julgamento. Ou seja, neste caso, como em outros semelhantes anteriores, a justiça deixa muito a desejar.

quinta-feira, 13 de março de 2025

O caso Montenegro (11): Sob alçada do Ministério Público

1. Ao anunciar uma "investigação preventiva" à alegada empresa familiar de Luís Montenegro, para verificar se há matéria suficientemente credível para abrir um inquérito penal, o Ministério Público (MP) não seguiu a sua prática anterior, quando se tratava de denúncias contra políticos, de abrir imediatamente inquérito após qualquer denúncia e de o tornar público, por via dos jornais ou televisões "amigo/as", abrindo automaticamente o processo de julgamento e condenação na praça pública, sem contraditório nem defesa, punição que o deliberado atraso na conclusão do inquérito tornava irreversível, mesmo que o caso viesse a "dar em nada", passados anos.   

Saudando esta evolução positiva, há muito reclamada (por último, pelo Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça, de que sou coautor), é de esperar, porém, que não se trate de um privilégio especial singular para o político agora em causa, e que não seja uma desculpa para não avançar com o inquérito, se devido.

2. Apesar de o MP não ter revelado (e bem) o objeto das denúncias contra Montenegro, o inevitável Correio da Manhã vem hoje informar, em manchete, que se tratará de infrações fiscais, o que não surpreende, dado que o principal objetivo dessas fictícias empresas familiares de profissionais liberais (que o PM não podia ter mantido) é substituir o IRS pelo IRC (com taxas muito menores), imputar-lhes despesas pessoais e domésticas sem nenhuma relação com a atividade profissional e beneficiar ainda da devolução de IVA pela sua aquisição. Só vantagens fiscais, portanto.

Contudo, como tenho argumentado (por exemplo, AQUI), pode haver neste caso uma atividade delituosa bem mais grave, que é a de recebimento indevido de vantagem, se se provar que as generosas avenças conhecidas não correspondem à prestação de serviços efetivos que justifiquem o seu elevado montante (desde logo, por falta de meios da tal "empresa") e que, portanto, não passam de pagamentos de favor de empresários ao advogado que, depois de ser líder político local, ascendeu a líder nacional de um partido de governo e acabou em chefe de Governo. Previsto e punido com pena de prisão pela Lei dos crimes de responsabilidade de titulares de cargos políticos, esse crime tem também como pena acessória a demissão do cargo.

Ao pé das possíveis infrações fiscais, trata-se agora de "caça grossa" em matéria penal, sendo, aliás, um dos crimes que pode fundamentar legalmente o recurso à tal "averiguação preventiva" anunciada pelo PGR.

3. Embora tivesse por objeto a verificação de eventual violação, pelo PM, da regra da exclusividade do cargo governativo e da obrigação de declaração de património e de conflitos de interesse - o que, sendo ilícito, não é crime -, o inquérito parlamentar requerido pelo PS carrearia seguramente elementos seguros para inculpar, ou ilibar, Montenegro quanto às referidas infrações penais. Mas, tendo o Governo sido demitido, por sua iniciativa e com a colaboração do PS, fica definitivamente prejudicada essa via de apuramento dos factos eventualmente relevantes para efeitos penais, acima referidos, pelo que só resta a via da investigação penal

Ora, caso os vários indícios existentes e outros eventualmente colhidos pelo MP habilitem a abertura de inquérito, não se vê como é que as referidas infrações, a existirem, poderiam escapar a um simples exame, sem grande demora, às contas da suposta empresa, ao destino dos pagamentos das avenças e ao registo tributário da "empresa", para efeitos de acusação, com as inevitáveis consequências políticas, ou para a encerrar o caso, ilibando o PM cessante das suspeições que sobre ele pesam e que, de outro outro, permanecerão, por falta de apuramento concludente. 

Por isso, mesmo que acabasse por ilibar Montenegro, o inquérito do MP seria justificado.

Adenda
Um leitor, muito crítico de Montenegro, comenta que, se, apesar da evidência da violação da exclusividade e dos significativos indícios penais, ele consegue escapar tanto ao inquérito parlamentar como ao inquérito-crime, «deve ir em peregrinação a Fátima agradecer a proteção divina». Sim, mas se escapou ao inquérito parlamentar, foi por condescendência do PS, que preferiu votar contra a provocatória moção de confiança do Governo, podendo ter-se abstido, para preservar o inquérito; e se escapar ao inquérito penal, pode ficar a devê-lo à nova contenção do MP, com o novo PGR, depois de muitas investigações precipitadas e falhadas contra políticos, e da crítica que eles suscitaram. Resta saber se, ao escapar aos inquéritos, Montenegro se liberta da suspeição sobre a sua responsabilidade -, o que não é provável.

Adenda 2
Concordo com a ideia de um leitor segundo a qual o MP deveria suspender a investigação deste caso até ao dia das eleições, pois tanto o risco de "vazamento" de informações para o público, como a decisão sobre ela, qualquer que fosse o sentido, «seriam sempre interpretadas como uma interferência nas eleições, o que deve ser evitado»

terça-feira, 13 de janeiro de 2004

Blogposts nocturnos (5)

1. Favoritismo (I)
Ficou agora a saber-se que, sem qualquer anúncio público, pela calada dos acordos discretos, o Ministro Pedro Lynce tinha ampliado o privilégio da concessão do serviço público à Universidade Católica de Viseu, de modo a contemplar o curso de Medicina Dentária, que antes não estava abrangido. Deste modo, o Estado passa a suportar o diferencial entre as empoladas propinas da UC e as propinas do ensino público (resta saber se tendo em conta o montante mínimo ou máximo legal destas...).
Trata-se de um acto singular de privilégio e uma evidente operação de favoritismo dessa universidade, que obviamente voltou a "capturar" em seu proveito o departamento do ensino superior. Resta saber o que fazem o Tribunal de Contas e a PGR, os quais, recorde-se, têm a seu cargo a defesa da legalidade financeira e administrativa (embora a segunda pratique pouco).
Note-se que o acordo é tão reservado que não se encontra sequer mencionado nem no website da UCP nem no do Ministério do Ensino Superior.

2. Favoritismo (II)
Um parecer oficial do Conselho Consultivo da PGR - que se pode ver aqui -veio confirmar o que toda a gente sabia, ou seja, a ilegalidade do despacho de Pedro Lynce que permitia a entrada da filha do Ministro dos Negócios Estrangeiros no curso de Medicina, ao abrigo de um esquema excepcional cujos requisitos ela não preenchia. Esse acto custou a demissão dos dois ministros, que pagaram assim politicamente a leviandade do favorecimento. Mas o director-geral do ensino superior, que agenciou o tratamento de favor e elaborou o frustrado parecer em que se fundou o acto ilegal, continua em funções. Nem teve a hombridade de se demitir com o ministro cuja queda causou nem foi demitido pelo sucessor daquele (trata-se de um cargo de livre nomeação e exoneração). Há alguma moralidade nisso? Cesteiro que faz um cesto...

3. A honra perdida da ministra das Finanças
O cambalacho da isenção retroactiva do "pagamento especial por conta" (PEC) dos taxistas constitui um fundo golpe na imagem de rigor da Ministra das Finanças. Na verdade, é uma verdadeira imoralidade. Uma vez que aquela medida visava introduzir alguma moralidade em sectores onde quase ninguém paga impostos (e tal é o caso dos táxis), a endrómina que acabou na sua isenção dessa obrigação, incluindo a devolução das importâncias já pagas, destroça qualquer ideia de coerência financeira e de igualdade dos contribuintes. Como é que os demais sectores, não beneficiários da generosidade governamental, podem ficar quietos?
É evidente a cedência à força desestabilizadora dos taxistas. O Governo teve medo e desarmou a contestação à custa do erário público, da igualdade entre os cidadãos e da honra da Ministra das Finanças. Tudo indica que não foi uma boa troca...

Vital Moreira

sexta-feira, 22 de março de 2024

Ai, Portugal ! (12): Estado de não-direito

1. A PGR, Lucília Gago, veio admitir que a responsabilidade pela investigação a António Costa, até agora nas mãos dos magistrados do Ministério Público junto do STJ, por este ser o foro competente para eventual julgamento do chefe do Governo, poderá ser transferida para o DCIAP, agora que ele está em vias de cessar aquelas funções, mas logo foi desautorizada pelo presidente do sindicato do MP - que se pronuncia habitualmente como se fora o verdadeiro PGR -, que lhe veio negar qualquer poder para alterar a situação. 

Assim vai, com este problemático grau de autoridade, uma instituição que deveria primar no respeito do Estado de direito.

2. Seja como for, nem a PGR nem o sindicato, se permitiram adiantar o que quer que seja sobre a situação da tal investigação, passados mais de quatro meses sobre o fatal último parágrafo do comunicado da PGR de 7 de novembro que provocou a demissão de AC, não tendo o visado recebido nenhuma informação durante todo este tempo, nem sido ouvido no processo - um manifesto abuso de poder.

Pelos vistos, apesar de ter conseguido a sua demissão, o MP mantém-se inabalável na perseguição ao ex-líder do PS e ex-PM, mantendo-o indefinidamente como refém da sua inqualificável operação de lawfare, sem nenhuma possibilidade de reação, com lesão evidente da sua vida pessoal, profissional e política. Isto não é próprio de um Estado de direito.

Adenda
Sobre este assunto, merece ser lido este artigo do Professor Miguel Romão no Diário de Notícias de hoje, sintomaticamente intitulado "Golpe". Há golpes pela calada, literalmente.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Outras causas (9): O que me move

1. Recebo mensagens de amigos a pedir-me que, agora que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro no processo Influencer, desafie o PS - principal vítima dele - a vir a terreiro assumir o combate a este abuso do MP.

Lamento não poder ir ao encontro desse objetivo. Concordando com o apelo de António Costa, logo no início, penso que nem o Partido nem ninguém com responsabilidades políticas no PS, incluindo os deputados, deve entrar publicamente nesta luta política, porque seria contraproducente, dando armas ao MP.

O que o PS pode e deve fazer - como está a fazer -, é reclamar publicamente a necessária celeridade judicial, quer no desenlace do estranho "inquérito" que impende sobre António Costa, quer na decisão sobre se vai haver ou não acusação no processo, e sobre quê e relativamente a quem. Para além dos danos políticos já irreversíveis (demissão do PM e interrupção da legislatura), o PS tem o direito de disputar as eleições em condições de igualdade política, com a plena clarificação das suspeitas enunciadas pelo MP.

2. Perguntam-me porque é que, não sendo membro do PS e sendo por vezes muito crítico das suas políticas, me empenhei na denúncia da leviandade e da inconsistência da investigação do MP e da irresponsabilidade da PGR neste processo, que qualifiquei como golpe de Estado.

Estando definitivamente fora de qualquer atividade ou compromisso político há vários anos, não me candidato obviamente a nenhuma recompensa de qualquer natureza. O meu empenhamento na denúncia deste caso é pela honra política dos vários visados que conheço, a começar por António Costa, em cuja integridade confio plenamente; pela democracia liberal, que não pode criminalizar a busca de investimentos que promovam o desenvolvimento económico; pela responsabilidade republicana, a que nenhum poder do Estado, salvo os juízes, está imune no exercício das suas funções: e pela Constituição da República, que não consente a instrumentalização da investigação penal ao serviço da perseguição política.

São demasiado importantes para mim (e para o Causa Nossa) os valores que estão em causa neste mal-enjorcado e não-inocente processo judiciário.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Revisão constitucional (9): Tempo perdido

1. Uma das principais "vítimas colaterais" da crise política aberta pela demissão do Primeiro-Ministro - provocada pelo desleal ataque da PGR -, e pela dissolução parlamentar - cortesia do PR, ao preterir a hipótese de nomeação de um novo Governo - é obviamente o processo de revisão constitucional, desencadeado no início da legislatura.

Mais uma vez, como assinalei na altura, lamento que o PS tenha consentido na abertura de um processo de revisão ordinária, para a qual não estava bem preparado, em vez de começar por uma revisão extraordinária, limitada aos pontos identificados que necessitavam de uma alteração urgente; e também que, tendo apresentado um projeto de âmbito propositadamente limitado (direitos fundamentais), tenha depois consentido no alargamento do debate na CERC a todas as propostas apresentadas, arrastando consequentemente a conclusão da revisão. 

E assim ficámos sem nenhuma revisão, incluindo onde ela era mesmo necessária.

2. Com mais este falhanço na revisão da CRP, vai prolongar-se o largo período de estabilidade constitucional, que dura desde 2005, que vai em quase vinte anos, o que já não sucedia desde o século XIX.

Será, portanto, a próxima legislatura, se houver condições políticas para isso, a retomar a questão, tendo de decidir, de novo, à cabeça, se opta por começar por uma revisão extraordinária expedita e limitada, seguida de um processo de revisão ordinária, necessariamente mais ampla e mais demorada, ou se incorre no mesmo erro cometido na legislatura cessante.

Com as várias revisões entretanto efetuadas, a CRP de 1976 passou claramente o "teste do tempo", mas a usura das décadas passadas não deixa de mostrar-se no envelhecimento de vários trechos, designadamente na "constituição económica" e em alguns capítulos da "constituição política". 

Tal como na natureza, também na CRP os "ramos mortos" devem ser removidos, para dar nova energia à árvore constitucional.

3. Tendo sido um dos constituintes de 1976 - o que poderia levar-me ao conservadorismo constitucional -, penso, porém, que, em vez de a preservar intocada, à custa da sua capacidade para comandar a "realidade constitucional", vale a pena investir numa operação de "aggiornamento" da Lei Fundamental.

Quando está prestes a completar meio século de vigência - o que anteriormente só a Carta Constitucional de 1826 tinha conseguido -, a melhor homenagem que se lhe pode tributar é prepará-la para enfrentar o próximo meio século!

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Assim, não! (8): A arte de fazer reféns políticos

1. A PGR demorou nada menos do que 45 dias, para tomar medidas organizativas sobre a investigação do caso Influencero que revela que o processo não merece nenhuma celeridade, ao contrário do que foi anunciado. 

Sucede, aliás, que nesse período não houve nenhum desenvolvimento quanto ao inquérito ao Primeiro-Ministro, que foi enxertado "a martelo" no processo, não se sabendo ainda por suspeita de que crime. Pior do que isso, no comunicado de ontem, a PGR diz explicitamente que a investigação do PM seguirá «em articulação» com as demais vertentes do processo, o que deixa entender que vai demorar tanto tempo quanto este -, o que não promete ser breve.

2. A ser assim, António Costa corre o risco de ficar indefinidamente refém da propositada lentidão do MP, com o óbvio propósito de travar a sua eventual disponibilidade para novos desafios políticos, nomeadamente na UE. Pelos vistos, o lawfare do MP contra Costa, consumado com o aleivoso parágrafo final do comunicado da PGR de 7 de novembro, não se satisfaz com a sua demissão do PM e o fim prematuro da legislatura. 

Quando for ilibado da abusiva suspeita, já terá cumprido, sem acusação nem condenação judicial, a mais pesada pena para um político por vocação: ver suspensa a sua cidadania política.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Eleições presidenciais 2026 (12): Ideias perigosas

1. É muito provável que o verdadeiro manifesto de candidatura que Gouveia e Melo (GM) publicou no Expresso do fim de semana passada venha confirmar, se não reforçar, a sua liderança nas sondagens sobre intenções de voto nas eleições presidenciais de janeiro do próximo ano. 

A receita não poderia ser mais bem concebida: (i) exploração da nota das virtudes pessoais de "liderança" e "capacidade de decisão", subliminarmente associadas à condição militar; (ii) reiterada afirmação das vantagens de um Presidente sem fidelidade partidária, e por isso à margem de "compadrios ou intrigas político-partidárias"; (iii) afastamento das dúvidas sobre a sua colocação no expectro político, colocando-se no seu centro geométrico, entre o PS e o PSD; (iv) compromisso expresso com a democracia liberal e a economia de mercado, respeitando o acquis quase consensual deste meio século de regime democrático; (v) last but not the least, a promessa de submeter a "referendo" dos eleitores, mediante a antecipação das eleições parlamentares, a destituição dos governos que, no entender do Presidente, traiam as suas promessas eleitorais ou deixem de contar com o apoio da opinião pública. A única falha digna de registo é a estranha ausência de qualquer referência à integração nacional na União Europeia.

Em suma, a começar pelo feliz título da peça ("Honrar a democracia"), há nela pouco para afastar e muito para atrair a generalidade dos eleitores, salvo a extrema-direita e a extrema-esquerda

2. Mas uma análise mais funda sobre o entendimento de GM acerca dos poderes presidenciais, em especial o de dissolução parlamentar, suscita sérias preocupações. 

Constitucionalmente, salvo dois curtos períodos de "defeso" - após a eleição parlamentar e antes da eleição presidencial -, a dissolução parlamentar surge, à primeira vista, como um poder discricionário do Presidente, sem condições especiais, só dependente de adequada fundamentação. Todavia, por um lado, traduzindo-se a dissolução na interrupção da legislatura e do mandato quadrienal conferido pelos eleitores, ela constitui uma derrogação da separação de poderes e da autonomia do parlamento, pelo que só deve ocorrer em caso de necessidade, como medida de última instância, nomeadamente para solucionar impasses ou crises políticas. Por outro lado, levando a dissolução parlamentar necessariamente à demissão do Governo em funções, ela não pode ser instrumentalizada como mecanismo de tutela política do Presidente sobre o executivo, quando a Constituição, desde a revisão de 1982, exclui manifestamente a responsablidade política do Governo perante o PR.

Ora, no texto de GM é evidente o propósito de usar a dissolução parlamentar em função do juízo de Belém sobre o mau desempenho do Governo, tornando em regra geral o que até agora só tinha ocorrido no caso excecional da dissolução de 2004 (Jorge Sampaio).

3. O texto merece ser reproduzido aqui, para não haver dúvidas: 

«Este poder [de dissolução] só deve ser exercido quando existir a forte convicção que o contrato entre governados e governantes [estabelecido nas eleições parlamentares] foi significativamente comprometido: por uma perda de confiança insanável do povo no Parlamento e/ou no Governo em funções; por um desfasamento grave entre os objetivos-prática do Governo e a vontade previamente sufragada pelo povo (...).»

Nesta passagem nuclear do seu texto, GM adota uma visão essencialmente errada dos mandatos políticos numa democracia representativa, em que (i) os governos não são diretamente eleitos, em que (ii)  nem os partidos nem os deputados têm um mandato vinculativo, em que, portanto, (iii) não existe nenhum "contrato governativo" entre governantes e governados, em que (iv) os governos têm direito a ser julgados no final do seu mandato, e não num momento menos favorável do seu percurso, e em que, (v) consequentemente, não há lugar para a figura do recall, ou seja, submeter a votação popular a destituição antecipada do mandato de um cargo político.

Acresce que a maior parte dos governos são minoritários ou de coligação, pelo que os partidos de governo se veem impedidos à partida de realizar os seus programas eleitorais, seja por falta de apoio parlamentar, seja pelos compromissos inerentes às coligações de governo. Neste quadro, faz muito pouco sentido falar em incumprimento de um suposto "contrato governativo". E se houvesse, a Constituição não confere ao PR o poder de sancionar o governo e a mairia parlamentar pelo alegado incumprimento, que cabe à oposição no parlamento durante o mandato e aos eleitores no final dele. 

Ao contrário, quem não responde pelos abusos de poder no seu mandato - que, aliás, não pode ser encurtado -, é o próprio Presidente da República, pelo que o mais prudente é não facilitar numa definição expansiva do âmbito desses poderes.

4. O autor utiliza a controversa noção de "semipresidencialismo" para qualificar o sistema de governo vigente, o que pode explicar a sua conceção intervencionista do papel do PR. 

É certo que, sendo, a meu ver, errada a qualificação semipresidencialista do nosso sistema de governo, desde a revisão de 1982 (como mostrei AQUI), há, porém, muita gente, incluindo muitos comentadores e politólogos, que a usam acriticamente sem nenhuma substância própria, para designar indiferenciadamente os países que conjugam o sistema de governo parlamentar com um PR diretamente eleito, onde, portanto, também caberia Portugal. No entanto, no caso de GM, não sobram dúvidas de que a noção está usada em sentido próprio, ou seja, para designar uma fórmula de governo em que o Presidente também compartilha do poder executivo e em que o Governo não responde politicamente somente perante o parlamento, mas também perante aquele, pelo menos através da tutela presidencial sobre o desempenho do Governo para efeitos de dissolução parlamentar, como se viu.

Mas, como é evidente, instalar a ameaça de dissolução parlamentar, a qualquer momento, por alegado incumprimento do "contrato de governo" ou de invocada perda de confiança do eleitorado no Governo seria uma receita para a desconfiança permanente nas relações entre Presidente e o PM e para a insegurança e a instabilidade política, que é justamente o contrário do que se espera do "poder moderador" do PR no nosso sistema de governo, tal como está desenhado na Constituição.

Adenda
Um leitor, que diz não ter filiação partidária e já ter votado em vários partidos, considera inaceitável considerar, como insinua Gouveia e Melo, que os quatro PR anteriores (Soares, Sampaio, Cavaco Silva e Marcelo R. S. ), todos tendo sido líderes dos respetivos partidos, exerceram o seu mandato "ao serviço dos partidos". Concordo: a independência e a isenção política que é inerente a vários cargos públicos, e não somente ao PR (como os juizes do TC, ou o Provedor de Justiça, ou o PGR), não pressupõe a virgindade partidária, mas somente a suspensão da sua vinculação partidária.

Adenda 2
Tem razão o leitor que observa que, «se o critério de rejeição dos governos pela opinião pública para dissolver o parlamento se aplicasse na Grã-Bretanha, a Câmara dos Comuns devia ser dissolvida já, dadas a elevadíssima taxa de desaprovação do Governo trabalhista eleito há poucos meses, com grande maioria parlamentar». Com efeito, nesta sondagem do início de janeiro, a taxa de aprovação do Governo é de 25% e a de desaprovação é de 66%, ou seja 2/3. Mas, a não ser que se demita antes, o Governo só vai ser julgado eleitoralmente no final do mandato para que foi eleito - e é assim que deve ser.

Adenda 3
Um leitor objeta que GM «não seria o 1º Presidente a inventar pretextos para dissolver a AR». Tem razão: o atual PR também inventou dois novos motivos em relação à prática anterior: primeiro, o chumbo do orçamento (2021) e depois, a autodemissão do PM por causa de uma suposta investigação criminal (2023). O que eu defendo é que, para usar a "bomba atómica" presidencial contra a AR e o Governo em funções, toda a inovação é perniciosa.

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Ai, Portugal (12): O golpe de Estado

Depois desta primeira decisão judicial sobre o processo "Influencer", nenhum arguido fica detido e nenhum fica acusado de corrupção, o terrível crime que tanto jornalistas e comentadores sem escrúpulos como a imprensa de referência (como notei AQUI) brandiram durante estes dias contra o Governo e o PS.

A "inventona" judiciária - como a qualifiquei AQUI - malevolamente construída pelo Ministério Público começa a desmoronar-se, mas o golpe de Estado que ela consubstanciava foi muito bem sucedido, acrescentando à demissão do Primeiro-Ministro e do Governo a interrupção da legislatura e a convocação de novas eleições ("cortesia" do PR), sem esperar por nenhuma avaliação judicial da solidez da construção imaginária do MP.

No entanto, depois deste primeiro indício de esvaziamento da acusação, que sentido faz manter em suspenso a outra peça do golpe de Estado ainda em curso, que é abertura de inquérito penal ao Primeiro-Ministro, quando o seu objetivo (a demissão) já foi conseguido? Ainda resta à Procuradora-Geral da República uma reserva de brio e dignidade institucional suficiente para pôr fim a esta baixa provocação, retirando a queixa?

Adenda
Um leitor argumenta que, mesmo que o processo venha a dar em nada, por falta de matéria penal, «o problema é que os do MP conseguiram demitir o Primeiro-Ministro e abrir um crise política de enormes dimensões e não vão pagar por isso». Sim, é esse problema: o MP não pode continuar a ter o poder de, através de pseudoindícios criminais, sem controlo judicial prévio, fazer demitir governos e lançar o País numa enorme crise política, e depois os responsáveis, incluindo o Procurador-Geral, não serem chamados a responder pelos devastadores danos causados pela sua leviandade ou má-fé. Ao contrário dos juízes, o MP é um magistratura responsável, quer quanto ao PGR (responsabilidade político-institucional), quer quanto aos magistrados (responsabilidade disciplinar, civil e penal). Algo vai ter de mudar no estatuto e na conduta do Ministério Público

Adenda 2
Outro leitor observa que se mantém a suspeita relativa ao crime de tráfico de influência. Certo, mas não vejo como é que se pode transformar em tráfico de influências (supostamente promovido pela empresa, por intermédio de Lacerda Machado) uma típica operação de lobbying empresarial junto dos decisores políticos, que não tem nada de ilícito, e que normalmente é efetuada ou assistida por profissionais, próprios ou contratados ad hoc (bem remunerados). Por isso, a viabilidade de essa tentativa de prestidigitação conceptual vingar parece-me nula, desde logo em sede de acusação, e ainda menos em sede de julgamento, se lá chegar. Se se frustrar, como é de esperar, então esta pseudoinvestigação do MP fica reduzida ao que foi desde o início - uma "golpada" mal urdida (mas, ai de nós!, bem conseguida) contra o Governo em funções, à margem das instituições democráticas.

Adenda 3 (14/11)
No Podcast do Público de hoje, a questão e a de saber se «a credibilidade da justiça fica em causa com a libertação dos arguidos». A resposta, porém, é óbvia: pelo contrário, a credibilidade da justiça - que é missão dos tribunais - sai reforçada. Quem sai descredibilizado - por culpa própria - é o Ministério Público, que nesta operação desserviu a justiça.

sábado, 18 de janeiro de 2025

O que o Presidente não deve fazer (52): Uma condecoração indevida

Que merecimento especial no exercício do seu cargo ou que contribuição destacada à causa pública é que justifica a condecoração presidencial da ex-PGR, Lucília Gago

Eu sei que as condecorações - que a I República procurou inicialmente abolir - se tornaram um ritual crescentemente desvalorizado pela sua banalização, sendo atribuídas com grande prodigalidade, incluindo, desde logo, todos os titulares de certos cargos públicos, independentemente do mérito no seu desempenho. Mas no caso concreto, trata-se de premiar um mandato lamentável, em que a responsável máxima da PGR manteve a captura sindical-corporativa da instituição, deixou campear a violação sistemática do segredo de justiça na fase do inquérito e instrumentalizar a investigação criminal para efeitos de perseguição política e que culminou a sua atuação com o verdadeiro golpe de Estado que levou à demissão do Primeiro-Ministro, António Costa, dando ao PR um pretexto para dissolver a AR e virar o ciclo político. 

Por isso, correndo o risco de ser interpretada como um prémio por esse abuso qualificado de poder, esta condecoração não deveria ter sido atribuída.

Adenda
Um leitor observa ironicamente que o critério presidencial de condecorações não consta do meu «extenso catálogo do bom PR». Tem razão: é uma lacuna que vou suprir!... 

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Alhos & bugalhos (5): Mau perder

1. Este texto de uma conhecida personalidade do PSD mostra que a direita já dá como perdida a acusação de corrupção no caso Influencer, apesar de a ter exibido sem escrúpulos, antes de qualquer validação judicial, como trunfo político durante dias, para atacar o Governo e o Primeiro-Ministro.

Só é pena que, em vez de se render à ausência de qualquer fundamento para a suspeição (apesar de anos de escutas telefónicas e de buscas de toda a espécie pelo MP), MPM tenha tentado justificar a derrota com uma imaginária insuficiência do nosso sistema processual-penal quanto à prova da corrupção, nomeadamente a falta da famigerada "delação premiada" (a que, aliás, o PSD se opõe, e bem!). 

Sendo o autor também professor de direito, não lhe fica bem tal argumento.

2. Propondo mudar de conversa - como se faz usualmente quando se perde uma causa -, MPM propõe que, na falta de corrupção de políticos, tratemos da "corrupção do sistema político". 

Concordo, e proponho um tema para abrir a discussão: como é que o Ministério Publico - que é internamente uma magistratura hierarquizada e responsável e é externamente uma instituição que, através do PGR, deve prestar contas à AR e ao PR - consegue inventar e trazer a público (violando flagrantemente o segredo de justiça a que está vinculado) uma grave acusação contra o Primeiro-ministro e o Governo, levando à sua demissão e à abertura de uma grave crise política, e no final não há ninguém responsável, nem interna, nem externamente, por este atentado qualificado ao Estado de direito e à democracia parlamentar?

Com este acintoso ataque ao poder democrático, transformando a investigação penal em arma de perseguição política, a irresponsabilidade no e do Ministério Público tornou-se um problema sistémico na ordem político-constitucional vigente, pondo em causa o "regular funcionamento das instituições".

Adenda
No Diário de Notícias de hoje, o jornalista Pedro Tadeu apresenta uma relação das vítimas (não por acaso, quase todos políticos) dos abusos de poder do MP. Pior do que a obsessiva cultura "caça-políticos" vigente na instituição é a irresponsabilidade interna e externa, que os legitima e incentiva.

Adenda 2
Uma leitora, que sabe do que fala, entende que o caminho para acabar com a inaceitável irresponsabilidade do MP no abuso da investigação penal como ilegítima arma de poder é explicitar a sua responsabilidade penal, criando o crime de "perseguição penal de pessoa inocente", como no Código Penal Alemão. Aplaudo.

Adenda
Outra leitora, especialista em Direito Penal, considera que o comentário de MPM revela «desconhecimento do regime processual-penal do crime de corrupção desde a reforma de 2001, que tornou muito mais fácil prová-lo» - e explica porquê. Eis o risco de comentários apressados e politicamente motivados.

sábado, 20 de abril de 2024

Perguntas oportunas (2): Impunidade

A comentadora São José Lopes pergunta hoje no Público porque é que a PGR não se demite, depois da arrasadora decisão da Relação de Lisboa que reduziu a pó o caso Influencer, em que o MP, além de imputar uma série de crimes a várias pessoas, entre as quais dois ministros e um presidente de câmara municipal, submetendo várias delas a prisão preventiva, conseguiu também envolver no caso o Primeiro-Ministro, por delitos até agora não identificados, o que levou à sua demissão e à crise política subsequente.

A resposta mais evidente seria: porque não não lhe resta um pingo de vergonha institucional. A resposta verdadeira é, porém, a seguinte: porque entende que o Ministério Público, em geral, e a PGR, em especial, não têm de prestar contas a ninguém e que pode, portanto, invocar que a decisão do TRL foi "somente" sobre as "medidas de coação" determinadas pelo MP e prosseguir a pseudoinvestigação, a fim de manter o ex-PM como refém político por tempo indeterminado.

A verdade é que, entre nós, os abusos de poder do MP gozam de impunidade.