sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Eleições presidenciais 2026 (6): "Estrada real" para o Almirante?

1. A clara liderança do Almirante Gouveia e Melo nas sondagens de opinião nesta fase preparatória das eleições presidenciais, a realizar daqui a um ano, tem a ver não somente com o seu brilhante desempenho à frente da missão anti-Covid e o assertivo comando da Marinha, mas também por ser militar e, nessa qualidade, ser percebido pela opinião pública como o contrário de Marcelo de Rebelo de Sousa em três aspetos onde este falhou

- voltar a conferir ao cargo presidencial a elevação, a discrição e o recato institucional, que MRS deliberadamente desbaratou;
- dar garantias de exigente independência partidária e equidade política no exercício do cargo, o que MRS descuidou em alguns momentos críticos;
- respeitar o perfil constitucional do Presidente como "poder moderador" e a autonomia política do Governo, sem pretender ser cotitutlar da função governativa, como foi a tentação de MRS.

2. Acresce que do lado dos candidatos de origem partidária não se perfila, por agora, nenhum adversário que o possa bater facilmente.

O candidato oficial do PSD, Marques Mendes, apesar da sua notoriedade como comentador televisivo, pode não ser capaz de ir além dos eleitores do seu partido, o que não chega. O autoafastamento de Mário Centeno, além de poder condenar o PS a apoiar, sem nenhum entusiasmo, o seu antigo secretário-geral, A. J. Seguro, exclui da corrida presidencial um dos poucos candidatos da área socialista que poderia ir à segunda volta e disputar a vitória. Acresce que a multiplicação de candidatos partidários, quer à direita (Chega, IL, etc.), quer provavelmente à esquerda (BE e PCP), vai contribuir para a fragmentação do voto na 1ª volta e reduzir a votação dos candidatos apoiados pelo PSD e pelo PS.

Se, face aos dados atuais, a passagem de Gouveia e Melo à 2ª volta parece provável, não se sabe por quem será acompanhado.

3. Até aqui, mesmo sem se ter ainda anunciado publicamente a sua candidatura, as coisas não poderiam estar a correr melhor ao Almirante. 

Mas faltam obviamente dois testes políticos decisivos: (i) o teor do seu manifesto de candidatura e (ii) a composição da sua comissão de apoio. Isto, sem falar da dificuldade em mobilizar o necessário apoio logístico e financeiro para a campanha. 

Ou seja, o caminho de Gouveia e Melo para Belém não vai ser uma "estrada real"

Adenda
Um leitor entende que, por se candidatar à margem dos partidos, GM vai ser o «alvo de uma campanha hostil e mesmo de ataque pessoal por parte dos partidos e do "comentariado" que em geral está arregimentado por eles»É de esperar a animosidade partidária contra o "estranho" a invadir a sua coutada, mas GM só a vai espevitar, se ele mesmo adotar uma atitude hostil aos partidos.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Laicidade (15): 50 anos depois, o "Estado Novo" sobrevive...

1. Há dias o jornal Público tinha toda a razão em colocar em manchete o facto de, pela primeira vez desde o 25 de Abril, o Cardeal-Patriarca de Lisboa não ter sido convidado para a sessão inaugural do ano judicial, como era uso, em flagrante violação do princípio da separação entre o Estado e as religiões. Porém, hoje haveria razões inversas para o jornal colocar em destaque a fotografia acima, que pirateei do Facebook, em que membros da CM de Faro e do Governo inauguram a nova ponte da chamada Ilha de Faro, recuperando a benção religiosa, à maneira antiga. 

Ora, a mistura da Igreja Católica em atos públicos - com o evidente agradecimento desta pelo privilégio - não é somente uma provocação aos cidadãos presentes que não são crentes ou que são crentes de outras religiões, mas também aos muitos católicos que recusam a instrumentalização política da sua religião. Lamentável!

2. Julgava que cenas destas eram coisas do passado, mas não. Quase meio século depois da aprovação da Constituição de 1976, que estatuiu enfaticamente a separação entre o Estado e das igrejas, que implica obviamente a neutralidade religiosa dos poderes públicos, há ainda quem faça por ignorar. 

A benção religiosa de obras públicas nas cerimónias de inuaguração oficial é obviamente um resquício atávico das práticas do Estado Novo, como expressão na "mancebia" política assumida e entre a ditadura e a Igreja Católica. Que ainda sejam possíveis cenas destas é prova de alguns valores essenciais do regime democrático-constitucional ainda não chegaram a todo o lado.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

História constitucional (10): Sobre a Constituição de 1822


São bem-vindos todos os interessados numa nova visão sobre a nossa 1ª Constituição.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

História política portuguesa (2): A história dos "Livros das leis" em Portugal

Na longa série de artigos publicados desde há vários anos na revista História JN (Porto) sobre temas de história política e constitucional, em coautoria com o meu colega da Universidade Lusíada, José Domingues, temos vindo a pôr à disposição de um público mais vasto do que a academia aspetos relevantes da nossa investigação em áreas que nos são comuns.

Ora, acaba de sair mais um texto na mais recente edição da revista, agora publicada, desta vez dedicado a inventariar os nossos "livros da leis", ou seja, as coletâneas legislativas oficiais, desde as "Ordenações" medievais até aos modernos códigos, surgidos no século XIX, na vigência do constitucionalismo liberal, nas principais áreas da ordem jurídica: Código Civil (e Código de Processo Civil), Código Penal (e Código de Processo Penal), Código Comercial, Código Administrativo.

Refletindo as estruturas económicas e sociais de cada época e as tendências políticas e culturais dominantes, a evolução da codificação legislativa entre nós é um testemunho de uma importância crucial não somente para a história jurídica, mas também para a história política do País, nas suas continuidades e ruturas, antes e depois da grande viragem político-constitucional de 1820-22

domingo, 12 de janeiro de 2025

Eleições presidenciais 2026 (5): O candidato do PSD

1. Ao contrário do que se passa no PS - que vai aguardar que os candidatos da sua área se apresentem e mostrem as suas ideias, antes de decidir qual deles apoiar -, no PSD é o líder do Partido que anuncia publicamente o seu candidato, antes de qualquer candidatura pública deste

Ora, há uma profunda diferença entre ser candidato presidencial por iniciativa pessoal, e obter depois o eventual apoio de um ou mais partidos, outra coisa é ser candidato oficial de um partido: por um lado, a primeira fórmula é claramente mais consonante com a conceção constitucional das candidaturas presidenciais e da magistratura presidencial à margem dos partidos e, por outro lado, a candidatura oficial por um partido dificulta a colheita de assinaturas noutras áreas políticas e o apoio posterior de outros partidos (desde logo, no caso, o eventual apoio do CDS, aliado na coligação governamental com o PSD).

Nas eleições presidenciais, em que a eleição carece de maioria absoluta - que nenhum partido sozinho pode assegurar, longe disso -, a marca partidária da candidatura pode ser um handicap, não uma mais-valia.

2. Estando pré-anunciada a sua candidatura, mesmo perante o seu silêncio tático, Marques Mendes tem o dever de começar a comportar-se como tal na sua atividade de comentador televisivo nacional. 

Embora não tenha obviamente de suspender a sua atividade até ao início da campanha eleitoral, é curial que se abstenha doravante de comentar as candidaturas ou protocandidaturas alheias (como tem feito até aqui), por manifesto conflito de interesses.

É uma questão de ética republicana e de lisura democrática.

Adenda
Considero absolutamente descabido este comentário de Ana Sá Lopes sobre o suposto "absurdo" da proposta de uma votação no PS para decidir o candidato presidencial a apoiar pelo partido. Pelo contrário, como expliquei aqui, essa solução faz todo o sentido. Havendo vários protocandidatos disponíveis para avançar com as suas candidaturas, como é seu direito, o PS só tem dois meios de decidir se quer exercer o direito de apoiar um deles: ou ser a direção a decidir (o que pode ser divisivo) ou entregar essa decisão aos militantes (o que é mais democrático). Tambem não tem fundamento a alegada demora de um tal procedimento, pois, uma vez que se saiba quem se propõe entrar na liça presidencial e as suas ideias, uma votação eletrónica organiza-se em duas semanas. Quando o PSD, como se mostra acima, escolhe diretamente o seu candidato sem margem para qualquer competição interna, seria absurdo (aqui, sim) que o PS abdicasse mais uma vez de intervir nas eleições presidenciais só porque há mais do que um candidato nas suas fileiras

sábado, 11 de janeiro de 2025

Não concordo (51): Uma insólita decisão

1. Penso que não tem precedente uma decisão judicial, como esta, em que provavelmente o STA (embora a notícia não o esclareça) ordena à AR a correção do nome de uma comissão de inquérito parlamentar, por alegada violação de direitos fundamentais de caráter pessoal. 

Não sendo publicamente conhecida a decisão, que ainda não está publicada no site de jurisprudência do referido tribunal, não é possível saber o seu fundamento jurídico nem o seu racional argumentativo, embora seja de admitir que ela tenha sido proferida ao abrigo da «intimação para proteção dos direitos, liberdades e garantias», prevista nos arts. 109º a 111º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), com base no art. 20º, nº 5, da CRP. 

Todavia, sobram-me sérias dúvidas sobre ela, quer quanto à questão substantiva (pois não vejo onde mora a violação da privacidade e do bom nome das tais "duas gémeas" por causa do nome da referida CIP, onde elas não estão identificadas), quer, antes disso, quanto à competência da justiça administrativa para apreciar e decidir sobre a validade de uma decisão parlamentar, que manifestamente não reveste natureza administrativa, mas sim um indubitável natureza política, por ter sido praticada no exercício da uma típica atividade de controlo político dos atos do Governo e da Administração

Ao decidir um inquérito parlamentar, nem a AR é Administração, nem os interessados são "administrados".

2. Ora, na nossa ordem jurídico-constitucional sucede que (i) a justiça administrativa versa, por definição, sobre atos ou omissões administrativas (CRP, arts. 212º e 268º) e que (ii) os atos políticos dos órgãos de soberania (PR, AR e Governo), antigamente designados por "atos de governo", não são suscetíveis de controlo judicial por alegada inconstitucionalidade. 

Diferentemente do que se passa no Brasil, uma das decisões constituintes de 1976, nunca alterada, foi a de furtar as decisões intrinsecamente políticas ao controlo judicial, para evitar a "politização da justiça" ou a "judicialização da política". O único controlo admissível dos atos políticos é o escrutínio político externo, salvo, eventualmente, a queixa ao Provedor de Justiça, dados os termos amplos do art. 23º da CRP. 

Por isso, só os atos de natureza normativa (leis, convenções internacionais, etc.), o que não é o caso, e os atos previsto no art. 223º, nº 2 da CRP (competência do TC), onde também não cabe este caso, podem ser contestados por inconstitucionalidade. Acresce que entre nós não existe "recurso de amparo" que permita impugnar diretamente atos do poder público, incluindo atos políticos, quando lesivos de direitos, liberdades e garantias; de resto, caso existisse esse instrumento judicial, ele caberia ao Tribunal Constitucional, e não aos tribunais ordinários.

A não ser que a notícia acima não seja fidedigna quanto ao teor da decisão e nos escape algum aspeto relevante, podemos bem estar perante um caso inédito de "ativismo judicial", por excesso de poder judicial. Penso que a questão merece a devida ponderação doutrinal e jurisprudencial.

Adenda
Um leitor objeta que o art. 20º-5 da Constituição «não exclui os atos políticos». Porém, (i) como impõem os cânones de interpretação constitucional, essa norma deve ser interpretada em conjunção com outras normas e princípios constitucionais pertinentes, que, como se mostrou acima, excluem a sindicabilidade judicial dos atos políticos (excetuados somente os previstos no art. 223º-2, sobre a competência do Tribunal Constitucional); e (ii) de qualquer modo, como se referiu acima, segundo a Constituição, a jurisdição administrativa só pode ter por objeto os atos administrativos, sendo portanto inconstitucional a sua extensão a atos de outra natureza, como é o caso.

Adenda 2
Um leitor defende que, ao abrigo do princípio do Estado de direito, «os atos políticos não deviam estar imunes a controlo judicial, quando lesivos de direitos fundamentais». Mas a solução constitucional parte manifestamente da presunção de que, pela sua nantureza, os atos políticos não são suscetíveis de lesar diretamente DLG, presunção esta que é desafiada pela primeira vez neste caso em quase meio século - e, a meu ver, sem nenhum fundamento. Em todo o caso, a serem sindicáveis, só perante o TC, e não perante a justiça ordinária.

Adenda 3
O Presidente da CPI veio contestar prontamente a decisão do STA, considerando-a «uma ingerência direta» na competência da AR, e anunciando a interposição de um recurso da decisão. Todavia, ele parece contestar somente o fundamento da decisão (alegada violação de direitos fundamentais), e não a própria incompetência constitucional da jurisdição administrativa para sindicar a validade de atos políticos (assim suscitando espressamente uma questão de inconstitucionalidade das normas aplicadas, na interpretação que lhes foi dada na decisão, assegurando desde já a eventualidade de um recurso final para o Tribunal Constitucional). 

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Assim vai a economia (5): Retoma da inflação?

1. Portugal terminou o ano de 2024 com uma retoma da inflação, bem acima da média da UE, e com uma das maiores taxas de crescimento de preço das casas.

Trata-se de uma consequência "natural" do aumento da procura provocado pelo significativo acréscimo do rendimemto pessoal, em resultado não somente do bom andamento da economia e do emprego (cortesia do PRR) e da descida das taxas de juro (por ação do BCE), mas também da opção governamental por uma política pró-cíclica de aumento da despesa pública, por razões políticas (prevenir o risco de eleições antecipadas), aproveitando o excedente das contas públicas herdado do anterior Governo, mediante subida das remunerações no setor público e das pensões e de outras ajudas ao rendimento, como o crédito "habitação jovem". 

O ano de 2024 registou uma dos maiores subidas do rendimento disponível (>6%) de que há registo nas últimas décadas.

2. Apesar do aumento da poupança, o que é bom, o resultado desta "cornucópia" só poderia ser um substancial aumento da procura de bens e serviços, incluindo automóveis e casas - como se verificou nas compras da época natalícia -, provocando o aumento da inflação, dada a relativa rigidez da oferta em vários setores, desde logo na habitação.

Resta saber se esta retoma da inflação, socavando o aumento do rendimento disponível e atrasando o objetivo "canónico" dos 2%, é reversível a curto prazo ou se só vai ser travada por um eventual abrandamento do crescimento económico.

Eleições presidenciais 2026 (4): O problema do PS

 1. A julgar pelos sinais veiculados pelos média, tudo indica que o antigo Secretário-Geral do PS, António José Seguro, se prepara para anunciar a breve trecho a sua candidatura nas eleições presidenciais do início do próximo ano, para o que pode contar desde logo com os seus colaboradores e apoiantes enquanto foi líder socialista. Com esta "jogada" de antecipação à la Sampaio em 1995, Seguro marca um importante ponto político. 

Com efeito, mesmo que não viesse a conseguir à partida o apoio oficial do PS, por não ser figura consensual (longe disso...) e poder gerar uma divisão no partido, a sua candidatura iria, muito provavelmente, impedir o apoio oficial a qualquer outro possível candidato da área socialista, de entre os que se têm sido aventados, com maior ou menor credibilidade (como Mário Centeno, António Vitorino ou Augusto Santos Silva), os quais, nessas circusntâncias, poderiam mesmo sentir-se levados a não avançar. 

2. Há, porém, um problema nesta jogada de antecipação, que é a promessa de Pedro Nuno Santos de que, desta vez, ao contrário das duas últimas eleições, o PS haveria de ter um candidato presidencial próprio. Ora, perante a evidência de uma multiplicidade de possíveis candidatos, a escolha do candidato a apoiar oficialmente pelo partido não pode obedecer à regra do primeiro a aparecer. Por isso, faz todo o sentido a ideia de organizar uma espécie de "eleições primárias" entre os pré-candidatos que se apresentem

Nessa solução, caso perdesse a disputa interna, como é provável, a candidatura de Seguro ficaria esvaziada. Mas, mesmo que, por acaso, viesse a ser o escolhido, ganhando esse importante apoio político e logístico, resta saber se, no seu low profile político, ele teria alguma chance de chegar ao palácio de Belém, vinte anos depois do último "inquilino" socialista...

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Lisbon first (29): Os custos do centralismo

1. Aplauso para este breve, mas claro, "manifesto" contra o centralismo político-administrativo vigente em Portugal, onde "todos os caminhso vão dar a Lisboa", provindo do instituto de estudos do partido Iniciativa Liberal, que enuncia de forma sucinta os custos e as desigualdades do centralismo e aponta as necessárias soluções descentralizadoras.

O problema é que, como aponta o documento, o principal fator contra a descentralização é «a resistência política [dos beneficiários do centralismo], uma vez que ameaça os interesses de grupos políticos estabelecidos, que tentam resistir à perda de poder e influência». Ora, «estando o poder no Estado Central, terão de ser os decisores do Estado Central a aceitar delegar o poder, o que se adivinha difícil» - impossível mesmo, como tem mostrado a experiência deste meio século.

Não existe nenhum indício de que o lisboacentralismo nacional esteja disponível para ceder posições.

2. O centralismo autoalimenta-se, pelo que só pode ser combatido por uma assumida estratégia política  descentralizadora contra a corrente, que até agora tem sido substituída por projetos avulsos de descentralização de pequeno alcance, como o mais recente programa de transferência de tarefas estaduais para os municípios. O protelamento indefinido da instituição das autarquias regionais ("regionalização" na imprecisa linguagem corrente), apesar de previstas na Constituição desde a origem, é o testemunho mais visível dessa atávica falta de vontade política.

Se existe um gritante descumprimento da Constituição, prestes a completar meio século, ele está seguramente no desrespeito pelo "princípio da subsidiariedade" na repartição vertical de tarefas entre os vários níveis territoriais do poder público (local, regional e central).


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Stars & Stripes (16): De novo, o imperialismo puro e duro

1. As reinvidicações territoriais proclamadas pelo Presidente Trump em relação à Gronelândia, que é região autónoma da Dinamarca, e em relação ao Panamá, quanto à zona do canal inter-oceânico, são preocupantes, desde logo por serem insólitas e descabidas, mas a sua recusa em excluir o uso de meios militares para as concretizar, depois da pronta e categótica recusa dos países interessados, é de uma enorme gravidade.

Além de, com a sua anunciada guerra comercial sem limites, se propor estoirar com o sistema de normas e instituições internacionais, a começar pela OMC, que presidem à atual ordem económica internacional edificada desde a II Guerra Mundial, aliás com contributo decisivo de Washington, Trump propõe-se também fazer explodir a ordem política mundial baseada na Carta das Nações Unidas, cujos pilares são o respeito da soberania nacional e da integridade territorial dos Estados.

2. É certo que a história dos Estados Unidos é também a história da conquista territorial pelo força nos séculos XVII e XIX (à custa dos índios, do México, da Espanha) e da intervenção militar em numerosos países no século XX, tanto na América Latina como fora dela (Afeganistão, Iraque, Kosovo), para mudar governos ou regimes políticos ou simplesmente para fazer valer os seus interesses económicos. 

Todavia, colocar de novo na sua agenda o expansionismo terriorial mediante a anexação de territórios alheios por meios violentos julgar-se-ia completamente fora de questão, em pleno século XXI. Seria o regresso do imperialismo americano na sua pior versão. Preparemo-nos para o pior.

+ União (85): A vacina do Brexit

 

Esta capa do jornal britânico, The Independent, mostra o impressionante impacto negativo do Brexit sobre a economia britânica e mostra também a imprudência de submeter decisões destas a referendo, em nome de uma mítica recuperação da soberania nacional e num contexto de má informação deliberada.

Note-se ainda que os prejuízos referidos foram amenizados pelo posterior acordo entre a UE e o Reino Unido que estabeleceu uma zona de comércio livre, sem tarifas aduaneiras, para o comércio de mercadorias entre as duas economias, restabelendo uma das quatro "liberdades de circulação" do mercado interno (mas sem dispensa de controlo aduaneiro, e obviamente sem a liberdade de circulação de trabalhadores, de capitais e de serviços). 

É de esperar que este balanço severamente negativo sirva de vacina para outros países, onde também há partidos nacionalistas radicais a defender igual solução.

terça-feira, 7 de janeiro de 2025

História política portuguesa (1): O recenseamento eleitoral ao longo dos tempos

Embora não tenha sido assinalada aqui a sua publicação na altura, cabe informar que está agora disponível online o penúltimo texto da minha parceria autoral com o meu colega da Universidade Lusíada/Porto, José Domingues, publicado no nº de agosto passado da História JN, que traça o percurso do recenseamento eleitoral em Portugal - ou seja, o registo prévio dos cidadãos eleitores (e, por vezes, dos elegíveis) em cada circunscrição eleitoral -, desde a sua instituição nas eleições parlamentares de 1822, ao abrigo da nossa primeira Constituição, desse mesmo ano, até ao recenseamento eleitoral eletrónico e automático atualmente vigente. 

Refletindo a lenta conquista do direito de sufrágio (e de ser eleito), trata-se de uma história ilustrativa do longo caminho na construção da democracia eleitoral e da organização de eleições livres e justas entre nós.

Não concordo (50): Pior a emenda...

1. Penso que não é preciso ser apoiante da desagregação das freguesias em vias de aprovação na AR, para não ver razão para travar a sua implementação, mediante um veto presidencial, com o argumento de que que este ano haverá eleições autárquicas

Pelo contrário, penso que é exactamente antes das eleições locais gerais que se devem fazer estas reformas territoriais e que, ocorrendo as eleições lá para finais de setembro, há tempo mais do que suficiente para as preparar nas novas freguesias. Ao invés, o adiamento da sua criação, além da frustração criada nas freguesias em causa, obrigaria à realização de novas eleições posteriormente, interrompendo o mandato eleitoral obtido este ano, e para um mandato subsequente incompleto. Isto, para além dos custos dessas novas eleições em tantas freguesias. 

Seria, portanto, pior a emenda do que o soneto...

2. Por isso, não vejo porque é que o entendimento particular do PR sobre a inoportunidade da criação das novas freguesias em ano de eleições há-de prevalecer sobre o juízo contrário da AR, que tem constitucionalmente a competência exclusiva para as criar, e cuja iniciativa gerou fundadas expectativas nas populações interessadas. Não está em causa seguramente o "regular funcionamento das instituições".

Se, como defendo há muito, o veto político sobre leis da AR deve ser, por princípio, excecional, não deve nunca ser exercido somente para fazer valer as opiniões políticas do PR, para mais pouco pertinentes.

Adenda
Um leitor considera que, se MRS admite mesmo vir a exercer o veto político sobre a lei, «deve consultar previamente o Conselho de Estado, cujo parecer aqui se justifica plenamente». Inteiramente de acordo. De resto, tenho defendido que os vetos de leis da AR deveriam ser precedidos, por via de regra, por parecer do Conselho de Estado, porque lesam a soberania legislativa da AR, como expressão da autonomia legislativa da coletividade, representada no parlamento.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Razões para inquietação (6): A escola pública em perda


1. As numerosas greves e o excesso de "baixas por doença" na escola pública, sem paralelo nas escolas privadas, vão degradando o seu desempenho e a confiança pública nela, e a sua frequência vai sendo progressivamente abandonada por quem tem meios para pagar a escola privada. 

Embora o número de alunos das escolas públicas ainda seja muito superior ao das escolas privadas, a tendência, por enquanto lenta, é de decréscimo daquela e de crescimento da segunda.

2. Enquanto colocam na rua cartazes a celebrar a escola pública como "conquista do 25 de Abril", os sindicatos do setor - cujas frequentes greves são sempre "em defesa da escola pública" - vão contribuindo para a sua progressiva perda de posições. Com "amigos" destes, a escola pública não precisa de inimigos. 

Entretanto, enquanto a esquerda cala, sem protesto, a sua inquietação, a direita agradece e rejubila...

Adenda
Um leitor comenta que a situação na saúde é a mesma, com «os seguros de saúde e as clínicas privadas a ganharem terreno ao SNS, que é cada vez menos universal, apesar de gratuito, devido às falhas de resposta deste;  entre as causas está também a enorme perda de dias de trabalho por greves e por alegadas "baixas por doença"» [as quais, acrescento eu, atingiram a escandalosa dimensão de mais de um mês de trabalho em média por ano!].  Todavia, penso que o abandono da escola pública em favor da escola privada é mais grave, pois só aquela está obrigada a observar a neutralidade ideológica e religiosa do ensino, como a Constituição impõe.

Adenda 2
Outro leitor entende que as falhas e o défice de desempenho do ensino público «são inerentes à gestão pública em geral, por natureza menos eficiente do que a gestão empresarial privada». Na verdade, penso que a gestão pública de serviços públicos prestacionais (educação, saúde, etc.) é vítima de três fatores: 1º - O Estado não exerce, em nome dos contribuintes (que são quem os paga), uma efetiva avaliação dos gestores, com as devidas consequências (como sucede com os acionistas privados nas suas empresas); 2º - A gestão dos serviços públicos é, em geral, "capturada" ou fortemente condicionada pelos "grupos de interesse" do setor, nomeadamente as ordens profissionais e os sindicatos; 3º - Os sindicatos tendem a fazer dos utentes dos serviços públicos "carne para canhão" nas suas reivindicações de vantagens de que não gozam no setor privado. O que penso é que isso não tem de ser assim, como mostra o diferente panorama dos serviços públicos em outros países, onde a responsabilidade do Estado e a ética do serviço público são levados a sério.

sábado, 4 de janeiro de 2025

O que o Presidente não deve fazer (51): Onde não é chamado

1. Ao consultar os demais membros do Conselho de Estado sobre o pedido do líder do Chega para uma reunião daquele órgão de consulta presidencial sobre questões de segurança, o PR admite explicitamente que tal reunião poderá vir a ter lugar, se uma maioria deles tal entender. Ora, para além de descartar a responsabilidade pela convocação (ou não) do seu órgão consultivo, não se vê qual pode ser o cabimento político e constitucional da intervenção do CE nessa matéria.

Segundo a Constituição, o Conselho de Estado, para além dos casos de convocação obrigatória, sobre o exercício de competências presidenciais de maior impacto político (como a dissolução parlamentar ou a demissão do Governo), pode ser chamado a «aconselhar o PR no exercício das suas funções», a seu pedido. Ora, que se saiba, o PR não exerce nenhuma função em relação à política de segurança, que é da exclusiva competência governamental, pela qual o Governo é responsável somente perante o parlamento.

2. Manifestamente, o PR insiste em instrumentalizar politicamente o Conselho de Estado (como ja anotei AQUI e AQUI e AQUI), transformando-o numa espécie de segunda câmara parlamentar, para se imiscuir onde não é chamado, ou seja, na condução da política nacional, que é do foro privativo do Governo, e para secundarizar o papel da AR no seu papel específico de escrutínio político da atividade governativa.

A questão que se coloca é a de saber se o PM e os deputados do Governo e da oposição que são membros do CE devem continuar a ser cúmplices, à sua custa, deste abuso de poder presidencial, à margem da separação constitucional de poderes e de repartição de responsabilidade política.

Adenda
Um leitor pergunta se há fundamento para a noção de "cooperação estratégica" entre o PR e o PM, utilizada pelo primeiro na sua mensagem de Ano Novo (que se pode ler AQUI). A meu ver, tal conceito não tem fundamento nenhum no nosso sistema político-constitucional, sendo obviamente destinado a dar cobertura à errada noção de uma condução política do País partilhada entre Belém e São Bento, como se o PR fosse cotitular do poder governamental, numa espécie de diarquia política, a la française. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Stars & Stripes (14): "Abandonai toda a esperança"

Depois de ter considerado o Canadá como "51º estado dos Estados Unidos", de ter ameaçado  tomar conta do Canal do Panamá, Trump vem agora renovar a sua ideia de comprar a Gronelândia (que é uma região autónoma da Dinamarca).

Já se sabia que o Presidente dos Estados Unidos nutre um profundo desprezo pela ordem internacional sujeita a regras, sob a égide das Nações Unidas e de outras organizações internacionais criadas desde a II Guerra Mundial, como a Organização Mundial do Comércio. Ficamos agora saber que tem o mesmo desprezo não somente pela soberania territorial e política dos Estados seus vizinhos, mas também pela mais elementar comity, ou seja, a cortesia ou civilidade institucional que rege as relações internacionais.

Quem tenha a ilusão de que Trump vai respeitar a Europa, como parceira na herança comum do "mundo ocidental", baseada na liberdade individual, na democracia liberal e na economia de mercado, quanto à ordem interna, e no direito internacional e na integração económica quanto à ordem externa, é melhor, citando Dante, "abandonar toda a esperança". 

Preparemo-nos para o pior...

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Não vale tudo (14): Deriva securitária

1. As imagens da espalhafatosa operação de polícia ontem no Martin Moniz, em Lisboa, como esta do Público - com dezenas de pessoas viradas contra a parede por numerosos polícias armados em postura agressiva -, são indignas de um Estado de direito. 

Com efeito, nos termos da Constituição, as medidas de polícia, por lesivas potencialmente de direitos fundamentais, desde logo a liberdade de circulação (como é o caso), são somente as previstas na lei e não podem ser utilizadas «para além dos estritamente necessário» (CRP, art. 272º, nº 2).  

Como atos de poder que são, as medidas polícia não escapam às regras de limitação do poder próprias do Estado de direito constitucional que nos orgulhamos de ser, que excluem o abuso de poder ou o seu uso arbitrário.

2. Ora, das declarações públicas do Primeiro-Ministro, a endossar politicamente a "operação especial de prevenção criminal", como a designou eufemisticamente, não resulta uma explicação minimamente convincente sobre o sentido e a necesssidade daquela demonstração de força, nem para o aparato bélico utilizado. 

Numa democracia parlamentar como a nossa, o Governo deve ser chamado, sem demora, a dar as necessárias explicações perante a AR, sob pena de se deixar passar em silêncio cúmplice a deriva securitária em curso em Portugal e a invenção de um clima artificial de insegurança para a justificar politicamente.

Adenda
De entre os muitos textos de protesto hoje publicados gostaria de ter escrito este, de João Miguel Tavares, no Público, um autor insuspeito de desvalorizar a segurança e de desconsiderar as forças de segurança. Aplauso!

quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Como era de temer (12): Reviravolta no ensino superior

1. Segundo a edição eletrónica do Expresso de hoje, o Governo «quer facilitar [a] fusão entre universidades e politécnicos»

A ser isto verdade (desconheço o teor do projeto), trata-se de uma proposta profundamente disruptiva, que aproveita a suposta "revisão" do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), que o PSD nunca tinha posto em causa, para virar de alto a baixo uma das suas opções fundamentais - que, aliás, vinha de muito antes -, que é a natureza binária do ensino superior, ou seja, a separação de natureza, de vocação e de estatuto entre o ensino universitário e o ensino politécnico, tanto no setor do ensino superior público como no privado. 

Não se vê fundamento bastante para uma reviravolta deste calibre.

2. Considero esta proposta um erro político grave, pelos seus previsíveis efeitos nefastos em dois aspetos: por um lado, a tendencial descaracterização do ensino universitário, passando a haver universidades "mistas", ao lado das "clássicas", que se mantenham separadas do ensino politécnico; por outro lado, a perda de expressão do ensino politécnico, pois a suposta fusão vai traduzir-se efetivamente na absorção dos politécnicos pelas universidades, que muitos daqueles, aliás, vão aceitar de bom grado, na mira de alcançar a equiparação de carreira docente, de remuneração, etc. 

Neste segundo aspeto, esta reforma só é equiparável ao fim da autonomia do ensino profissional no ensino secundário, a seguir ao 25 de Abril, em nome de uma equívoca e mal compreendida igualdade social no ensino, que na verdade redundou numa grave e duradoura redução da oferta de ensino profissional. O mesmo com certeza vai suceder agora no ensino superior, quando é conhecido o défice do País em quadros profissionais qualificados. 

Trata-se, a meu ver, de uma proposta que subverte desnecessariamente, e com previsíveis efeitos nocivos, o sistema de ensino superior, tal como o conhecemos desde há muito.

3. É certo que tal separação tem sido vítima de várias derrogações que lhe diminuíram a clareza, não tanto pela conservação da integração institucional de ambos tipos de ensino nos casos de Aveiro e do Algarve - onde, porém, a separação substantiva entre eles foi conservada -, mas sim por dois outros aspetos: (i) os vários casos de duplicação de cursos idênticos em ambos os subsistemas (como as engenharias) e de admissão de cursos de natureza claramente politécnica em algumas universidades (como a recente integração da escola de enfermagem na Universidade de Coimbra ou do ISPA na Universidade Nova de Lisboa) e (ii) a aproximação entre os dois regimes, traduzida na admissão de doutoramentos no ensino politécnico e na admissão da sua qualificação como "universidades (politécnicas)".

Mas, a meu ver, a solução do problema não está em acabar com a distinção dos dois ensinos, permitindo a absorção do ensino politécnico pelas universidades e a conversão de escolas politécnicas em escolas universitárias, mas sim em preservar a autonomia subsistente, impedindo novas derrogações e, se possível, corrigindo as situações anómalas criadas. A violação pontual da fronteira entre os dois espaços do ensino superior não devia justificar a sua fusão num único espaço indiferenciado, sob a égide das universidades.

Adenda

Um leitor acusa-me de refletir a «desconsideração pelo ensino politécnica típica de professor universitário». Sem nenhuma razão, porém. Que não tenho nenhum preconceito nessa matéria, isso pode ser testemunhado por várias escolas politécnicas, com as quais colaborei, ainda na qualidade de professor da FDUC. Pelo contrário: ao defender a sua autonomia contra a sua absorção pelas universidades, sublinho o meu respeito pela sua identidade e sua missão própria. E é disso que se trata: tal como considero que não faz parte da missão das escolas politécnicas a formação, por exemplo, em direito, medicina, arquitetura, filosofia, literatura, etc., também entendo que não cabe às universidades formar contabilistas, técnicos de saúde, enfermeiros, professores do ensino básico, técnicos agrícolas ou florestais, técnicos de turismo, etc. Nem o ensino superior nem os interessados ganham com a confusão de papéis.

Adenda 2
Um leitor objeta que o projeto de revisão se limita a generalizar a situação já hoje permitida, de integração de escolas politécnicas em universidades, sem perda da sua natureza politécnica, como sucede desde sempre em Aveiro e no Algarve. Mas não tem razão: a principal "bomba" do projeto contra o "sistema binário" vigente está na admissão de conversão das escolas politécnicas em escolas universitárias, em qualquer área do ensino superior, se preenchidos os respetivos requisitos quanto a cursos e graus, o que, com a recente admissão de doutoramentos no ensino politécnico, vai começar a generalizar-se. A separação entre os dois tipos de ensino superior vai diluir-se rapidamente.

+ União (84): Economia europeia em perda...

Um dos traços da perda de competitividade da economia da UE, já aqui referida mais do que uma vez, é o atual estado da indústria automóvel. Como se lê neste deprimente comentário sobre o "apocalipese económico da UE", «once synonymous with cutting-edge automotive technology, Europe today doesn’t have a single entry among the 15 bestselling electric vehicles». Nem um europeu entre os 15 automóveis elétricos mais vendidos no mundo!

Muito preocupante!

Adenda
Um leitor comenta que neste post «está-se a pressupor que os veículos elétricos são o futuro, o que está longe de estar provado.(...) Nada nos garante que, a prazo, os carros elétricos se tornem dominantes - em particular na Europa, onde muita gente estaciona na rua ou em garagens coletivas», onde não há carregadores. Discordo. Penso que os automóveis elétricos se vão impor, por exigência de descarbonização ambiental; daqui a uma década, por imposição da UE, deixam mesmo de poder ser introduzidos no mercado novos carros com motores de combustão interna (salvo combustíveis sintéticos); por isso, o atraso da indústria automobilística europeia na corrida ao carro elétrico é um problema grave, pois deixa margem para a invasão dos automóveis chineses e norte-americanos, como já está a suceder.  A generalização do automóvel elétrico vai forçar a multiplicação de carregadores pagos nas ruas das cidades, por iniciativa municipal, como já está a suceder em muitas cidades europeias (mas não ainda em Portugal...).

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O império do automóvel (5): Aplauso

1. Apraz-me registar esta decisão dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), de pôr fim ao estacionamento gratuito, que eu desde há muito defendia, e que só peca por tardia e por continuar a isentar, embora a título transitório, o seu próprio pessoal.

Importa agora que esta medida seja acompanhada do fim do caos do estacionamento abusivo por tudo o que é passeio público nas imediações do Hospital, incluindo nas vias rápidas que lhe dão acesso, o que, além do mais, põe em risco a segurança dos transeuntes e do tráfego automóvel.

2. Sendo em geral contra o estacionamento gratuito nas zonas urbanas, considero absolutamente injustificável que os serviços públicos continuem a proporcioná-lo ao seu pessoal - que o ocupam durante todo o dia - ou aos utentes. Além da receita financeira, o estacionamento pago gera a rotatividade do aparcamento, permitindo que mais pessoas o usem - o que é muito importante para os utentes -, e, ao tornar mais oneroso o uso de viatura privada, contribui para uma maior utilização do transporte público, poupando a produção de CO2.

O Estado e os municípios não podem continuar a falhar nos objetivos de redução do congestionamento automóvel das cidades e de combate à poluição urbana e ao aquecimento climático.

domingo, 15 de dezembro de 2024

Eleições presidenciais 2026 (3): As minhas condições de voto

 

1.  Considerando a Constituição da República - que os PR juram respeitar quando tomam posse do cargo - e as várias experiências presidenciais ao longo deste 50 anos, em especial a que está em final de mandato, entendo que nas próximas eleições só devo apoiar um candidato que se comprometa explicitamente a respeitar, cumulativamente, as seguintes condições:

     - suspender, para todos os efeitos, a filiação partidária que eventualmente tenha;
     - assumir-se como Presidente de todos os portugueses, independentemente do seu voto;
     - exercer o cargo com discrição e elevação, recusando a banalização e vulgarização da magistratura presidencial;
     - respeitar os resultados eleitorais para a AR e a composição desta como única fonte da legitimidade dos governos; 
     - nunca esquecer que não lhe compete a função de governar, desde logo porque é politicamente irresponsável, a qual cabe ao Governo, responsável perante a AR, nem tampouco o papel de contrapoder, que cabe aos partidos de oposição;
     - não se pronunciar publicamente sobre as opções governamentais, nem sobre as posições da oposição, não sendo parte no respetivo debate político;
     - não se arrogar o papel de comentador político, muito menos através de pseudoanónimas "fontes de Belém", junto de meios de comunicação seletos;
     - manter uma atitude de leal cooperação institucional com o Governo em funções e respeitar (e fazer respeitar) os direitos da oposição, pois nem um nem outra estão sob sua tutela política;
     - nunca esquecer que não lhe cabe a função legislativa, pelo que deve exercer o seu poder de veto legislativo a título excecional, especialmente quanto às leis da AR, que é o titular supremo do poder legislativo no sistema constitucional de separação de poderes;
     - não comentar publicamente as leis que promulga, como se o PR fosse colegislador, pois a promulgação presidencial é uma obrigação constitucional por omissão (salvo veto), que não precisa de ser justificada;
     - recorrer à dissolução parlamentar e à correspondente antecipação de eleições somente como solução de última instância - por se traduzir na interrupção do mandato conferido pelos eleitores -, e nunca por capricho político ou por desforço antigovernamental;
     - não instrumentalizar a convocação do Conselho de Estado para se imiscuir em matérias que não são da sua competência; 
     - respeitar escrupulosamente o princípio constitucional da separação entre o Estado e a religião, não participando, na sua qualidade presidencial, em cerimónias ou eventos religiosos;
     - defender sempre os valores constitucionais da dignidade humana, da democracia liberal, do Estado de direito, do Estado social, da descentralização territorial, da integração europeia, da cooperação lusófona, da paz e da segurança coletiva numa ordem internacional sujeita a regras. 

Num Estado de direito constitucional, não deve haver lugar para o excesso ou abuso de poder dos titulares de cargos políticos, muito menos por parte do principal magistrado institucional da República.

2. É evidente, para quem acompanha o Causa Nossa, que este desenho da magistratura presidencial está nos antípodas do desempenho do cargo pelo atual PR, Marcelo Rebelo de Sousa, que tenho criticado frequentemente na minha rubrica "O que o Presidente não deve fazer", que já vai no 50º episódio, onde defendi que ele se «arrisca a ficar na nossa história política como um modelo do que não deve ser o mandato presidencial».

Na verdade, creio que as próximas eleições devem proporcionar ao País um PR que cumpra escrupulosamente o perfil constitucional de "poder moderador" e de garante do «regular funcionamento das instituições», que exclui todo e qualquer ativismo político presidencial, em competição com a AR e o Governo. 

Adenda
Um leitor observa que «nenhum dos anteriores Presidentes respeitou todas essas condições». Sim, mas uma coisa é infringir algumas delas ocasionalmente, outra é ignorar todas elas, ou quase todas, sistematicamente.

sábado, 14 de dezembro de 2024

Sim, mas...(14): Contrariar a "endogamia académica"

1. Julgo ser de apoiar o propósito governamental de combater a "endogamia académica", ou seja, o facto de as faculdades tenderem a recrutar exclusivamente os seus doutorados para as suas carreiras docentes, fenómeno expressivo entre nós (como mostra um recente relatório oficial) e que em algumas faculdades - entre as quais a minha alma mater, a FDUC - atinge o limite, não havendo professores que tenham obtido o doutoramento fora delas. 

De facto, é fácil ver que, além de cancelar a mobilidade académica, a reserva de recrutamento de docentes ou investigadores "dentro de casa" corre o risco de enquistamento corporativo e de fechamento a novas correntes teóricas e pedagógicas vindas de fora, incluindo do estrangeiro.

2. Duvido, porém, que a proibição de recrutamento dos próprios doutorados durante três anos seja a melhor solução: por um lado, pode ser excessiva, por privar as escolas de aproveitarem os seus melhores doutorados, logo enquanto professores (ou investigadores) auxiliares; por outro lado, pode ser insuficiente, por permitir a continuação da "reserva de escola" nos concursos subsequentes (professor associado e catedrático ou investigador principal e cordenador), ou seja, no resto da carreira.

Por isso, talvez a melhor solução esteja em alterar as regras de concurso e de formação dos júris, de modo a contrariar a preferência dominante pelos candidatos de dentro da escola, que inibe à partida a candidatura de concorrentes externos, tornando a carreira mais competitiva e permitindo às melhores escolas recrutar os melhores docentes e investigadores. 

Adenda
Um leitor (por sinal, professor numa faculdade com elevado nível de inbreeding) objeta que a mobilidade forçada pode prejudicar um valor importante, que é a «diferenciação de identidade académica própria das escolas, como sucede no campo do ensino do Direito entre a "escola de Coimbra" e a "escola de Lisboa"». Compreendo o argumento, mas não vejo que a entrada de alguns  professores de elevada qualidade doutorados em outras universidades possa pôr em sério risco essa identidade. O mais provável, pelo contrário, é que, tratando-se de uma forte e prestigiada identidade de escola, os professores vindos de fora tendam a integrar-se nesse espírito

Adenda 2
Um leitor pergunta que novas regras de concurso de formação júris poderiam alterar a situação atual? Penso que há uma mudança essencial, que consiste em os júris passarem a ser constituídos em 2/3 por membros tirados à sorte de uma lista de professores/investigadores da área pertinente (excluídos os da própria escola que promove o concurso). Assim se acabaria com atual prática de formar júris de concurso "amigos" do candidato da casa.

Eleições presidenciais 2026 (2): O perfil do PR

1. Considerando que «a função presidencial merece um debate - público, para ser democrático -», o ex-minisstro do PS e ex-presidente da AR, Augusto Santo Silva, publica no Expresso de ontem um importante texto sobre o que entende dever ser o perfil do Presidente da República a eleger em janeiro de 2026.

Poucas vezes se terá escrito tão acertadamente, fora dos circulos académicos, sobre os contornos político-constitucionais do cargo presidencial entre nós.

2. Vale a pena respigar os trechos mais densos politicamente, destacando a negro as ideias-chave:

Por si só, o egocentrismo constitui impedimento inultrapassável ao exercício da Presidência; e o mesmo se diga de qualquer inclinação caudilhista. Quem reclame ser a voz do “povo” contra os “políticos”, qual anjo vingador da “pureza” contra a suposta degradação da vida pública, quem pretenda ser investido de autoridade suprema sobre o conjunto das instituições (nelas incluídas os partidos), só demonstra incompreensão do papel presiden­cial. Não merece confiança. 
O Presidente serve a Constituição, não o contrário. É preciso regressar ao entendimento escrupuloso da Lei Fundamental. O Presidente não tutela o Governo, o qual responde politicamente perante o Parlamento. Não é colegislador. Não tem de ser a favor ou contra a política e a ação do Executivo, mas sim apoiá-lo institucionalmente, qualquer que seja, nos termos da solidariedade devida entre os órgãos do Estado.
O Presidente não tem de se substituir à oposição, nem avaliá-la, nem intrometer-se nos debates parlamentares, nem interferir direta ou indiretamente na vida dos partidos, nem funcionar como comentador omnipresente dos atos dos outros. Deve respeitar a vontade do eleitorado e a composição parlamentar, evitando ser — ou ser usado como — fator de instabilidade. Deve pesar as palavras e falar com clareza, recusando liminarmente manipular meios oficiosos e fontes anónimas. Deve recorrer às soluções que a Constituição lhe outorga — a demissão do Governo, a dissolução do Parlamento — com a maior das parcimónias, isto é, em último, mas último caso, se nenhuma outra solução menos extrema for possível. 
O Presidente não tem de opinar sobre os aspetos concretos do regime laboral dos médicos, das remunerações dos polícias, da carreira dos professores, da tabela do IRC ou do trajeto do TGV. Deixará ao debate parlamentar e à dialética entre o Governo e a oposição, ou entre o Estado e os parceiros sociais, os contornos específicos das políticas públicas, incidam elas sobre a rede viária ou os incentivos ao investimento. Aliás, sempre que o Presidente em funções decidiu alimentar ou ecoar as expectativas sociais sobre tais assuntos, veio invariavelmente a causar deceção, exatamente porque não dispõe dos poderes de governar; e, sempre que se deixou arrastar para a crítica sistemática das decisões ou omissões governamentais, a sua credibilidade veio, a prazo, a ressentir-se, porque a Presidência não é, nem deve ser, um contrapoder. (...)
A frequência com que se tem distorcido a função presidencial, colocando-a erradamente ao nível de Governo e Parlamento e encaminhando-a ainda mais erradamente para o terreno das medidas políticas de curto e médio alcance, leva a esquecer as responsabilidades nucleares do Presidente. É indispensável voltar a conceder-lhes toda a atenção.
A Presidência não é um cargo executivo. A sua missão é facilitar, não estorvar, a ação dos órgãos executivos e legislativos, respeitando as competências de cada um e a dialética política própria de uma democracia. É favorecer os processos de concertação também característicos da poliarquia democrática: entre Estado, regiões autónomas e autarquias; entre Estado e parceiros sociais; entre Estado, sociedade civil e empresas. 

3. Como costumo dizer quanto a textos de que gosto especialmente, "gostaria de ter escrito isto"! 

É fácil concluir que o mandato do atual titular do cargo não encaixa, de todo em todo, neste perfil do PR. Tendo eu apontado desde há muito, neste blogue e fora dele, as minhas discordâncias com o mandato de M. Rebelo de Sousa, é bom saber que se não trata de uma opinião isolada nem descabida.

Adenda
Um leitor observa que «lamentavelmente, TODOS os Presidentes que tivemos até agora dissolveram Parlamentos em casos onde soluções menos extremas eram, de forma muito evidente, possíveis. Ou seja, todos eles foram, em algum momento, causas de instabilidade política desnecessária». Todavia, mesmo nesse ponto, o atual PR bateu o record, com duas dissoluções da AR - a última as quais, manifestamente indevida - e a dissolução de ambos os parlamentos regionais, dos Açores e da Madeira. Se os inquilinos do Palácio de Belém tivessem cognome, como os antigos reis, MRS bem poderia ficar conhecido como o "racha-parlamentos"...

quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Eleições presidenciais 2026 (1): Para que serve a eleição?

1. A pouco mais de um ano das eleições presidenciais de janeiro de 2026, proliferam os potenciais candidatos, mas ninguém se adiantou formalmente como tal. A mesma contenção reina nos partidos quanto aos candidatos a promover ou a apoiar. 

Ao contrário de eleições anteriores, desta vez não existe nenhuma figura que se apresente antecipadamente como candidato natural ou como potencial ganhador. Todavia, a primeira sondagem de opinião publicada sobre o assunto confere quase 25% intenções de voto ao Almirante Gouveia e Melo, que, tudo indica, vai mesmo ser candidato. Mas, como é bom de ver, a procissão eleitoral ainda nem sequer está prestes a sair do adro.

2. Constitucionalmente, e ao contrário das eleições parlamentares, as eleições presidenciais não são uma competição entre partidos. Enquanto nas primeiras as candidaturas são reservadas aos partidos, não havendo lugar a candidaturas independentes, nas segundas não pode haver candidaturas partidárias, estando elas reservadas aos próprios cidadãos (entre um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000).

É fácil de perceber o fundamemto desta diferenciação radical: enquanto as eleições parlamentares são um disputa entre diferentes propostas políticas de governo, as eleições presidenciais têm por objeto a escolha do "Chefe do Estado", que, por definição, é presidente de todos os cidadãos e que, no nosso sistema político-constitucional, não tem poderes governativos nem entra na dialética entre o Governo e a oposição, cabendo-lhe, sim, nos termos da Lei Fundamental, assegurar, super partes, como "poder moderador", o "regular funcionamento das instituições" (por isso, tenho criticado a qualificação do nosso sistema de governo como "semipresidencialismo" -, por exemplo, AQUI).

As eleiçoões presidenciais não podem assentar numa errada representação do papel do PR.

3. Este quadro constitucional impõe-se tanto aos partidos como aos candidatos.

Quanto aos primeiros, sem prejuízo do apoio "externo" que decidam prestar a um candidato, devem abster-se de se apropriar das eleições presidenciais, seja designando candidatos "oficiais", seja tomando a seu cargo as suas campanhas eleitorais.

Quanto aos candidatos, devem abster-se de se apresentar como candidatos partidários ou de defender plataformas eleitorais tipo programa de governo, em vez de esclarecerem, como devem, o que pensam fazer do cargo, quanto ao estilo (ativismo comunicacional ou moderação institucional), quanto às relações com o(s) Governo(s) (cooperação leal ou confrontação), quanto ao exercício dos poderes presidenciais, tal como definidos na Constituição (veto legislativo, dissolução parlamentar, etc.).

As eleições presidenciais não são uma segunda via, nem um sucedâneo, das eleiçoes parlamentares.



quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Free & fair trade (20): Finalmente, o acordo comercial UE-Mercosul!

1. Saúdo vivamente a conclusão do acordo comercial entre a UE e os quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), que estava em negociação há um quarto de século e que eu venho acompanhando de perto há 15 anos, desde que presidi à comissão de comércio internacional do Parlamento Europeu, entre 2009 e 2014, que incluiu uma visita de parlamentares europeus ao Brasil (Brasília e São Paulo), para manifestar apoio a essas negociações.

Quando os Estados Unidos, de novo sob presidência de Trump, se preparam para levar às últimas consequências a sua deriva nacionalista e protecionista, assassinando no caminho a OMC, garante da "ordem económica sujeita a regras", a UE mantém-se fiel não somente a essas regras, mas também aos princípios cosntitucionais a que se encontra vinculada pelos Tratados da União, no sentido da progressiva eliminação das barreiras ao comércio internacional e ao investimento estrangeiro.

2.  Além do seu profundo significado político, como resposta ao insano isolacionismo norte-americano, este acordo entre a UE e o Mercosul vai criar a maior zona de comércio livre do mundo entre economias de mercado (25% da economia global e 780 milhões de pessoas), através da eliminação de tarifas de importação na maior parte dos produtos e de outras barreiras ao comércio de bens e serviços.

Explorando as vantagens recíprocas de cada uma das economias, ele traz substanciais poupanças às empresas e aos consumidores dos dois lados do Atlântico, salvaguardando, porém, os setores mais sensíveis de cada lado, através de derrogações pontuais e de períodos de transição alargados, e sem esquecer a preocupação da UE na salvaguarda de elevados padrões laborais e ambientais.

3. Só é pena que a França se lhe oponha, por força do poderoso lobby interno dos produtores de carne de vaca, invocando a ameaça da importação de carne mais barata da América do Sul, quando é certo que nessa área a liberalização prevista no acordo é muito reduzida (a meu ver, demasiado reduzida, em prejuízo dos consumidores europeus) e que a França mais do que vai compensar as alegadas perdas nesse setor com ganhos bem maiores nas exportações de bens industriais e serviços, mas também de bens de origem agrícola, como os queijos e os vinhos e destilados franceses.

Que a oposição viesse das forças políticas soberanistas e antiliberais, como a extrema-direita e a esquerda -, comprende-se. Mas que o liberal Presidente Macron e o seu partido se lhes tenha juntado, isso só revela um lamentável oportunismo político rasteiro, que é impróprio das suas origens doutrinais.

Adenda
Um leitor pergunta se a França não «pode vetar o acordo no Conselho da União, por ser precisa a unanimidade». Sim, tratando-se de parte de um Acordo de Associação, mais vasto (pois inclui uma componente política), este precisa de unanimidade no Conselho e tem de ser ratificado também nos Estados-membros. Mas, caso a França mantenha a sua caprichosa oposição, a Comissão pode propor a separação da parte comercial como acordo autónomo, que pode ser aprovado por maioria no Conselho e dispensa aprovação nacional, por o comércio internacional ser competência exclusiva da União.

terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Dois países (6): Entre os piores...

Este comprometedor penúltimo lugar de Portugal numa lista de 31 países da OCDE sobre capacidades básicas da população adulta - literacia, aritmética, resolução de problemas simples - mostra que a "geração mais preparada de sempre", de que nos ufanamos, convive com uma população mais velha que revela enormes falhas de preparação, a léguas de distância dos países escandinavos, todos colocados entre os melhores dez.

Perante estes números, é mais fácil perceber porque é que não vamos superar tão depressa o nosso atávico défice de produtividade e de eficência económica e o baixo nível de salários e de qualidade de vida que isso representa.

O problema é tanto mais grave, quanto é de supor que grande parte dessas pessoas terá feito a escolaridade obrigatória de seis anos, há muito em vigor, o que obriga a questionar o que está errado no nosso sistema escolar.

domingo, 8 de dezembro de 2024

Rasto no tempo (2): Mário Soares

 

A celebração dos cem anos do nascimento de Mário Soares fez jus à sua grandeza. 

Ninguém como ele representa tão completa e tão profundamente a transição e consolidação democrática em Portugal: a persistente luta contra a ditadura, o papel fulcral na passagem bem-sucedida da Revolução à Constituição, a implementação do Estado social, a decisiva adesão à CEE/UE, o exercício equilibrado do "poder moderador" presidencial no Palácio de Belém, o permanente combate cívico pela liberdade, a democracia e o progresso social, numa perspetiva "republicana, laica e socialista", como uma vez se autodefiniu.

Se há um nome que fica para a História identificado indissociavelmente com a atual República democrática, neste seu primeiro meio século, é, sem dúvida, o dele.

Obrigado, Mario Soares!

sábado, 7 de dezembro de 2024

Conferências & colóquios (9): Memórias da minha freguesia


1. Hoje estive aqui, no centro de conferências municipal de Coimbra, no Convento de S. Francisco, a proferir uma palestra nas comemorações dos 170 anos da criação das freguesias de Santo António dos Olivais (que é a minha, há muitos anos) e de Santa Clara (que hoje agrega a de Castelo Viegas), ambas criadas em 25 de novembro de 1854, no início da Regeneração "cartista". 

Nascidas como freguesias suburbanas, no âmbito de uma profunda remodelação da administração paroquial de Coimbra, que eliminou cinco das nove freguesias urbanas preexistentes, as duas novas freguesias, sobretuo a primeira, são hoje das mais importantes e as de maior crescimento da cidade.

2. Eis o sumário da minha comunicação:

           1.     Nascimento das freguesias como coletividades do poder local em Portugal nos anos 30 dos século XIX.

2. O processo de criação das freguesias de Santo Antonio dos Olivais e de Santa Clara, duas décads depois.

3. A evolução histórica das freguesias, desde a monarquia constitucional ao “Estado Novo”.

4. As freguesias no quadro do poder local democrático da CRP de 1976.

5. As freguesias de S. A. dos Olivais e de Santa Clara na atualidade.

Conto poder publicar esta palestra, como contribuição para a história moderna de Coimbra.


Adenda
Notícia e foto do evento aqui: https://www.odespertar.pt/santo-antonio-dos-olivais-e-santa-clara-focados-no-futuro-das-freguesias/ 


quarta-feira, 20 de novembro de 2024

+ União (83): Um acórdão digno de nota

1. Numa decisão datada de ontem, o TJUE considerou que a Chéquia e a Polónia violam os Tratados da União, quando reservam aos seus nacionais o direito de integrarem partidos políticos, excluindo os nacionais de outros Estados-membros da União que lá residam.  

No entender do Tribunal, essa exclusão afronta em especial o art. 22º do TFUE, segundo o qual os cidadãos europeus que residam num Estado-membro que não seja o seu têm direito de eleger e de serem eleitos nas eleições municipais e nas eleições europeias «nas mesmas condições que os nacionais desse Estado» -  o que não acontece se forem impedidos de se filiar em partidos políticos.

Não posso deixar de aplaudir esta decisão, que valoriza devidamente os direitos de cidadania europeia, tanto mais que defendi explicitamente tal entendimento num texto sobre cidadania europeia, publicado em 2005.

2. Note-se que o problema não se coloca em Portugal, pois a nossa lei dos partidos políticos admite expressamente a filiação partidária de estrangeiros - aliás, não somente de cidadãos europeus, mas também dos "cidadãos lusófonos" e outros estrangeiros que gozem de direitos políticos em Portugal -, «com os direitos de participação compatíveis com o estatuto de direitos políticos que lhe estiver reconhecido».

Issso quer dizer que os cidadãos europeus residentes, oriundos de outros Estados-membros, podem filiar-se em partidos políticos nacionais e usufruir dos respetivos direitos, incluindo cargos de direção, para efeitos de intervenção nas eleiçães europeias e nas eleições locais (mas não nas demais eleições, como, aliás, observa o TJUE).

Suponho ser baixa, quer em Portugal quer noutros países, a filiação partidária de cidadãos europeus oriundos de outros Estado-membros. Mas este importante acórdão do TJUE pode contribuir para ampliar a perceção desse direito, rompendo decididamente a tradição nacionalista e soberanista de reserva da intervenção política para os cidadãos nacionais.

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Manifesto dos 50 (7): Website e reunião geral

O Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça, de que sou subscritor e de que AQUI dei notícia, abriu o seu website - com o texto do manifesto, lista de subscritores, artigos publicados, etc. - e vai promover uma reunião pública dos subscritores, em Lisboa, no próximo dia 21 (esta quinta-feira), para fazer o ponto da situação e decidir as novas ações a tomar.