Entre os livros agora publicados a propósito dos 50 anos da luta académica de Coimbra de 1969 avulta naturalmente o de Alberto Marins, Peço a Palavra, hoje lançado na mesma sala do Departamento de Matemáticas onde tudo começou (e que há muito tem o nome de "sala 17 de abril").
Presidente da AAC na altura, AM foi naturalmente um dos principais protagonistas dessas jornadas. Além de um testemunho pessoal, o livro traz também contributos documentais inéditos, colhidos nos arquivos do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa de então. Por isso, esta obra vai ficar com um elemento de estudo imprescindível desses entusiasmantes meses de 1969, juntando-se aos já clássicos depoimentos de Celso Cruzeiro e de Rui Namorado, que também eles os viveram por dentro.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
terça-feira, 23 de abril de 2019
"Free and fair trade" (8): Comércio internacional e direitos humanos
Publicado por
Vital Moreira
A Comissão Europeia decidiu abrir um procedimento tendente a uma possível suspensão das preferências comerciais concedidas ao Camboja, por causa da má situação dos direitos humanos naquele País.
Sendo um dos 49 países mais pobres do mundo que beneficiam dessas vantagens comerciais (entrada de todas as suas exportações no mercado da União sem pagamento de direitos aduaneiros), o Camboja está, porém, obrigado a respeitar os princípios subjacentes a um grande número de convenções internacionais de direitos humanos e de direitos dos trabalhadores, sob pena de perder aquele estatuto.
Concebido como um mecanismo de ajuda ao desenvolvimento, o sistema de preferências comerciais unilaterais da União - de uma dimensão sem paralelo noutros países desenvolvidos - é também um poderoso mecanismo de salvaguarda de um nível mínimo de respeito pelos direitos humanos.
[Nota: Esta nova rubrica, "Free and fair trade", substitui e continua a anterior rubrica "Observatório do comércio internacional"]
Sendo um dos 49 países mais pobres do mundo que beneficiam dessas vantagens comerciais (entrada de todas as suas exportações no mercado da União sem pagamento de direitos aduaneiros), o Camboja está, porém, obrigado a respeitar os princípios subjacentes a um grande número de convenções internacionais de direitos humanos e de direitos dos trabalhadores, sob pena de perder aquele estatuto.
Concebido como um mecanismo de ajuda ao desenvolvimento, o sistema de preferências comerciais unilaterais da União - de uma dimensão sem paralelo noutros países desenvolvidos - é também um poderoso mecanismo de salvaguarda de um nível mínimo de respeito pelos direitos humanos.
[Nota: Esta nova rubrica, "Free and fair trade", substitui e continua a anterior rubrica "Observatório do comércio internacional"]
segunda-feira, 22 de abril de 2019
Há 50 anos, em Coimbra (III): Apoio docente à luta académica
Publicado por
Vital Moreira
22 de abril de 1969, um grupo de docentes, todos da Faculdade de Direito, dirige-se à AAC, em apoio aos estudantes suspensos; a assembleia magna subsequente decretaria a greve às aulas.
Da esquerda para a direita: eu, J. M. Correia Pinto, António Manuel Hespanha, A. J. Avelãs Nunes e Orlando de Carvalho; encoberto está Aníbal Almeida. Com exceção de Orlando de Carvalho, todos os demais eram jovens assistentes.
Adenda
O facto de sermos assistentes no início de carreira tornava-nos mais vulneráveis à repressão governamental, o que não tardou a verificar-se, quando, logo em setembro, na ressaca da crise, dois de nós (Correia Pinto e eu próprio) fomos sumariamente exonerados pelo Ministro da Educação, com base em informações da PIDE (aliás, verdadeiras) sobre o nosso envolvimento direto na luta académica. Felizmente, poucos meses depois, foi a vez de ele próprio ser demitido - uma vitória póstuma do 17 de abril.
Da esquerda para a direita: eu, J. M. Correia Pinto, António Manuel Hespanha, A. J. Avelãs Nunes e Orlando de Carvalho; encoberto está Aníbal Almeida. Com exceção de Orlando de Carvalho, todos os demais eram jovens assistentes.
Adenda
O facto de sermos assistentes no início de carreira tornava-nos mais vulneráveis à repressão governamental, o que não tardou a verificar-se, quando, logo em setembro, na ressaca da crise, dois de nós (Correia Pinto e eu próprio) fomos sumariamente exonerados pelo Ministro da Educação, com base em informações da PIDE (aliás, verdadeiras) sobre o nosso envolvimento direto na luta académica. Felizmente, poucos meses depois, foi a vez de ele próprio ser demitido - uma vitória póstuma do 17 de abril.
+Europa (17): As vantagens do mercado único europeu
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Vital Moreira
Sem surpresa, estes números sobre a maior produtividade e mais altos salários das empresas estrangeiras entre nós mostram as vantagens do mercado interno da UE para Portugal, para atrair investimento tanto de outros países da União como de fora. O mesmo se pode dizer no que respeita à capacidade exportadora dessas empresas.
Sem essa contribuição do investimento externo que a integração europeia potencia, Portugal seria em economia com menor produtividade, mais baixos salários e menos capacidade exportadora, com todas as implicações em matéria social e fiscal. E ainda há quem milite contra a integração europeia por razões de "soberania económica"!
Sem essa contribuição do investimento externo que a integração europeia potencia, Portugal seria em economia com menor produtividade, mais baixos salários e menos capacidade exportadora, com todas as implicações em matéria social e fiscal. E ainda há quem milite contra a integração europeia por razões de "soberania económica"!
SNS, 40 anos (17): Um erro político
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Vital Moreira
1. Mais uma vez, o Bloco de Esquerda veio trazer a público um alegado acordo no campo da Geringonça no sentido da abolição das PPP na nova lei-quadro do SNS, reivindicando para si os louros dessa solução e embaraçando politicamente tanto o PS como o PCP. Independentemente de mais esta "bloquice", penso que, a confirmar-se essa cedência do PS (que não constava da proposta de lei governamental), ela não merece aplauso.
Primeiro, como já aqui escrevi várias vezes (por exemplo, AQUI), os hospitais PPP: (i) têm sido um assinalável êxito em termos de eficiência e de qualidade dos cuidados de saúde prestados; (ii) não são contrários à lógica do SNS, continuando plenamente integrados nele durante o período do contrato; (iii) introduzem um saudável elemento de competição dentro do SNS entre diferentes modelos de gestão; e, (iv) no caso das parcerias para a instalação de novos hospitais, constituem uma alternativa de financimento vantajosa em relação a um vultuoso investimento do Estado para a sua construção (com o inerente impacto orçamental).
Como já procurei mostrar anteriomente (por exemplo, AQUI), as PPP não se contam entre os motivos que justificam as atuais dificuldades do SNS. Pelo contrário!
2. Além disso, uma coisa é um governo dispensar as PPP, se assim o entender por razões políticas ou ideológicas, outra coisa é proibi-las por lei, obrigando um futuro governo que as queira restaurar a alterar a lei. Ora, uma lei-quadro, por definição, não deveria proibir soluções, que, sem serem incompatíveis com o desenho constitucional do SNS, representam alternativas políticas diferenciadas. Tal como a lei atual também as não impõe, limitando-se a permiti-las, também a nova lei as não devia proibir, deixando a cada governo a sua opção nesta matéria.
O SNS vingou estes 40 anos, apesar da oposição inicial da direita, por se ter tornado um património institucional transversal ao espetro político, justamente através de alguns ajustamentos, como as taxas moderadoras, a "empresarialização" da gestão dos hospitais públicos e as PPP, aliás todos introduzidos por governos do PS.
Uma lei-quadro não é o instrumento mais apropriado para voltar atrás e tentar reclamar o SNS como ativo político exclusivo da esquerda. Não é o SNS que vai ganhar com o seu acantonamento político-ideológico.
Primeiro, como já aqui escrevi várias vezes (por exemplo, AQUI), os hospitais PPP: (i) têm sido um assinalável êxito em termos de eficiência e de qualidade dos cuidados de saúde prestados; (ii) não são contrários à lógica do SNS, continuando plenamente integrados nele durante o período do contrato; (iii) introduzem um saudável elemento de competição dentro do SNS entre diferentes modelos de gestão; e, (iv) no caso das parcerias para a instalação de novos hospitais, constituem uma alternativa de financimento vantajosa em relação a um vultuoso investimento do Estado para a sua construção (com o inerente impacto orçamental).
Como já procurei mostrar anteriomente (por exemplo, AQUI), as PPP não se contam entre os motivos que justificam as atuais dificuldades do SNS. Pelo contrário!
2. Além disso, uma coisa é um governo dispensar as PPP, se assim o entender por razões políticas ou ideológicas, outra coisa é proibi-las por lei, obrigando um futuro governo que as queira restaurar a alterar a lei. Ora, uma lei-quadro, por definição, não deveria proibir soluções, que, sem serem incompatíveis com o desenho constitucional do SNS, representam alternativas políticas diferenciadas. Tal como a lei atual também as não impõe, limitando-se a permiti-las, também a nova lei as não devia proibir, deixando a cada governo a sua opção nesta matéria.
O SNS vingou estes 40 anos, apesar da oposição inicial da direita, por se ter tornado um património institucional transversal ao espetro político, justamente através de alguns ajustamentos, como as taxas moderadoras, a "empresarialização" da gestão dos hospitais públicos e as PPP, aliás todos introduzidos por governos do PS.
Uma lei-quadro não é o instrumento mais apropriado para voltar atrás e tentar reclamar o SNS como ativo político exclusivo da esquerda. Não é o SNS que vai ganhar com o seu acantonamento político-ideológico.
domingo, 21 de abril de 2019
+Europa (16): Desafios dos direitos fundamentais da União
Publicado por
Vital Moreira
1. Acaba de ser tornado público um importante informe do Parlamento Europeu (PE) sobre a sua atividade na legislatura que agora termina (2015-2019) em relação aos direitos fundamentais na União e nos Estados-membros.
Entre as múltiplas ações avulta a determinação do PE na denúncia das ameaças ao Estado de direito na Hungria e na Polónia, em violação do art. 2º do Tratado da União, que conduziram, pela primeira vez, a propostas de acionamento da 1ª fase do processo de advertência e de sanção do art. 7º (1) do Tratado da União contra aqueles dois países, propostas que, porém, continuam à espera de decisão do Conselho dos Estados-membros.
Entre os pontos negativos registados pelo PE conta-se o prolongado impasse quanto à adesão da União à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), que constitui uma obrigação constitucional desde 2009 (entrada em vigor do Tratado de Lisboa), mas que está pendente da revisão do acordo entre a União e o Conselho da Europa, rejeitado pelo TJUE.
2. É evidente que o receado reforço dos partidos soberanistas (na extrema-esquerda) e nacionalistas (na extrema-direita) nas próximas eleições europeias pode debilitar muito a capacidade do PE para prosseguir a sua tradicional ação de liderança na luta pelos direitos fundamentais na União e nos Estados-membros.
Daí, mais uma vez, a importância singular destas eleições europeias e a responsabilidade dos cidadãos europeus nas suas escolhas nestas eleições.
Entre as múltiplas ações avulta a determinação do PE na denúncia das ameaças ao Estado de direito na Hungria e na Polónia, em violação do art. 2º do Tratado da União, que conduziram, pela primeira vez, a propostas de acionamento da 1ª fase do processo de advertência e de sanção do art. 7º (1) do Tratado da União contra aqueles dois países, propostas que, porém, continuam à espera de decisão do Conselho dos Estados-membros.
Entre os pontos negativos registados pelo PE conta-se o prolongado impasse quanto à adesão da União à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), que constitui uma obrigação constitucional desde 2009 (entrada em vigor do Tratado de Lisboa), mas que está pendente da revisão do acordo entre a União e o Conselho da Europa, rejeitado pelo TJUE.
2. É evidente que o receado reforço dos partidos soberanistas (na extrema-esquerda) e nacionalistas (na extrema-direita) nas próximas eleições europeias pode debilitar muito a capacidade do PE para prosseguir a sua tradicional ação de liderança na luta pelos direitos fundamentais na União e nos Estados-membros.
Daí, mais uma vez, a importância singular destas eleições europeias e a responsabilidade dos cidadãos europeus nas suas escolhas nestas eleições.
sábado, 20 de abril de 2019
Dinheiro Vivo (11): A questão da Casa do Douro
Publicado por
Vital Moreira
Eis o cabeçalho da minha coluna no Dinheiro Vivo (suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias) da semana passada, desta vez sobre a controvérsia criada pela reconversão da Casa do Douro como instituição de direito público.
Neste artigo suscito duas questões: (i) Pode ser instituída uma "associação pública" (de inscrição e quotização obrigatória) sem ser para o exercício de poderes públicos? (ii) Pode uma associação pública ser dotada de poderes de representação profissional nas relações de trabalho (incluindo a negociação de convenções coletivas de trabalho)? Defendo que não.
Adenda
Num texto no suplemento "Fugas" do Público de hoje (acesso condicionado) - em que protesta contra a reatribuição de natureza pública à Casa do Douro -, Pedro Gracias, vitivinicultor do Douro, comete uma incorreção, ao escrever que a Casa do Douro, mesmo depois de transformada em entidade privada (2014), manteve o monopólio da representação da produção no Conselho Interprofissional da RDD. Não é assim, porém, pois o regime transitório adotado em 2015 só reserva à CdD 60% dos representantes no primeiro mandato, quota reduzida a 20% no segundo mandato. Os restantes representantes cabem a outras associações representativas dos vitivinicultores, de acordo com a quota de produção dos seus associados.
Adenda
Num texto no suplemento "Fugas" do Público de hoje (acesso condicionado) - em que protesta contra a reatribuição de natureza pública à Casa do Douro -, Pedro Gracias, vitivinicultor do Douro, comete uma incorreção, ao escrever que a Casa do Douro, mesmo depois de transformada em entidade privada (2014), manteve o monopólio da representação da produção no Conselho Interprofissional da RDD. Não é assim, porém, pois o regime transitório adotado em 2015 só reserva à CdD 60% dos representantes no primeiro mandato, quota reduzida a 20% no segundo mandato. Os restantes representantes cabem a outras associações representativas dos vitivinicultores, de acordo com a quota de produção dos seus associados.
quinta-feira, 18 de abril de 2019
Praça da República (20): Direito à greve
Publicado por
Vital Moreira
A greve do transporte de combustíveis, convocada por um pequeno sindicato de formação recente, vem colocar mais uma vez a necessidade de rever a lei da greve, a fim de evitar danos desproporcionados à economia e aos serviços públicos.
Estando constitucionalmente fora de causa restringir os objetivos ou os titulares do direito à greve, ressalvadas as exceções constitucionais, há porém margem para regular o modo e as condições do seu exercício, por exemplo: (i) limitar a validade da greve aos trabalhadores filiados nos sindicatos convocantes e às empresas onde os demais trabalhadores assim o decidam por maioria; (ii) excluir greves por tempo indeterminado (que não permitem às empresas e serviços públicos planear a sua atividade) e estabelecer um período máximo de greve, sem prejuízo da sua renovação; (iii) não permitir greves contra convenções coletivas de trabalho em vigor, sem proposta prévia da sua renegociação.
Adenda
Um leitor objeta que as referidas limitações à greve constituem uma violação da liberdade sindical, mas sem razão. Nos termos da Constituição, os titulares do direito à greve são os próprios trabalhadores, não diretamente os sindicatos, e estes só representam os seus filiados, não os trabalhadores da respetiva categoria, em geral.
Adenda (2)
Não faz sentido, nem constitucional nem politicamente, a ideia de Francisco George (antigo DG de Saúde) de que médicos e enfermeiros não deveriam ter direito à greve. De resto, o argumento de essas greves lesam sobretudo os utentes e não o empregador (o Estado) vale para todas as greves nos serviços públicos (escolas, trasnportes, etc.).
Estando constitucionalmente fora de causa restringir os objetivos ou os titulares do direito à greve, ressalvadas as exceções constitucionais, há porém margem para regular o modo e as condições do seu exercício, por exemplo: (i) limitar a validade da greve aos trabalhadores filiados nos sindicatos convocantes e às empresas onde os demais trabalhadores assim o decidam por maioria; (ii) excluir greves por tempo indeterminado (que não permitem às empresas e serviços públicos planear a sua atividade) e estabelecer um período máximo de greve, sem prejuízo da sua renovação; (iii) não permitir greves contra convenções coletivas de trabalho em vigor, sem proposta prévia da sua renegociação.
Adenda
Um leitor objeta que as referidas limitações à greve constituem uma violação da liberdade sindical, mas sem razão. Nos termos da Constituição, os titulares do direito à greve são os próprios trabalhadores, não diretamente os sindicatos, e estes só representam os seus filiados, não os trabalhadores da respetiva categoria, em geral.
Adenda (2)
Não faz sentido, nem constitucional nem politicamente, a ideia de Francisco George (antigo DG de Saúde) de que médicos e enfermeiros não deveriam ter direito à greve. De resto, o argumento de essas greves lesam sobretudo os utentes e não o empregador (o Estado) vale para todas as greves nos serviços públicos (escolas, trasnportes, etc.).
Lisbon first (18): O resto do país não existe
Publicado por
Vital Moreira
Merece todo o aplauso o desempenho do Governo na greve do transporte de combustíveis, ao decretar prontamente a requisição civil, os serviços míninos e o racionamento e ao presssionar um acordo entre grevistas e entidade patronal, assim poupando o País a uma devastadora paralisação da economia e dos serviços públicos.
Só é pena que este excelente registo tenha sido manchado inicialmente pela incrível restrição dos serviços mínimos às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, esquecendo o resto do País, como se fosse irrelevante. É atávico: visto de Lisboa, o mapa do País, com exceção de Porto, é um indefinido deserto...
Só é pena que este excelente registo tenha sido manchado inicialmente pela incrível restrição dos serviços mínimos às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, esquecendo o resto do País, como se fosse irrelevante. É atávico: visto de Lisboa, o mapa do País, com exceção de Porto, é um indefinido deserto...
quarta-feira, 17 de abril de 2019
Há 50 anos, em Coimbra (II): O sítio da coragem
Publicado por
Vital Moreira
Desta vez, meio século depois, na mesma sala (agora chamada "17 de abril") do Departmento de Matemática da UC, Alberto Martins não precisou, como outrora, de pedir ousadamente a palavra para evocar eloquentemente os dias desse abril pioneiro, tão longe no tempo e tão perto nas emoções compartilhadas por tantos que quiseram vir rememorar esses dias de corajoso desafio à ordem estabelecida da Ditadura.
Há 50 anos, em Coimbra
Publicado por
Vital Moreira
Nessa mesma noite ele seria detido pela PIDE, com repressão violenta de uma manifestação espontânea de estudantes em frente às instalações da polícia política. A luta iria culminar numa greve aos exames, com uma dimensão inédita nos anais das lutas estudantis.
Pela sua repercussão nacional, apesar da censura, a luta académica de Coimbra abalou a frustre tentativa de reforma da ditadura do Estado Novo, ensaiada por Marcelo Caetano. Cinco anos depois, noutro dia de abril, o regime acabava.
+Europa (15): Proteção dos denunciantes de atos ilícitos
Publicado por
Vital Moreira
[Fonte da imagem: aqui]
1. No seu último plenário desta legislatura, o Parlamento Europeu acaba de ratificar o acordo alcançado com o Conselho da União sobre a diretiva legisaltiva para a proteção dos que dentro de organizações ou instituições denunciam infrações da legislação da União, quando se traduzam nomeadamente em fraude, corrupção, evasão fiscal das empresas ou lesão da saúde ou do ambiente.A proteção dos denunciantes contra a retaliação dos visados (sanções, despedimentos, etc.) constitui uma importante condição para superar os receios na denúncia dessas situações, proporcionando a respetiva investigação e punição.
2. Sendo o âmbito da nova legislação limitado à denúncia de infrações da legislação da União, importa que na sua transposição para a ordem jurídica interna o legislador nacional alargue o seu âmbito também às infrações à legislação nacional.
Num País onde é costume fechar os olhos às infrações contra o Estado ou os interesses coletivos, urge tomar medidas para encorajar a sua denúncia, quer dentro das próprias organizações, quer às competentes autoridades externas (incluindo o Ministério Público, quando se trate de crimes), sem excluir a denúncia pública, em última instância.
Euroeleições (11): Fingimento para eleitor ver
Publicado por
Vital Moreira
1. Os mais importantes partidos da direita nacionalista europeus - como em França ou na Itália -deixaram de sublinhar os seus tradicionais objetivos de saída do Euro e da União, dada a fraca adesão popular dessas bandeiras. Mas é só fingimento!
No seu programa eleitoral para as próximas eleições europeias, a União Nacional de Marine Le Pen vai direito aos fundamentos da integração europeia, colocando em causa o próprio mercado interno, através de uma regra geral de "preferência nacional", que é absolutamente incompatível com as liberdades de circulação de produtos e serviços e de trabalho e capital e com a regra da não discriminação por razões de nacionalidade.
Afinal, o seu alvo não é somente o tratado de de Maastricht (1992) e a união monetária e a integração política. É mesmo o Tratado de Roma (1957), que fundou a Comunidade Económica Europeia!
2. Neste contexto, o aparente recuo dos "soberanistas" quando à saída do euro é um simples estratagema para enganar incautos. É evidente que não faz o mínimo sentido uma união monetária sem um mercado integrado.
A direita nacionalista apenas mudou de tática, substituindo o radicalismo anti-UE pelo "entrismo" institucional, ou seja, pela entrada nas instituições da União para as destruir por dentro. Aparentando ceder quanto ao euro, mantém integralmente o mesmo objetivo de o destruir, socavando os próprios alicerces da União.
No seu programa eleitoral para as próximas eleições europeias, a União Nacional de Marine Le Pen vai direito aos fundamentos da integração europeia, colocando em causa o próprio mercado interno, através de uma regra geral de "preferência nacional", que é absolutamente incompatível com as liberdades de circulação de produtos e serviços e de trabalho e capital e com a regra da não discriminação por razões de nacionalidade.
Afinal, o seu alvo não é somente o tratado de de Maastricht (1992) e a união monetária e a integração política. É mesmo o Tratado de Roma (1957), que fundou a Comunidade Económica Europeia!
2. Neste contexto, o aparente recuo dos "soberanistas" quando à saída do euro é um simples estratagema para enganar incautos. É evidente que não faz o mínimo sentido uma união monetária sem um mercado integrado.
A direita nacionalista apenas mudou de tática, substituindo o radicalismo anti-UE pelo "entrismo" institucional, ou seja, pela entrada nas instituições da União para as destruir por dentro. Aparentando ceder quanto ao euro, mantém integralmente o mesmo objetivo de o destruir, socavando os próprios alicerces da União.
segunda-feira, 15 de abril de 2019
Não concordo (10): Legislar sobre "casos políticos"
Publicado por
Vital Moreira
Discordo desta crítica sobre uma alegada corrida a "fazer leis à medida de casos políticos", desde o caso das viagens oferecidas a governantes para ir ao futebol até ao recente caso do "nepotismo" nas nomeações para os gabinetes ministeriais.
Pelo contrário: o que não se compreenderia era que, verificadas falhas de previsão regulamentar, não se tomassem medidas para as suprir, de modo a evitar a repetição desses casos. Não se trata de "legislar para o caso concreto", aliás já ocorrido, mas sim para prevenir casos idênticos no futuro (e puni-los, caso ocorram). Ora. em todas as precedentes situações referidas, as normas adotadas revelam-se equilibradas e prudentes e o mesmo se espera agora da regulação do "nepotismo", sendo já conhecidas as propostas do PS sobre o assunto.
Tal como na vida privada, os políticos não podem ser acusados por não terem cão e por o adquirirem, depois de um assalto.
Pelo contrário: o que não se compreenderia era que, verificadas falhas de previsão regulamentar, não se tomassem medidas para as suprir, de modo a evitar a repetição desses casos. Não se trata de "legislar para o caso concreto", aliás já ocorrido, mas sim para prevenir casos idênticos no futuro (e puni-los, caso ocorram). Ora. em todas as precedentes situações referidas, as normas adotadas revelam-se equilibradas e prudentes e o mesmo se espera agora da regulação do "nepotismo", sendo já conhecidas as propostas do PS sobre o assunto.
Tal como na vida privada, os políticos não podem ser acusados por não terem cão e por o adquirirem, depois de um assalto.
Vontade popular (1): Fragmentação política
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Vital Moreira
1. Nas eleições parlamentares finlandesas, a vitória do Partido Social-Democrata foi conseguida com menos de 18% dos votos e cerca de 1/5 dos mandatos!
Este resultado testemunha a fragmentação da paisagem política na Europa e a perda de apoio eleitoral das duas famílias políticas tradicionais, nomeadamente o centro-direita e o centro-esquerda, em consequência da emergência de novas forças políticas à esquerda e à direita, incluindo uma direita xenófoba, anti-imigração. O sistema eleitoral proporcional ajuda essa fragmentação.
2. Sendo de saudar a vitória à justa da social-democracia, que estava afastada do poder há muitos anos, é de registar, porém, o segund lugar da direita nacionalista dos "Verdadeiros Finlandeses", somente com um deputado a menos.
Complicada vai ser a formação do Governo, que vai necessitar de uma coligação de vários partidos para assegurar uma maioria parlamentar. Assim vai, com vida complicada, a democracia parlamentar europeia.
Este resultado testemunha a fragmentação da paisagem política na Europa e a perda de apoio eleitoral das duas famílias políticas tradicionais, nomeadamente o centro-direita e o centro-esquerda, em consequência da emergência de novas forças políticas à esquerda e à direita, incluindo uma direita xenófoba, anti-imigração. O sistema eleitoral proporcional ajuda essa fragmentação.
2. Sendo de saudar a vitória à justa da social-democracia, que estava afastada do poder há muitos anos, é de registar, porém, o segund lugar da direita nacionalista dos "Verdadeiros Finlandeses", somente com um deputado a menos.
Complicada vai ser a formação do Governo, que vai necessitar de uma coligação de vários partidos para assegurar uma maioria parlamentar. Assim vai, com vida complicada, a democracia parlamentar europeia.
Euroeleições 2019 (10): O mesmo do costume?
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Vital Moreira
Tinha a ilusão de que, por causa do Brexit e dos demais problemas com que a UE se defronta, o debate político nesta eleições europeias poderia centrar-se, pela primeira vez, justamente sobre temas europeus e sobre os projetos e as políticas europeias defendidas por cada partido concorrente.
Tenho de admitir que o começo na pré-campanha não é muito animador a esse respeito, pelo contrário. Quando a oposição pede um cartão vermelho ao Governo e este reage com o pedido de uma moção de confiança ao eleitorado, há, de novo, o risco de "nacionalização" das eleições europeias, travadas em torno de questões políticas nacionais. Enquanto isso, as forças antieuropeístas sentem-se livres para a sua luta contra a União...
Tenho de admitir que o começo na pré-campanha não é muito animador a esse respeito, pelo contrário. Quando a oposição pede um cartão vermelho ao Governo e este reage com o pedido de uma moção de confiança ao eleitorado, há, de novo, o risco de "nacionalização" das eleições europeias, travadas em torno de questões políticas nacionais. Enquanto isso, as forças antieuropeístas sentem-se livres para a sua luta contra a União...
Estado social (6): Empurrar com a barriga
Publicado por
Vital Moreira
1. Sem grande surpresa, um estudo académico vem mostrar que o sistema de pensões nacional vai entrar em défice daqui a 10 anos, essencialmente por causa de demografia desfavorável. Das três soluções teoricamente possíveis para repor o equilíbrio financeiro do sistema de pensões - reduzir o valor das pensões, aumentar as contribuições ou aumentar a idade da aposentação - , o referido estudo prefere a terceira.
Mesmo sem colocarem em causa as conclusões do estudo quanto ao previsto desequilíbrio financeiro do sistema de pensões, a solução aventada foi imediatamente rejeitada tanto pelo Governo como pelos partidos de esquerda e pelas centrais sindicais, sendo, aliás, evidente que a reação negativa ainda seria maior se o estudo tivesse manifestado preferência por qualquer das outras duas soluções.
2. Levantada esta questão num ano eleitoral, não existem obvimente condições neste momento para um debate minimamente sereno e desapaixonado. Todavia, é de recear que o estudo fique rapidamente esquecido e que prevaleça a atitude, na boa tradição política nacional, de esquecer o assunto numa gaveta enquanto os riscos não se concretrizarem.
Estando a economia a crescer desde há cinco anos, com a inerente subida das receitas contributivas, a tendência vai ser esperar que a economia continue a crescer indefinidamente até que uma recessão venha exigir o recurso a transferências orçamentais, colocando os impostos de todos a subvencionar as pensões.
Mesmo sem colocarem em causa as conclusões do estudo quanto ao previsto desequilíbrio financeiro do sistema de pensões, a solução aventada foi imediatamente rejeitada tanto pelo Governo como pelos partidos de esquerda e pelas centrais sindicais, sendo, aliás, evidente que a reação negativa ainda seria maior se o estudo tivesse manifestado preferência por qualquer das outras duas soluções.
2. Levantada esta questão num ano eleitoral, não existem obvimente condições neste momento para um debate minimamente sereno e desapaixonado. Todavia, é de recear que o estudo fique rapidamente esquecido e que prevaleça a atitude, na boa tradição política nacional, de esquecer o assunto numa gaveta enquanto os riscos não se concretrizarem.
Estando a economia a crescer desde há cinco anos, com a inerente subida das receitas contributivas, a tendência vai ser esperar que a economia continue a crescer indefinidamente até que uma recessão venha exigir o recurso a transferências orçamentais, colocando os impostos de todos a subvencionar as pensões.
Não dá para entender (12): Oportunismo político
Publicado por
Vital Moreira
Não dá para entender como é que o PSD converge com a extrema-esquerda parlamentar no que respeita à recuperação integral do congelamento da carreira do professores durante a crise, sabendo que isso implicará um enorme esforço orçmental (mais de 600 milhões por ano!) e que (mais importante) se trata de uma vantagem injusta, quando comparada com outras carreiras na função pública.
Ora, mesmo com eleições à vista, não pode valer tudo para conquistar votos, sob pena de pedestre oportunismo político. Além disso, ao aprovar um medida de tão grande impacto orçamental (direto e indireto), mesmo que não concentrado num único ano, o PSD deixa entender que não conta ganhar as eleições de outubro nem vir a governar nos próximos anos, preferindo dificultar desde já a vida do próximo Governo do PS...
Ora, mesmo com eleições à vista, não pode valer tudo para conquistar votos, sob pena de pedestre oportunismo político. Além disso, ao aprovar um medida de tão grande impacto orçamental (direto e indireto), mesmo que não concentrado num único ano, o PSD deixa entender que não conta ganhar as eleições de outubro nem vir a governar nos próximos anos, preferindo dificultar desde já a vida do próximo Governo do PS...
domingo, 14 de abril de 2019
O que o Presidente não deve fazer (19): Ingerência no poder legislativo
Publicado por
Vital Moreira
1. Ao entregar ao Governo um anteprojeto de diploma sobre a proibição do "nepotismo" (nomeação de familiares) em Belém, o Presidente da República foi mais longe do que antes na interferência presidencial no poder legislativo, exercendo de facto um poder de iniciativa legislativa que lhe não compete.
Constitucionalmente, o PR só intervém no poder legislativo a posteriori, através da promulgação, ou recusa da mesma, uma vez terminado o procedimento e tomada a decisão pelos órgãos legislativos competentes. Não faz sentido que o PR intervenha a montante, seja para desencadear um procedimento legislativo, seja para influenciar concretamente a formação das leis.
2. Acresce que no caso concreto o Presidente já tinha sinalizado o seu apoio público à posição do Governo sobre a necessidade de uma intervenção legislativa a regular a matéria, bem como o seu interesse em nela abranger a presidência da República (como, aliás, sempre deveria ser). Não era necessário nem se justificava ir mais além, incluindo um projeto normativo de pormenor, condicionando o parlamento sobre o assunto.
O princípio constitucional da separação de poderes exige que cada um dos "órgãos de soberania" respeite a autonomia e as atribuições próprias dos outros.
Constitucionalmente, o PR só intervém no poder legislativo a posteriori, através da promulgação, ou recusa da mesma, uma vez terminado o procedimento e tomada a decisão pelos órgãos legislativos competentes. Não faz sentido que o PR intervenha a montante, seja para desencadear um procedimento legislativo, seja para influenciar concretamente a formação das leis.
2. Acresce que no caso concreto o Presidente já tinha sinalizado o seu apoio público à posição do Governo sobre a necessidade de uma intervenção legislativa a regular a matéria, bem como o seu interesse em nela abranger a presidência da República (como, aliás, sempre deveria ser). Não era necessário nem se justificava ir mais além, incluindo um projeto normativo de pormenor, condicionando o parlamento sobre o assunto.
O princípio constitucional da separação de poderes exige que cada um dos "órgãos de soberania" respeite a autonomia e as atribuições próprias dos outros.
quinta-feira, 11 de abril de 2019
Dinheiro Vivo (10): Advogados deputados
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Vital Moreira
Aqui está o cabeçalho da minha coluna do fim de semana passado no Dinheiro Vivo, o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, desta vez sobre a controversa questão da forte presença de advogados de negócios no parlamento, glosando posts anteriormente publicados aqui e aqui no Causa Nossa.
quarta-feira, 10 de abril de 2019
Euroeleições (10): Em tempo de Brexit
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Vital Moreira
1. Depois de amanhã, sexta-feira, pelas 11:00 na FDUC, vou participar neste colóquio sobre as eleições europeias no final de maio, inicialmente marcadas para ocorrerem já sem a participação do Reino Unido, mas que ainda podem ter de se realizar na Grã-Bretanha, se o incrível e inesperado novelo político do Brexit em Londres não tiver um desenlace nas próximas semanas - o que ninguém pode antecipar.
Ora, não é a mesma coisa!
2. Por mim, que lamento a saída britânica, que constitui uma perda para a União Europeia (e uma perda ainda maior para o próprio Reino Unido), preferia que ainda organizassem as eleições europeias, em que os partidos britânicos e os candidatos teriam de assumir claramente as suas posições definitivas sobre o próprio Brexit, podendo levar a um novo referendo para reverter o primeiro.
Não sendo, em princípio, favorável ao recurso a referendos, em geral, o caso do Brexit - em, que se votou a saída sem haver a mínima ideia sobre o modo de a efetuar! - só reforça a minha posição de crescente reserva referendária, desde logo em matérias à partida complexas.
Ora, não é a mesma coisa!
2. Por mim, que lamento a saída britânica, que constitui uma perda para a União Europeia (e uma perda ainda maior para o próprio Reino Unido), preferia que ainda organizassem as eleições europeias, em que os partidos britânicos e os candidatos teriam de assumir claramente as suas posições definitivas sobre o próprio Brexit, podendo levar a um novo referendo para reverter o primeiro.
Não sendo, em princípio, favorável ao recurso a referendos, em geral, o caso do Brexit - em, que se votou a saída sem haver a mínima ideia sobre o modo de a efetuar! - só reforça a minha posição de crescente reserva referendária, desde logo em matérias à partida complexas.
Laicidade (7): Basta de farisaísmo!
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Vital Moreira
1. A encomenda de missas por parte de escolas públicas constitui sempre uma violação qualificada da laicidade constitucional do Estado.
Aliás, duplamente:
- porque, existindo separação entre o Estado e as religiões, as entidades públicas não podem obviamente convocar cerimónias religiosas, por estarem fora do seu objeto;
- porque, conferindo essas iniciativas um privilégio à religião católica, existe violação da igualdade religiosa dos cidadãos em geral e dos crentes de outras religiões em especial.
Custa a crer que isto possa ser ignorado de boa-fé.
2. É lamentável, e inaceitável, que o Ministério da Educação (de um Governo do PS!) manifeste complacência com a celebração das missas por iniciativa das escolas, com a invocação de que isso cabe na sua autonomia de gestão e desde que as missas não sejam obrigatórias (também era o que faltava!).
Mas não é nada assim. As escolas não podem ter liberdade nem autonomia para cometer atos ilícitos, infringindo princípios constitucionais fundamentais, que vinculam diretamente a Administração pública, por mais autonomia de que goze. As escolas não podem mandar celebrar missas, pela mesma razão de que não podem mandar instalar crucifixos nas paredes das escolas nem mandar rezar uma oração nas aulas.
3. Estas cerimónias religiosas por iniciativa de escolas públicas (e outras entidades públicas) são tanto mais indesculpáveis, quando é certo que aquelas podem realizar-se na mesma, por iniciativa de grupos de crentes (no caso, por associações de pais ou de alunos), não havendo nenhuma infração na simples cedência do recinto das instalações da escola, desde que em condições de igualdade em relação a outras religiões.
É mesmo a vontade de afrontar deliberadamente a laicidade constitucional.
4. Perante a sucessão de casos destes não é menos indesculpável a inércia do Ministério Público, que, tendo a incumbência constitucional e legal de defender a legalidade democrática, tem a obrigação de utilizar os meios que a justiça administrativa coloca ao seu alcance para fazer cessar tais atropelos constitucionais.
A sua ostensiva passividade perante casos de flagrante infração, como estes, envolve uma implícita corresponsabilidade institucional passiva.
Adenda
Há quem invoque a "liberdade" das escolas para legitimar as missas, mas trata-se de um equívoco elementar. Não é preciso estudar direito constitucional para perceber que num Estado laico as instituições públicas não gozam de liberdade religiosa, o que seria uma contradição nos termos. Como é bom de ver, só as pessoas e as próprias instituições religiosas são titulares da liberdade religiosa.
Aliás, duplamente:
- porque, existindo separação entre o Estado e as religiões, as entidades públicas não podem obviamente convocar cerimónias religiosas, por estarem fora do seu objeto;
- porque, conferindo essas iniciativas um privilégio à religião católica, existe violação da igualdade religiosa dos cidadãos em geral e dos crentes de outras religiões em especial.
Custa a crer que isto possa ser ignorado de boa-fé.
2. É lamentável, e inaceitável, que o Ministério da Educação (de um Governo do PS!) manifeste complacência com a celebração das missas por iniciativa das escolas, com a invocação de que isso cabe na sua autonomia de gestão e desde que as missas não sejam obrigatórias (também era o que faltava!).
Mas não é nada assim. As escolas não podem ter liberdade nem autonomia para cometer atos ilícitos, infringindo princípios constitucionais fundamentais, que vinculam diretamente a Administração pública, por mais autonomia de que goze. As escolas não podem mandar celebrar missas, pela mesma razão de que não podem mandar instalar crucifixos nas paredes das escolas nem mandar rezar uma oração nas aulas.
3. Estas cerimónias religiosas por iniciativa de escolas públicas (e outras entidades públicas) são tanto mais indesculpáveis, quando é certo que aquelas podem realizar-se na mesma, por iniciativa de grupos de crentes (no caso, por associações de pais ou de alunos), não havendo nenhuma infração na simples cedência do recinto das instalações da escola, desde que em condições de igualdade em relação a outras religiões.
É mesmo a vontade de afrontar deliberadamente a laicidade constitucional.
4. Perante a sucessão de casos destes não é menos indesculpável a inércia do Ministério Público, que, tendo a incumbência constitucional e legal de defender a legalidade democrática, tem a obrigação de utilizar os meios que a justiça administrativa coloca ao seu alcance para fazer cessar tais atropelos constitucionais.
A sua ostensiva passividade perante casos de flagrante infração, como estes, envolve uma implícita corresponsabilidade institucional passiva.
Adenda
Há quem invoque a "liberdade" das escolas para legitimar as missas, mas trata-se de um equívoco elementar. Não é preciso estudar direito constitucional para perceber que num Estado laico as instituições públicas não gozam de liberdade religiosa, o que seria uma contradição nos termos. Como é bom de ver, só as pessoas e as próprias instituições religiosas são titulares da liberdade religiosa.
terça-feira, 9 de abril de 2019
Concordo (8): Recenseamento étnico
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Vital Moreira
Estou inteiramente de acordo com a inclusão de uma questão sobre a identidade étnico-racial no próximo recenseamento geral da população, em 2021, como elemento de informação essencial ao conhecimento sociológico do País e ao desenho de políticas públicas de combate ao racismo e à discriminação ética.
Nem sequer dá para perceber a oposição de algumas associações representativas das principais minorias étnicas entre nós. Com resposta anónima e facultativa, não se vê que perigo é que essa questão pode oferecer, para além de as respostas poderem ajudar a rever os esteriótipos dominantes acerca das condições de vida dessas minorias e da visão que elas têm de si mesmas na sociedade portuguesa.
Nem sequer dá para perceber a oposição de algumas associações representativas das principais minorias étnicas entre nós. Com resposta anónima e facultativa, não se vê que perigo é que essa questão pode oferecer, para além de as respostas poderem ajudar a rever os esteriótipos dominantes acerca das condições de vida dessas minorias e da visão que elas têm de si mesmas na sociedade portuguesa.
Aplauso (10 ): Dá gosto ouvir
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Vital Moreira
Um forte aplauso para o novo programa de Gabriela Canavilhas na Antena 2, O Ar do Tempo, que veio enriquecer a oferta da rádio pública de música "clássica". Uma bem-sucedida combinação de saber, sensibilidade, versatilidade e comunicabilidade (incluindo uma dicção rigorosa, quase isenta dos tropos fonéticos do "dialeto lisboês", o que vai sendo raro, mesmo na comunicação erudita...)
Para além do muito que se aprende, dá imenso gosto ouvir. É caso para dizer que valeu a pena deixar a atividade política...
Para além do muito que se aprende, dá imenso gosto ouvir. É caso para dizer que valeu a pena deixar a atividade política...
Ai, Portugal ! (1): Dualismo territorial aprofunda-se
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Vital Moreira
1. Enquanto nas áreas metropolitanas e no litoral em geral, os preços das casas dispararam nos últimos anos, mercê da pressão da procura nacional e estrangeira, em muitos concelhos do interior os preços do imobiliário continuam estagnados ou mesmo a descer, como informa o JN de ontem.
Não poderia haver melhor prova do dualismo económico e sociológico do País, apesar do discurso político e das estratégias de "coesão territorial" e de "dinamização do interior".
2. Desde que, há meio século, A. Sedas Nunes analisou Portugal em termos de "sociedade dualista" - entre o litoral desenvolvido e o interior deprimido -, os indicadores económicos e sociais nacionais mudaram muito, para muito melhor, mas não a estrutura territorial assimétrica que eles revelam -, que, aliás, só se aprofundou.
As políticas públicas continuam a favorecer sistematicamente os grandes centros urbanos, e em especial as duas áreas metropolitanas, como ainda recentemente sucedeu com os programas nacionais de subvenção dos transportes urbanos e de construção de residências universitárias.
Sediado no litoral, sobretudo nas duas áreas metropolitanas, o poder económico, político e mediático autorreproduz-se territorialmente, fagocitando tudo à volta. Na ausência de medidas de discriminação territorial positiva eficazes, trata-se de um verdadeiro círculo vicioso.
segunda-feira, 8 de abril de 2019
Praça da República (20): Família e política - é preciso distinguir
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Vital Moreira
1. Continua a reinar uma enorme confusão de conceitos no que respeita às relações familiares no âmbito do Governo e nas nomeações governamentais, misturando o que não deve ser confundido.
Importa, em primeiro lugar, distinguir entre (i) "endogamia" (que tem a ver com o critério de seleção dos cargos políticos) e (ii) "nepotismo" (que consiste na nomeação de familiares do próprio titular de cargos políticos). Em segundo lugar, quanto ao segundo, há que separar (i) as nomeações para cargos políticos (como os ministros e outros membros do Governo) e outros cargos públicos de confiança política e (ii) as nomeações de funcionários ou equiparados (como os membros de gabinetes ministeriais e outros). Por último, cumpre distinguir entre (i) o que deve ser proibido como ilícito por via de lei (incompatibilidades e impedimentos) e (ii) o que deve ser autorregulado por via de códigos deontológicos.
Como tenho insistido, o pior que pode suceder é deixar estas matérias sem regulação, ao critério do "bom senso" de cada um, que é o terreno mais fértil para a demagogia política e populismo mediático.
2. Quanto à chamada "endogamia política" - que tem a ver com o relativo "fechamento" do círculo de recrutamento dos titulares de cargos políticos (dirigentes partidários, governantes, deputados, autarcas, etc.) -, isso deve ser deixado ao livre jogo político, ao livre juízo da opinião pública e à responsabilidade política. O facto de haver familiares na vida política (cônjuges, pais e filhos, irmãos, etc.) não é suscetível de condenação, salvo, obviamente, se se nomearem uns aos outros.
O burburinho condenatório que se tem feito a esse propósito não tem nenhum fundamento, sendo um subproduto demagógico da anomia legal e deontológica acima referida.
3. Quanto ao nepotismo na nomeação para os próprios cargos políticos e outros cargos públicos equiparados, a Constituição prevê incompatibilidades, mas remete para lei a sua enunciação, a qual, porém, não proíbe explicitamente a nomeação de familiares.
Ora, ainda que não seja usual tal tipo de nomeações entre nós, era conveniente que a lei proibisse expressamente a nomeação de familiares próximos (a definir), com as respetivas sanções (nulidade da nomeação e sanções pecuniárias, ou mesmo a demissão, para o nomeante), aplicadas pela autoridade da transparência que agora se prevê criar junto do Tribunal Constitucional.
4. Quanto ao nepotismo na nomeação de colaboradores ou de outros funcionários por parte dos titulares de cargos públicos, ela está coberta pelo princípio constitucional da imparcialidade da Administração pública e já existe a norma dos impedimentos do art. 69º Código de Procedimento Administrativo, interpretada extensivamente, que exclui os cônjuges (ou equiparados), os ascendentes e descendentes e os irmãos, bem como os afins correspondentes (sogros e enteados, cunhados, genros e noras).
Como já escrevi anteriormente, penso que esta cobertura é hoje exígua e que devia ser ampliada aos parentes e afins até ao terceiro grau de parentesco (tios, sobrinhos).
5. Como também já escrevi, para além das incompatibilidades e impedimentos mínimos estabelecidos por lei, a ética política pode ser mais exigente, abrangendo um círculo de familiares maior, bem como os familiares próximos de outros membros do mesmo órgão político (por ex. de outros membros do Governo), ou até de outro, de que aquele dependa (por ex. de deputados).
O lugar apropriado para enunciar e punir estes impedimentos deontológicos não é, porém, a lei, mas sim os códigos de conduta internos de cada órgão (governos, câmaras municipais, Assembleia da República, etc.),a títulço de "responsabilidade ética".
Adenda
Não acompanho o Presidente da República, quando este defende que basta mexer na referida norma do CPA. Primeiro, os impedimentos legais nunca podem ir além do mínimo necessário; segundo, na atual situação todos os partidos de oposição preferem explorar a indefinição legal para zurzir no Governo. Por isso, defendo que, independemente de proposta legislativa, o Governo deveria - quanto antes, melhor -, "matar" a questão por via de uma aditamento ao seu próprio código de conduta.
Importa, em primeiro lugar, distinguir entre (i) "endogamia" (que tem a ver com o critério de seleção dos cargos políticos) e (ii) "nepotismo" (que consiste na nomeação de familiares do próprio titular de cargos políticos). Em segundo lugar, quanto ao segundo, há que separar (i) as nomeações para cargos políticos (como os ministros e outros membros do Governo) e outros cargos públicos de confiança política e (ii) as nomeações de funcionários ou equiparados (como os membros de gabinetes ministeriais e outros). Por último, cumpre distinguir entre (i) o que deve ser proibido como ilícito por via de lei (incompatibilidades e impedimentos) e (ii) o que deve ser autorregulado por via de códigos deontológicos.
Como tenho insistido, o pior que pode suceder é deixar estas matérias sem regulação, ao critério do "bom senso" de cada um, que é o terreno mais fértil para a demagogia política e populismo mediático.
2. Quanto à chamada "endogamia política" - que tem a ver com o relativo "fechamento" do círculo de recrutamento dos titulares de cargos políticos (dirigentes partidários, governantes, deputados, autarcas, etc.) -, isso deve ser deixado ao livre jogo político, ao livre juízo da opinião pública e à responsabilidade política. O facto de haver familiares na vida política (cônjuges, pais e filhos, irmãos, etc.) não é suscetível de condenação, salvo, obviamente, se se nomearem uns aos outros.
O burburinho condenatório que se tem feito a esse propósito não tem nenhum fundamento, sendo um subproduto demagógico da anomia legal e deontológica acima referida.
3. Quanto ao nepotismo na nomeação para os próprios cargos políticos e outros cargos públicos equiparados, a Constituição prevê incompatibilidades, mas remete para lei a sua enunciação, a qual, porém, não proíbe explicitamente a nomeação de familiares.
Ora, ainda que não seja usual tal tipo de nomeações entre nós, era conveniente que a lei proibisse expressamente a nomeação de familiares próximos (a definir), com as respetivas sanções (nulidade da nomeação e sanções pecuniárias, ou mesmo a demissão, para o nomeante), aplicadas pela autoridade da transparência que agora se prevê criar junto do Tribunal Constitucional.
4. Quanto ao nepotismo na nomeação de colaboradores ou de outros funcionários por parte dos titulares de cargos públicos, ela está coberta pelo princípio constitucional da imparcialidade da Administração pública e já existe a norma dos impedimentos do art. 69º Código de Procedimento Administrativo, interpretada extensivamente, que exclui os cônjuges (ou equiparados), os ascendentes e descendentes e os irmãos, bem como os afins correspondentes (sogros e enteados, cunhados, genros e noras).
Como já escrevi anteriormente, penso que esta cobertura é hoje exígua e que devia ser ampliada aos parentes e afins até ao terceiro grau de parentesco (tios, sobrinhos).
5. Como também já escrevi, para além das incompatibilidades e impedimentos mínimos estabelecidos por lei, a ética política pode ser mais exigente, abrangendo um círculo de familiares maior, bem como os familiares próximos de outros membros do mesmo órgão político (por ex. de outros membros do Governo), ou até de outro, de que aquele dependa (por ex. de deputados).
O lugar apropriado para enunciar e punir estes impedimentos deontológicos não é, porém, a lei, mas sim os códigos de conduta internos de cada órgão (governos, câmaras municipais, Assembleia da República, etc.),a títulço de "responsabilidade ética".
Adenda
Não acompanho o Presidente da República, quando este defende que basta mexer na referida norma do CPA. Primeiro, os impedimentos legais nunca podem ir além do mínimo necessário; segundo, na atual situação todos os partidos de oposição preferem explorar a indefinição legal para zurzir no Governo. Por isso, defendo que, independemente de proposta legislativa, o Governo deveria - quanto antes, melhor -, "matar" a questão por via de uma aditamento ao seu próprio código de conduta.
domingo, 7 de abril de 2019
Geringonça (18): Voltar atrás
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Vital Moreira
1. Sem que tal medida estivesse no programa do Governo, o PS e os demais partidos da esquerda parlamentar aprovaram o retorno da Casa do Douro ao estatuto de associação de direito público, como instituição de representação oficial e defesa dos interesses da vitivinicultura duriense, com inscrição e quotização obrigatória de toda a classe, revertendo a reconversão institucional determinada pelo anterior Governo.
Embora possa ser um exagero dizer que se voltou à "organização salazarista" do vinho do Porto, como afirma Manuel Carvalho no editorial do Público de ontem, e não seja de excluir à partida o regresso ao estatuto da Casa do Douro anterior a 2014, isso suscita duas questões complicadas:
- primeiro, o estatuto de associação pública profissional supõe o desempenho de atribuições públicas suficientemente relevantes para justificar a criação legal de uma "corporação pública" e o afastamento da liberdade de associação, o que não parece ser o caso, pois a nova Casa do Douro não dispõe de nenhum poder de autoridade;
- a representação da vitivinicultura por uma associação oficial unicitária e obrigatória, sem paralelo em nenhuma outra região demarcada, introduz uma óbvia assimetria em relação à representação profissional dos comerciantes/exportadores no conselho interprofissional de representação paritária de corregulação dos vinhos do Porto e do Douro.
2. Além disso, o novo estatuto oficial da CdD recupera alguns traços dos antigos "grémios corporativos" - como a competência para "desenvolver atividade comercial no domínio dos fatores de produção ligados à agricultura" e de "representar os associados (...) em convenções coletivas de trabalho" -, manifestamente conflituantes com a ordem constitucional vigente.
Não é fácil, em geral, acomodar a existência de entidades públicas de representação profissional numa ordem constitucional liberal-democrática, como se verifica desde logo com as ordens profissionais. Mais problemáticas se tornam ainda quando elas assumem poderes que só podem caber a entidades privadas, como é o caso.
Adenda
Um leitor objeta que, se a Casa do Douro persistiu como entidade pública na atual ordem constitucional entre 1976 e 2014, não vê razão para não voltar a ter o mesmo estatuto. Há algumas importantes diferenças, porém: (i) nessa altura a CdD não deixou de exercer alguns poderes públicos de regulação, que poderiam justificar a sua existência como entidade oficial; (ii) parece manifesto que esse estatuto não proporcionou à CdD um desempenho especialmente bem-sucedido; (iii) uma coisa é manter uma instituição por inércia, apesar de problemática, e outra coisa é repristiná-la depois de extinta, num modelo ainda mais problemático.
Adenda 2
Outro leitor lamenta que a Casa do Douro, património histórico coletivo da vitivinicultura duriense, acabe nas mãos de uma associação privada de representação profissional. Mas não tem de ser assim. Por exemplo, poderia ser transformada num instituto de investigação sobre o Douro, afeto à UTAD.
Adenda 3 (9/4)
Defendendo a solução legislativa adotada, o deputado Ascenso Simões - cujo desempenho parlamentar, empenhamento cívico e frontalidade política admiro - não afasta, porém, nenhuma das reservas que acima suscitei. Para uma lei ser boa não basta ter o acordo dos interessados e beneficiários.
Embora possa ser um exagero dizer que se voltou à "organização salazarista" do vinho do Porto, como afirma Manuel Carvalho no editorial do Público de ontem, e não seja de excluir à partida o regresso ao estatuto da Casa do Douro anterior a 2014, isso suscita duas questões complicadas:
- primeiro, o estatuto de associação pública profissional supõe o desempenho de atribuições públicas suficientemente relevantes para justificar a criação legal de uma "corporação pública" e o afastamento da liberdade de associação, o que não parece ser o caso, pois a nova Casa do Douro não dispõe de nenhum poder de autoridade;
- a representação da vitivinicultura por uma associação oficial unicitária e obrigatória, sem paralelo em nenhuma outra região demarcada, introduz uma óbvia assimetria em relação à representação profissional dos comerciantes/exportadores no conselho interprofissional de representação paritária de corregulação dos vinhos do Porto e do Douro.
2. Além disso, o novo estatuto oficial da CdD recupera alguns traços dos antigos "grémios corporativos" - como a competência para "desenvolver atividade comercial no domínio dos fatores de produção ligados à agricultura" e de "representar os associados (...) em convenções coletivas de trabalho" -, manifestamente conflituantes com a ordem constitucional vigente.
Não é fácil, em geral, acomodar a existência de entidades públicas de representação profissional numa ordem constitucional liberal-democrática, como se verifica desde logo com as ordens profissionais. Mais problemáticas se tornam ainda quando elas assumem poderes que só podem caber a entidades privadas, como é o caso.
Adenda
Um leitor objeta que, se a Casa do Douro persistiu como entidade pública na atual ordem constitucional entre 1976 e 2014, não vê razão para não voltar a ter o mesmo estatuto. Há algumas importantes diferenças, porém: (i) nessa altura a CdD não deixou de exercer alguns poderes públicos de regulação, que poderiam justificar a sua existência como entidade oficial; (ii) parece manifesto que esse estatuto não proporcionou à CdD um desempenho especialmente bem-sucedido; (iii) uma coisa é manter uma instituição por inércia, apesar de problemática, e outra coisa é repristiná-la depois de extinta, num modelo ainda mais problemático.
Adenda 2
Outro leitor lamenta que a Casa do Douro, património histórico coletivo da vitivinicultura duriense, acabe nas mãos de uma associação privada de representação profissional. Mas não tem de ser assim. Por exemplo, poderia ser transformada num instituto de investigação sobre o Douro, afeto à UTAD.
Adenda 3 (9/4)
Defendendo a solução legislativa adotada, o deputado Ascenso Simões - cujo desempenho parlamentar, empenhamento cívico e frontalidade política admiro - não afasta, porém, nenhuma das reservas que acima suscitei. Para uma lei ser boa não basta ter o acordo dos interessados e beneficiários.
sábado, 6 de abril de 2019
Dinheiro Vivo (9): A ilusão do IRS
Publicado por
Vital Moreira
Eis o cabeçalho do meu artigo de há uma semana no Dinheiro Vivo - suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, contestando a ideia de que uma elevada taxa marginal de IRS constitui, só por si, o principal instrumento de redução da desigualdade de rendimentos.
É de acrescentar que, sendo Portugal um dos países com mais elevado IRS para altos rendimentos na União Europeia (em paridade de poder de compra), devia apresentar menor desigualdade de rendimentos, o que está longe de ser o caso...
É de acrescentar que, sendo Portugal um dos países com mais elevado IRS para altos rendimentos na União Europeia (em paridade de poder de compra), devia apresentar menor desigualdade de rendimentos, o que está longe de ser o caso...
Praça da República (19): É preciso normas, em vez de "bom senso"
Publicado por
Vital Moreira
1. Não podia discordar mais desta tese, ultimamente defendida por alguns políticos e comentadores, de que em matéria de nomeações de familiares por governantes basta o bom-senso e que este "não se legisla".
O problema é que não existe nenhum consenso sobre o que constitui bom-senso neste assunto, bastando mencionar a enorme diferença de posições defendidas a este propósito nas últimas semanas. Numa matéria sujeita às paixões políticas o bom-senso mede-se pelo critério de cada um.
Ora, nesta matéria o que se exige é clareza, para se saber o que é ou não admitido.
2. De resto, a experiência comparada em muitos países mostra que os impedimentos quanto à nomeação de familiares de governantes e equiparados constam de lei e/ou de códigos de conduta, o que confere certeza e evita especulações indevidas. O que importa é que as regras sejam públicas e o seu incumprimento sancionado.
Num post anterior adiantei a minha própria proposta, conjugando um círculo de nomeações proibidas (de familiares mais próximos) e outro de nomeações suscetíveis de censura ética (de familiares menos próximos e de familiares de outros membros do Governo ou de deputados). Como é bom de ver, o primeiro círculo tanto pode constar de lei como de código de conduta, enquanto o segundo só pode ser objeto de código de conduta.
Adenda
Penso que, em vez de remeter para a AR uma solução legislativa sobre as nomeações de familiares para funções de confiança política, protelando a resolução do assunto, António Costa faria melhor em "varrer a sua testada" quanto antes melhor, através de um aditamento ao código de conduta governamental, atalhando o risco de a questão de manter na agenda política, com os exageros que a falta de clarificação normativa proporciona à demagogia reinante.
O problema é que não existe nenhum consenso sobre o que constitui bom-senso neste assunto, bastando mencionar a enorme diferença de posições defendidas a este propósito nas últimas semanas. Numa matéria sujeita às paixões políticas o bom-senso mede-se pelo critério de cada um.
Ora, nesta matéria o que se exige é clareza, para se saber o que é ou não admitido.
2. De resto, a experiência comparada em muitos países mostra que os impedimentos quanto à nomeação de familiares de governantes e equiparados constam de lei e/ou de códigos de conduta, o que confere certeza e evita especulações indevidas. O que importa é que as regras sejam públicas e o seu incumprimento sancionado.
Num post anterior adiantei a minha própria proposta, conjugando um círculo de nomeações proibidas (de familiares mais próximos) e outro de nomeações suscetíveis de censura ética (de familiares menos próximos e de familiares de outros membros do Governo ou de deputados). Como é bom de ver, o primeiro círculo tanto pode constar de lei como de código de conduta, enquanto o segundo só pode ser objeto de código de conduta.
Adenda
Penso que, em vez de remeter para a AR uma solução legislativa sobre as nomeações de familiares para funções de confiança política, protelando a resolução do assunto, António Costa faria melhor em "varrer a sua testada" quanto antes melhor, através de um aditamento ao código de conduta governamental, atalhando o risco de a questão de manter na agenda política, com os exageros que a falta de clarificação normativa proporciona à demagogia reinante.
Lisbon first (17): "Buraco negro"
Publicado por
Vital Moreira
Não poderia caracterizar melhor a macrocefalia nacional de Lisboa, que aqui tantas vezes tenho denunciado, do que o CEO da Critical Software, Gonçalo Quadros, quando escreve que somos um país “fortemente assimétrico […] vergonhosamente centrado em Lisboa. Lisboa é um buraco negro. Tem atraído tudo e mais alguma coisa, o que tem ajudado a que uma espécie de deserto prospere numa parte importante do país”.
De facto!
De facto!
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