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Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quinta-feira, 9 de setembro de 2021
terça-feira, 7 de setembro de 2021
Bicentenário da Revolução Liberal (34): Ferreira Borges
Acaba de ser publicado o último volume da trilogia sobre a Revolução Liberal de que sou coautor (junto com José Domingues), desta vez dedicado à vida e obra política de José Ferreira Borges, eminente protagonista da Revolução: cofundador do Sinédrio, estratego operacional da sublevação de 24 de agosto, membro do governo provisório, deputado às Cortes Constituintes.
O livro vem colmatar uma importante lacuna historiográfica, pois, além de recuperar a biografia política de FB - desde o vintismo (1820-23), passando pela adesão ao cartismo (1826), a luta contra a usurpação miguelista (1828-32) e a rejeição do setembrismo (1836) -, colige e analisa os seus principais escritos políticos e político-constitucionais até ao fim prematuro da sua vida em 1838.
Sem paralelo em nenhum outro revolucionário vintista, a vida e obra de Ferreira Borges testemunha não somente o atribulado e penoso processo de implantação do constitucionalismo liberal em Portugal, mas também a coragem, o denodo e a persistência dos que lhe deram origem.
Praça da República (54): Alhos e bugalhos
Segundo esta notícia, há bancos que pretendem invocar o recente Acórdão do Tribunal Constitucional - sobre a necessidade de autorização judicial para o acesso à correspondência (postal e eletrónica) na investigação do chamado cibercrime - para impugnarem a pesada coima com que foram punidos pela Autoridade da Concorrência, alegadamente com base justamente no correio eletrónico dos bancos em causa.
Mas é evidente que os advogados dos bancos fingem esquecer duas diferenças essenciais:
- primeiro, a correspondência das empresas não goza da proteção constitucional da correspondência pessoal;
- segundo, a investigação e a punição das contraordenações (que não são punidas com prisão) não estão sujeitas aos constrangimentos constitucionais do processo penal.
quinta-feira, 2 de setembro de 2021
Stars and Stripes (7): A herança trumpista
1. Trump foi derrotado nas eleições presidenciais e a direita trumpista perdeu o poder, na Casa Branca e no Capitólio. Mas não no Supremo Tribunal (na imagem) - que também exerce as funções de tribunal constitucional -, onde Trump conseguiu consolidar uma maioria de juízes de direita conservadora (melhor dizendo: reacionária).
O Supremo Tribunal acaba de assestar um profundo golpe num dos pilares da jurisprudência constitucional liberal nos Estados Unidos, a histórica decisão Roe v Wade, de 1973, que reconheceu às mulheres americanas o direito de aborto até à data da "viablidade fetal" (6 meses de gestação). Agora, embora sem se pronunciar diretamente sobre a constitucionalidade da lei, o Supremo Tribunal invocou razões processuais para não impedir a entrada em vigor de uma lei do Texas que proíbe o aborto em qualquer caso para além das seis semanas, tornando-o muito mais difícil, se não inviável, em muitos casos, passando a ser de longe a lei mais restritiva nos Estados Unidos.
2. Com esta decisão, outros estados de maioria republicana vão sentir-se encorajados para adotar leis semelhantes e não tardará o momento em que há de chegar ao Tribunal a impugnação das leis do aborto dos estados mais liberais, havendo o risco de reverter definitivamente a decisão de 1973, objetivo último da direita evangélica e dos movimentos pro life, que pautam a ideologia iliberal em matéria de aborto nos Estados Unidos.
Para piorar as coisas, são escassas as possibilidades de alterar a composição política do Tribunal, visto que os juízes são vitalícios e os magistrados de direita são na sua maioria relativamente jovens.
Uma pesada, e duradoura, herança trumpista.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Não concordo (21): Contra a corrente
Sim, mas... (4): Quando tudo corre de feição
1. Dificilmente as coisas poderiam correr melhor para o PS e o seu governo: a grande pandemia controlada, retoma económica em bom ritmo, crescimento do emprego, cornucópia dos fundos europeus a chegar, PSD sem rumo e fragmentação da direita, extrema-esquerda conformada. Nenhuma nuvem no horizonte.
As sondagens eleitorais refletem essa condições favoráveis. O recente congresso partidário exprimiu esse estado de bem-aventurança política.
2. E, no entanto, as condições e perspetivas favoráveis não deviam fazer esquecer os problemas estruturais do país, nomeadamente o défice de competitividade económica, a excessiva dívida pública, a desigualdade social, a ineficiência da Administração pública, a concentração de recursos em Lisboa e as assimetrias regionais, o risco demográfico, o desafio climático, etc.
Sintomaticamente, no autocongratulatório congresso do PS mal se ouviu falar destes temas.
Stars and Stripes (6): Uma mudança estratégica
Penso que foi uma decisão acertada a retirada americana do Afeganistão, que se tinha tornado há muito um atoleiro sem solução à vista e, para mais, dispendioso. Os Estados Unidos têm novos desafios estratégicos em que empenhar os seus recursos políticos, nomeadamente a competição com a China.
Se há uma lição a tirar, é a de que não compete a nenhuma potência impor a outro país manu militari um regime político ou um modo de vida.
quarta-feira, 14 de julho de 2021
O que o Presidente não deve fazer (27): "Contempt of the Court"
1. O acórdão do Tribunal Constitucional de hoje que, a pedido do Governo, e como se esperava, declara a inconstitucionalidade dos célebres diplomas parlamentares que aumentaram a despesa pública em apoios sociais, à revelia do Governo, não constitui somente uma salutar reafirmação do valor da estabilidade orçamental assegurada pela chamada lei-travão, mas também se traduz numa óbvia derrota política das oposições que aprovaram tais diplomas numa oportunista coligação antigovernamental, assim como do Presidente da República, que as promulgou, com base numa abstrusa "interpretação conforme à Constituição" da sua lavra, sem nenhuma consistência, num exercício fútil de "ficção constitucional".
2. Lamentável é a despropositada reação do Presidente da República a este acórdão, que não só insiste na sua posição rotundamente "chumbada" pelo Tribunal, mas também clama uma "vitória política", com base no argumento de que, mercê da salvaguarda dos efeitos entretanto produzidos pelas referidas leis, decretada pel0 TC (como é usual), conseguiu o que desejava com a promulgação abusiva dos diplomas, ou seja, fazer realizar a referida despesa pública adicional, assim sobrepondo o seu juízo político ao do Governo em matéria de políticas públicas, à custa do atropelo da Constituição. Uma dupla falta!
Ora, no nosso sistema constitucional, quem governa é o Governo e não a AR, nem, muito menos, o PR.
Há uma questão a que o Presidente não se deveria furtar: depois desta incontornável decisão do TC, em futuros casos semelhantes vai ele suscitar a questão preventiva da constitucionalidade ou vai continuar a promulgar tais diplomas, como fez neste caso?
segunda-feira, 12 de julho de 2021
No bicentenário da Revolução Liberal (33) - A primeira lei da liberdade de imprensa
Peça fundamental da Revolução Liberal, a liberdade de imprensa, abolindo a censura prévia das publicações, não era somente uma das liberdades individuais básicas constitucionalmente reconhecidas, mas também um esteio primacial da cidadania e da liberdade política.
Sendo desde então uma instituição essencial do Estado Constitucional, a liberdade de imprensa só foi duradouramente suspensa, com reintrodução da censura administrativa prévia e da proibição de publicações, durante a longa ditadura do chamado "Estado Novo" (1926-1974), para ser restaurada logo após o 25 de Abril, quando o País se reencontrou com a tradição liberal iniciada há dois séculos.
sábado, 19 de junho de 2021
Pandemia (61): Confusionismo deliberado
1. A crónica de hoje de J. M. Tavares no Público sobre a alegada inconstitucionalidade da proibição de entrada e saída da Grande Lisboa e a suposta "desautorização" do Presidente da República é um exercício de confusionismo deliberado.
A saber: (i) a referida medida tem cobertura legal na Lei da Proteção Civil, ao abrigo do "estado de calamidade" declarado nos termos dessa lei; (ii) essa medida não implica suspensão da liberdade de circulação, mas somente a sua restrição, pois os residentes continuam a poder deslocar-se dentro da área delimitada; (iii) para restringir direitos não é necessário declarar o estado de emergência, desde que se trate de restrições previstas em lei, como é o caso; (iv) o estado de emergência foi declarado várias vezes para permitir a efetiva suspensão de vários direitos fundamentais (confinamento domiciliário, encerramento de estabelecimentos, proibição de atos de culto, de reuniões e manifestações, etc.) ou autorizar restrições não previstas em lei.
Por conseguinte, embora haja quem pense diversamente, entendo que a medida em causa não é constitucionalmente ilegítima. De resto, a referida lei não foi constitucionalmente impugnada até agora.
2. É evidente que essa medida se traduz num recuo no processo de desconfinamento, tal como inicialmente programado pelo Governo, a quem compete geri-lo.
Todavia, tal eventualidade sempre esteve em aberto, tendo o Governo tido o cuidado de declarar o "estado de calamidade", para manter todas as hipóteses disponíveis, como lhe compete. De resto, medida idêntica já tinha sido aplicada em Odemira.
Por conseguinte, contra o que defende apressadamente J.M.T., a decisão governamental não implica nenhuma «desautorização» do Presidente da República, desde logo porque não lhe compete comandar o processo de desconfinamento. Pelo contrário: travar a retoma de uma fase aguda da pandemia em pleno verão constitui uma obrigação imperativa do Governo para assegurar que o Presidente não é obrigado a reconsiderar a sua garantia pública de que, no que dele dependesse, não se voltaria atrás quanto à declaração de novo estado de emergência, que só ele pode emitir.
Um leitor observa que a questão da "desautorização" nasceu da formulação equívoca da garantia de "não recuo" por parte do Presidente da República, pois este não precisou que se referia ao estado de emergência, cuja declaração lhe compete, e não ao desconfinamento, que é competência do Governo. Tem razão. Mas o Primeiro-Ministro também podia ter evitado referir o Presidente na sua declaração sobre o recuo no desconfinamento; e este, por sua vez, bem podia e (devia) ter evitado a despropositada declaração de que o Presidente nunca é "desautorizado" pelo Governo, pois tal não era o caso. Imprudentes quiproquós verbais! No exercício dos seus poderes políticos e administrativos, o Governo só pode desautorizar o Presidente, se este indevidamente se intrometer na esfera de competência daquele.
sábado, 12 de junho de 2021
Não dá para entender (29): Demasiado grave
Não dá para entender como é que se criou na Câmara Municipal de Lisboa a prática de comunicar a embaixadas estrangeiras os dados pessoais dos promotores de reuniões e manifestações, quando nacionais de outros países (ou pelo menos de alguns deles).
Para além de tal prática não ter nenhuma base legal (nem poderia tê-la, de tão absurda que é!), surprende como é que ela pôde ser instaurada e continuada sem que ninguém envolvido tenha tido um sobressalto de dúvida nem suscitado um alerta à CM.
Impõe-se que a averiguação independente já ordenada pelo presidente da CML seja concluída sem demora e que com base nela sejam efetivadas as responsabilidades disciplinares e políticas que se justificarem. Demasido grave para ficar impune!
quarta-feira, 9 de junho de 2021
Pandemia (60): Melhor do que o esperado
Ao contrário do que se temia há um ano, a pandemia, apesar das sua gravidade e duração na Europa e nos Estados Unidos (e não só), teve efeitos menos gravosos sobre o comércio internacional do que se antecipava e a sua recuperação da queda do ano passado está a ser mais rápida do que o esperado - assim o mostram as estatísticas da Organização Mundial do Comércio. No caso da Europa prevê-se um crescimento de 8,3% este ano do comércio de bens, o que supera a quebra de 8% no ano passado.
Embora seja provável que o comércio internacional de serviços tenha tido um desempenho menos positivo, desde logo por causa da profunda quebra no turismo, é de admitir que também este venha a recuperar rapidamente.
São boas perspetivas para a recuperação económica mundial, que depende muito do comércio internacional.
Ao contrário do que AQUI se receou, a primeira pandemia global não pôs em causa a globalização económica. Ainda bem!
terça-feira, 8 de junho de 2021
Regionalização (5): Equívocos persistentes
Este artigo de opinião de alguém favorável à instituição das autarquias regionais previstas na Constituição desde a origem enferma, porém, de alguns persistentes equívocos que a não favorecem, nomeadamente os seguintes:
- distinguir entre descentralização e regionalização, como fazem os inimigos da segunda, em vez de frisar que esta constitui uma forma (mais elevada) de descentralização e que as "regiões administrativas" também são autarquias territoriais, como os municípios e as freguesias;
- criticar a via adotada pelo Governo para preparar a regionalização, ou seja: (i) substituir a designação governamental da direção das cinco CCDR pela sua eleição pelos autarcas da respetiva região e (ii) transferir para as CCDR os atuais serviços territorialmente desconcentrados do Estado suscetíveis de regionalização -, assim criando uma fase intermédia entre a desconcentração e a descentralização, consolidando a geografia das cinco regiões existentes, os poderes já em exercício e o seu financiamento;
- insistir na convocação urgente do referendo sobre a regionalização, ignorando que a sociologia política mostra que os cidadãos tendem a votar contra soluções cujo alcance desconhecem e de que desconfiam, mesmo infundadamente, que geram mais despesa pública e mais "tachos" políticos, ao passo que a via escolhida pelo Governo transformará o referendo numa ratificação do que está no terreno, apenas com duas modificações: (i) substituição da eleição indireta pela eleição direta e (ii) transferência das verbas do OE afetas às CCDR para o orçamento próprio das novas autarquias regionais.
Decididamente, para argumentos contra a descentralização regional já bastam os dos seus adversários...
Pandemia (59): Comparar riscos
Concordo com esta observação de Marques Mendes contra a manutenção indefinida do encerramento de bares e estabelecimentos afins, maioritariamente frequentados por clientela jovem.
Entre o elevado risco de soluções clandestinas à margem dessa proibição e uma abertura controlada (limite de lotação e testes rápidos à entrada) parecem evidentes as vantagens da segunda solução (sem falar na salvação económica dos referidos estabelecimentos, há muito tempo encerrados, incluindo os postos de trabalho).
«É preferível abrir com regras do que proibir sem qualquer eficácia.»
domingo, 6 de junho de 2021
Retratos de Portugal (6): Património em ruínas
1. Eis o que resta da grandiosa Igreja do Convento de Seiça, situado num local ermo da freguesia de Paião, município da Figueira da Foz, a sul do Mondego (fotos de hoje de manhã).
Como muitos outros monumentos que foram vítimas da extinção das ordens religiosas em 1834 e consequente confisco dos seus bens, também este foi vendido a particulares, acabando por alojar uma fábrica (cuja chaminé se vislumbra nas traseiras da Igreja), até ser abandonado à destruição há algumas décadas. Dói ver!
2. Um dístico junto do mosteiro indica que o conjunto monumental foi classificado oficialmente como "monumento de interesse público" em 2002, mas só agora, duas décadas passadas, é que se anunciam obras de recuperação. O tempo para a recuperação do património em Portugal mede-se por décadas.
É evidente que se fosse em Lisboa, o convento de Seiça não teria chegado ao descalabro em que se encontra...
Em contrapartida, mesmo em frente fica esta pequena jóia (Capela de Nª Snrª de Seiça), muito bem conservada, apesar de mais de 400 anos de idade (1602).
Meio século da Revolução democrática (1): Feliz começo
1. É de saudar a decisão do Governo de lançar desde já as comemorações do cinquentenário do 25 de Abril, com início já no próximo ano, quando o regime democrático supera os quase 48 anos de duração da ditadura precedente (1926-1974) e o seu termo em dezembro de 2026, quando se completam 50 anos sobre a institucionalização do regime democrático em 1976 (aprovação da Constituição e realização sucessiva das eleições legislativas, presidenciais, regionais e locais, entre abril e dezembro desse ano).
A Revolução do 25 de Abril e a sua herança - democratização e descolonização, democracia liberal, Estado de direito, Estado social, Estado laico, descentralização, integração europeia, estabilidade política, progrsso económico e social - justificam bem comemorações de longo fôlego.
2. A estrutura orgânica prevista para programar e executar as comemorações compreende não somente uma comissão executiva e respetivo apoio técnico, mas também um conselho geral, de nomeação governamental, e uma comissão nacional, de nomeação presidencial, o que parece redundante, sendo essa duplicação talvez devida à conveniência de envolver um maior número de personalidades e de associar o Presidente da República às comemorações, como se impunha. Todavia, não deixa de ser problemática a atribuição de poderes decisórios ao PR por via de Resolução de Conselho de Ministros, um ato de natureza administrativa...
Estando desde já nomeado o chefe da comissão executiva (Pedro Adão e Silva), assim como o presidente da comissão nacional (Ramalho Eanes), impõe-se a nomeação dos demais membros dos dois referidos órgãos colegiais, para preparar atempadamente o programa institucional das comemorações (sem prejuízo, obviamente, da celebrações políticas e cívicas).
À crítica desproporcionada de Rui Rio à nomeação de Adão e Silva para comissário executivo retorquiu António Costa com desproporcionada acrimónia. É pena que o processo comece por um litígio entre os dois principais partidos fundadores do regime democrático, quando devia supor o envolvimento de todos as forças políticas que com ele se identificam. Incumbe ao Presidente da República "pôr água na fervura" e cerzir a inoportuna desavença. Está em causa a dignidade das comemorações.
sábado, 29 de maio de 2021
Outras causas (3): Agradecimento
1. Ao deixar a presidência do CEDIPRE (Centro de Estudos de Direito Público e da Regulação) da FDUC, ao fim de 20 anos, quero saudar a nova equipa dirigente, liderada pelos Professores Pedro C. Gonçalves e Licínio L. Martins - que, na verdade, já vinham assegurando a direção do instituto há mais de uma década - e recordar com emoção a equipa que comigo fundou o Centro há duas décadas, nomeadamente Fernanda Paula Oliveira, Jorge Vasconcelos, Ana Cláudia Guedes, André M. Forte e Ana Leitão, assim como todos os colaboradores, no sentido próprio do termo, que depois contribuíram para edificar o seu prestígio como instituição pioneira de investigação e de ensino pós-graduado de regulação pública da economia.
2. De acordo com os princípios republicanos, que perfilho, não há cargos para vida. Felizmente, há muito tempo que o CEDIPRE superou com êxito a "dependência do fundador". Tendo eu já jubilado há alguns anos como Professor da FDUC, era tempo de passar o testemunho. A instituição fica bem entregue a professores com provas dadas, cujo currículo fala por eles.
Bem hajam todos!
Um leitor pergunta-me sobre o significado da frase invocada no texto acima reproduzido do CEDIPRE, «O farol é a vida, o paraíso pode esperar». Trata-se do meu mote pesssoal desde há muito tempo e tentei explicá-lo AQUI.
sexta-feira, 28 de maio de 2021
Barbárie tauromáquica (12): "Touros como nós"
1. É lamentável ver um manifesto contra o anunciado fim da transmissão das touradas na RTP assinado não apenas pelos representantes do Portugal miguelista que subsiste na direita, mas também por eminentes socialistas, inclundo dois anteriores ministros da Cultura!
Considero uma contradição nos termos que militantes de um partido humanista como o PS apoiem a barbárie tauromáquica, um exercício sádico de gáudio público com o sacrifício sangrento de seres sensíveis na arena, ainda por cima com a cínica justificação de que se trata de uma "atividade artística" (sic!) e de "património cultural" (re-sic!).
Como diz pertinentemente o Professor Luís M. Vicente, no seu recente livro Touros como nós, virá o tempo em que olharemos as touradas com a mesma repulsa com que há muito olhamos os autos da fé, porque também exploram o gozo das massas com o sofrimento público infligido a seres indefesos.
2. Considero um ativo político o facto de o PS ser um partido de largo espectro político, abrangendo desde uma esquerda liberal a uma esquerda pararradical, paredes meias com o Bloco. Mas não comprendo uma tal abrangência em matéria de valores, como é o caso de explorar o sofrimento animal como espetáculo público.
Já há 200 anos, nas Cortes Constituintes, os liberais progressistas defenderam a abolição das touradas, o que o setembrismo viria decretar (1836), embora sem continuidade. Que no século XXI num País europeu haja pessoas de esquerda a defender as touradas afigura-se-me politicamente indecente.
Considero positivo o aparecimento do PAN e o facto de o Governo PS necessitar do seu apoio na AR, o que tem levado a alguns pequenos ganhos na luta contra o lobby taurino (como o fim do IVA reduzido nas touradas e, agora, da sua transmissão na televisão pública). Mas vai sendo tempo, como noutros países, de colocar na agenda o fim da crueldade das touradas. É uma questão de civilização.
Aplauso para este contramanifesto.
quarta-feira, 26 de maio de 2021
Não dá para entender (28): Enigma político
Muitos observadores perguntam porque é que Rui Rio decidiu este ano participar no encontro das direitas, incluindo o pouco recomendável Chega, sobretudo quando insiste em sustentar, contra a perceção geral dos eleitores que "o PSD não é um partido de direita". Por minha parte, porém, entendo que essa opção ajuda a clarificar a cena política: o PSD está com a direita.
Já tenho mais dificuldade em perceber o sentido da participação de alguns militantes socialistas num congresso obviamente votado a zurzir política e doutrinarimente no socialismo em geral e no Governo do PS em particular. Entre o diletantismo e o masoquismo político, venho o diabo e escolha.
terça-feira, 25 de maio de 2021
Corporativismo (21): "Destruir as Ordens Profissionais"
1. Em chamada de 1ª página para este artigo de opinião do bastonário da Ordem dos Advogados, o jornal iNevitável diz que «Governo quer destruir as Ordens Profissionais». Mas é um exagero jornalístico.
Na verdade, o que o Governo pretende, aliás por recomendação da União Europeia, é combater a atávica tendência das ordens profissionais para restringir a concorrência na prestação dos respetivos serviços profissionais - pela limitação à entrada na profissão ("malhusianismo" profissional), pela espansão dos atos exclusivos de cada profissão e por outros meios -, assim como o corporativismo no desempenho da função de supervisão e de disciplina profisssional (que, aliás, muitas não exercem...), em prol dos interesses dos consumidores, da economia e do interesse público.
2. Apoiando sem reservas a intenção governamental de autonomizar a função de regulação e disciplina profissional e de a "descorporativizar", confiando-a a um conselho de supervisão de composição mista, incluindo outros stakeholders, já entendo que o Governo é pouco ambicioso, ao deixar intocada a função de representação e defesa da profissão. Com efeito, penso que a solução que se impõe é eliminar tal atribuição das ordens, visto que não há nemhuma razão para que certas profissões privilegiadas beneficiem de entidades oficiais e de poderes públicos para esse efeito.
Numa democracia liberal, a representação e defesa de interesses profissionais das chamadas profissões liberais deve competir a associações privadas, de livre criação e filiação, como sucede com as demais profissões. Sindicatos e grémios oficiais, unicitários e obrigatórios, isso era no corporativismo do Estado Novo! Já findou há quase meio século!
segunda-feira, 24 de maio de 2021
Bloquices (16): Dessa estamos livres
O episódio mais chamativo do Congresso do BE foi o momento em que o mentor vitalício da agremiação esquerdista, F. Louçã, imaginou a gloriosa chegada de M. Mortágua ao Ministério das Finanças, num futuro Governo integrado pelo Bloco!
Dessa estamos obviamente livres, visto que para isso seria necessário que os portugueses e o PS tivessem ensandecido, a ponto de repetir a desastrosa experiência de Varoufakis na Grécia. Basta ter em conta as propostas financeiras do Bloco nos seus programas eleitorais e nas suas iniciativas parlamentares para ver que, com a pasta das Finanças nas suas mãos, os resultados só poderiam ser estes: aumento desmedido da despesa pública, aumento do défice orçamental e da dívida pública, aumento de impostos, fuga de capitais e do investimento estrangeiro e, no fim, crise económica e financeira.
Mesmo que, para mal dos nossos pecados, o Bloco alguma vez venha a entrar numa solução de governo, o última pasta que lhe poderia ser confiada seria a das finanças. Há soluções políticas que não precisamos de experimentar para rejeitar!
segunda-feira, 10 de maio de 2021
Bicentenário da Revolução Liberal (32): "Há Constituição em Coimbra"
Pandemia (52): Inconstitucionalidade
A meu ver, a obrigação de confinamento domiciliário absoluto constitui a negação, e não somente a restrição, do direito à liberdade em sentido estrito, pelo que não pode ser autorizado por lei, pois as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de respeitar o "núcleo essencial" do direito em causa, o que não sucede na referida situação, em que as pessoas ficam efetivamente proibidas de sair de casa.
Por isso, não constando esta situação nas hipóteses constitucionais de derrogação do referido direito, este só poderia ser suspenso ao abrigo de uma declaração do estado de emergência que previsse tal suspensão, o que deixou de ser o caso.
Por isso, penso que neste caso o tribunal decidiu bem, ao ordenar o desconfinamento das pessoas indevidamente sujeitas a retenção domiciliária.
Um leitor argumenta que tal medida de isolamento absolut está prevista na lei do sistema de vigilância em saúde pública. O problema, porém, é que essa medida administrativa de privação da liberdade pessoal não tem cobertura na norma constitucional que enuncia as derrogações possíveis do direito à liberdade (CRP, art. 27º), pelo que os tribunais devem desaplicar a norma legislativa que a prevê.
domingo, 9 de maio de 2021
Antologia do "nonsense" (17): Instintos figadais
Não é politicamente admissível que um governante qualifique como "estrume" um programa de televisão, por mais controverso que este seja e por mais que lhe desagrade.
Prouvera que fosse um fake, mas o episódio não foi desmentido; só o comentário foi apagado, sem pedido de desculpa. Decididamente, um governante não pode deixar falar os fígados, em vez da cabeça. Pela boca morrem os peixes... e os governantes!
Um leitor recorda que, recentemente, deputados do PS condenaram, com toda a razão, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que qualificou como "esterco" a opinião crítica de um jornalista sobre ela, acrescentando que «o mínimo que se pode exigir dos titulares de cargos públicos é contenção verbal nos seus juízos políticos» e que «a incontinência verbal degrada o debate político». Não podia estar mais de acordo: o insulto pessoal degrada o debate político e desqualifica quem a ele recorre.
Antologia do "nonsense" (16): Quando a razão adormece
1. Esta surpreendente afirmação de António Barreto sobre a "maior competência e seriedade da justiça" antes do 25 de Abril é uma boutade política de mau gosto, totalmente destituída de fundamento.
Mesmo para os grandes espíritos há momentos em que razão adormece e a sentença política sumária prevalece...
2. Mesmo restringindo tal juízo comparativo à justiça penal e cível - ou seja, descontada a infame justiça política dos "tribunais plenários", a ficção da justiça administrativa, a ausência da justiça laboral e a inexistência da justiça constitucional no chamado "Estado Novo" -, basta referir a revolução que o regime democrático trouxe à justiça em geral, nomeadamente a independência dos tribunais e dos juízes, a formação dos juízes, a autonomia do Ministério Público, as garantias penais e processuais em geral, o júri, a especialização dos tribunais, a democratização do acesso à justiça, etc.
Apesar dos óbvios problemas da justiça (nomeadamente a demora nos processos e o corporativismo das profissões judiciárias), o juízo condenatório não se justifica de modo algum.
[revisto]
Um leitor aponta igual "juízo sumário" do entrevistado no que respeita à corrupção, em que não se pode ignorar que só o regime democrático permitiu conhecê-la, denunciá-la e julgá-la, mercê da liberdade de imprensa, do livre escrutínio político e da autonomia do Ministério Público, não se podendo também desvalorizar as condenações judiciais que efetivamente têm ocorrido. O que se não pode admitir num Estado de direito é a substituição da condenação judicial pela condenação na praça pública ou nas "redes sociais", sem processo, nem provas, nem defesa dos arguidos, nem direito a recurso.
Concordo (19): O teste do tempo e da experiência
1. Concordo com esta apreciação de Marcelo Rebelo de Sousa sobre as boas provas dadas pelo sistema de governo instituído na CRP de 1976 (na fórmula da revisão constitucional de 1982), incluindo na experiência recente do estado de emergência decorrente da pandemia.
Pela primeira na sua história constitucional, Portugal beneficia de um longo período de estabilidade político-institucional num contexto de democracia liberal, baseada na democracia representativa, na liberdade política, na separação de poderes, na descentralização territorial, na fruição dos direitos fundamentais.
Têm motivo para se congratular não somente os constituintes de 1976, mas também os decisores políticos que em São Bento (AR e Governo) e em Belém têm feito da CRP de 1976 uma constituição politicamente bem-sucedida, como nunca antes na nossa história constitucional. MRS pertence a ambas essas categorias...
2. E também não tenho dúvidas de que para isso contribuiu a feliz conjugação de um sistema de base parlamentar (condução política do País por um Governo responsável perante a AR) com um "poder moderador" qualificado do Presidente da República.
Não é por acaso que, tendo a última revisão constitucional ocorrido em 2005 (aliás, pontual), Portugal passa pelo mais longo período de estabilidade constitucional desde... 1885!
Ora, se a fórmula tem provado, não há razão para a modificar nos seus traços fundamentais.
quinta-feira, 6 de maio de 2021
Conferências & colóquios (8): Poderes do Presidente da República
Vai realizar-se amanhã uma conferência sobre os poderes do Presidente da República, promovida pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto, em modo não presencial.
Sendo um tema que tem atraído a atenção tanto de constitucionalistas como de politólogos, esta conferência pode interessar um amplo auditório, tanto mais que vai ser aberta pelo próprio Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Pela minha parte, vou analisar o enquadramento constitucional do sistema político, em geral, e dos poderes presidenciais, em especial.
quarta-feira, 5 de maio de 2021
Bicentenário da Revolução Liberal (31): Apresentação de livro
domingo, 25 de abril de 2021
Aplauso (20): Assumir a História
Muito bom, além de oportuno, o discurso do Presidente da República hoje nas comemorações do 25 de Abril. Certeiro e corajoso, no sentido de assumirmos a nossa história por inteiro, nas suas grandezas e misérias, recusando tanto as gestas mistificadoras como os julgamentos sumários retroativos à luz dos valores do presente.
É para momentos destes que vale a pena ter um Presidente dotado de legitimidade eleitoral forte, eleito numa base suprapartidária, situado à margem da condução política do País e alheio à dialética governo-oposição. Um Presidente vocacionado para exprimir os anseios da coletividade e velar pela coesão nacional.
Amanhã vou estar aqui (7): 45 anos de Constituição
Numa bem-vinda iniciativa conjunta da Universidade de Coimbra (UC) e da Associação Académica de Coimbra (AAC): comemorar os 45 anos da CRP de 1976. Amanhã no auditório da Reitoria, pelas 16:30.