1. Na sua recente entrevista ao Diário de Notícias, o candidato presidencial Marques Mendes, veio defender para o PR um papel de mediador entre o Governo e a oposição (ou seja, por princípio, entre o PS e o PSD, que são os principais partidos de governo), quanto aos temas que dependem politicamente de um acordo entre ambos, como é o caso da justiça.
Embora a noção de mediação presidencial não seja inédita, e seja compreendida na noção genérica corrente de "Presidente-árbitro", não deixa de ser interessante vê-la coerentemente utilizada e defendida por um candidato presidencial que, até agora, se tem distanciado das visões "semipresidencialistas" da cotitularidade do PR no poder executivo ou de tutela presidencial sobre o Governo. Bem compreendida, a ideia de mediação presidencial cabe perfeitamente na noção do PR como "quarto poder", exterior ao poder legislativo e ao poder executivo, titular de um "poder moderador" de supervisão do regular funcionamento do sistema político, da separação de poderes entre a AR e o Governo, de garantia dos direitos da oposição, de arbitragem de conflitos político-institucionais e de promotor da estabilidade política.
2. A ideia de mediação presidencial entre o(s) partido(s) de Governo e o(s) de oposição é especialmente interessante entre nós, por três razões: (i) porque ele quadra bem com o estatuto do PR no nosso sistema constitucional, como "poder neutro", independente e imparcial, entre ambos; (ii) porque o nosso sistema eleitoral não favorece maiorias parlamentares e, além disso, a Constituição exige maioria de 2/3 para a legislação sobre certos temas politicamente mais sensíveis, designadamente a legislação eleitoral, o sistema de governo das autarquais locais ou a competência legislativa das regiões autónomas e (iii) porque os dois partidos de governo têm revelado nas últimas décadas pouca propensão para a negociação e o compromisso entre eles, mesmo quando ambos estão de acordo na necesidade de reformas.
Mas para que a ideia de mediação não seja pervertida em ingerência, é necessário que o PR respeite duas condições básicas: (i) que ela seja solicitada pelas duas partes políticas intessadas sobre temas em que ambos estejam de acordo sobre a necessidade de reforma, e não "imposta" pelo PR sobre reformas acerca das quais não existe tal consenso mínimo de partida; (ii) que os duas partes se mantenham como "donos" da negociação, à margem de qualquer tentativa do PR para impor a sua própria agenda quanto às soluções.
O que nada tem a ver com mediação são os "pactos" indevidamente promovidos pelo PR entre os "stakeholders" institucionais ou profissionais, à margem dos decisores políticos, como sucedeu com o chamado Pacto da Justiça, indevidamente citado por Mendes. Pressionar Governo e oposição com pactos intercorporativos, usualmente em benefício próprio, é o contrário de mediação.
3. O risco de uma mediação presidencial mal-entendida fica patente do exemplo da justiça mencionado pelo candidato, em que ele próprio avança com as soluções que tem por óbvias, mas que podem ser deveras controversas, como sucede com certas medidas para a celeridade processual no processo-crime, quando seja à custa das garantias de defesa, e que num caso é manifestamente inconstitucional, como é o caso do cumprimento de pena criminal ainda na pendência de recurso para o STJ, quando a CRP é clara sobre a presunção de inocência «até ao trânsito em julgado da sentença de condenação».
As boas intenções não bastam para acautelar contra a atávica tentação de intervencionismo político por parte dos inquilinos do Palácio de Belém, ou dos candidatos a irem para lá, mesmo sabendo bem que não são eleitos, nem têm legitimidade, para legislar nem para governar...