1. Afinal, em vez de propor a reforma do atual sistema de governo municipal num sentido homólogo ao atualmente vigente para as freguesias, como tinha indicado inicialmente, o PS veio agora propor, como se deduz deste artigo doPúblico, um sistema de governo que, embora idêntico para ambas as autarquias locais, introduz uma substancial alteração retrógrada no modelo atualmente vigente para as freguesias.
Concretamente, no atual sistema em vigor para as freguesias, há só uma eleição - a da assembleia de freguesia (AM) -, sendo a junta de freguesia (JF) automaticamente presidida pelo 1º nome da lista vencedora daquela eleição e sendo os vogais da junta eleitos pela AF, sob proposta do presidente, o que quer dizer que, no caso de este não ter maioria absoluta na AF, terá de negociar um acordo no seio desta para a composição da JF.
Tendo provado bem ao longo destas décadas, é essa solução que há muito defendo que seja transposta para o governo municipal - como expus recentemente num artido na Revista dos Municípios (AQUI) - , deixando a câmara municipal (CM) de ser diretamente eleita, passando a ser presidida pelo 1º elemento da lista vencedora na eleição da assembleia municipal (AM) e sendo os vereadores eleitos pela AM sob proposta do presidente. Além de pôr fim ao absurdo vigente da eleição direta de um órgão executivo colegial (a CM), trata-se de uma solução democrática, consistente e com provas dadas!
2. Mas na proposta do PS, tal como resulta do referido texto do Público, o novo sistema de governo comum às freguesias e aos muncípios não seria esse. Recuperando uma proposta negociada em 2008 com o PSD, que acabou por não vingar, é certo que em ambos os casos o órgão executivo não seria direta e separadamente eleito, pois o presidente do executivo seria o 1º nome da lista mais votada para a respetiva assembleia, mas os vogais das JF e os vereadores das CM seriam eleitos pelas AF e AM, conforme os casos, sob proposta do presidente. Seriam nomeados pelo presidente e só não entram em funções, se a lista for rejeitada pela AM por maioria de 2/3.
Além do inaceitável recuo democrático no que respeita às freguesias, a proposta do PS padece de um claro défice democrático, pois permitiria que os executivos paroquiais e municipais fossem monopolizados por um único partido, mesmo que muito minoritário na AF ou na AM, desde que tivesse mais de um terço dos deputados, o que hoje não é possível nem no caso das freguesias nem no caso dos municípios.
Não se compreende como é que o PS pode apresentar e defender uma proposta destas.
3. Nem se diga que a solução proposta se inspira no sistema de governo nacional, em que o Governo também não carece de aprovação parlamentar, bastando que não seja rejeitado por maioria absoluta na sua apresentação na AR.
Todavia, além da diferença essencial quanto à maioria de rejeição (maioria absoluta contra 2/3), há outras diferenças evidentes:
1º - no caso do sistema de governo nacional é o próprio Governo, a começar pelo PM, que é submetido a eventual voto de rejeição, enquanto no caso dos governos locais seriam apenas os vereadores ou os vogais, respetivamente, visto que os presidentes de JF e de CM são automaticamente os primeiros nomes das listas vencedoras das eleições parlamentares locais;
2º- no caso do sistema de governo nacional, a rejeição de um Governo pode dar lugar a outro, chefiado por diferente PM, enquanto no caso das autarquais locais, só pode haver lugar a governos locais com outro presidente, através de novas eleições.
Em todo o caso, como defendo no meu recente livro sobre os poderes presidenciais, a solução constitucional vigente dá, desde há muito, sinais de esgotamento, pela instabilidade e ineficácia governativa causada por governos minoritários, pelo que deve ser substituída numa próxima revisão constitucional pela exigência de aprovação parlamentar dos governos, sendo por isso incongruente estendê-la agora ao sistema de governo local.
4. Além da reversão democrática em que assenta e da aposta numa solução esgotada, a referida proposta do PS não tem condições para ser aprovada na AR, pois a Constituição exige uma maioria de 2/3 para aprovação dessa lei - para o que agora não bastam o PSD e o PS - e não se vê como é que qualquer outro partido pode votar uma proposta dessas, que os deixa de fora dos executivos locais, onde hoje estão representados, quer por efeito da representação proporcional na eleição direta das CM, quer por efeito de acordo de coligação nas JF, em caso de não haver maioria absoluta do partido vencedor.
Parece óvio que a única maneira de convencer outros partidos (nomeadamnte o Chega, a IL ou o Livre) a aprovar a reforma do sistema de governo local é a fórmula atualmente vigente para as juntas de freguesia, dando-lhes a possibilidade de entrarem também na composição das CM, por efeito de acordos de coligação, sempre que o partido vencedor nas eleições municipais não tenha maioria abosluta na AM.
Por conseguinte, a proposta do PS não é apenas questionável em termos democráticos, sendo também politicamente inviável, pelo que tem de ser corrigida. Trata-se de um dispensável "tiro no pé", numa reforma que o PS teve o mérito de repor na agenda política.











