domingo, 11 de novembro de 2018

Lisbon first (12): "Governo de proximidade"

Segundo um estudo mencionado pelo Jornal de Notícias, «o Estado faz 80% das suas compras em Lisboa».
Como se não bastasse o facto de Lisboa ter praticamente o monopólio dos serviços centrais do Estado e do respetivo emprego público, há agora também esta preferência pelos fornecedores da capital, com o emprego e rendimento que isso gera. É o que se chama um "governo de proximidade". Um círculo vicioso...
Para Lisboa, uma vantagem nunca vem só...

Geringonça (12): Bloquices

1. No seu congresso partidário deste fim de semana, o Bloco de Esquerda anunciou a sua disponibilidade e vontade de entrar no próximo Governo. Mas se o Bloco parece consolidar a sua mudança estratégica, de partido de protesto para candidato a partido de governo, nem por isso mudou os dogmas políticos de esquerda radical, como o "controlo público da banca e da energia" -, o que é um eufemismo para nacionalização.
Ora, para além da insensatez económica de tal medida (como se não houvesse memória dos custos da gestão pública desses setores entre a sua nacionalização de 1975 e a sua reprivatização décadas mais tarde), seria conveniente saber onde é que o Estado iria buscar as muitas centenas de milhões de euros para pagar as indemnizações e como é que isso poderia ser financiado (excetuado o confisco...) sem um aumento exponencial da dívida pública e dos seus custos, estoirando com o equilíbrio orçamental e com os limites da União ao défice e à dívida.
O Bloco pode ter deixado de ser protestatário, mas não deixou de ser irresponsável...

2. Duvido muito da viabilidade política de uma coligação de governo do PS com o Bloco - caso aquele ganhe as eleições do ano que vem sem maioria absoluta (como é mais provável) -, tão fundas são as diferenças ideológicas e de prática política entre os dois partidos (UE, política externa, defesa, comércio internacional, etc.).
Em qualquer caso, mesmo que assim não fosse, seguramente que esse ponto do programa político do BE não faria parte do programa de governo. Uma coisa são os acordos setoriais em que baseia a "geringonça", sem partilha de responsabilidades ministeriais, outra é um programa comum de governo de coligação. E é óbvio que o Bloco sabe disso! Por conseguinte, se for genuína a sua conversão à vocação governamental, o tal controlo público da banca e da energia não passa de um tropo doutrinário, só para satisfazer os fiéis e para justificar antecipadamente o facto de, apesar dessa conversão verbal, ir continuar a estar fora da área do Governo.

Livres & Iguais (15): Uma iniciativa municipal

A comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH não são somente promovidas, a nível oficial, pelo Governo e por instituições nacionais, mas também pelas Regiões Autónomas e por alguns municípios, que isoladamente, quer em cooperação com outras instituições.
Aqui fica o devido registo da notícia de uma exposição organizada pelo município de Câmara de Lobos, na Madeira.

sábado, 10 de novembro de 2018

Livres & Iguais (14): Cidadania e Direitos Humanos

Eis o cartaz da conferência de hoje em Aveiro sobre Cidadania e Direitos Humanos, Hoje, em que vou participar juntamente com os Professores Adriano Moreira e Júlio Pedrosa.
Ao contrário das demais iniciativas até agora realizadas nas comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à CEDH, esta é promovida por organizações da sociedade civil, incluindo ONGs de direitos humanos e uma instituição local da Igreja Católica, o que é de saudar especialmente. E o tema não podia ser mais atual, neste tempo de recesso democrático, sob pressão de movimentos populistas de diferente matriz, e que só uma cidadania iluminada pelos direitos humanos pode contrariar.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Livres & Iguais (13): A Convenção Europeia de Direitos Humanos, 40 anos depois

Eis o meu artigo no Diario de Notícias digital de hoje, uma reflexão sobre as implicações políticas e jurídicas da adesão de Portugal à CEDH, cujos 40 anos hoje passam.
A foto que ilustra o meu artigo regista o momento em que o MNE do I Governo constitucional, J. Medeiros Ferreira, assina a Convenção, em setembro de 1976, iniciando o processo de adesão que se havia de concluir com a sua ratificação, dois anos depois. 

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Livres & Iguais (12): Os direitos humanos em Portugal 40 anos depois

A minha entrevista à Lusa, enquanto Comissário das Comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Stars & Stripes (2): Mudança na balança do poder



1. Nas eleições legislativas intercalares de meio do mandato presidencial, quer ontem ocorreram nos Estados Unidos e que renovaram a Câmara dos Representantes e cerca de 1/3 do Senado, Trump perdeu a primeira para os Democratas, mas mantém e reforça a maioria no segundo.
Uma meia vitória para cada lado, embora a balança do poder tenha ficado menos desequilibrada do que estava, com todo o poder nas mãos dos Republicanos. A meia derrota de Trump não deixa de ser notável, tendo em conta a excelente situação económica e do emprego nos Estados Unidos, traduzindo-se numa óbvia desfeita política.

2. Todavia, considerando que cabe ao Senado a ratificação das nomeações presidenciais, entre as quais a dos juízes do Supremo Tribunal (que é também tribunal constitucional), pode dizer-se que o Presidente pode ufanar-se de ter aguentado bem a ofensiva Democrata e de ter preservado decisivamente a sua capacidade de reforçar o controlo do poder judiciário, ou seja, do Supremo Tribunal, onde aliás já existe uma maioria conservadora, desde a última nomeação judicial de Trump, o juiz Cavanaugh.
Para os Democratas a situação melhorou obviamente, passando a ter maioria na câmara baixa, ainda que pequena, o que impede alguns dos estragos legislativos programados por Trump, como a revogação do "Obamacare", ou seja, o sistema de seguros de saúde universal. Mas daí a celebrar uma retumbante vitória eleitoral vai uma grande distância.

A barbárie tauromáquica (7): Contra Manuel Alegre

1. Discordo em absoluto da "carta aberta" de Manuel Alegre, hoje no Público, em defesa das touradas e da redução do IVA nos respetivos espetáculos.
Primeiro, não faz sentido misturar as touradas com a caça, como se fosse a mesma a oposição a uma e a outra ou como se fossem as mesmas razões a motivá-la. A razão básica contra as touradas está no facto de elas serem um espetáculo e consistirem em infligir um suplício prolongado a animais para proveito pessoal dos toureiros e para gáudio público, o que se não verifica na caça.

2. Em segundo lugar, e sobretudo, a meu ver é incompreensível invocar a "liberdade do gosto" para defender uma prática violenta, cruel, sangrenta e degradante, para satisfação sádica de protagonistas e espectadores, à maneira do espetáculos circenses da antiga Roma. De resto, não consta que o gosto pelas touradas integre os direitos fundamentais constitucionalmente protegidos...
Tampouco cabe invocar a "tradição", de resto cada vez mais acantonada, desde logo porque ao longo dos tempos a história da civilização e do progresso humano foi, em grande medida, uma luta da razão contra as tradições que exploram os sentimentos e instintos menos louváveis dos homens.
Há muitos outros gostos e tradições que o desenvolvimento humano e cultural tornou intoleráveis.

3. Parece-me inteiramente descabido o argumento de que uma eventual proibição nacional das touradas - que, aliás, não está iminente - seja equivalente a uma "ditadura política do gosto" e um sinal de "totalitarismo" emergente.
Nada de mais despropositado! Que eu saiba, entre os muitos países que consideram as touradas como "barbárie" - como os países escandinavos ou anglo-saxónicos - contam-se alguns dos países mais livres e das democracias mais liberais do mundo!

4. Nunca me impressionou o argumento dos escritores e artistas que manifesta(ra)m o seu apreço pelas touradas. Para além de serem uma pequena minoria, a verdade é que ao longo da história as piores práticas da humanidade sempre encontraram quem as defendesse entre a elite intelectual, desde a escravatura aos tratos cruéis, desumanos ou degradantes, até que o Iluminismo as proscreveu ou tornou insustentáveis.
Tenho para mim que dentro de poucas décadas, quando as touradas forem uma má memória na história nacional, os intelectuais que hoje as defendem hão de ser olhados com a mesma estranheza com que hoje olhamos os defensores pretéritos de outras "tradições" execráveis.

5. Não me surpreende ver as touradas defendidas pela direita mais tradicional, porque elas fazem parte integrante da cultura "marialva" que ela privilegiadamente encarna. Já tenho enormes dificuldades em compreender - afastado o diletantismo político ou intelectual - o que leva alguma esquerda a admirar um espetáculo tão violento e tão sangrento, assente no sofrimento causado a seres vivos indefesos, para gozo público.

6. Por último, não me parece que haja motivo para tão grande alarme público dos amantes da indústria da tortura-de-animais-na-arena-para-gáudio-público e do poderoso lobby económico, político e mediático que a suporta e promove.
Afinal, trata-se somente de criar um pequena diferença de IVA em relação a outros espetáculos, mantendo, aliás, uma taxa reduzida. Infelizmente, não se trata de um primeiro passo para abolição das touradas. Para isso, os tempos ainda estão para vir...,

Livres & Iguais (10): 40 anos de Portugal na Convenção Europeia de Direitos Humanos

1. No próximo dia 9 de novembro, numa iniciativa do Ministério da Justiça e da Ordem dos Advogados, vai realizar-se na "sala do Senado" da Assembleia da República uma jornada comemorativa dos 40 anos da ratificação portuguesa da CEDH. 
O programa (AQUI), que ocupa todo o dia, inclui três partes: (i) conferências de especialistas sobre a Convenção e sobre o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), assim como uma alocução gravada do secretário-geral do Conselho da Europa; (ii) sessão institucional, com o PR, o presidente da AR, a Ministra da Justiça, o bastonário da Ordem dos Advogados e o vice-presidente do TEDH, L-A. Sicilianos; (iii) painéis temáticos sobre alguns dos principais direitos garantidos na Convenção.

2. Aprovada em 1950, no âmbito do Conselho da Europa, a CEDH é a primeira convenção internacional sobre direitos humanos, impondo aos Estados a obrigação de respeitar e proteger os direitos nela enunciados, em relação às pessoas sob sua jurisdição. Constitui, por isso, a primeira concretização jurídico-internacional da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), aprovada dois anos antes (1948), no que respeita aos direitos civis.
A CEDH é também a primeira Convenção de direitos humanos a estabelecer um Tribunal de direitos humanos, para julgar e punir as violações dos direitos naquela estabelecidos.

3. Compreendendo no início apenas 12 Estados da Europa Ocidental, mais a Grécia e a Turquia, a CEDH vincula hoje todos os Estados europeus, desde a Islândia à Rússia, desde Portugal ao Azerbaijão. A própria União Europeia está comprometida a adotar a Convenção.
Ao longo dos seus quase 70 anos, através de sucessivos Protocolos de revisão, a Convenção foi sendo aprofundada, quer através do aditamento de novos direitos (direito de propriedade, direito a eleições) e garantias (Proibição da pena de morte), não compreendidos na versão originária, quer através dos reforço das garantias processuais. Um dos protocolos mais importantes foi o Procolo nº 11 (1988), que veio admitir o recurso direto dos interessados ao TEDH, depois de esgotados os meios judiciais internos.

4. Por causa da ditadura do "Estado Novo", Portugal só assinou a Convenção em 1976, no I Governo Constitucional (Mário Soares), após a aprovação da Constituição de 1976, tendo a  adesão sido concluída com a ratificação presidencial, a 9 de novembro de 1978.
No princípio, Portugal estabeleceu algumas "reservas" à Convenção, ou seja, dispensas do seu cumprimento, em relação a aspetos que poderiam brigar com a CRP. Mais tarde essas reservas vierem a ser levantadas, no seguimento de revisão constitucional dos preceitos em causa.
Ao longo destes anos, Portugal tem sido condenado várias vezes em Estrasburgo, nomeadamente por atrasos na jsutiça e por desrespeito de garantias de processo penal.

domingo, 4 de novembro de 2018

Bicentenário do constitucionalismo em Portugal (1): A sede das Cortes Constituintes de 1821-22



1. Na série de artigos que estou a publicar, em coautoria com o Professor José Domingues, na revista, História, do Jornal de Noticias, sobre o bicentenário da revolução liberal e do constitucionalismo em Portugal, o texto agora publicado (nº 16, de outubro), versa sobre a sede das Cortes Constituintes de 1821-22, que se reuniram na imponente "Casa da Livraria" do então Convento de Nª. Srª. das Necessidades, em Lisboa (atual sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros), que foi especialmente adaptada par o efeito.
Nas mesmas instalações reuniu também o primeiro parlamento ordinário, eleito em agosto de 1822, ainda antes da aprovação das Constituição, e que terminou prematuramente as suas funções logo em 1823, com o golpe antiliberal e anticonstitucionalista da "Vilafrancada", que pôs termo à curta experiência constitucional do "vintismo" em Portugal.

2. Com a Carta Constitucional de 1826, as Cortes mudaram de sede, tendo a Câmara dos Pares reunido no Rossio e a Câmara dos Deputados, no Terreiro do Paço. Após a Guerra Civil (1832-34) e a restauração da Carta Constitucional, as Cortes foram instaladas no recém-extinto mosteiro de São Bento, que se tornou desde então a sede definitiva do Parlamento em Portugal.
Curiosamente, porém, o topónimo "Pátio das Cortes", por que ficou conhecido, logo de início, o pátio de acesso das Cortes Constituintes de 1821-22, manteve-se muito tempo na tradição popular e na topografia oficial, até ao século XX!
Por isso, no final do nosso artigo propomos a evocação oficial desse topónimo no dia 26 de janeiro de 2021, duzentos anos depois da primeira reunião das Cortes Constituintes que aprovaram a nossa primeira Constituição.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Livres e Iguais (9): Tortura e tratos cruéis

1. No próximo dia 6/11, na minha qualidade de comissários para as comemorações dos 70 anos da DUDH (1948), vou encerrar um colóquio sobre a tortura e outros tratos cruéis, a realizar na Fundação Champalimaud, em Lisboa, promovido pela Provedora de Justiça, que além de "instituição nacional de direitos humanos" (de acordo com os princípios de Paris), é também responsável pelo "mecanismo nacional de prevenção da tortura", no quadro da proteção universal contra a tortura.

2. Nascida no Iluminismo, ainda antes das revoluções liberais e das declarações constitucionais de direitos na América do Norte (1776) e em França (1789), a proibição da tortura e de outros tratamentos cruéis, quer no processo penal quer a título de pena, constitui uma das garantias essenciais do direito à integridade física e moral, um dos mais básicos direitos humanos.
Consagrada na DUDH de 1948, a proibição da tortura veio a integrar as primeiras convenções internacionais de direitos humanos, nomeadamente a Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1948, e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, das Nações Unidas, de 1966. A Convenção para a Proibição da Tortura das Nações Unidas (1984), assim como o Protocolo facultativo de 2002, vieram completar especificamente a proteção absoluta dessa garantia.
Incumbe aos Estados não somente respeitar em absoluto a proibição, mas também fazê-la respeitar por terceiros, punindo-a criminalmente, e abstendo-se de deportar ou extraditar pessoas para territórios onde possam ser vítimas dela.

Adenda
Entre os poucos países que não ratificaram a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura contam-se a Índia e Angola, o que é lamentável. Infelizmente, é muito maior o número de países que não ratificaram o Protocolo adicional de 2002, que institui um mecanismo de escrutínio internacional.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Aplauso (9): Uma "questão de civilização"

Reagindo à acusação do CDS de que a discriminação do IVA relativamente às touradas é uma "ditadura do gosto", a nova Ministra da Cultura retorquiu certeiramente que não é uma questão de gosto, mas sim uma "questão de de civilização".
Nem mais, como tenho vindo a denunciar ao longo dos anos, incluindo aqui no Causa Nossa, na série de posts sobre a "barbárie tauromáquica"! É uma das minhas causas civilizacionais.
Todavia, sendo uma questão de civilização, convenhamos que, embora sendo uma medida positiva, o fim da isenção de IVA nos espectáculos tauromáquicos é bem pouco. Mesmo aquém da sua interdição como espetáculo publico, que há de vir um dia, não podem deixar de ser descontinuadas outras cumplicidades públicas com a tauromaquia, como os apoios financeiros municipais, a transmissão de touradas na RPT, etc. O mínimo que se exige é a demarcação oficial do poder público em relação ao infame espétaculo.

Adenda
O lóbi oficial da indústria da tortura-de-toiros-na-arena-para-gáudio-público veio logo pedir a "demissão imediata" da Ministra da Cultura, o que mostra como a declaração de Graça Fonseca - a primeira vez que um governante entre nós tem essa coragem - foi direta ao alvo. Que o ânimo não lhe falte!

Stars & Stripes (1): Trump contra a Constituição

[Fonte: Wikipedia]
1. Na sua obcecada luta contra a imigração, o Presidente Trump investe agora contra a tradicional regra da nacionalidade que atribui a cidadania dos EUA a todas as crianças nascidas nos Estados Unidos, independentemente da nacionalidade dos progenitores (birthplace right), propondo-se alterá-la por decreto presidencial (executive order).
Para justificar a sua decisão, Trump alega que os EUA são o "único país" onde isso se verifica, mas trata-se de um erro grosseiro, pois o mesmo se passa em muitos países das Américas, desde o Canadá à Argentina (ver mapa junto. Acresce que tal regra consta da Constituição norte-americana (XIV Emenda), pelo que, em princípio, tal mudança só poderia ser alcançada mediante revisão constitucional.

2. É certo que alguns países, como a Irlanda, abandonaram a regra do ius soli, para impedir os abusos "turismo de nacionalidade", passado a exigir pelo menos que um dos progenitores estrangeiros tenha residência há um certo tempo no país, à data do nascimento.
No caso dos Estados Unidos, porém, não se vê como contornar a referida norma constitucional.

Adenda
Quanto a Portugal, onde a regra tradicional era o ius sanguinis (são portugueses os filhos de progenitor português, onde quer que nasçam), foi adotando nas últimas décadas o ius soli em relação aos filhos de estrangeiros nascidos em Portugal - o que defendo há muito -, mas continua a exigir que um dos progenitores tenha nascido em Portugal ou tenha um certo tempo de residência no país (2 anos) à data dos nascimento.

domingo, 28 de outubro de 2018

Não dá para entender (6): "Não há licenciaturas grátis!"


No rescaldo do debate político sobre a redução das propinas, que consta da proposta de orçamento para o ano que vem, o Ministro do Ensino Superior veio, precipitadamente, defender o fim das taxas de frequência no ensino superior no futuro, no respeitante às licenciaturas, no que foi logo aplaudido pelo Bloco de Esquerda, que desde há muito defende essa posição.
Não vale a pena repetir as razões por que discordo fundamentalmente desta solução - bem como da simples redução -, e não somente pelas suas implicações orçamentais nem pela contestação das universidades. Mas não deixa de causar alguma perplexidade que ela seja defendida pelo Ministro de um governo socialista, quando tal proposta não consta do programa do PS, nem do programa do Governo (nem dos acordos que fundam a "Geringonça"). E há obviamente boas razões para duvidar que ela possa ser sufragada pelo Ministro das Finanças e pelo Primeiro-Ministro, deste ou de futuro Governo...
Em qualquer caso, penso que os ministros deviam abster-se de defender posições políticas pessoais, mesmo que somente para o futuro, à margem do programa do Governo que integram e do programa do Partido que o sustenta. Solidariedade governativa e partidária oblige.

Adenda 1
De resto, tendo-se o Governo oposto, e bem, à redução das propinas nos três primeiros orçamentos, rejeitando as propostas do Bloco nesse sentido, não se percebe porque é que mudou de posição no orçamento para 2019. É óbvio que não tem a ver com uma súbita descoberta do seu mérito...

Adenda 2
Embora criticando fundadamente a eliminação das propinas  ("As propinas e o mito dos almoços grátis"), o editorial do Público de sábado passado conclui, porém, que a redução das propinas e a proposta do Ministro suscitam "uma discussão que vale a pena fazer". Pois vale, embora importe lembrar que esse debate foi travado longa e intensamente há duas décadas, em resposta ao movimento "Não pagamos", e que nessa altura o PS e o seu Governo não alinharam com os borlistas. Também participei ativamente nesse debate - e não mudei de opinião contra a "borla geral" dos beneficiários à custa de todos os contribuintes!

Livres e Iguais (8): 140 anos depois da abolição da escravatura


1. Há 140 anos, em 1878, como recorda  recente número da revista Visão História, foi finalmente abolida a escravatura em Portugal e nas suas colónias, mercê sobretudo dos esforços de Sá da Bandeira, o líder da luta pelo abolicionismo em Portugal.
Foi a conclusão de  um processo historicamente longo, mais de um século, que se iniciou com a proibição da importação de novos escravos na "metrópole" e na Índia pelo Marquês de Pombal (1761) e passou pela abolição geral do tráfico de escravos em 1836 e pela"lei do ventre livre" de 1856, concedendo a liberdade aos filhos de escravas, ao perfazerem 20 anos.
Não tendo sido pioneiro da abolição da escravatura, longe disso (Inglaterra, 1834, França, 1848, EUA, 1865), Portugal também não foi o último país a fazê-lo, tendo-o feito antes da Espanha/ Cuba (1886) e do Brasil (1888), por exemplo.

2. Nos 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos, que Portugal celebra oficialmente juntamente com muitos outros países e com as Nações Unidas, importa registar este decisivo processo histórico de libertação humana de uma das maiores indignidades da história da humanidade e uma violação maciça do mais elementar dos direitos humanos, o direito à liberdade e à identidade pessoal.
Só é pena que em Portugal mal se tenha assinalado essa data de 1878, uma consequência do défice de conhecimento e de reconhecimento da nossa responsabilidade histórica na escravatura africana durante mais de quatro séculos.

sábado, 27 de outubro de 2018

Brasil: a roleta russa da democracia

1. É evidente que não basta a eleição de um autocrata para liquidar uma democracia, desde que a Constituição não seja espezinhada, a oposição política não seja reprimida e a liberdade de imprensa não seja asfixiada. Mas dificilmente um assumido autocrata desiste de levar a cabo os seus projetos autoritários por causa desses obstáculos. A própria legitimidade eleitoral serve de pretexto para contornar ou derrubar essas barreiras.
A democracia liberal não consiste somente na eleição dos titulares do poder político, exigindo também o respeito das liberdades e do Estado de direito. Sem esses limites ao poder político absoluto - que os autocratas pouco apreciam, prevalecendo-se da sua legitimidade eleitoral -, as eleições podem redundar em democracia iliberal ou autoritária.
As autocracias que nascem de eleições são as mais difíceis de contrariar e combater.

2. Nas vésperas da eleição do Presidente do Brasil - um regime presidencialista, em que o Presidente acumula a chefia do Estado com a chefia do Governo e não é responsável politicamente perante o Congresso -, parece óbvio que a maior parte dos brasileiros, fustigados e desesperados pela insegurança, a corrupção política e a crise económica e social, vão levar ao Palácio do Planalto, um Presidente que não esconde o seu projeto de extrema-direita autoritária. O Brasil aposta assim, deliberadamente, numa "roleta russa" política, em que a vítima pode ser a democracia constitucional brasileira, com a agravante de, tudo o indica, o tambor do revólver ter mais do que um cartucho.
Trinta anos depois da consumação constitucional da transição democrática brasileira, a celebração da Constituição de 1988 ameaça terminar num horizonte carregado de nuvens sobre o seu próximo futuro. Quo vadis, Terra brasilis?

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

"Livres e iguais" (7): Direitos humanos na Polícia Judiciária

Decorre hoje na sede da instituição em Lisboa uma conferência sobre "A Polícia Judiciária e os Direitos Humanos" (programa AQUI). É de saudar esta iniciativa, que partiu do próprio diretor da instituição, no contexto dos 63 anos desta.
Um dos traços bem-vindos destas comemorações é que elas não se limitam às habituais iniciativas universitárias e das ONGs de direitos humanos, tendo desta vez uma grande participação governamental, assim como das instituições judiciárias. De facto, num Estado de Direito, os primeiros destinatários dos direitos humanos são as instituições judiciárias, já que protagonizam a dupla obrigação do Estado em relação aos direitos humanos: (i) a obrigação de os respeitar, não os lesando, e (ii) a obrigação de os defender, punindo a sua lesão por terceiros, nomeadamente por via do direito penal.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

"Livres e iguais" (6): Um tema "picante"

1. Vai ter lugar amanhã na Universidade Lusíada Norte (Porto) um colóquio, organizado em parceria com a Ordem dos Advogados, sobre a "colaboração premiada" em processo penal, ou seja, a possibilidade de conceder leniência penal a quem denuncie a prática de crimes em que tenha intervindo.
Trata-se da primeira de muitas iniciativas universitárias no âmbito do programa de comemorações dos 70 anos da Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) (1948) e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH) (1978), das quais sou comissário.

2. Não podia tratar-se de um tema mais "picante" entre nós, visto que a "colaboração premiada" (no Brasil: "delação premiada") divide fortemente as opiniões dos especialistas e dos políticos, tendo já sido objeto de um recente debate televisivo.
O tema tornou-se conhecido tanto pela utilização da delação premiada no Brasil como por a introdução desta em Portugal ter recentemente sido apoiada por algumas personalidades públicas, como, por exemplo, a presidente da juventude social-democrata (sem ter sido contrariada pelo SG) e pela ex-PGR, Joana Marques Vidal.
Debatamos, pois!

sábado, 20 de outubro de 2018

Discordo (7): No interesse próprio

1. Um das mais eleiçoeiras medidas da proposta do orçamento para 2019 é a descida substancial (cerca de 20%) das propinas do ensino superior público, que vai ao encontro da tradicional reivindicação da importante base eleitoral dos respetivos estudantes. Mas é também uma medida caracteristicamente reacionária, como já aleguei várias vezes ao longo dos anos.
Provinda naturalmente da esquerda radical, o que admira é que o PS, cedendo ao oportunismo eleitoral, a tenha perfilhado, apesar de serem tantos os argumentos contra, e sobretudo por se tratar de uma medida que vai beneficiar quem menos precisa à custa dos que de mais ajuda carecem para chegar ao ensino superior. A elite política, cujos filhos frequentam obviamente o ensino superior, faz valer politicamente os seus interesses privativos, à custa do interesse geral.

2. Antes de mais, a redução das propinas - que são recurso próprio das instituições de ensino superior público - aumenta a sua dependência em relação ao orçamento do Estado, reduzindo a sua autonomia financeira (menos 50 milhões de euros), e tornando-as mais vulneráveis à discricionariedade orçamental de cada Governo.
Em segundo lugar, e sobretudo, a redução das propinas é socialmente iníqua, pois vai aumentar o custo orçamental dos estudantes do ensino superior, que pertencem em geral à metade mais abonada da população, sendo subsidiados por toda a gente na sua qualificação académica, incluindo por aqueles que não têm nenhuma possibilidade de enviar os seus filhos à universidade.
Em terceiro lugar, obrigando o Estado a compensar as IES pela perda de receitas próprias, vai haver menos dinheiro para outros fins mais virtuosos no âmbito do ensino superior, como a grave carência de habitação dos estudantes deslocados e as bolsas de estudo, prejudicando assim o acesso de alunos com menores rendimentos ao ensino superior.
Por último, a redução das propinas vai aprofundar a diferença de custos entre o ensino superior público e o privado, quando é certo que este é maioritariamente frequentado por quem não teve acesso àquele, sabendo-se que se trata maioritariamente de estudantes oriundos de estratos sociais com menores rendimentos do que os do ensino público.

Adenda
O CDS contrapropõe mais bolsas para estudantes, em vez da redução das propinas. Merece apoio!

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Eu diria, um contrassenso

O Ministro das Finanças admitiu ser "discutível" ter descido o IVA dos restaurantes (13%) e não reduzir o da energia. Eu diria mesmo tratar-se de um contrassenso, nunca tendo concordado com a primeira medida, muito menos compreendendo o IVA ainda mais reduzido na hotelaria (6%), mesmo nos hotéis de luxo!
Mas, decididamente, consistência é coisa que em Portugal não caracteriza o sistema fiscal, demasiado ao saber do poder dos lóbis empresariais e da sua influência política...

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Não basta melhorar

Embora melhorando em vários indicadores, Portugal baixou no ranking da competitividade das economias. Tal como no crescimento económico, não basta melhorar o desempenho, sendo preciso não sermos ultrapassados por países que melhoram mais do que nós - como está a acontecer.
Ora, na economia globalizada de hoje e integrando a UE, a produtividade e a competitividade externa da economia é o principal desafio da economia portuguesa - que não estamos a ganhar...

Responsabilidade política

O Chefe do Estado-Maior do Exército apresentou demissão na sequência da substituição do Ministro da Defesa.
É caso para dizer que o sentido da responsabilidade pública no exercício de cargos de chefia chegou onde devia ter chegado há muito no lamentável e comprometedor folhetim de Tancos. O que surpreende é que o anterior Ministro não tenha feito valer desde o início a responsabilidade dos militares encarregados da segurança dos paióis de Tancos e, em última instância, da chefia do Exército.
Mas mais vale tarde do que nunca!

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Ai, a dívida (16): O "fetiche do défice zero"

1. A "esquerda da esquerda", que sempre achou que o Estado pode gastar à tripa forra recorrendo a  dinheiro emprestado, acha que o objetivo do défice zero é um "fetiche" austeritário.
Ora, eu até penso que, como defendi aqui várias vezes, com a montanha de dívida pública que tem - a terceira mais elevada na UE -, o País já devia estar em excedente orçamental desde pelo menos que a economia está a crescer acima dos 2%, aproveitando o verdadeiro paraíso orçamental que é a conjugação do crescimento abundante da receita pública (impostos, taxas e contribuições) e a baixa da taxa de juros, que poupa  centenas de milhões de euros em encargos da dívida pública.
Por isso, nestas circunstâncias o défice zero não é nenhum fetiche doutrinário, nem sequer um objetivo ambicioso, sendo o limiar mínimo em que o Estado deixa de continuar a acumular dívida pública. De facto, por pequeno que seja, défice orçamental significa sempre mais dívida.

2. Não falta também na Geringonça governativa quem se vanglorie de que nunca um governo de direita foi tão longe na redução do défice das contas públicas. Mas eu duvido que nas condições excecionalmente favoráveis prevalecentes algum Governo responsável pudesse fazer pior, pelo contrário.
Primeiro, com o crescimento económico a "bombar" uma cornucópia de impostos, contribuições e taxas sem precedente, com um nível elevado de tributação fiscal, com uma nutrida poupança de encargos da dívida pública e com a restrição excecional do investimento público, o que admira é que ainda continuemos a recorrer à dívida para financiar a despesa pública.
De facto,  tirando o último dos fatores referidos, os demais não dependem propriamente de decisão ou da vontade politica do Governo em funções, porque vindos de trás (como o crescimento ou a "enorme subida de impostos" do Governo anterior) ou por serem devidos a terceiros (por exemplo, a baixa taxa de juros como resultado da política monetária do BCE).

3. O que é mérito do Governo é a determinação política de, apesar do pródigo aumento da despesa pública por pressão dos parceiros da Geringonça - como se nota mais uma vez no orçamento para 2019 -, não ter cedido demais, de modo a cumprir os principais objetivos de consolidação orçamental requeridos pela UE. Não é um pequeno feito, mas as condições existentes justificavam bem mais, no sentido da redução do peso da dívida pública, de modo a minorar os riscos de uma provável inversão do ciclo económico e do aumento da taxa de juro.
De facto, sendo a receita pública muito sensível a uma eventual contração da economia e do emprego, o mesmo não sucede com a despesa pública com salários, pensões e transferências sociais, que é muito mais rígida. Nesse caso, não devia ser ignorado o perigo de regresso a défices orçamentais elevados e de novo aumento da dívida pública.

domingo, 14 de outubro de 2018

III Congresso Internacional de Direitos Humanos

Amanhã vou inaugurar este III Congresso de Direitos Humanos de Coimbra, um colóquio internacional de três dias, tendo por base uma cooperação luso-brasileira, com dezenas de simpósios temáticos e mais de duas centenas de contribuições escritas e mais de 500 inscrições.
Um caso pouco comum no nossa paisagem académica.

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

"Livres e iguais" (6): O site das comemorações

1. Eis o website das Comemorações dos 70 anos da DUDH e dos 40 anos da Adesão de Portugal à CEDH , onde pode conhecer o programa e acompanhar todos os eventos.
Beneficiando ao alto patrocínio do Presidente da República, as comemorações incluem iniciativas de numerosas instituições, incluindo o Governo e a AR, universidades, tribunais, entidades públicas independentes (como a Provedoria de Justiça e a Comissão da Liberdade Religiosa), ONGs, FCG, etc.
Algumas iniciativas específicas gozam do apoio financeiro externo, nomeadamente da CGD e da Sportzone.

2. Como Comissário das Comemorações, julgo que estamos a celebrar condignamente esses dois grandes instrumentos da proteção internacional de Direitos Humanos, a que Portugal só aderiu há 40 anos, na sequência da revolução de 1974 e da CRP de 1976.
Depois de se ter tornado, com a Constituição, em Estado de direitos fundamentais, Portugal tornou-se desde então também num "Estado de direitos humanos". Algo de que nos devemos orgulhar.

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Livres e iguais (5): O papel dos tribunais

Amanhã vou estar numa sessão organizada pelo tribunal de comarca de Santarém, no quadro das comemorações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e dos 40 anos da adesão de Portugal à Convenção Europeia de Direitos Humanos (CEDH), das quais sou comissário.
É a primeira de uma série de iniciativas judiciais no âmbito das referidas comemorações, testemunhando a crescente consciencialização dos operadores judiciais para a importância decisiva da proteção internacional dos direitos humanos, em paralelo com a proteção constitucional interna.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Geringonça (11) - Cedências políticas

1. Numa entrevista ao Público, o dirigente portuense do PS, Manuel Pizarro, afirma que não deve haver mais parcerias público-privadas (PPPs) na montagem e/ou gestão de hospitais do SNS e que as quatro situações existentes - Cascais, Loures, V. F. de Xira e Braga (na imagem) - não devem ser aumentadas.
Não se compreende bem este posição. De duas uma: ou as PPPs resultam bem, em termos de resultados e de custos, e então não há nenhuma razão para não haver mais; ou não provam bem, e então devem ser descontinuadas quando chegar o seu termo. Ora, todos os estudos existentes, incluindo relatórios do Tribunal de Contas, revelam que as PPPs na saúde estão a ter bom desempenho, quando comparado com a gestão pública, pelo que nada justifica não serem ampliadas.

2. Seguramente que o PS não compartilha do ponto de vista ideológico dos partidos da  "esquerda da esquerda", segundo o qual as PPPs são por definição más, pelo que devem ser resgatadas as que existem.
Antes de mais, os hospitais em regime de PPP continuam a ser hospitais públicos e a integrar o SNS, revertendo para o Estado no final do contrato de gestão (ou de construção e gestão). Sob o ponto de vista dos utentes só importa saber se são mais bem ou mal servidos.
Na verdade, foi um governo PS que lançou a primeira experiência de PPP no Hospital Amadora-Sintra (1996), tendo o partido mantido desde então abertura a essa solução. O que sucede agora é que, não podendo sufragar o radicalismo da BE e do PCP e rejeitando o cancelamento das PPPs existentes, o PS acaba, porém, por recusar a instituição de novas parcerias para agradar aos referidos parceiros. Já foi anunciado que a proposta governamental da Lei de Bases da Saúde cortou a menção às PPPs que constava do anteprojeto.  Geringonça oblige...
Assim se sacrificam inconsequentemente os interesses dos contribuintes e dos utentes de cuidados de saúde aos dogmas ideológicos da esquerda radical. Depois admiremo-nos com as sucessivas derrapagens orçamentais do SNS...

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Privilégios judiciários


1. Como explica o Jornal de Notícias de hoje, os juízes e agentes do Ministério Público jubilados recebem uma pensão superior à remuneração dos magistrados no ativo, dado que além do extraordinário privilégio de a pensão ter o valor da remuneração (incluindo o subsídio de residência!), gozam da vantagem adicional de não descontarem a contribuição para a Caixa Geral de Aposentações, por já não estarem no ativo, recebendo portanto esse valor de 11% da remuneração.
Parece que, finalmente, esta segunda benesse (não a primeira!) vai ser removida. mas como é que ela pôde manter-se durante décadas sem escândalo público revela não somente o défice de informação e de revolta pública mas também a capacidade de perpetuação dos privilégios entre nós.

2. Em nota à margem a esta peça, o Jornal de Notícias observa que também os professores universitários podem ser "jubilados", dando a entender que gozam dos mesmos privilégios.
Mas trata-se de misturar alhos com bugalhos, pois não há nada em comum. Por um lado, no caso dos professores, a jubilação só se atinge aos 70 anos, excluindo quem se aposente antes dessa idade, o que não sucede no caso dos juízes e agentes do MP, que jubilam automaticamente quando se aposentam. Por outro lado, as pensões dos professores são calculadas ao abrigo do regime geral, como deve ser, pelo que a "taxa de substituição" (rácio entre a pensão e a remuneração) não é 111% (nem 100%), como no caso daqueles, mas sim os cerca de 70% de todos os funcionários públicos (com tendência para decrescer para menos de 60%).

domingo, 30 de setembro de 2018

China versus Portugal


Aqui está o cabeçalho do meu artigo de hoje no Dinheiro Vivo, suplemento económico do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias. É sobre o litígio entre a EDP e o Estado sobre a compensação dos chamados Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMECs), que o Governo decidiu cortar e que os investidores estrangeiros da EDP anunciaram que vão contestar através de arbitragem internacional.
Como o principal acionista da elétrica nacional é, desde 2011, uma empresa estatal chinesa, o conflito passa a ser verdadeiramente entre a China e Portugal. Picante!

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Eleições no horizonte (4): A cambalhota

1. Afinal, não foi perdida a guerra dos táxis, ao contrário do que aqui se deu por certo. Na 25ª hora, o grupo parlamentar do PS, renegando a sua recente aprovação da "lei da Uber" e sua rejeição das propostas de PCP e do BE para estabelecer contingentes, assim como as garantias reiteradas dadas pelo seu Governo de que não haveria contingentes nas plataformas digitais de mobilidade, por se tratar de uma atividade livre, veio dar o dito por não dito e admitir que os municípios sejam autorizados a estabelecer tais quotas, que era a principal reivindicação dos taxistas!
Isto, no próprio dia em que o Primeiro-Ministro, no debate parlamentar com o Governo, sublinhava as virtudes da lei e rejeitava qualquer alteração desta. Ora, é evidente que para os municípios poderem estabelecer contingentes, tem de haver uma derrogação da lei, que os não prevê. De facto, só a lei pode estabelecer ou admitir restrições à liberdade de empresa. Os contingentes municipais de táxis existem porque lei os prevê, aliás imperativamente.
Sendo de excluir que o GP tenha feito a referida cedência aos taxistas sem luz verde do Governo, há aqui um óbvio jogo político duplo. Lastimável!

2. O que fica em aberto é a justificação para uma restrição tão grave à liberdade de iniciativa empresarial, sobretudo quando as plataformas não beneficiam de nenhuma das contrapartidas de que os táxis gozam. E o mesmo se diga para a admissão de regimes diferentes quanto à liberdade empresa, conforme os municípios. Temos aqui óbvios problemas constitucionais.
Além disso, para haver contingentes municipais, o âmbito territorial da atividade das plataformas também teria de ser reduzido ao âmbito municipal, como sucede com os táxis, assim cancelando uma das maiores virtudes das novas soluções de mobilidade. Um absurdo!
E, depois, como seriam repartidas as quotas pelas diferentes companhias existentes? E no caso de surgir um novo operador, como se faria: haveria redistribuição ou alargamento da quota?
É claro que no afã oportunista de dar alguma coisa aos taxistas, com as eleições à vista, os autores do flic-flac socialista não pensaram em nenhuma destas questões. Lamentável!