Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 30 de setembro de 2020
Presidenciais 2021 (3): A posição do PS
Praça da República (36): Sim, mas...
1. Parece-me evidente que um projeto de revisão constitucional que admite a pena de castração (química ou física) e a prisão perpétua choca com os limites materiais de revisão constitucional, estabelecidos na CRP, por afrontar garantias essenciais atualmente asseguradas na "Constituição penal", nomeadamente a enfática proibição de penas cruéis, infamantes ou degradantes e da prisão perpétua.
Mas não tenho a mesma certeza, pelo contrário, sobre a possibilidade de controlo preventivo da constitucionalidade desse projeto pela AR, para efeito de não ser admitido. Essa possibilidade radical não está prevista no procedimento de revisão constitucional e parece-me excessivo negar desse modo o poder de iniciativa da revisão constitucional.
Além dos mais, é desnecessário ir por aí, visto que, uma vez aberto o procedimento de revisão constitucional, basta rejeitar liminarmente tal projeto.
2. O que este projeto de alteração da Constituição vem pôr em destaque é o risco de admitir (i) que a iniciativa de revisão constitucional possa ser tomada por um único deputado (em vez de se exigir um número mínimo) e (ii) que o procedimento de revisão constitucional seja automaticamente aberto pela apresentação de um projeto de revisão, sem necessidade de uma deliberação parlamentar para o efeito.
É de esperar que na próxima revisão constitucional este dois aspetos sejam corrigidos.
Torna-se evidente que a entrada de partidos de direita radical no parlamento alterou os dados com que até agora se contava sobre a consensualidade da ordem constitucional liberal-democrática estabelecida em 1976.
Adenda (1/10)
Estou de acordo com o projeto de parecer da deputada Isabel Moreira, que vai no sentido acima defendido: a AR não pode recusar-se liminarmente a admitir projetos de revisão constitucional por motivo de inconstitucionalidade (ou seja, por violação dos limites materiais de revisão).
terça-feira, 29 de setembro de 2020
Concordo (16): Direitos de cidadania
1. Tem razão o Presidente da Assembleia da República quando rejeita, por manifesta inconstitucionalidade, um projeto de lei que reservava o acesso a cargos governativos para os portugueses originários (ou seja, pelo nascimento), excluindo todos o que tenham adquirido nacionalidade portuguesa por outro título (casamento, adoção, naturalização).
Na verdade o art. 50º da Constituição garante o direito de acesso a cargos públicos a “todos os cidadãos (...), em condições de igualdade e liberdade”. O único cargo político que a Constituição reserva a cidadãos portugueses originários é o Presidente da República, nos termos do art. 122º.
Aliás, é fácil ver que pode ter maior ligação a Portugal e ser mais genuinamente português alguém que tenha nascido em Portugal, mas só mais tarde tenha adquirido a nacionalidade, do que um português de origem nascido no estrangeiro e que nunca tenha vivido em Portugal.
2. De resto, a Constituição também não distingue conforme os cidadãos tenham ou não outra nacionalidade, o que a lei portuguesa da nacionalidade permite. Portanto, os portugueses podem ser membros do Governo mesmo que também tenham outra nacionalidade .
Acresce que nem só os portugueses têm direito de acesso a cargos governativos, pois desse direito gozam também os cidadãos lusófonos residentes que tenham estatuto de equiparação, tal como estatui o art. 15º-2 da CRP, que só exclui dessa abertura o Primeiro-Ministro (entre outros cargos políticos excepcionados). Por conseguinte, a nacionalidade não é condição absoluta para o exercício de direitos de cidadania em Portugal.
Notoriamente, o nacionalismo político, populista ou não, dá-se mal com a "cidadania cosmopolita" da Constituição.
segunda-feira, 28 de setembro de 2020
Não concordo (17): Aposentações antecipadas, não!
Primeiramente, é desde logo questionável a noção de "envelhecimento" da Administração Pública; hoje não se é velho para trabalhar aos 60 anos (nem aos 70!). Aliás, as áreas em que se justifica ter pessoal mais jovem no setor público (defesa, segurança e outros) já estão devidamente cobertas por regimes especiais.
Em segundo lugar, não faz sentido que o Estado tenha decretado há cerca de 15 anos a subida da idade de aposentação, tendo em conta a esperança de vida, e depois venha ele próprio contornar essa prudente medida de gestão financeira através de um programa de aposentações antecipadas, que iria aumentar ainda mais a despesa pública com pessoal (pensões mais remunerações), tanto mais que tal programa implicaria obviamente a desaplicação do "fator de sustentabilidade" no cálculo das pensões de aposentação antecipada.
2. Mais do que de funcionários mais jovens, o que a Administração Pública precisa para ser mais eficiente é de ter melhores funcionários e de capacidade para atrair melhores funcionários, sobretudo quanto aos cargos dirigentes e quadros superiores, o que tem a ver sobretudo com formação e qualificação dos que estão em atividade, com maior mobilidade interna, com uma ética de serviço público a sério, com avliação de desempenho e menor tolerância em relação ao absentismo, coma revisão do insustentável regime das carreiras especiais e com melhores condições de recrutamento, especialmente ao nível da remuneração.
Praça da República (35): Contra o presidencialismo
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (19): Dois séculos de eleições em Portugal
1. No âmbito das comemorações do bicentenário da Revolução Liberal, a Universidade Lusíada Norte (Porto), com o apoio do município do Porto, programou uma conferência internacional sobre o constitucionalismo eleitoral ao longo destes dois séculos, a começar naturalmente pelas primeiras eleições constituintes, em 1820.
A epidemia do COVID 19 impediu obviamente a realização presencial do evento, até porque ele incluía desde o início a participação de conferencistas estrangeiros, nomeadamente do Brasil. Por isso, desde junho os organizadores decidiram manter o calendário (ao contrário do que ocorreu com outras conferências programadas), mas mudar para um modelo à distância, através de apresentações eletrónicas.
2. O resultado, hoje disponibilizado ao público, é plenamente satisfatório, com nada menos do que 19 comunicações, abrangendo desde as eleições às antigas Cortes tradicionais até às eleições parlamentares e presidenciais no sistema constitucional de 1976.
Quanto à minha apresentação, ela constitui um estudo comparativo das eleições diretas do Presidente da República em Portugal, desde a experiência sidonista de 1918 à CRP de 1976, passando pela eleição de Carmona em 1927 ("Ditadura Nacional") e as eleições presidenciais no chamado "Estado Novo"(Constituição de 1933), desde a origem até 1958, quando o regime salazarista abandonou a eleição direta, depois do susto da candidatura de Humberto Delgado.
segunda-feira, 21 de setembro de 2020
Bicentenário da Revolução Liberal (18): "Os 40 dias que mudaram Portugal"
Subtitulado "O 40 das que mudaram Portugal", o livro conta, de modo original, através de relatos coevos e de memórias dos seus protagonistas, a preparação e o desencadeamento da ação revolucionária no Porto em 24 de agosto e o subsequente progresso em direção a Lisboa, passando por Coimbra, Leiria e Alcobaça, até à entrada triunfal na capital, no Palácio do Governo, no dia 1 de de outubro.
Assim decorreu a primeira fase da Revolução que pôs fim ao Antigo Regime e à monarquia absoluta, dando um passo decisivo na edificação do Portugal moderno.
Aplauso (15): Recuperar o património público abandonado
Merece destaque esta iniciativa cívica de localização, mapeamento e denúncia de património público edificado abandonado, hoje relatada no Público. São seguramente centenas de edifícios por esse país fora, que a incúria e o descaso oficial, sobretudo do poder central, deixam degradar irresponsavelmente.
Se o Estado não tem serventia para dar a esses edifícios, que os ceda (por venda ou arrendamento) a quem o queira fazer. Deixar cair é que não! Urge um plano nacional de recuperação do património abandonado.
quarta-feira, 16 de setembro de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (17): Felizmente há quem não esqueça
Honra lhes seja prestada!
2. Entre outras iniciativas que merecem referência saliento duas, uma local, outra nacional:
- a exposição da Sociedade Martins Sarmento em Guimarães (imagem acima), detentora de um grande acervo iconográfico sobre a Revolução;
- a série de programas da Antena 2, "Há 200 anos", preenchidos com a apresentação de testemunhos coevos e dos debates político-ideológicos que a Revolução gerou.
sábado, 12 de setembro de 2020
Não dá para entender (20): A promiscuidade entre a política e o futebol
Não compreendo como é que o Primeiro-Ministro e o presidente da câmara municipal de Lisboa se permitem aparecer a apoiar publicamente uma candidatura nas eleições de um clube de futebol.
Antes de mais, mesmo como adeptos desse clube, não deviam utilizar a sua notoriedade política para favorecer uma candidatura nas eleições do clube; é uma questão de deontologia política. Em segundo lugar, e sobretudo, o futebol entre nós, com o curriculo que tem, não é um sítio visitável por políticos honestos, como é o caso; é uma questão de ética política. Se o código deontológico dos governantes não impede essa ligação, devia ser revisto rugentemnte.
A promiscuidade entre o futebol e a política é um dos cancros que corrói a nossa democracia.
Adenda
O Presidente da República fez bem em não se pronunciar publicamente sobre esta caso; mas penso que poderia ter assegurado que, mesmo que fosse do Benfica, não deixaria incluir o seu nome numa comissão de honra de Luís Filipe Pereira. Não tenho a mínima dúvida.
Adenda (2)
Fernando Medina alega que já foi apoiante de Vieira há 4 anos. Mas a reincidência numa falta só a torna mais censurável. E desta vez sucede que Vieira é arguido num grave crime de corrupção de juízes, e isso piora tudo.
terça-feira, 8 de setembro de 2020
Vicente Jorge Silva (1945-2020): Não morre quem à vida se entregou assim
Quem vive assim a vida, não morre!
2. Há quase duas décadas, foi de uma tertúlia por si reunida e animada que nasceu este blogue (por se reunir habitualmente no restaurante Casa Nostra no Bairro Alto, em Lisboa). E embora ele nunca se tivesse familiarizado com a escrita bloguística e cedo tivesse deixado de colaborar no Causa Nossa, já a tertúlia originária se manteve ao longo do tempo, resistindo aos avatares da vida, em longos encontros comensais, o último dos quais em janeiro passado, antes da pandemia, pese embora a doença que veio a vitimá-lo e a sua residência na Madeira.
Enquanto o Causa Nossa viver, o Vicente vai continuar vivo entre nós, ali acima, no cabeçalho do blogue, a vigiar pelo espírito que nos mobilizou desde a origem. Até sempre, meu velho!
Presidenciais 2021 (2): Ana Gomes
O atual espectro político nacional fica razoavelmente representado - o que é bom. Não é provável nenhum candidato da área do CDS, atualmente em declínio acentuado, que deve preferir juntar-se ao carro vencedor da candidatura do atual Presidente.
2. A candidatura de Ana Gomes não vai dispor obviamente do apoio político nem institucional do PS, mas pode ajudar a inibir o PS de apoiar oficialmente a candidatura de MRS, optando por dar liberdade de voto aos seus militantes e simpatizantes, mesmo que a maior parte dos dirigentes votem na recondução do atual Presidente.
Para atenuar uma constrangedora divisão política do Partido, é mesmo de admitir que se opte por aconselhar um low profile na manifestação pública das preferências eleitorais dos dirigentes e membros do Governo.
3. Ana Gomes tem vários desafios à sua frente nesta candidatura.
O primeiro consiste em conceber uma plataforma eleitoral mobilizadora que coloque na agenda do debate os temas que lhe são caros (igualdade e combate à discriminação, luta contra a corrupção e o tráfico de influências, evasão fiscal, corporativismo, captura do Estado por interesses de vária ordem, lentidão da justiça, etc.), sem a tonalidade radical e simplista que tantas vezes caracteriza a sua intervenção pública, o que aliena apoios, mesmo na área do PS.
O segundo desafio consiste em disputar convincentemente um eleitorado em boa parte cobiçado pelas outras candidaturas na esquerda, sem as hostilizar. Trata-se de uma tarefa tanto mais difícil, quanto ela não dispõe do apoio das estruturas partidárias que os outros dois candidatos têm -, o que constitui um handicap sério na organização da campanha e no seu financimento.
Não vai ser tarefa fácil!
[Corrigido o título e o §1]
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
Bicentenário da Revolução Liberal (16): "Liberdade. igualdade e cidadania"
Com efeito, considero que a grande mudança da Revolução consistiu justamente na substituição do estatuto políticos dos portugueses, de súbditos de uma monarquia absoluta, desprovidos de direitos políticos, para cidadãos de uma nação em que passaram a ser cotitulares da soberania e do poder legislativo, nomeadamente através do direito de sufrágio e da representação parlamentar.
A verdadeira trilogia da Revolução Liberal foi Liberdade, Igualdade e Cidadania!
quarta-feira, 2 de setembro de 2020
Aplauso (15): Uma brecha no malthusianismo profissional
Há muitos anos que travo essa luta. Finalmente, uma vitória.
2. Um das grandes malefícios das ordens profissionais em geral, especialmente no setor da saúde, tem sido a sua permanente luta pela restrição do acesso à profissão, quer pela limitação das vagas nos cursos de Medicina, quer pelas excessivas exigências de formação médica, à custa da liberdade de escolha da profissão (salvo para quem tem meios de obter o curso no estrangeiro) e do constrangimento no SNS no recrutamento de médicos.
Está em causa obviamente manter uma coutada profissional bem-remunerada, com inúmeras acumulações entre o público e o privado e com preços de consultas e serviços médicos mais elevados do que em muitos outros países europeus. Mas, como escrevia há uns anos, sobre o mesmo tema, a concorrência profissional não faz mal a ninguém.
3. A criação da nova escola de medicina no ensino superior privado não dispensa as faculdades de medicina públicas de alargarem a sua frequência, pois nem toda a gente tem meios para pagar as elevadas propinas do ensino privado, nem pode impedir a criação de outras faculdades privadas noutras cidades, por entidades que tenham os recursos necessários e ofereçam as devidas garantias. A UC não pode ficar com o monopólio do ensino privado da medicina.
É tempo de liberalizar efetivamente, com as devidas cautelas, o ensino médico e também a formação de médicos, dividindo as águas. O Estado, que tem a seu cargo o SNS, não tem nenhuma obrigação de investir na formação de médicos do setor privado.
Pandemia (29): Paradoxo
Os dois gráficos de cima mostram que, como é previsível, os países mais afluentes, com melhores níveis de educação e de informação, têm mais elevados níveis de confiança na ciência e nos médicos do que os países pobres. Contraditoriamente, porém, o gráfico de baixo revela que os mesmos países ricos apresentam menores percentagens de pessoas que acreditam que as vacinas são seguras. Em países como a França, a Suíça ou a Áustria são pouco mais de metade os que confiam em vacinas. E no Japão são muito menos de metade!
2. Copo explicar este paradoxo, se as vacinas são o resultado da ciência aplicada à medicina?
E que consequências poderá ter essa resistência às vacinas na esperada vacina contra o Covid-19? Como travar definitivamente a pandemia e obter imunidade comunitária, se metade da população se recusar a vacinar-se? Será de recorrer à vacinação forçada, à custa de coimas ou outras sanções, em nome da saúde pública?
terça-feira, 1 de setembro de 2020
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
Memórias acidentais (11): Gratidão
O combate cultural foi uma frente essencial na resistência, pública e clandestina, à ditadura.
2. Tal como muitos estudantes e jovens académicos desses anos, tive o privilégio de privar com Joaquim Namorado, especialmente nos encontros quase diários no café Tropical (à Praça da República) e nas reuniões semanais da redação da Vértice, que a seu convite integrei a partir de 1969.
Para além da suas firmes convicções políticas e ideológicas como militante comunista que era (o que lhe valera uma prisão e a interdição de ensinar) e da sua crença inabalável na emancipação humana, o que impressionava em Joaquim Namorado era vastidão do seu conhecimento da literatura e da arte, a sua coragem intelectual, a sua firmeza de caráter e a sua integridade moral.
3. Na Coimbra dos anos 60 e 70, sob a ditadura, até 1974, a minha geração, tal como outras antes e depois, deve a Joaquim Namorado (assim como a Orlando de Carvalho, um católico progressista que compartilhava essas mesmas virtudes), não somente uma sólida amizade, mas também um incentivo e um apoio que foram decisivos na nossa formação pessoal, intelectual e política. A reedição da sua poesia é um boa oportunidade para o recordar.
E nem as diferenças de opinião da altura (por exemplo, quanto à União Soviética) nem a minha posterior evolução doutrinal e política permitem obnubilar a dívida de gratidão para com personalidades como Joaquim Namorado.
Não dá para entender (19): Deferência?
O Presidente da República fez bem em alertar para essa anomalia. O público, incluindo os visitantes da Festa, tem direito a conhecer as medidas recomendadas para minorar os riscos. Não dá para entender a deferência da DGS para com o PCP!
Adenda
Perante o clamor público, o PCP decidiu divulgar as referidas recomendações. Ainda bem!
domingo, 30 de agosto de 2020
Puerta del Sol (6): Maus augúrios
Numa conjunção claramente desfavorável, parece que em Espanha não há mal que venha só.
segunda-feira, 24 de agosto de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (14): O dia de Fernandes Tomás
É uma data e uma revolução sem paralelo na história política nacional quanto à profundidade da transformação política envolvida e quanto às suas repercussões no futuro do País, até hoje. Das várias constituições nacionais nenhuma foi um antecedente tão importante da atual Constituição democrática de 1976 como a Constituição vintista de 1822. A sua própria vigência foi curta (menos de um ano), mas a sua influência sobre as constituições posteriores mais progressistas (Constituição setembrista de 1838, Constituição republicana de 1911 e Constituição de 1976) foi profunda e duradoura.
2. Para celebrar os 200 anos da Revolução Liberal nada mais pertinente do que participar na homenagem que todos anos, nesta data, a Figueira da Foz presta a Manuel Fernandes Tomás, filho da terra e protagonista maior da Revolução, seu principal mentor e doutrinador, este ano assinalada especialmente pelo lançamento de uma coletânea da obra política do homenageado, da autoria do Prof. José Luís Cardoso, um especialista da Revolução Liberal e do próprio Fernandes Tomás, sendo autor de uma biografia deste (1983), também reeditada este ano.
Cabe-me a honra de apresentar o novo livro, que ao longo das suas mais de 500 páginas, para além de um excelente estudo introdutório, colige os escritos de Fernandes Tomás como líder revolucionário, como governante, como publicista e, especialmente, como ativo e influente deputado às Cortes Constituintes.
A comemoração dos grandes eventos históricos traz sempre, pelo menos, um avanço no seu conhecimento. Na já volumosa bibliografia sobre a Revolução Liberal, esta torna-se uma obra imprescindível para compreender a dinâmica da Revolução e as opções avançadas da Constituição de 1822.
sexta-feira, 21 de agosto de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (14): A crucial adesão de Coimbra
Dada a sua posição geográfica e a sua importância académica e militar na época, Coimbra tornou-se um objetivo estratégico tanto para a Junta revolucionária do Porto, como condição de controlo do centro do País e etapa para a conquista do poder em Lisboa, como para a Regência de Lisboa, como meio de confinamento da revolução a Norte.
2. A disputa por Coimbra foi breve e saldou-se pela decidida adesão da cidade à causa revolucionária, com amplo apoio das instituições (câmara municipal, Universidade, Casa dos 24), das "forças vivas" e da população, sendo de sublinhar o papel ativo do presidente do município e do bispo e reitor da Universidade.
Foi em Coimbra que a Junta, entretanto deslocada do Porto, rechaçou a tentativa falsamente conciliatória da Regência de Lisboa para desativar a Revolução e recebeu logo depois a boa nova da sublevação lisboeta de 15 de setembro, abrindo o caminho ao triunfo da Revolução, com a entrada triunfal em Lisboa, em 1 de outubro.
Por tudo isto, a "conquista" de Coimbra para a causa liberal constituiu um passo decisivo para o seu triunfo. O manifesto de gratidão da Junta à população de Coimbra, de 17 de setembro, assinala esse episódio memorável da história política da cidade.
quinta-feira, 20 de agosto de 2020
Praça da República (35): O hipercorporativismo da Justiça
«É consabida a hiper-independência dos Tribunais e seus atores face à Assembleia da República (onde reside o núcleo central da Democracia) e ninguém conhece qualquer momento de responsabilização dos agentes da justiça e seus Governos face ao Parlamento.»De facto, se a função judicial é constitucionalmente independente, nada justifica a ausência de prestação de contas dos órgãos de gestão dos corpos judiciários, ou seja, o CSM e a PGR, nomeadamente um relatório anual ao Parlamento e apresentação dos responsáveis perante a comissão parlamentar competente.
2. Um coisa é a presença necessariamente minoritária de representantes do Parlamento nesses órgãos de cogoverno das magistraturas, outra é a prestação de contas institucional. O caso é ainda mais estranho no caso do Ministério Público, que constitucionalmente tem a obrigação de colaborar na execução da política criminal definida pela AR, que a PGR deveria ser chamada a dar conta da execução desse mandato.
Num Estado de direito democrático, nenhum poder, por mais independente que seja, pode estar imune à prestação de contas pública sobre a sua gestão.
terça-feira, 18 de agosto de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (13): Desvalorização descabida
Ora, além de ter sido uma verdadeira e própria revolução - como movimento de ataque ao poder e ao regime político vigente, visando a implantação de novas instituições -, 1820-22 representou porventura a mais profunda e decisiva rutura política na história nacional, não somente pela substituição da monarquia absoluta por um Estado constitucional assente na soberania nacional, no poder politico representativo, na liberdade e na cidadania, na separação de poderes e na limitação do poder do Estado, mas também pelos seu legado duradouro na história político-constitucional nacional, até à Constituição de 1976.
2. Também não me parece de todo injustificado referir um "aparente alheamento da academia e das instituições políticas” em relação às comemorações do bicentenário. Pelo contrário.
Só a pandemia impediu a realização em tempo de vários colóquios universitários programados para este ano (do meu conhecimento: 3 no Porto, 1 Coimbra e outro em Lisboa), alguns de âmbito internacional. Há também a contar com os livros anunciados, 2 já publicados e vários outros em vias de o serem.
Quanto às instituições políticas, parece-me injusto ignorar pelo menos o notável programa comemorativo do município do Porto, apesar de a pandemia ter obrigado à sua recalendarização quase integral.
De resto, vergonha seria deixar passar despercebido o bicentenário do início do Portugal moderno. Afinal, todos somos herdeiros da Revolução de 1820.
terça-feira, 14 de julho de 2020
Praça da República (36): Estranha diferença
Mas no caso da Banco de Portugal, a que essa lei não se aplica, o respetiva Lei Orgânica também exige uma audição parlamentar dos candidatos a Governador e demais administradores, mas, ao contrário das demais entidades reguladoras, essa audição limita-se a dar num "relatório descritivo", sem que haja um parecer fundamentado, favorável ou não, à nomeação.
Porquê a diferença?
2. Parece óbvio que, por maioria de razão, o regime de nomeação deveria ser o mesmo no caso do Banco de Portugal, o qual, além de banco central, é seguramente o mais poderoso e influente dos reguladores/supervisores no nosso sistema económico-financeiro.
A ideia que dá é que, na sua tradicional soberba institucional, o Banco de Portugal conseguiu do legislador um regime mais favorável, que liberta o Governador e demais administradores de um eventual parecer negativo do parlamento, que pusesse em causa a escolha governmental.
quinta-feira, 9 de julho de 2020
O que o Presidente não deve fazer (22): Porta-voz do Governo
Uma nova dimensão dessa intervenção presidencial é o facto de ter assumido por vezes o papel de porta-voz do Governo, como neste caso, em que anuncia uma nova medida sobre a pandemia, tecendo outras considerações, como se fora Primeiro-Ministro ou Ministro da Saúde.
2. De facto, não cabe constitucionalmente ao PR envolver-se na política ou na ação governativa, nem muito menos funcionar como porta-voz governamental. Pelo contrário, é ao Governo que incumbe informar o Presidente sobre as suas decisões, o que pressupõe que ele não toma parte nelas.
No nosso sistema constitucional, a condução política e administrativa do País cabe em exclusivo ao Governo, que sobre ela é responsável perante a AR, e não ao Presidente da República, que nem é eleito para isso, nem pode ser politicamente corresponsabilizado pela ação (ou inação) governativa.
A função constitucional do PR supõe um adequado distanciamento em relação ao Governo, condição necessária do escrutínio que lhe cabe exercer sobre o funcionamento do sistema político, pelo não pode parecer nem coach nem coadjutor do executivo.
Como reza o ditado popular, "cada macaco no seu galho"...
quarta-feira, 8 de julho de 2020
Gostaria de ter escrito isto (26): Contra a intolerância ideológica
A superioridade moral e política da esquerda na luta por esses objetivos não deve decorrer somente dos valores por que luta, mas também do modo diferente como se prosseguem, sem dogma nem coerção.
2. Há que rejeitar tanto a violência e a destruição anarquista como o totalitarismo ideológico com que a esquerda radical quer rever retroativamente a história. A luta contra o autoritarismo de direita não pode adotar os seus métodos, nem responder à sua vocação nacionalista com apelos tribalistas e identitários, tão excludentes como aquela.
Como se diz no manifesto, «The way to defeat bad ideas is by exposure, argument, and persuasion, not by trying to silence or wish them away».
Não com os meus impostos (2): Era o que faltava!
2. Aos contribuintes do Continente já basta terem de pagar os elevados custos do socorro financeiro à TAP, que, aliás, os contribuintes insulares não compartilham, apesar de serem beneficiários do serviço da empresa nacional.
Num País territorialmente descentralizado, cada comunidade territorial deve assumir as suas próprias responsabilidades financeiras, de acordo com o princípio beneficiário-pagador. A autonomia financeira insular não inclui só benefícios (que aliás são muitos), mas também as correspondentes responsabilidades.
Adenda
Um leitor pergunta porque é que o financiamento da intervenção na TAP não impende sobre todos contribuintes nacionais. A resposta é simples: porque todas as receitas fiscais cobradas nas ilhas revertem para o orçamento regional e, portanto, todas as despesas do Estado são financiadas somente pelos contribuintes do Continente, incluindo as despesas do Estado nas ilhas (como as universidades e os tribunais, etc.). Os contribuintes insulares nem sequer contribuem para financiar as despesas gerais da República (órgãos de soberania, forças armadas, polícia, etc.). O caso mais bizarro é o da contribuição nacional para a União Europeia, que é suportada somente pelo orçamento do Estado (ou seja, pelos contribuintes continentais), apesar de as ilhas serem dos maiores beneficiários dos fundos da União...
terça-feira, 7 de julho de 2020
Praça da República (35): Custou a perceber
Desde o princípio, há vários anos, que aqui sempre se defendeu tal entendimento. Não era preciso perder tanto tempo em tentativas legislativas votadas ao fracasso, "chateando" o Tribunal Constitucional.
2. Existem, aliás, outros pontos sensíveis que carecem igualmente de revisão constitucional, como, por exemplo, o internamento compulsivo de portadores de doença infeto-contagiosa e a participação das forças armadas em missões de segurança interna.
Ambas são providências necessárias, mas também sem margem constitucional atualmente. A tentação nestes casos é contornar a Constituição e forçar factos legislativos consumados, que ninguem impugna, por as soluções serem justificáveis, assim se contribuindo para a erosão da força normativa da Constituição.
domingo, 5 de julho de 2020
Depois da pandemia (7): Condicionalidades do apoio público à recuperação
Num e noutro caso, o esforço do Estado não deve ser feito a esmo, antes deve obedecer ao desígnio de solucionar os principais instrumentos e défices de eficiência da economia portuguesa, tal como apontados regularmente nas recomendações da Comissão Europeia. De resto, esse deve ser seguramente um critério básico para o financiamento de projetos nacionais pelo Fundo de Recuperação em vias de aprovação pela União.
Não se trata de conseguir uma retoma económica qualquer, mas sim de ajudar a forjar uma e economia mais resiliente.
2. No que respeita a empresas privadas, o apoio público, além de dever excluir empresas inviáveis, deve ser sujeitos a um conjunto de condicionalidades apropriadas, a começar pelas de natureza ambiental, nomeadamente redução de emissões de CO2 - que aliás devem constar das normas da União Europeia em relação a referido Fundo de Recuperação -, assim como de natureza social, especialmente em matéria de emprego.
Mas há outras condições que se justificam, como a exclusão das empresas sediadas em paraísos fiscais, tal como decidido pela AR no "orçamento suplementar". Na mesma linha deveriam ser consideradas restrições à distribuição de lucros e à remuneração de gestores.
Não devem ser somente os trabalhadores a pagar os custos das recessão, como é habitual.
sábado, 4 de julho de 2020
Aplauso (14): Feliz desenlace
Na verdade, os partidos de vocação governativa são necessariamente de largo espetro político e doutrinário, não podendo dar-se ao luxo de alienar quadros de elevada craveira, só por não alinharem com a tendência dominante em cada fase da vida do partido. De resto, isso está de acordo com a melhor tradição política do PS.
Adenda
Um leitor pergunta malevolamente se, considerando a convergência de posições com as de Assis, também eu estou "à espera de um prémio assim". A pergunta é de todo descabida, por duas razões: (i) não sendo eu filiado no PS, não me poderia considerar "marginalizado" dentro do Partido; (ii) estou deliberadamente fora da esfera política há vários anos, pelo que está excluído o desempenho de qualquer cargo dessa natureza. Sou, portanto, somente um cidadão que têm opiniões políticas e que não prescinde da liberdade de as exteriorizar.