terça-feira, 21 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (5): Boas notícias para o PS

A somar ao rápido esvaziamento político da operação "Influencer" do MP contra o Governo - que as oposições se preparavam para explorar sem escrúpulos -, a continuação das boas notícias, como a subida do rating da República e da própria TAP - que refletem a boa situação da economia e das finanças públicas - são de molde a animar as expectativas eleitorais do PS e a desanimar as do PSD e da direita em geral.

Adenda
Provavelmente, o PS já encontrou o seu melhor cartaz de campanha - a manchete de hoje no Jornal de Negócios, resumindo a entrevista com Paul Krugman:


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Praça da República (77): À margem da Constituição!

1. Este artigo de uma magistrada superior do Ministério Público, no Público de hoje, é de leitura obrigatória, porque ele vem confirmar, a partir de dentro da instituição, tudo o que tem motivado as críticas à organização e funcionamento do MP, a começar neste blogue (por último, AQUI).

As questões essenciais são estas: (i) a Constituição diz que o Ministério Público «goza de (...) autonomia, nos termos da lei», mas o que temos hoje é uma estatuto de completa independência, não respondendo a instituição nem prestando contas, através do PGR, perante ninguém, nem perante a AR, nem perante o PR, que o nomeia e pode demiti-lo (sob proposta do PM); (ii) a Constituição diz que os agentes do MP «são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados», mas sabemos - e este artigo confirma-o inteiramente -, que não há hierarquia nem responsabilidade, prevalecendo, em vez disso, um sistema feudal, em que cada encarregado da investigação penal goza de pleno alvedrio na condução das mesmas, proporcionando terreno fértil para os abusos de poder individual, de acordo com as simpatias ou antipatias políticas de cada um, incluindo um patente golpe de Estado.

Em suma: o Ministério Público tornou-se um abcesso institucional manifestamente à margem da Constituição e das regras essenciais do Estado de direito.

2. Respeitando integralmente a sua autonomia constitucional, cumpre, porém, fazer valer a ordem constitucional no Ministério Público - em vez da ordem corporativa abusivamente representada pelo Sindicato dos magistrados -, a começar pela Procuradoria-Geral da República. 

Para isso impõe-se : (i) tornar o Procurador-geral a efetiva autoridade governativa e administrativa suprema no Ministério Público; (ii) obrigar a instituição, através do Procurador-geral, a prestar contas regulares da atividade do MP à AR e ao PR; (iii) instituir uma efetiva hierarquia e responsabilidade hierárquica interna, incluindo para efeitos disciplinares, retirando esta competência ao "parlamento" do CSMP; (iv) em especial, punir disciplinarmente e fazer punir penalmente os conluios entre magistrados do MP e a imprensa, principal fonte da sistemática e impune violação do segredo de justiça, sempre que estão em causa investigados politicamente expostos.

Tal como está, o MP tornou-se um risco sistémico para o Estado de direito constitucional, que urge afastar.

Adenda
É merecido o impacto público do artigo aqui comentado, como aqui na CNN. A autora vai certamente ser crucificada pelo corporativismo dominante na cultura da instituição, mas eu confio que seja o princípio do fim da sua imunidade ao escrutínio público.

Adenda 2
Um leitor considera que a correção desta situação necessita de uma intervenção política «que só um entendimento entre o PS e o PSD pode assegurar». Concordo e, por isso, lamento que o PS não tivesse dado seguimento, alegadamente em nome da defesa da independência da justiça - que não estava em causa -, à proposta do PSD de Rui Rio, a qual, é certo, não respondia a todos os problemas acima enunciados e continha algumas soluções controversas, mas podia ser ser utilizada como base de negociação.

Adenda 3
Outro leitor considera que o Ministério Público entrou em «deliberada operação de "legal warfare" contra o poder político, tal como foi concebida pela teoria e pela prática nos Estados Unidos», abusando do instrumental à sua disposição contra os agentes políticos, incluindo o vazamento para a imprensa de investigações sem fundamento, buscas espalhafatosas, previamente "filtradas", prisões preventivas arbitrárias, demora deliberada na investigação, violação sistemática do segredo de justiça e instrumentalização dos meios de comunicação mais populares, impugnação caprichosa das decisões dos juízes de instrução, etc. Sim, toda a panóplia conhecida da political lawfare, ou seja, utilização de instrumentos jurídicos como arma de guerra política, têm sido utilizados.

Bicentenário da Revolução Liberal (49): O triunfo da contrarrevolução em 1823

Menos de três anos após a Revolução Liberal de 1820 e pouco mais de oito meses depois da Constituição de 1822, que dela dimanou, o "triénio liberal" cessou às mãos da sublevação liderada pelo infante D. Miguel, à frente de várias unidades militares, a partir de Vila Franca de Xira - a Vila-Francada.

Com este livro, da minha coautoria com José Domingues - que encerra o nosso projeto comum de investigação sobre a história da Revolução Liberal, iniciado em 2018 -, descrevemos as origens e o processo contrarrevolucionário, bem como o desmantelamento integral do Vintismo, desde a revogação da Constituição - a mais efémera das constituições portuguesas - até à anulação das próprias eleições vintistas de 1820 e 1822, um sanha reacionária sem paralelo em qualquer outra contrarrevolução no País.

Adenda
O livro encontra-se disponível on-line, em acesso livre.

domingo, 19 de novembro de 2023

Alma mater (1): E todavia, continua a liderar

Desmentindo uma certa ideia de perda da antiga liderança académica da Universidade de Coimbra, o prestigiado e exigente ranking global de universidades do Times Higher Education acaba de a considerar a melhor universidade do País, à frente das duas outras universidades mais antigas, as de Lisboa e do Porto.

Curiosamente, certas universidades hoje com alto conceito entre a elite social e política nacional, nomeadamente a Católica, a Nova de Lisboa e o ISCTE, aparecem em lugares bastantes mais modestos. 

Pelos vistos, nesta área, a tradição da UC ainda é o que era!

Eleições parlamentares 2024 (4): Venha o diabo e escolha

1. Não há nada a objetar à posição do Presidente da República, de que não se oporá a um Governo que, eventualmente, se baseie num acordo com o Chega

Na verdade, embora incumba ao PR a designação do Governo, o únicio critério constitucional atendível na formação de novo executivo é o que decorre dos resultados eleitorais e da composição parlamentar, não lhe cabendo substituir as suas preferências políticas às dos eleitores e aos subsequentes entendimentos entre os partidos políticos, até porque os governos não dependem da sua confiança, sendo politicamente responsáveis somente perante o Parlamento. 

O que pode variar é o modo e a intensidade com que o PR exerce o seu "poder moderador" sobre o Governo em funções, desde o poder de veto legisaltivo ao poder de dissolução parlamentar.

2. De resto, mesmo que das eleições saísse uma maioria parlamentar das direitas - o que, tudo indica, só existirá incluindo o Chega, dadas as suas boas perspetivas eleitorais -, nada impõe que o Governo de direita que se formasse na base dela se baseasse numa coligação governativa com o partido da extrema-direita, nem sequer num acordo de apoio parlamentar, como na Madeira.

Se Montenegro ganhar as eleições e mantiver o seu compromisso de não negociar um acordo de governo com o Chega, avançando para um executivo minoritário com a IL (e o CDS, se este recuperar representação parlamentar), aquele terá de decidir se rejeita liminarmente o Governo na apresentação parlamentar deste, aliando-se à esquerda, ou se o deixa passar - bastando, aliás, a abstenção -, sabendo que o executivo vai sempre ficar dependente do seu voto no parlamento, desde logo no orçamento.

3. A questão que se pode colocar é mesmo a de saber qual solução é pior para a direita democrática e para o País: uma coligação de Governo abrangendo o Chega, em que este fica vinculado ao programa de governo, à autoridade do primeiro-ministro e à solidariedade governamental, ou um Governo sem o Chega, mas na sua dependência política permanente e sujeito a negociar e a ceder em todos os dossiês, a começar pelo orçamento...

Ou seja, com ou sem Chega no Governo, uma maioria eleitoral das direitas é sempre um perigo.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Amanhã vou estar aqui (19): A UE precisa de uma Constituição?

Amanhã à tarde, em Aveiro, vou participar, junto com o Prof. Paulo Otero (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) num painel sobre se «Deve a União Europeia ter uma Constituição formal?», integrado no Curso de Formação Política sobre a Europa, organizado pelo Instituto Amaro da Costa, ligado ao CDS.

Sendo um tema que me interessa tanto sob o ponto de vista político como académico, como estudioso do Direito constitucional da União (última disciplina que lecionei na FDUC antes da minha jubilação), é uma boa ocasião não somente para fazer o ponto do processo de integração política europeia, mas também de abordar os desafios emergentes, desde logo o ligado ao previsto alargamento aos Balcãs e ao Mar Negro.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Outras causas (9): O que me move

1. Recebo mensagens de amigos a pedir-me que, agora que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro no processo Influencer, desafie o PS - principal vítima dele - a vir a terreiro assumir o combate a este abuso do MP.

Lamento não poder ir ao encontro desse objetivo. Concordando com o apelo de António Costa, logo no início, penso que nem o Partido nem ninguém com responsabilidades políticas no PS, incluindo os deputados, deve entrar publicamente nesta luta política, porque seria contraproducente, dando armas ao MP.

O que o PS pode e deve fazer - como está a fazer -, é reclamar publicamente a necessária celeridade judicial, quer no desenlace do estranho "inquérito" que impende sobre António Costa, quer na decisão sobre se vai haver ou não acusação no processo, e sobre quê e relativamente a quem. Para além dos danos políticos já irreversíveis (demissão do PM e interrupção da legislatura), o PS tem o direito de disputar as eleições em condições de igualdade política, com a plena clarificação das suspeitas enunciadas pelo MP.

2. Perguntam-me porque é que, não sendo membro do PS e sendo por vezes muito crítico das suas políticas, me empenhei na denúncia da leviandade e da inconsistência da investigação do MP e da irresponsabilidade da PGR neste processo, que qualifiquei como golpe de Estado.

Estando definitivamente fora de qualquer atividade ou compromisso político há vários anos, não me candidato obviamente a nenhuma recompensa de qualquer natureza. O meu empenhamento na denúncia deste caso é pela honra política dos vários visados que conheço, a começar por António Costa, em cuja integridade confio plenamente; pela democracia liberal, que não pode criminalizar a busca de investimentos que promovam o desenvolvimento económico; pela responsabilidade republicana, a que nenhum poder do Estado, salvo os juízes, está imune no exercício das suas funções: e pela Constituição da República, que não consente a instrumentalização da investigação penal ao serviço da perseguição política.

São demasiado importantes para mim (e para o Causa Nossa) os valores que estão em causa neste mal-enjorcado e não-inocente processo judiciário.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...

Alhos & bugalhos (5): Mau perder

1. Este texto de uma conhecida personalidade do PSD mostra que a direita já dá como perdida a acusação de corrupção no caso Influencer, apesar de a ter exibido sem escrúpulos, antes de qualquer validação judicial, como trunfo político durante dias, para atacar o Governo e o Primeiro-Ministro.

Só é pena que, em vez de se render à ausência de qualquer fundamento para a suspeição (apesar de anos de escutas telefónicas e de buscas de toda a espécie pelo MP), MPM tenha tentado justificar a derrota com uma imaginária insuficiência do nosso sistema processual-penal quanto à prova da corrupção, nomeadamente a falta da famigerada "delação premiada" (a que, aliás, o PSD se opõe, e bem!). 

Sendo o autor também professor de direito, não lhe fica bem tal argumento.

2. Propondo mudar de conversa - como se faz usualmente quando se perde uma causa -, MPM propõe que, na falta de corrupção de políticos, tratemos da "corrupção do sistema político". 

Concordo, e proponho um tema para abrir a discussão: como é que o Ministério Publico - que é internamente uma magistratura hierarquizada e responsável e é externamente uma instituição que, através do PGR, deve prestar contas à AR e ao PR - consegue inventar e trazer a público (violando flagrantemente o segredo de justiça a que está vinculado) uma grave acusação contra o Primeiro-ministro e o Governo, levando à sua demissão e à abertura de uma grave crise política, e no final não há ninguém responsável, nem interna, nem externamente, por este atentado qualificado ao Estado de direito e à democracia parlamentar?

Com este acintoso ataque ao poder democrático, transformando a investigação penal em arma de perseguição política, a irresponsabilidade no e do Ministério Público tornou-se um problema sistémico na ordem político-constitucional vigente, pondo em causa o "regular funcionamento das instituições".

Adenda
No Diário de Notícias de hoje, o jornalista Pedro Tadeu apresenta uma relação das vítimas (não por acaso, quase todos políticos) dos abusos de poder do MP. Pior do que a obsessiva cultura "caça-políticos" vigente na instituição é a irresponsabilidade interna e externa, que os legitima e incentiva.

Adenda 2
Uma leitora, que sabe do que fala, entende que o caminho para acabar com a inaceitável irresponsabilidade do MP no abuso da investigação penal como ilegítima arma de poder é explicitar a sua responsabilidade penal, criando o crime de "perseguição penal de pessoa inocente", como no Código Penal Alemão. Aplaudo.

Adenda
Outra leitora, especialista em Direito Penal, considera que o comentário de MPM revela «desconhecimento do regime processual-penal do crime de corrupção desde a reforma de 2001, que tornou muito mais fácil prová-lo» - e explica porquê. Eis o risco de comentários apressados e politicamente motivados.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (3): O Chega na equação da direita

1. Voltou à agenda política, mais uma vez pela voz de Miguel Relvas - uma influente voz no PSD e na direita em geral - a hipótese de um acordo de governo do PSD com toda a direita, incluindo o Chega, a nível nacional, se tal for condição para acesso ao poder, depois das próximas eleições parlamentares antecipadas.

De facto, não estando no horizonte nenhuma vitória com maioria parlamentar absoluta (nem sequer, ao que parece, com maioria relativa), a única via de o PSD chegar ao Governo seria através de um acordo com a demais direita parlamentar, que lhe proporcionasse a necessária parlamentar. Ora, tal como as coisas se apresentam à partida, essa eventual maioria parlamentar de direita, muito provavelmente só se vai conseguir com o contributo do Chega, o qual, tudo indica, vai obter um significativo ganho eleitoral.

Por conseguinte, dificilmente uma maioria de direita e o caminho do PSD para o Governo deixarão de passar pelas mãos de André Ventura.

2. Não pode haver, portanto, dúvidas de que a hipótese de um acordo do PSD com o Chega vai ser um tema recorrente na campanha eleitoral, sobretudo suscitado pelo PS, a que Montenegro vai ter de responder.

É certo que está registada a terminante negativa do líder do PSD a tal acordo, proferida a seguir às eleições regionais da Madeira, «não é não». Mas a ânsia de voltar ao poder por aquelas bandas é tal e tanta, que uma declaração pública dessas de pouco vale. A necessidade aguça a imaginação e forjará uma justificação: palavras de políticos pouco convictos, leva-as o vento.

Adenda
Montenegro apressou-se a repetir que, se ganhar as eleições sem maioria, não governará com o Chega. Registemos a reiteração desse compromisso para memória futura. Penso que, para além de o partido da extrema-direita ser politicamente infrequentável, o PSD tem todo o interesse em colocar os eleitores de direita perante uma opção clara: ou voto num governo do PSD ou voto no Chega.

Adenda 2
Penso que é correta sob o ponto de vista eleitoral a firmeza de Montenegro nesta questão pois, por um lado, apela ao "voto útil" da direita no PSD em vez do Chega e, por outro lado, contraria o risco de perda de eleitorado ao centro, em favor do PS. De resto, se o PSD ganhasse as eleições, mas não obtivesse maioria parlamentar sem o Chega, seria este que teria de decidir entre aceitar ou rejeitar um Governo minoritário de direita sem ele...

Um pouco mais de jornalismo, sff (26): Objetividade, precisa-se


Porque é que, ao contrário dos demais jornais, o Diário de Notícias de hoje não dá nenhum relevo na 1ª página à relevantíssima decisão do juiz de instrução de ontem sobre o afastamento da suspeição de corrupção e a manutenção em liberdade de todos os suspeitos, limitando-se o jornal a uma breve notícia no fundo da p. 5, cujo título refere somente a liberdade dos suspeitos, mas não a denegação da suspeita de corrupção, que ainda é mais importante.

Depois de durante dias ter veiculado as teses do Ministério Público, o mínimo que se exigia era que o jornal desse o devido relevo a uma decisão judicial que as não valida em parte substancial e que pode ter alterado de alto a baixo o curso deste processo. Num jornalismo responsável, opções editoriais destas carecem de explicação pública

Um jornal de referência como o DN não pode, implicitamente, tomar partido pelo abuso de poder numa matéria destas.

Adenda
No limitado léxico jornalístico corrente entre nós, qualquer contestação de propostas ou ideias alheias é definido como "arraso" ou "arrasador". Porque é que, no caso desta devastadora decisão judicial, ninguém, que eu tenha notado, disse que ela "arrasou" o despacho do Ministério Público - termo que teria aqui toda a propriedade? A resposta é simples: porque o juiz de instrução não arrasa somente a "inventona" do MP, mas também o seguidismo acrítico e cúmplice da imprensa (com raras exceções), mesmo quando eram evidentes desde o início as suas inconsistências...

Adenda 2 (15/11)
Como diz o insuspeito José Miguel Júdice, o «despacho do MP não tem pés nem cabeça», o que caracteriza bem a sua inconsistência. Mas isso era evidente desde o início, como AQUI logo se assinalou. Para além da oportunista oposição, só não quis dar-se conta disso a generalidade da imprensa, que preferiu cavalgar a "inventona" para vender papel, tempo de antena e publicidade. Não é somente o MP e a PGR que saem desacreditados deste processo...

Eleições parlamentares 2024 (2): Maus augúrios

Se esta sondagem escondida algures no Observador de hoje antecipasse de algum modo os resultados eleitorais - o que seria temerário admitir a esta distância -, nem com a crise e o PS virado para dentro o PSD consegue liderar as intenções de voto. Como é de recear, os partidos mais beneficiados pela crise são os partidos dos extremos, o Chega e o BE. 

Restam obviamente quatro meses, em que as perceções dos eleitores podem mudar consideravelmente. Mas com um universo parlamentar deste tipo, como seria possível governar o País?

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Ai, Portugal (12): O golpe de Estado

Depois desta primeira decisão judicial sobre o processo "Influencer", nenhum arguido fica detido e nenhum fica acusado de corrupção, o terrível crime que tanto jornalistas e comentadores sem escrúpulos como a imprensa de referência (como notei AQUI) brandiram durante estes dias contra o Governo e o PS.

A "inventona" judiciária - como a qualifiquei AQUI - malevolamente construída pelo Ministério Público começa a desmoronar-se, mas o golpe de Estado que ela consubstanciava foi muito bem sucedido, acrescentando à demissão do Primeiro-Ministro e do Governo a interrupção da legislatura e a convocação de novas eleições ("cortesia" do PR), sem esperar por nenhuma avaliação judicial da solidez da construção imaginária do MP.

No entanto, depois deste primeiro indício de esvaziamento da acusação, que sentido faz manter em suspenso a outra peça do golpe de Estado ainda em curso, que é abertura de inquérito penal ao Primeiro-Ministro, quando o seu objetivo (a demissão) já foi conseguido? Ainda resta à Procuradora-Geral da República uma reserva de brio e dignidade institucional suficiente para pôr fim a esta baixa provocação, retirando a queixa?

Adenda
Um leitor argumenta que, mesmo que o processo venha a dar em nada, por falta de matéria penal, «o problema é que os do MP conseguiram demitir o Primeiro-Ministro e abrir um crise política de enormes dimensões e não vão pagar por isso». Sim, é esse problema: o MP não pode continuar a ter o poder de, através de pseudoindícios criminais, sem controlo judicial prévio, fazer demitir governos e lançar o País numa enorme crise política, e depois os responsáveis, incluindo o Procurador-Geral, não serem chamados a responder pelos devastadores danos causados pela sua leviandade ou má-fé. Ao contrário dos juízes, o MP é um magistratura responsável, quer quanto ao PGR (responsabilidade político-institucional), quer quanto aos magistrados (responsabilidade disciplinar, civil e penal). Algo vai ter de mudar no estatuto e na conduta do Ministério Público

Adenda 2
Outro leitor observa que se mantém a suspeita relativa ao crime de tráfico de influência. Certo, mas não vejo como é que se pode transformar em tráfico de influências (supostamente promovido pela empresa, por intermédio de Lacerda Machado) uma típica operação de lobbying empresarial junto dos decisores políticos, que não tem nada de ilícito, e que normalmente é efetuada ou assistida por profissionais, próprios ou contratados ad hoc (bem remunerados). Por isso, a viabilidade de essa tentativa de prestidigitação conceptual vingar parece-me nula, desde logo em sede de acusação, e ainda menos em sede de julgamento, se lá chegar. Se se frustrar, como é de esperar, então esta pseudoinvestigação do MP fica reduzida ao que foi desde o início - uma "golpada" mal urdida (mas, ai de nós!, bem conseguida) contra o Governo em funções, à margem das instituições democráticas.

Adenda 3 (14/11)
No Podcast do Público de hoje, a questão e a de saber se «a credibilidade da justiça fica em causa com a libertação dos arguidos». A resposta, porém, é óbvia: pelo contrário, a credibilidade da justiça - que é missão dos tribunais - sai reforçada. Quem sai descredibilizado - por culpa própria - é o Ministério Público, que nesta operação desserviu a justiça.

Revisão constitucional (9): Tempo perdido

1. Uma das principais "vítimas colaterais" da crise política aberta pela demissão do Primeiro-Ministro - provocada pelo desleal ataque da PGR -, e pela dissolução parlamentar - cortesia do PR, ao preterir a hipótese de nomeação de um novo Governo - é obviamente o processo de revisão constitucional, desencadeado no início da legislatura.

Mais uma vez, como assinalei na altura, lamento que o PS tenha consentido na abertura de um processo de revisão ordinária, para a qual não estava bem preparado, em vez de começar por uma revisão extraordinária, limitada aos pontos identificados que necessitavam de uma alteração urgente; e também que, tendo apresentado um projeto de âmbito propositadamente limitado (direitos fundamentais), tenha depois consentido no alargamento do debate na CERC a todas as propostas apresentadas, arrastando consequentemente a conclusão da revisão. 

E assim ficámos sem nenhuma revisão, incluindo onde ela era mesmo necessária.

2. Com mais este falhanço na revisão da CRP, vai prolongar-se o largo período de estabilidade constitucional, que dura desde 2005, que vai em quase vinte anos, o que já não sucedia desde o século XIX.

Será, portanto, a próxima legislatura, se houver condições políticas para isso, a retomar a questão, tendo de decidir, de novo, à cabeça, se opta por começar por uma revisão extraordinária expedita e limitada, seguida de um processo de revisão ordinária, necessariamente mais ampla e mais demorada, ou se incorre no mesmo erro cometido na legislatura cessante.

Com as várias revisões entretanto efetuadas, a CRP de 1976 passou claramente o "teste do tempo", mas a usura das décadas passadas não deixa de mostrar-se no envelhecimento de vários trechos, designadamente na "constituição económica" e em alguns capítulos da "constituição política". 

Tal como na natureza, também na CRP os "ramos mortos" devem ser removidos, para dar nova energia à árvore constitucional.

3. Tendo sido um dos constituintes de 1976 - o que poderia levar-me ao conservadorismo constitucional -, penso, porém, que, em vez de a preservar intocada, à custa da sua capacidade para comandar a "realidade constitucional", vale a pena investir numa operação de "aggiornamento" da Lei Fundamental.

Quando está prestes a completar meio século de vigência - o que anteriormente só a Carta Constitucional de 1826 tinha conseguido -, a melhor homenagem que se lhe pode tributar é prepará-la para enfrentar o próximo meio século!

domingo, 12 de novembro de 2023

Um pouco mais de jornalismo, sff (25): Cumplicidades

Neste lamentável episódio da crise política aberta pelas suspeitas do Ministério Público, que tem demasiadas vítimas pessoais e políticas injustas (a começar pelo Primeiro-Ministro) e que vai custar muito ao País, política e economicamente, não deixa de surpreender o entusiasmo com que a comunicação social em geral (incluindo "jornais de referência") dá cobertura à versão do MP, sem o mínimo de distanciamento e de análise crítica. 

É óbvio que a queda de um Governo sob suspeita de corrupção e a abertura de uma crise política são temas "picantes", que vendem muito papel e tempo de antena e muita publicidade e dão protagonismo a jornalistas, comentadores, politólogos, constitucionalistas, especialistas de várias disciplinas e "tudólogos" avulsos, para muitos minutos de glória pessoal. E é certo também que, desde há muito, os media têm no MP um aliado importante, quer para a violação sistemática do segredo de justiça (incluindo neste caso, como denuncia hoje Cândida Almeida), que alimenta manchetes e vendas, quer na impunidade do respetivo crime, que aquele apagou do Código Penal, pelo que convém cultivar tal cumplicidade. 

Mesmo assim, em vez de alinhar acriticamente numa caça-ao-governante-supostamente-corrupto, "engolindo" a versão interessada do MP, um jornalismo decente deveria observar um módico de espírito crítico e de respeito pela verdade e pela inteligência dos cidadãos.

Adenda
Por exemplo, o Jornal de Notícias de hoje informa, em título, que «Start Campus influenciou legislação sobre cabos em Sines». Mas, sendo isso verdade, o que é que há de penalmente ilícito, ou sequer ilegal, quer no lobbying da empresa, quer no resultado que conseguiu, se o Governo se convenceu, ponderados os argumentos, que se tratava de um investimento de máximo interesse para o País, e se nem a empresa ofereceu nem ninguém no Governo recebeu nenhum "pagamento" em troca (do que, aliás, ninguém sequer é suspeito)? A decisão de facilitar o investimento e o processo da sua aprovação até podem ser politicamente controversos, mas o eventual juízo de censura compete à oposição, no Parlamento e fora dele, e não ao Ministério Público, mediante a tentativa de criminalizar artificialmente aqueles atos.

Adenda 2
Outro exemplo consta no Público de hoje, que anuncia, também em título, que «MP diz que Costa pressionou ou, pelo menos, deu aval a pressões sobre Secretária de Estado» quanto a um diploma favorável à Start Campus. Mas, de novo, qual é problema de legalidade ou de ilícito criminal aqui? Se o Governo se convenceu, certamente com bons fundamentos, que tal investimento era importante para o País, é natural que tomasse as providências necessárias para o viabilizar. Para mais, sendo o PM o chefe do Governo, falar em "pressões" sobre uma secretária de Estado é, além do mais, ridículo. Se este é o tipo de "provas" do MP contra o PM, como confirma quem teve acesso ao documento, então não se vê como é que podem vingar no tribunal.

Adenda 3
Felizmente há exceções nesse coro, como é o caso deste artigo de Henrique Raposo no Expresso, qualificando o Ministério Público como «aliado do Chega». Com toda a razão, e aliás com uma diferença que agrava as coisas: o Chega é explícito no seu propósito de atacar a elite governante e subverter a democracia liberal, e fá-lo às claras, no terreno do combate político, enquanto o MP o faz "pela calada" e instrumentalizando ilegitimamente os seus poderes institucionais ao serviço do mesmo combate político.

Adenda 4
A terrível palavra "corrupção" foi brandida um milhão de vezes estes dias contra o Governo e os ministros presumivelmente implicados. Mas, afinal, depois de primeira decisão judicial sobre o caso, nenhum governante está acusado de corrupção. Vão os media, que abusaram dela, engolir a acusação?!

sábado, 11 de novembro de 2023

Ai, Portugal (11): O Ministério Público é intocável?


1. Compreendo o apelo de António Costa ao PS para não entrar num ataque ao Ministério Público, primeiro porque isso levaria este a fazer-se de vítima, invertendo os papeis, e depois porque, ainda não há muito tempo, o PS primou na defesa do MP contra a reforma proposta pelo PSD, sob a presidência de Rui Rio, acusando-a de atacar a "autonomia" e a "independência" da instituição (atenção que o MP "retribui" agora, forçando a demissão do Governo PS...). 

Todavia, não sendo eu filiado no PS, nem tendo compartilhado do ataque à iniciativa do PSD, não tenho que respeitar essa obrigação de silêncio perante este verdadeiro "golpe de Estado" do MP (a expressão é tomada emprestada daqui), que levou à demissão do Primeiro-Ministro e deu o ambicionado pretexto ao PR para dissolver a AR e convocar eleições antecipadas, interrompendo a legislatura antes de decorrida metade dela. 

Ora, estamos perante uma sucessão de atos demasiado graves e bem encadeados e cerzidos, que não deixam dúvidas de que obedecem a um deliberado propósito de provocar o máximo de danos políticos ao PS e ao País.

2. De facto, não pode deixar de merecer frontal condenação, não somente o desaforo de transformar num nefando "plano criminal" uma comum operação de lobbying empresarial bem-sucedida relativamente a um vultuoso investimento estrangeiro vantajoso para o País e a correspondente liberdade governativa de o avaliar, onde não há um mínimo vislumbre de corrupção relativamente aos governantes visados, mas também a inacreditável justificação sumária e displicente da abertura de "inquérito" ao PM no final do comunicado da PGR de 7/11, sabendo que tal só poderia resultar na sua demissão imediata, para culminar no cínico "esclarecimento" de hoje, de onde se fica a saber que a investigação sobre António Costa começou em 17 de outubro e que vai ficar dependente da evolução do demais processo, ou seja,  sem fim à vista, tudo sem que a PGR tivesse o mínimo cuidado de informar, à puridade, o PR  - a quem deve a nomeação e de cuja confiança institucional depende - dessas graves circunstâncias. 

Se o "libelo" constante da pseudoinvestigação não passa de uma laboriosa, mas mal urdida, "inventona", denegando ostensivamente a indeclinável esfera de liberdade política do Governo, a atitude da PGR revela uma inaceitável e comprometedora deslealdade institucional. 

3. Não satisfeito com a demissão de dois ministros de António Costa - Azeredo Lopes, da Defesa, e Eduardo Cabrita, da Administração Interna, ambos entretanto ilibados pelos tribunais, expondo a leviandade do Ministério Público na sua acusação -, o ativo "comando de caça-políticos" do MP resolveu visar mais alto, nada menos do que outros dois ministros e o próprio chefe do Governo, sabendo bem que, em relação a este, bastaria a publicação de qualquer suspeição, por mais infundada que fosse - como é o caso -, para o fazer demitir e provocar a queda do Governo, lançando o País numa crise política sem precedentes.

Ora, não podiam deixar de ser facilmente antecipáveis as nefastas consequências da demissão do Governo, tanto no plano político - provavelmente meio ano sem Governo e a previsível instabilidade governativa subsequente -, como no plano económico - desde a perda do importante investimento em causa, ao adiamento da decisão sobre o novo aeroporto, passando pelo atraso dos investimentos do PRR - e no plano financeiro - eventual desconfiança dos mercados financeiros e consequente agravamento do custo da dívida pública -, sem esquecer o devastador efeito sobre a reputação externa do País e sobre a confiança dos investidores estrangeiros.

Por isso, a irresponsável investida do MP contra a liberdade política do Governo, e em especial a conduta negligente da PGR, não podem passar à margem do julgamento público sobre esta crise política e as suas consequências.

4. Há quem ache que atacar o MP equivale a atacar a justiça. Nada de mais falso, porém!

A justiça é função dos juízes, constitucionalmente imparciais, independentes e irresponsáveis pelas suas decisões. O MP é simplesmente uma instituição auxiliar da justiça, especialmente quanto à investigação e à acusação penal, devendo, porém, mesmo aí, respeitar as prioridades de política penal definidas pela AR. Os magistrados do MP não são nem imparciais, nem independentes, nem irresponsáveis, estando inseridos numa hierarquia chefiada pelo PGR, e sendo pessoalmente responsáveis pela sua atividade, em última instância perante ele. O próprio PGR só é relativamente independente, visto que é livremente nomeado e demitido pelo PR, sob proposta do Governo, sendo, portanto, institucionalmente responsável perante aquele. 

Além disso, não sendo um órgão judicial, mas somente judiciário (o que não é a mesma coisa), o MP deve também prestar contas perante a AR e o País, por intermédio do PGR. A pretensa independência do MP, como se fosse uma magistratura equiparada à magistratura judicial, é uma ficção e um estratagema para torná-lo indevidamente imune à crítica pública. 

Decididamente, é preciso reverter o MP e o PGR para o seu lugar constitucional de órgão auxiliar da justiça responsável perante o PR e a AR, e não de um quarto poder político, sem a inerente legitimidade nem responsabilidade política, abusivamente autoerigido em instrumento de controlo da liberdade política dos governos na prossecução do interesse público.

Adenda
Causa fastio político ver comentadores da área do PSD aplaudir esta inaceitável tentativa de criminalização da incontornável liberdade de ação governamental na atração de IDE, esquecendo as recentes propostas do seu partido para reduzir a abusiva autogestão do MP, e sem se darem conta de que, no futuro, o mesmo vezo antipolítico pode ter por alvo um governo seu. Como diziam os antigos: «de te fabula narrantur» (ou seja, «esta história também te diz respeito»).
[Substituída uma anterior "adenda", que vai ser publicada autonomamente]

Adenda 2
Um leitor pergunta: «E o dinheiro escondido no gabinete de Escária»? Trata-se, sem dúvida, de um dado sumamente embaraçoso, mas que compromete somente o próprio (e não, evidentemente, o PM), e tem de ser o MP a provar que tal dinheiro provém de "luvas" recebidas no âmbito deste processo, e não de outra origem. Tanto quanto se sabe, não há na investigação nenhum indício nesse sentido, sendo, aliás, óbvio que a empresa interessada nem sequer precisava dele para influenciar o PM, tendo à mão "influencers" bem mais capacitados, como Lacerda Machado e João Galamba. Mas entendo que, se Escária tiver um mínimo de dignidade moral, deve ele próprio clarificar a origem concreta do dinheiro, mesmo que incorra na confissão de outro crime, como por exemplo a evasão fiscal...

Adenda 3
Ao contrário de algumas críticas apressadas, considero que a comunicação pública do Primeiro-Ministro se justificou plenamente, para dizer duas coisas essenciais: (i) que a ponderação entre as vantagens económicas de um grande investimento privado e a defesa do ambiente e sobre a eventual necessidade de alterações regulamentares é uma questão do foro político, e portanto da competência do Governo, e não do foro judicial ("à política o que é da política, à justiça o que é da justiça"); (ii) que, como chefe do Governo, o PM assume a responsabilidade política pela decisão tomada, cobrindo a ação conforme dos seus ministros. Só é de saudar a clareza do enquadramento e louvar a reivindicação da responsabilidade política. Ora, o Governo não é politicamente responsável perante o Ministério Público..

Adenda 4
E no caso de ter havido «atos ilegais» no processo - pergunta um leitor. Resposta: 1º - o Governo pode alterar leis (salvo em matéria reservada à AR) e regulamentos, quando o entenda necessário para prosseguir o interesse público;  2º- no caso de eventuais atos ilegais, o remédio é a sua impugnação no foro competente, que é a justiça administrativa (e o MP tem por norma não usar esse poder); 3º - uma coisa é uma eventual ilegalidade, e outra, bem diferente, é um ilícito penal - que, aliás, pode existir na prática de atos legais. Portanto, uma ilegalidade só é penalmente punível se preencher autonomamente um "tipo legal de crime" -, que é o que o MP tem de acusar e provar. Ora, passados estes dias todos sobre a demissão forçada do PM, continua sem se saber sequer que possível ilicitude (muito menos de caráter penal) é que lhe possa ser imputada. Numa democracia, não se pode derrubar um Governo assim...

Corporativismo (54): A ficção da autodisciplina profissional

1. Se fossem necessárias mais provas do protecionismo corporativo das ordens profissionais no (não) exercício do seu poder disciplinar - que é uma das suas principais tarefas públicas -, bastaria este caso gritante, em que médico radiologista, que veio a ser judicialmente condenado por molestar sexualmente duas pacientes no exercício de atos profissionais, se limitou a puni-lo disciplinarmente com simples censura, por «ato não preconizado», e por mera negligência, ignorando a óbvia e deliberada agressão sexual.

Infelizmente, estes casos que vêm a público são somente a ponta do icebergue do défice na prática do poder disciplinar das ordens, em geral, quer por não haver queixas (porque os lesados não confiam nelas), quer por prescrição (por deliberado atraso no seu julgamento), quer pela absolvição ou aplicação de penas ligeiras. Está na altura de o Governo ou o parlamento encomendarem um estudo a uma entidade independente sobre a (in)efetividade da prática disciplinar das ordens.

2. É esta indecente complacência deliberada com a violação das obrigações legais e deontológicas dos seus membros, que justifica que a nova Lei-quadro das ordens profissionais tenha tomado três previdências nesta área: (i) determinar a inclusão obrigatória de "leigos" nos conselhos disciplinares; (ii) atribuir o poder de queixa disciplinar ao novo "provedor dos utentes"; e (iii) entregar ao novo "conselho de supervisão", composto maioritariamente por não-profissionais, o poder de controlo sobre o exercício da ação disciplinar das respetivas ordens.

Eis porque há que repudiar os comprometedores protestos da OM contra o novo regime legal das ordens, e estar vigilante contra a provável resistência passiva ao seu seu leal cumprimento. A autodisciplina profissional não pode continuar a ser a parra que esconde a impunidade disciplinar.

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Como era de temer (7): A falta de regulação do lobbying

1. A razão por que penso que o relatório do MP sobre o caso "Influencer" falha o alvo está em que, a meu ver, não faz sentido construir laboriosamente como um caviloso "plano criminal" aquilo que parece não passar de um caso vulgar de lobbying empresarial junto dos decisores públicos, tentando convencê-los do interesse público do seu vultuoso projeto de investimento (que, aliás, no caso concreto parece convincente e que ninguém impugnou...). 

Desde que não envolva corrupção, mediante "luvas" para obter uma decisão favorável, nem a atividade de "influenciador" profissional ao serviço de uma empresa, nem a consideração dos seus argumentos pelos decisores políticos são politicamente censuráveis, nem muito menos penalmente puníveis.

2. Há muito que defendo a regulação geral do lobbying (por exemplo, AQUI), não para o tornar lícito - pois não é, em si mesmo, ilícito -, mas sim para lhe conferir a transparência adequada, reduzir os riscos do seu abuso, aumentar a accountability do poder político, proteger os decisores políticos (deputados, governantes, etc.) de acusações malévolas e superar a geral desconfiança pública em relação a tal atividade. 

A obrigação de registo público dos agentes profissionais dedicados a essas atividade (advogados, consultores, agências de relações públicas, etc.) e a de registo dos contactos de lobbying por parte dos decisores políticos no respetivo órgão de transparência, são ferramentas indispensáveis nessa regulação. 

O exemplo do modelo regulatório da UE (que tive de respeitar como parlamentar da União) é especialmente instrutivo. 

3. Infelizmente, por vicissitudes várias, entre nós os textos negociados no parlamento sobre o assunto desde 2019 não chegaram ao Diário da República, num caso por veto presidencial e recuo do PSD (2019), noutro caso, pelo fim da legislatura (2021); apesar da maioria absoluta desde o início de 2022, o PS não cuidou de retomar o competente procedimento legislativo.

Estou convicto de que, se tivesse sido aprovada uma tal lei, esta investigação penal poderia não ter existido, quer por a atividade de lobbying ter enquadramento legal e ser, portanto, menos estranha à opinião leiga, quer por os decisores políticos estarem mais conscientes dos cuidados a ter nesta matéria, quer, finalmente, por os guardiães da transparência terem menos motivos para condenações sumárias. 

Ou seja, o PS pode estar a pagar o preço da sua relativa incúria política e legislativa e do desinteresse alheio (PSD), neste tema politicamente ultrassensível.

Eleições parlamentares 2024 (1): O risco do pântano político

Como era de recear, começam a surgir os primeiros indícios de que a convocação de eleições antecipadas, com o PS ainda em choque com a demissão e sem liderança consolidada e o PSD com uma liderança contestada e sem chama, só vai favorecer a fragmentação parlamentar, com reforço do Chega à direita e do BE à esquerda, que agradecem a oportunidade que o PR lhes ofereceu de bandeja.

A confirmar-se um quadro parlamentar destes, cresce obviamente o papel do PR no desenho da fórmula governativa e o seu poder de controlo sobre o Governo que vier a ser formado (o que talvez ajude a explicar a decisão presidencial...), mas como assinalei em post anteriorparecem escassas as hipóteses de uma solução governamental consistente e estável.

Puerta del Sol (9): Albergue espanhol

1. Não bastando o acordo com o grupo Sumar, que inclui a esquerda radical do Podemos, o Primeiro-Ministro espanhol, Pedro Sánchez, negociou também o apoio ao seu novo Governo com os partidos nacionalistas e separatistas de várias comunidades autónomas, incluindo o Junts per Catalunya, que há poucos anos convocou um referendo inconstitucional e ilegal para a independência catalã, chegando a proclamar tal independência, do que resultou a condenação penal de vários dos responsáveis, incluindo o líder do Juntx, desde essa altura exilado na Bélgica - crimes que agora são amnistiados como parte do acordo político.

Trata-se manifestamente de um arco governamental de abrangência sem precedente em Espanha e, provavelmente, noutras geografias, em condições de normalidade política.

2. Para além da questão da amnistia catalã, que vai agravar profundamente a divisão territorial e política de Espanha, o problema que este novo Governo suscita é o de saber se é possível garantir a estabilidade política, a sustentabilidade orçamental e mesmo a paz política e social, com uma coligação tão heteróclita e tão inconsistente tanto entre esquerda moderada e esquerda radical como entre partidários de uma Espanha unitária (que é, aliás, postulado constitucional) e adeptos radicais do secessionismo catalão, que obviamente vão continuar a lutar por ele, mesmo integrando a maioria governamental nacional.

Se eu fosse espanhol, este Governo, apesar de liderado pelo PSOE, não teria o meu apoio.

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Ai, Portugal (10): Ministério Público - 2, República Portuguesa - 0

1. E pronto! 

Com a sua mal urdida mas oportuna pseudoinvestigação penal, o MP conseguiu não somente a demissão do Governo, mas também, com a ajuda do PR - que há muito procurava um bom pretexto para isso -, fazer dissolver a AR e convocar eleições, interrompendo a legislatura - o que sucede pela primeira vez em relação a um parlamento com uma maioria partidária - e lançando o País novamente num ciclo de incerteza política, que há de provavelmente dar em eleições inconclusivas, num parlamento mais fragmentado e na dificuldade acrescida de formar um Governo politicamente consistente com perspetivas de durabilidade.

É um terramoto político sem precedente.

2. Como cereja em cima do bolo, o PM demissionário vai ser obrigado a manter-se em funções à frente do "governo de gestão", ou seja, sem poderes efetivos, durante meses e meses (até a formação do novo Governo depois das eleições, lá para abril), sem a liberdade de expressão e de ação que a sua situação de "inquirido" exigia. A somar à injusta demissão, é uma violência gratuita e um sacrifício pessoal inglório.

Quem desencadeou este processo, sabendo onde ele poderia chegar, merece aplauso pelo seu êxito total. Melhor seria impossível. Chapeau! 

Adenda
Um leitor meu conhecido, aliás de direita, apressou-se a comentar que «Mário Centeno era um belo PM». Sem dúvida, mas talvez demasiado assertivo para os gostos de Belém, que há de preferir um perfil mais "mole" em São Bento. Um País que não aproveita a oportunidade para ter um chefe do Governo assim não merece a proteção dos deuses da política...

Adenda 2
O mesmo leitor manifesta-se contra o adiamento artificial das eleições resultantes da dissolução parlamentar, considerando que «todos os partidos têm que estar prontos a ir votos, porque as eleições são a primeira razão do sistema». Concordo plenamente. Neste caso, entre a efetiva dissolução parlamentar (que foi hoje) e a realização de eleições (marcadas para 10 de março) decorrem quatro longos meses, o dobro do prazo constitucionalmente previsto, prolongando o período em que o País está efetivamente sem Governo e sem parlamento, só mantendo o PR em plenitude de funções. Não devia ser assim!

Adenda 3
De outro leitor: "Não perdoo ao Marcelo impedir-nos de ter um governo formado pelo Mário Centeno e fazer-nos engolir o Pedro Nuno Santos ou o Montenegro". De facto, é um mau negócio.

Alhos & bugalhos (4): Faz sentido a dissolução parlamentar?

1. Não dá para entender como é que dois politólogos encartados - por sinal, um deles ligado ao PSD - podem defender que a demissão do PM deve dar lugar a eleições antecipadas, por ser essa alegadamente «a tradição em casos como este». Tal não é simplesmente verdade.

Deixando de lado o despropósito de invocar o caso de Cavaco Silva em 1987 - pois não se demitiu, mas foi demitido por moção de censura da AR - ou da dissolução de 2021 - que não foi desencadeada por nenhuma demissão do PM -, os anteriores casos de demissão do PM por iniciativa própria foram os de Pinto Balsemão (1983), Guterres (2002), Durão Barroso (2004) e Sócrates (2011). Ora, salvo o caso de 2004, nos restantes a solução da crise decorrente da demissão do PM não pôde passar pela formação de novo Governo, ou porque a coligação governante não se entendeu sobre a nomeação de novo PM (1983), ou porque não havia condições para formar novo Governo dos mesmos partidos, por se tratar de governos minoritários (2002 e 2011). 

Por conseguinte, nesses casos não havia outra solução política que não a convocação de eleições, mediante dissolução parlamentar (com o que os próprios demissionários e os seus partidos concordaram, tanto em 2002 como em 2011)

2. O único caso de demissão do PM num quadro político semelhante ao atual é o de 2004, em que havia um Governo de coligação com maioria parlamentar, que defendeu a nomeação de novo Governo, solução que o PR de então (Sampaio) seguiu, respeitando a lógica da democracia parlamentar, até porque não tinha nenhum motivo suficientemente relevante para justificar a dissolução parlamentar. O facto de o Governo de Santana Lopes ter fracassado deve-se à sua própria incapacidade e ao descrédito em que se afundou, o que o PSD pagou pesadamente nas eleições seguintes. 

Se na atual crise política decorrente da demissão do PM o PR optar pela dissolução, recusando a nomeação de um novo Governo PS, que este reclama, invocando a sólida maioria parlamentar que obteve há menos de dois anos, não pode fazê-lo seguramente invocando uma suposta "tradição", que não existe, pelo contrário, dado que o único precedente semelhante apontaria em sentido contrário

3. Se optar pela interrupção da legislatura contra a maioria parlamentar existente, o PR fá-lo ao abrigo do poder discricionário de dissolução parlamentar que a Constituição lhe dá, bastando para isso ter um motivo suficientemente relevante, que é provavelmente o facto de, no entendimento presidencial, a investigação, por alegados ilícitos penais, do próprio PM e várias outras figuras eminentes da atual maioria poder afetar a capacidade e a própria legitimidade política da mesma.

Não sendo constitucionalmente ilícita a utilização de um dos mais severos instrumentos do "poder moderador" do PR neste caso, ela pode sem dúvida ser contestada politicamente, por nada a impor e ela importar custos sensíveis para o País (como argumentei AQUI). Nem tudo o que é constitucionalmente permitido é politicamente justificável, muito menos necessário.

[Alterada a rubrica e o 1º parágrafo]

Adenda
Comentário de um leitor: "O principal argumento contra a dissolução é que as novas eleições vão de certeza levar à substituição de um governo maioritário, capaz de fazer reformas e de contas certas, por um governo minoritário ou de coligação inconsistente, incapaz de uma coisa e de outra". Subscrevo obviamente este argumento, acrescentando a instabilidade governamental inerente a tais soluções governativas. Abdicar das vantagens de um Governo maioritário, a começar pela estabilidade política, é um luxo que o País não se devia permitir nesta altura.

Adenda 2
O PR nem sequer conseguiu convencer o seu órgão consultivo, o Conselho de Estado, sobre a bondade da dissolução, onde o resultado foi um empate. Como pensa convencer o País, sobretudo depois de ficarem à vista as suas nefastas consequências?

quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Ai, Portugal (10): Resgatar António Costa

1. Não bastasse a proverbial fama de António Costa quanto a integridade política e ao combate à corrupção - aliás comprovada por anos e anos de governante local (presidente da CM de Lisboa) e nacional (secretário de Estado, ministro e Primeiro-Ministro) -, para afastar qualquer suspeita de ilicitude pessoal neste caso que atingiu em cheio o seu Governo, a verdade é que, mesmo que não estivesse acima de qualquer suspeita, seria o cúmulo da estupidez deixar-se envolver num processo ilícito, não em proveito próprio, mas sim coonestando a alegada ação ilícita e a correspondente vantagem pessoal de outros. 

O que se tem de esperar agora é que o STJ não acrescente à irresponsabilidade do Ministério Público a procrastinação do inquérito, dando aso à costumeira condenação na praça pública e nas redes sociais, sem julgamento, sem defesa e sem recurso. Até porque continua no exercício de funções até à conclusão da crise política, António Costa tem direito a ver decididamente apurada, tão depressa quanto possível, a inocência que protesta.

2. Se vier a ser ilibado - como é de esperar -, António Costa tem todo o direito a recuperar em pleno os seus direitos de cidadania e a ser resgatado na sua honra e integridade pessoal e política, não só pelo PS, mas também pelo País. 

O primeiro, porque lhe deve oito anos de governo bem-sucedido, uma maioria absoluta, a coesão do partido e o êxito de grande parte da sua agenda progressista; o País, porque, entre muitas coisas, lhe deve a retoma da coesão social depois da amarga experiência da assistência financeira externa, o combate vitorioso contra a epidemia e a recuperação da crise económica e social que ela gerou, o reforço do Estado social, o equilíbrio das finanças públicas e a redução do comprometedor fardo da dívida pública, assim como o prestígio externo, nomeadamente entre os países de língua portuguesa e, em especial, na UE.

A reparação de acusações infundadas e e gratidão não podem ser noções ausentes do léxico e da prática política.

3. Sendo um dos mais eminentes e resolutos políticos nascidos com o regime democrático, penso que nem o PS nem o País podem prescindir do muito que ele ainda tem para dar, se vier a ser ilibado, como se espera. 

Por isso, entendo que, tendo ele próprio afastado liminarmente a hipótese de voltar a ser a chefe do Governo e estando as eleições presidenciais longe, a melhor solução estará em vê-lo a encabeçar a lista do PS nas próximas eleições do Parlamento Europeu, abrindo a porta à possibilidade de vir a ser presidente do PE ou presidente do Conselho Europeu, que muitos lhe haviam destinado. 

Indevidamente "enjeitado" no seu País, um estadista deste gabarito excecional merece um cargo de responsabilidade nos mais altos escalações políticos da UE, por cuja coesão e ambição ele tanto tem labutado.

Adenda
A título de declaração de interesses políticos, devo lembrar que não sou filiado no PS e que, tendo apoiado de fora a candidatura de AC à liderança do PS em 2014, tenho, porém, manifestado publicamente ao longo destes anos numerosas divergências em relação aos seus Governos, como este blogue testemunha.


terça-feira, 7 de novembro de 2023

Liberalices (2): Um bom investimento público na Tap e na Efacec

1. Na dogmática ultraliberal, entre nós representada pela IL - e com a qual o PSD agora também "namora" por vezes, por imitação -, o Estado deve deixar as empresas por conta e risco do mercado, não devendo fazer nada para impedir a queda das que não provam ser capazes de vingar por si mesmas. 

Mas numa "economia social de mercado", como resulta da "constituição económica" da CRP e da UE, pode haver situações que justifiquem plenamente a salvação de empresas privadas conjunturalmente em risco de falência, mas estruturalmente viáveis, por parte do Estado, quer quando se trate de empresas tão relevantes, que o seu desaparecimento poderia por em risco o próprio mercado - caso dos "bancos sistémicos" -, quer quando elas tenham um grande peso no emprego, na economia e nas exportações do país. Foi o que sucedeu no caso da Tap e da Efacec, mediante a nacionalização e a injeção de dinheiro público. 

Sem essas operações de salvação financeira pública - aliás ambas validadas pela UE -, muito provavelmente essas empresas não teriam sobrevivido.

2. Também carece de fundamento a crítica de que o Estado não vai recuperar na reprivatização de tais empresas todo o dinheiro que nelas injetou - o que é verdade -, pela simples razão de que a compensação da intervenção do Estado não consiste somente no dinheiro que vai receber da venda das empresas, mas também das importâncias que não teve de gastar, por ter evitado a sua falência (por exemplo, indemnizações e seguros de desemprego), bem como das importâncias que continuou, e vai continuar, a receber, pelo mesmo motivo (contribuições para a segurança social, IRS das remunerações, Iva das vendas de bens e serviços das empresas, etc.), isto sem contar com as receitas tributárias indiretas provenientes das empresas fornecedoras de bens e serviços daquelas.

Tudo somado, é bem possível que todas essas importâncias ultrapassem em muito a diferença entre o custo da nacionalização e do saneamento financeiro das empresas, por um lado, e a receita da sua reprivatização, por outro lado. A ser assim, ao contrário do que correntemente se afirma, a intervenção do Estado, além de economicamente necessária, foi também um bom investimento público.

Ai, Portugal (9): Nova crise política

1. Num sistema de governo de base essencialmente parlamentar, como o nosso, a solução mais lógica para uma crise política aberta pela demissão do Primeiro-Ministro seria a indicação de novo PM pelo PS, como sucedeu em 2004 com a demissão de Durão Barroso, tanto mais que agora o partido de governo goza de uma maioria parlamentar monopartidária obtida diretamente em eleições, e não seria difícil a AC indicar para o cargo uma personalidade credível fora do atual Governo.

Uma tal solução pouparia o País a mais uma prolongada crise política, com as consequências inerentes, nomeadamente a não aprovação do orçamento e o adiamento da atualização de remunerações e pensões e da baixa do IRS, a suspensão da reforma do SNS e outras reformas em curso, a semiparalização dos investimentos do PRR, etc. Uma perspetiva assaz inquietante, que devia merecer uma ponderação séria no País.

2. No entanto, apesar dessas péssimas consequências, as coisas podem ir mesmo para a dissolução parlamentar e a convocação de eleições. 

Vão nesse sentido quer o compromisso originário do PR de antecipar eleições, caso o PM viesse a deixar o cargo, quer o alinhamento oportunista de todos os partidos da oposição nessa solução, à espera de algum ganho da provável perda de posições eleitorais do PS. Além disso, um Governo do PS sem Costa não teria a mesma autoridade política nem na AR, nem perante o PR, nem face aos poderosos grupos de interesse, ficando sob permanente acusação de falta de legitimidade eleitoral e eventualmente exposto aos "efeitos colaterais" da investigação dos ilícitos que são alegadamente imputados ao PM e seus ministros e colaboradores mais chegados, bem como ao habitual julgamento na praça pública, sem direito a defesa, nem a recurso (com a usual cooperação "discreta" do MP).

Enfim, preparemo-nos para o pior. Desta crise nada indica, pelo contrário, que o País venha a ser poupado a pagar uma pesada fatura.

Adenda
Uma solução alternativa porventura menos má do que a dissolução imediata, com as consequências acima assinaladas, poderia ser a nomeação de um governo interino do PS, apenas para fazer aprovar o orçamento e tomar outras medidas mais instantes para evitar a paralisação o País, permitindo adiar as eleições parlamentares para junho, junto com as europeias. Mas para isso seria necessário pelo menos a não oposição do PSD, como principal partido da oposição, o que se não afigura muito viável, tendo em conta a radicalização recente das suas posições, em competição com a IL e o Chega. Claramente, a imaginação política não ajuda muito...

Causa palestina (2): O exemplo da Espanha

O Governo espanhol acaba de atribuir ao SG das Nações Unidas, António Guterres, a mais alta condecoração civil espanhola, em reconhecimento da sua luta pelos direitos humanos, e em especial pelos direitos dos palestinos, neste momento vítimas generalizadas - incluindo, em especial, as crianças, os doentes em hospitais, os acolhidos em asilos - da bárbara operação de aniquilação por Israel, perante a complacência, se não o aplauso, dos Estados Unidos e da Nato em geral.

Quando o Governo israelita ataca soezmente Guterres pela sus defesa do direito internacional humanitário e dos direitos humanos dos palestinos, impõe-se que os governos democráticos europeus não se rendam ao arrogante despotismo racista de Netanyahu.

Um pouco mais de coerência, sff (2): Preso por ter cão...

É surpreendente esta reação da GGTP a lamentar o dinheiro público injetado na Efacec. Pois é evidente que se o Estado tivesse optado por deixar cair a empresa - o que teria acontecido, se não tivesse havido a nacionalização -, a mesma CGTP estaria na linha da frente dos protestos contra a falência da empresa, imputando ao Governo a perda dos postos de trabalho daí resultante.

É lamentável ver a central sindical comunista alinhar, por puro oportunismo político, na condenação da ajuda financeira pública, só porque entende que a empresa deveria continuar agora nas mãos do Estado, em homenagem ao atávico estatismo económico do PCP.

Independentemente do destino da empresa, a injeção de dinheiro público cumpriu a sua missão de a salvar, pelo que devia ser aplaudida pela CGTP. Um pouco mais de coerência política precisa-se na Rua Vítor Cordon.

segunda-feira, 6 de novembro de 2023

+ União (75): A ficar para trás

1. Tanto ou mais importante do que o enorme desafio institucional que o previsto alargamento da UE a Leste suscita é o preocupante atraso - que esta análise do Financial Times revela - no ritmo do crescimento económico da União, tanto face aos EUA como face a outras economias avançadas, com efeitos negativos, quer sobre o rendimento e o bem-estar dos europeus, quer no peso político da UE na cena externa, que advém sobretudo da dimensão do seu mercado interno e do seu papel no comércio internacional. 

Como mostra o estudo citado - que é de leitura obrigatória -, alarga-se o fosso económico entre Europa e os Estados Unidos, em todas as dimensões: PIB e rendimento per capita, produtividade, peso na revolução tecnológica, etc. Se há dez anos a economia europeia valia 91% da economia norte-americana, hoje vale somente 65%. É uma impressionante degradação em apenas uma década.

2. Entre as causas desse crescente atraso da Europa não se contam somente os "suspeitos do costume", como a elevada despesa social e os direitos laborais, os impostos mais altos, os maiores custos da energia (que a guerra da Ucrânia e as sanções à Rússia agravaram), mas também a incompletude do mercado interno e as suas distorções (que a dispensa das restrições às ajudas de Estado desde a pandemia multiplicou), o défice de mão-de-obra qualificada, o vezo excessivamente regulatório, a insuficiência de investigação científica e da sua aplicação à economia, os excessos burocráticos ao nível da União e dos Estados-membros, etc.

Como habitualmente nestas situações, a União manda elaborar relatórios a especialistas qualificados, desta vez a Enrico Letta, sobre o mercado interno, e a Mario Draghi, sobre a competitividade. Mas, como assinala a citada reportagem, para além de demorados, não há nenhuma garantia de que as  recomendações destes estudos, por mais convincentes que sejam, venham a ser seguidas. A partilha do poder executivo da União entre o Conselho e a Comissão e a consequente diluição da responsabilidade política (só a Comissão responde politicamente perante o PE), assim como a tradição de decisões consensuais naquele (mesmo quando não há exigência de unanimidade) dificultam as reformas e a sua tomada em tempo.

No entanto, não se vê como é que a gravidade da perda de poder económico relativo da Europa, e a sua rapidez, pode ser enfrentada sem as devidas reformas de fundo no governo económico da União.

[Rubrica modificada]

Adenda 
Um leitor comenta que «mais vale ter um welfare state a sério, como na Europa, do que um grande crescimento económico, como na América». O problema é que sem um robusto crescimento económico não é somente  o nível de vida dos europeus que aumenta menos do que o norte-americano - é própria sustentabilidade financeira do welfare state que fica em causa, dadas os seus crescentes custos orçamentais (pensões, custos do sistema de saúde, etc.). Portanto, a questão não está em optar por um ou outro, mas sim em não poder manter um (o Estado social avançado) sem ter o outro (elevado crescimento económico)

O que o Presidente não deve fazer (39): Erosão institucional

Não é preciso estar de acordo com tudo o que está neste comentário sobre a conduta do PR, como é o meu caso, para ser de opinião - que já várias vezes aqui exprimi - de que a incontida ânsia presidencial de se pronunciar publicamente sobre tudo e mais alguma coisa, interferindo quotidianamente na esfera política do Governo e banalizando comentários de circunstância que não estão à altura da sua posição institucional, vai ao arrepio de duas características que considero essenciais ao bom desempenho do cargo presidencial, tal como desenhado na nossa Constituição: ponderação e contenção.

Desrespeitando esse princípio de virtuosa reserva institucional, MRS corre o sério risco - de que aquele comentário é apenas um indício entre muitos, hoje em dia -, de perda de autoridade perante a opinião pública e, pior do que isso, de erosão do respeito que a magistratura presidencial requer