1. Usando argumentos da direita na recente polémica dos logótipos governamentais, o editorial de hoje do Diário de Notícias defende que o Governo não devia usar a expressão "República Portuguesa", porque é somente o órgão executivo do Estado, e não a República.
Ora, tal como o demais "órgãos de soberania", também o Governo é órgão da República Portuguesa, que é o nome oficial do País. Desde logo, se o chefe do Estado se designa como Presidente da República e o parlamento como Assembleia da República, torna-se pertinente falar também em Governo da República, até para o distinguir dos governos regionais dos Açores e da Madeira.
Portanto, desde que dos documentos resulte evidente que se trata do Governo, como sempre sucede, este tem todo o direito de neles invocar a entidade política em nome da qual atua (tal como um governo regional invoca a respetiva Região, ou uma câmara municipal, o seu município). Acresce que é o Governo que conduz a política europeia e a política externa do País, pelo que faz todo o sentido assumir-se como governo da República Portuguesa nas suas relações com outros Estados e com as organizações transnacionais.
O que não faz sentido é, em documentos ou símbolos oficiais, usar "Portugal" em vez de "República Portuguesa".
2. Levando ao extremo o seu purismo político-terminológico, o autor entende também que «em lugar de chamar ao OE Orçamento do Estado, este dever-se-ia designar Orçamento do Governo, [pois] é este último quem decide onde aplicar o dinheiro (poder) que recebe... do Estado (povo)».
É difícil concentrar tanta confusão em tão poucas palavras. Antes de mais, a expressão "orçamento do Estado" é a designação constitucional (CRP, art. 105º) e está correta, pois o documento prevê as receitas e as despesas de todo o Estado, incluindo as que são privativas do PR, da AR e dos tribunais, e não somente do Governo e da Administração dele dependente. E não é o Governo que «decide onde aplicar o dinheiro», pois só lhe cabe elaborar a proposta de orçamento, cabendo a sua aprovação à AR (e a promulgação ao PR).
Em suma, como artigo de opinião, este texto não se recomenda; como editorial, é reprovável. Um jornal como o DN deveria assumir posições mais ponderadas nos seus editoriais, que não podem ser meras opiniões jornalísticas de responsabilidade individual, como outras.
Adenda
Um jornalista do DN informa-me que, apesar de publicado na p. 2 e ser subscrito pelo editor do jornal, não se trata de um editorial em sentido próprio, pois esses são da responsabilidade da direção. Aqui fica feita a devida correção, mantendo, porém, tudo o resto.