Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
quarta-feira, 15 de janeiro de 2025
segunda-feira, 13 de janeiro de 2025
História política portuguesa (2): A história dos "Livros das leis" em Portugal
Na longa série de artigos publicados desde há vários anos na revista História JN (Porto) sobre temas de história política e constitucional, em coautoria com o meu colega da Universidade Lusíada, José Domingues, temos vindo a pôr à disposição de um público mais vasto do que a academia aspetos relevantes da nossa investigação em áreas que nos são comuns.
Ora, acaba de sair mais um texto na mais recente edição da revista, agora publicada, desta vez dedicado a inventariar os nossos "livros da leis", ou seja, as coletâneas legislativas oficiais, desde as "Ordenações" medievais até aos modernos códigos, surgidos no século XIX, na vigência do constitucionalismo liberal, nas principais áreas da ordem jurídica: Código Civil (e Código de Processo Civil), Código Penal (e Código de Processo Penal), Código Comercial, Código Administrativo.
Refletindo as estruturas económicas e sociais de cada época e as tendências políticas e culturais dominantes, a evolução da codificação legislativa entre nós é um testemunho de uma importância crucial não somente para a história jurídica, mas também para a história política do País, nas suas continuidades e ruturas, antes e depois da grande viragem político-constitucional de 1820-22.
domingo, 12 de janeiro de 2025
Eleições presidenciais 2026 (5): O candidato do PSD
1. Ao contrário do que se passa no PS - que vai aguardar que os candidatos da sua área se apresentem e mostrem as suas ideias, antes de decidir qual deles apoiar -, no PSD é o líder do Partido que anuncia publicamente o seu candidato, antes de qualquer candidatura pública deste.
Ora, há uma profunda diferença entre ser candidato presidencial por iniciativa pessoal, e obter depois o eventual apoio de um ou mais partidos, outra coisa é ser candidato oficial de um partido: por um lado, a primeira fórmula é claramente mais consonante com a conceção constitucional das candidaturas presidenciais e da magistratura presidencial à margem dos partidos e, por outro lado, a candidatura oficial por um partido dificulta a colheita de assinaturas noutras áreas políticas e o apoio posterior de outros partidos (desde logo, no caso, o eventual apoio do CDS, aliado na coligação governamental com o PSD).
Nas eleições presidenciais, em que a eleição carece de maioria absoluta - que nenhum partido sozinho pode assegurar, longe disso -, a marca partidária da candidatura pode ser um handicap, não uma mais-valia.
2. Estando pré-anunciada a sua candidatura, mesmo perante o seu silêncio tático, Marques Mendes tem o dever de começar a comportar-se como tal na sua atividade de comentador televisivo nacional.
Embora não tenha obviamente de suspender a sua atividade até ao início da campanha eleitoral, é curial que se abstenha doravante de comentar as candidaturas ou protocandidaturas alheias (como tem feito até aqui), por manifesto conflito de interesses.
É uma questão de ética republicana e de lisura democrática.
sábado, 11 de janeiro de 2025
Quando os tribunais erram (1): Uma insólita decisão
1. Penso que não tem precedente uma decisão judicial, como esta, em que provavelmente o STA (embora a notícia não o esclareça) ordena à AR a correção do nome de uma comissão de inquérito parlamentar, por alegada violação de direitos fundamentais de caráter pessoal.
Não sendo publicamente conhecida a decisão, que ainda não está publicada no site de jurisprudência do referido tribunal, não é possível saber o seu fundamento jurídico nem o seu racional argumentativo, embora seja de admitir que ela tenha sido proferida ao abrigo da «intimação para proteção dos direitos, liberdades e garantias», prevista nos arts. 109º a 111º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA), com base no art. 20º, nº 5, da CRP.
Todavia, sobram-me sérias dúvidas sobre ela, quer quanto à questão substantiva (pois não vejo onde mora a violação da privacidade e do bom nome das tais "duas gémeas" por causa do nome da referida CIP, onde elas não estão identificadas), quer, antes disso, quanto à competência da justiça administrativa para apreciar e decidir sobre a validade de uma decisão parlamentar, que manifestamente não reveste natureza administrativa, mas sim um indubitável natureza política, por ter sido praticada no exercício da uma típica atividade de controlo político dos atos do Governo e da Administração.
Ao decidir um inquérito parlamentar, nem a AR é Administração, nem os interessados são "administrados".
2. Ora, na nossa ordem jurídico-constitucional sucede que (i) a justiça administrativa versa, por definição, sobre atos ou omissões administrativas (CRP, arts. 212º e 268º) e que (ii) os atos políticos dos órgãos de soberania (PR, AR e Governo), antigamente designados por "atos de governo", não são suscetíveis de controlo judicial por alegada inconstitucionalidade.
Diferentemente do que se passa no Brasil, uma das decisões constituintes de 1976, nunca alterada, foi a de furtar as decisões intrinsecamente políticas ao controlo judicial, para evitar a "politização da justiça" ou a "judicialização da política". O único controlo admissível dos atos políticos é o escrutínio político externo, salvo, eventualmente, a queixa ao Provedor de Justiça, dados os termos amplos do art. 23º da CRP.
Por isso, só os atos de natureza normativa (leis, convenções internacionais, etc.), o que não é o caso, e os atos previsto no art. 223º, nº 2 da CRP (competência do TC), onde também não cabe este caso, podem ser contestados por inconstitucionalidade. Acresce que entre nós não existe "recurso de amparo" que permita impugnar diretamente atos do poder público, incluindo atos políticos, quando lesivos de direitos, liberdades e garantias; de resto, caso existisse esse instrumento judicial, ele caberia ao Tribunal Constitucional, e não aos tribunais ordinários.
A não ser que a notícia acima não seja fidedigna quanto ao teor da decisão e nos escape algum aspeto relevante, podemos bem estar perante um caso inédito de "ativismo judicial", por excesso de poder judicial. Penso que a questão merece a devida ponderação doutrinal e jurisprudencial.
[Alterada a rubrica deste post]
sexta-feira, 10 de janeiro de 2025
Assim vai a economia (5): Retoma da inflação?
1. Portugal terminou o ano de 2024 com uma retoma da inflação, bem acima da média da UE, e com uma das maiores taxas de crescimento de preço das casas.
Trata-se de uma consequência "natural" do aumento da procura provocado pelo significativo acréscimo do rendimemto pessoal, em resultado não somente do bom andamento da economia e do emprego (cortesia do PRR) e da descida das taxas de juro (por ação do BCE), mas também da opção governamental por uma política pró-cíclica de aumento da despesa pública, por razões políticas (prevenir o risco de eleições antecipadas), aproveitando o excedente das contas públicas herdado do anterior Governo, mediante subida das remunerações no setor público e das pensões e de outras ajudas ao rendimento, como o crédito "habitação jovem".
O ano de 2024 registou uma dos maiores subidas do rendimento disponível (>6%) de que há registo nas últimas décadas.
2. Apesar do aumento da poupança, o que é bom, o resultado desta "cornucópia" só poderia ser um substancial aumento da procura de bens e serviços, incluindo automóveis e casas - como se verificou nas compras da época natalícia -, provocando o aumento da inflação, dada a relativa rigidez da oferta em vários setores, desde logo na habitação.
Resta saber se esta retoma da inflação, socavando o aumento do rendimento disponível e atrasando o objetivo "canónico" dos 2%, é reversível a curto prazo ou se só vai ser travada por um eventual abrandamento do crescimento económico.
Eleições presidenciais 2026 (4): O problema do PS
1. A julgar pelos sinais veiculados pelos média, tudo indica que o antigo Secretário-Geral do PS, António José Seguro, se prepara para anunciar a breve trecho a sua candidatura nas eleições presidenciais do início do próximo ano, para o que pode contar desde logo com os seus colaboradores e apoiantes enquanto foi líder socialista. Com esta "jogada" de antecipação à la Sampaio em 1995, Seguro marca um importante ponto político.
Com efeito, mesmo que não viesse a conseguir à partida o apoio oficial do PS, por não ser figura consensual (longe disso...) e poder gerar uma divisão no partido, a sua candidatura iria, muito provavelmente, impedir o apoio oficial a qualquer outro possível candidato da área socialista, de entre os que se têm sido aventados, com maior ou menor credibilidade (como Mário Centeno, António Vitorino ou Augusto Santos Silva), os quais, nessas circusntâncias, poderiam mesmo sentir-se levados a não avançar.
2. Há, porém, um problema nesta jogada de antecipação, que é a promessa de Pedro Nuno Santos de que, desta vez, ao contrário das duas últimas eleições, o PS haveria de ter um candidato presidencial próprio. Ora, perante a evidência de uma multiplicidade de possíveis candidatos, a escolha do candidato a apoiar oficialmente pelo partido não pode obedecer à regra do primeiro a aparecer. Por isso, faz todo o sentido a ideia de organizar uma espécie de "eleições primárias" entre os pré-candidatos que se apresentem.
Nessa solução, caso perdesse a disputa interna, como é provável, a candidatura de Seguro ficaria esvaziada. Mas, mesmo que, por acaso, viesse a ser o escolhido, ganhando esse importante apoio político e logístico, resta saber se, no seu low profile político, ele teria alguma chance de chegar ao palácio de Belém, vinte anos depois do último "inquilino" socialista...
quinta-feira, 9 de janeiro de 2025
Lisbon first (29): Os custos do centralismo
1. Aplauso para este breve, mas claro, "manifesto" contra o centralismo político-administrativo vigente em Portugal, onde "todos os caminhso vão dar a Lisboa", provindo do instituto de estudos do partido Iniciativa Liberal, que enuncia de forma sucinta os custos e as desigualdades do centralismo e aponta as necessárias soluções descentralizadoras.
O problema é que, como aponta o documento, o principal fator contra a descentralização é «a resistência política [dos beneficiários do centralismo], uma vez que ameaça os interesses de grupos políticos estabelecidos, que tentam resistir à perda de poder e influência». Ora, «estando o poder no Estado Central, terão de ser os decisores do Estado Central a aceitar delegar o poder, o que se adivinha difícil» - impossível mesmo, como tem mostrado a experiência deste meio século.
Não existe nenhum indício de que o lisboacentralismo nacional esteja disponível para ceder posições.
2. O centralismo autoalimenta-se, pelo que só pode ser combatido por uma assumida estratégia política descentralizadora contra a corrente, que até agora tem sido substituída por projetos avulsos de descentralização de pequeno alcance, como o mais recente programa de transferência de tarefas estaduais para os municípios. O protelamento indefinido da instituição das autarquias regionais ("regionalização" na imprecisa linguagem corrente), apesar de previstas na Constituição desde a origem, é o testemunho mais visível dessa atávica falta de vontade política.
Se existe um gritante descumprimento da Constituição, prestes a completar meio século, ele está seguramente no desrespeito pelo "princípio da subsidiariedade" na repartição vertical de tarefas entre os vários níveis territoriais do poder público (local, regional e central).
quarta-feira, 8 de janeiro de 2025
Stars & Stripes (15): De novo, o imperialismo puro e duro
Além de, com a sua anunciada guerra comercial sem limites, se propor estoirar com o sistema de normas e instituições internacionais, a começar pela OMC, que presidem à atual ordem económica internacional edificada desde a II Guerra Mundial, aliás com contributo decisivo de Washington, Trump propõe-se também fazer explodir a ordem política mundial baseada na Carta das Nações Unidas, cujos pilares são o respeito da soberania nacional e da integridade territorial dos Estados.
2. É certo que a história dos Estados Unidos é também a história da conquista territorial pelo força nos séculos XVII e XIX (à custa dos índios, do México, da Espanha) e da intervenção militar em numerosos países no século XX, tanto na América Latina como fora dela (Afeganistão, Iraque, Kosovo), para mudar governos ou regimes políticos ou simplesmente para fazer valer os seus interesses económicos.
Todavia, colocar de novo na sua agenda o expansionismo terriorial mediante a anexação de territórios alheios por meios violentos julgar-se-ia completamente fora de questão, em pleno século XXI. Seria o regresso do imperialismo americano na sua pior versão. Preparemo-nos para o pior.
+ União (85): A vacina do Brexit
Esta capa do jornal britânico, The Independent, mostra o impressionante impacto negativo do Brexit sobre a economia britânica e mostra também a imprudência de submeter decisões destas a referendo, em nome de uma mítica recuperação da soberania nacional e num contexto de má informação deliberada.
É de esperar que este balanço severamente negativo sirva de vacina para outros países, onde também há partidos nacionalistas radicais a defender igual solução.
terça-feira, 7 de janeiro de 2025
História política portuguesa (1): O recenseamento eleitoral ao longo dos tempos
Embora não tenha sido assinalada aqui a sua publicação na altura, cabe informar que está agora disponível online o penúltimo texto da minha parceria autoral com o meu colega da Universidade Lusíada/Porto, José Domingues, publicado no nº de agosto passado da História JN, que traça o percurso do recenseamento eleitoral em Portugal - ou seja, o registo prévio dos cidadãos eleitores (e, por vezes, dos elegíveis) em cada circunscrição eleitoral -, desde a sua instituição nas eleições parlamentares de 1822, ao abrigo da nossa primeira Constituição, desse mesmo ano, até ao recenseamento eleitoral eletrónico e automático atualmente vigente.
Refletindo a lenta conquista do direito de sufrágio (e de ser eleito), trata-se de uma história ilustrativa do longo caminho na construção da democracia eleitoral e da organização de eleições livres e justas entre nós.
Não concordo (50): Pior a emenda...
1. Penso que não é preciso ser apoiante da desagregação das freguesias em vias de aprovação na AR, para não ver razão para travar a sua implementação, mediante um veto presidencial, com o argumento de que que este ano haverá eleições autárquicas.
Pelo contrário, penso que é exactamente antes das eleições locais gerais que se devem fazer estas reformas territoriais e que, ocorrendo as eleições lá para finais de setembro, há tempo mais do que suficiente para as preparar nas novas freguesias. Ao invés, o adiamento da sua criação, além da frustração criada nas freguesias em causa, obrigaria à realização de novas eleições posteriormente, interrompendo o mandato eleitoral obtido este ano, e para um mandato subsequente incompleto. Isto, para além dos custos dessas novas eleições em tantas freguesias.
Seria, portanto, pior a emenda do que o soneto...
2. Por isso, não vejo porque é que o entendimento particular do PR sobre a inoportunidade da criação das novas freguesias em ano de eleições há-de prevalecer sobre o juízo contrário da AR, que tem constitucionalmente a competência exclusiva para as criar, e cuja iniciativa gerou fundadas expectativas nas populações interessadas. Não está em causa seguramente o "regular funcionamento das instituições".
Se, como defendo há muito, o veto político sobre leis da AR deve ser, por princípio, excecional, não deve nunca ser exercido somente para fazer valer as opiniões políticas do PR, para mais pouco pertinentes.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2025
Razões para inquietação (6): A escola pública em perda
Entretanto, enquanto a esquerda cala, sem protesto, a sua inquietação, a direita agradece e rejubila...
sábado, 4 de janeiro de 2025
O que o Presidente não deve fazer (51): Onde não é chamado
1. Ao consultar os demais membros do Conselho de Estado sobre o pedido do líder do Chega para uma reunião daquele órgão de consulta presidencial sobre questões de segurança, o PR admite explicitamente que tal reunião poderá vir a ter lugar, se uma maioria deles tal entender. Ora, para além de descartar a responsabilidade pela convocação (ou não) do seu órgão consultivo, não se vê qual pode ser o cabimento político e constitucional da intervenção do CE nessa matéria.
Segundo a Constituição, o Conselho de Estado, para além dos casos de convocação obrigatória, sobre o exercício de competências presidenciais de maior impacto político (como a dissolução parlamentar ou a demissão do Governo), pode ser chamado a «aconselhar o PR no exercício das suas funções», a seu pedido. Ora, que se saiba, o PR não exerce nenhuma função em relação à política de segurança, que é da exclusiva competência governamental, pela qual o Governo é responsável somente perante o parlamento.
2. Manifestamente, o PR insiste em instrumentalizar politicamente o Conselho de Estado (como ja anotei AQUI e AQUI e AQUI), transformando-o numa espécie de segunda câmara parlamentar, para se imiscuir onde não é chamado, ou seja, na condução da política nacional, que é do foro privativo do Governo, e para secundarizar o papel da AR no seu papel específico de escrutínio político da atividade governativa.
A questão que se coloca é a de saber se o PM e os deputados do Governo e da oposição que são membros do CE devem continuar a ser cúmplices, à sua custa, deste abuso de poder presidencial, à margem da separação constitucional de poderes e de repartição de responsabilidade política.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Stars & Stripes (14): "Abandonai toda a esperança"
Depois de ter considerado o Canadá como "51º estado dos Estados Unidos", de ter ameaçado tomar conta do Canal do Panamá, Trump vem agora renovar a sua ideia de comprar a Gronelândia (que é uma região autónoma da Dinamarca).
Já se sabia que o Presidente dos Estados Unidos nutre um profundo desprezo pela ordem internacional sujeita a regras, sob a égide das Nações Unidas e de outras organizações internacionais criadas desde a II Guerra Mundial, como a Organização Mundial do Comércio. Ficamos agora saber que tem o mesmo desprezo não somente pela soberania territorial e política dos Estados seus vizinhos, mas também pela mais elementar comity, ou seja, a cortesia ou civilidade institucional que rege as relações internacionais.
Quem tenha a ilusão de que Trump vai respeitar a Europa, como parceira na herança comum do "mundo ocidental", baseada na liberdade individual, na democracia liberal e na economia de mercado, quanto à ordem interna, e no direito internacional e na integração económica quanto à ordem externa, é melhor, citando Dante, "abandonar toda a esperança".
Preparemo-nos para o pior...
sexta-feira, 20 de dezembro de 2024
Não vale tudo (14): Deriva securitária
1. As imagens da espalhafatosa operação de polícia ontem no Martin Moniz, em Lisboa, como esta do Público - com dezenas de pessoas viradas contra a parede por numerosos polícias armados em postura agressiva -, são indignas de um Estado de direito.
Com efeito, nos termos da Constituição, as medidas de polícia, por lesivas potencialmente de direitos fundamentais, desde logo a liberdade de circulação (como é o caso), são somente as previstas na lei e não podem ser utilizadas «para além dos estritamente necessário» (CRP, art. 272º, nº 2).
Como atos de poder que são, as medidas polícia não escapam às regras de limitação do poder próprias do Estado de direito constitucional que nos orgulhamos de ser, que excluem o abuso de poder ou o seu uso arbitrário.
2. Ora, das declarações públicas do Primeiro-Ministro, a endossar politicamente a "operação especial de prevenção criminal", como a designou eufemisticamente, não resulta uma explicação minimamente convincente sobre o sentido e a necesssidade daquela demonstração de força, nem para o aparato bélico utilizado.
Numa democracia parlamentar como a nossa, o Governo deve ser chamado, sem demora, a dar as necessárias explicações perante a AR, sob pena de se deixar passar em silêncio cúmplice a deriva securitária em curso em Portugal e a invenção de um clima artificial de insegurança para a justificar politicamente.
quinta-feira, 19 de dezembro de 2024
Como era de temer (12): Reviravolta no ensino superior
1. Segundo a edição eletrónica do Expresso de hoje, o Governo «quer facilitar [a] fusão entre universidades e politécnicos».
A ser isto verdade (desconheço o teor do projeto), trata-se de uma proposta profundamente disruptiva, que aproveita a suposta "revisão" do RJIES (Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior), que o PSD nunca tinha posto em causa, para virar de alto a baixo uma das suas opções fundamentais - que, aliás, vinha de muito antes -, que é a natureza binária do ensino superior, ou seja, a separação de natureza, de vocação e de estatuto entre o ensino universitário e o ensino politécnico, tanto no setor do ensino superior público como no privado.
2. Considero esta proposta um erro político grave, pelos seus previsíveis efeitos nefastos em dois aspetos: por um lado, a tendencial descaracterização do ensino universitário, passando a haver universidades "mistas", ao lado das "clássicas", que se mantenham separadas do ensino politécnico; por outro lado, a perda de expressão do ensino politécnico, pois a suposta fusão vai traduzir-se efetivamente na absorção dos politécnicos pelas universidades, que muitos daqueles, aliás, vão aceitar de bom grado, na mira de alcançar a equiparação de carreira docente, de remuneração, etc.
Neste segundo aspeto, esta reforma só é equiparável ao fim da autonomia do ensino profissional no ensino secundário, a seguir ao 25 de Abril, em nome de uma equívoca e mal compreendida igualdade social no ensino, que na verdade redundou numa grave e duradoura redução da oferta de ensino profissional. O mesmo com certeza vai suceder agora no ensino superior, quando é conhecido o défice do País em quadros profissionais qualificados.
3. É certo que tal separação tem sido vítima de várias derrogações que lhe diminuíram a clareza, não tanto pela conservação da integração institucional de ambos tipos de ensino nos casos de Aveiro e do Algarve - onde, porém, a separação substantiva entre eles foi conservada -, mas sim por dois outros aspetos: (i) os vários casos de duplicação de cursos idênticos em ambos os subsistemas (como as engenharias) e de admissão de cursos de natureza claramente politécnica em algumas universidades (como a recente integração da escola de enfermagem na Universidade de Coimbra ou do ISPA na Universidade Nova de Lisboa) e (ii) a aproximação entre os dois regimes, traduzida na admissão de doutoramentos no ensino politécnico e na admissão da sua qualificação como "universidades (politécnicas)".
Mas, a meu ver, a solução do problema não está em acabar com a distinção dos dois ensinos, permitindo a absorção do ensino politécnico pelas universidades e a conversão de escolas politécnicas em escolas universitárias, mas sim em preservar a autonomia subsistente, impedindo novas derrogações e, se possível, corrigindo as situações anómalas criadas. A violação pontual da fronteira entre os dois espaços do ensino superior não devia justificar a sua fusão num único espaço indiferenciado, sob a égide das universidades.
Um leitor acusa-me de refletir a «desconsideração pelo ensino politécnica típica de professor universitário». Sem nenhuma razão, porém. Que não tenho nenhum preconceito nessa matéria, isso pode ser testemunhado por várias escolas politécnicas, com as quais colaborei, ainda na qualidade de professor da FDUC. Pelo contrário: ao defender a sua autonomia contra a sua absorção pelas universidades, sublinho o meu respeito pela sua identidade e sua missão própria. E é disso que se trata: tal como considero que não faz parte da missão das escolas politécnicas a formação, por exemplo, em direito, medicina, arquitetura, filosofia, literatura, etc., também entendo que não cabe às universidades formar contabilistas, técnicos de saúde, enfermeiros, professores do ensino básico, técnicos agrícolas ou florestais, técnicos de turismo, etc. Nem o ensino superior nem os interessados ganham com a confusão de papéis.
+ União (84): Economia europeia em perda...
Um dos traços da perda de competitividade da economia da UE, já aqui referida mais do que uma vez, é o atual estado da indústria automóvel. Como se lê neste deprimente comentário sobre o "apocalipese económico da UE", «once synonymous with cutting-edge automotive technology, Europe today doesn’t have a single entry among the 15 bestselling electric vehicles». Nem um europeu entre os 15 automóveis elétricos mais vendidos no mundo!
Muito preocupante!
terça-feira, 17 de dezembro de 2024
O império do automóvel (5): Aplauso
1. Apraz-me registar esta decisão dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), de pôr fim ao estacionamento gratuito, que eu desde há muito defendia, e que só peca por tardia e por continuar a isentar, embora a título transitório, o seu próprio pessoal.
Importa agora que esta medida seja acompanhada do fim do caos do estacionamento abusivo por tudo o que é passeio público nas imediações do Hospital, incluindo nas vias rápidas que lhe dão acesso, o que, além do mais, põe em risco a segurança dos transeuntes e do tráfego automóvel.
2. Sendo em geral contra o estacionamento gratuito nas zonas urbanas, considero absolutamente injustificável que os serviços públicos continuem a proporcioná-lo ao seu pessoal - que o ocupam durante todo o dia - ou aos utentes. Além da receita financeira, o estacionamento pago gera a rotatividade do aparcamento, permitindo que mais pessoas o usem - o que é muito importante para os utentes -, e, ao tornar mais oneroso o uso de viatura privada, contribui para uma maior utilização do transporte público, poupando a produção de CO2.
O Estado e os municípios não podem continuar a falhar nos objetivos de redução do congestionamento automóvel das cidades e de combate à poluição urbana e ao aquecimento climático.
domingo, 15 de dezembro de 2024
Eleições presidenciais 2026 (3): As minhas condições de voto
1. Considerando a Constituição da República - que os PR juram respeitar quando tomam posse do cargo - e as várias experiências presidenciais ao longo deste 50 anos, em especial a que está em final de mandato, entendo que nas próximas eleições só devo apoiar um candidato que se comprometa explicitamente a respeitar, cumulativamente, as seguintes condições:
Num Estado de direito constitucional, não deve haver lugar para o excesso ou abuso de poder dos titulares de cargos políticos, muito menos por parte do principal magistrado institucional da República.
Na verdade, creio que as próximas eleições devem proporcionar ao País um PR que cumpra escrupulosamente o perfil constitucional de "poder moderador" e de garante do «regular funcionamento das instituições», que exclui todo e qualquer ativismo político presidencial, em competição com a AR e o Governo.
sábado, 14 de dezembro de 2024
Sim, mas...(14): Contrariar a "endogamia académica"
1. Julgo ser de apoiar o propósito governamental de combater a "endogamia académica", ou seja, o facto de as faculdades tenderem a recrutar exclusivamente os seus doutorados para as suas carreiras docentes, fenómeno expressivo entre nós (como mostra um recente relatório oficial) e que em algumas faculdades - entre as quais a minha alma mater, a FDUC - atinge o limite, não havendo professores que tenham obtido o doutoramento fora delas.
De facto, é fácil ver que, além de cancelar a mobilidade académica, a reserva de recrutamento de docentes ou investigadores "dentro de casa" corre o risco de enquistamento corporativo e de fechamento a novas correntes teóricas e pedagógicas vindas de fora, incluindo do estrangeiro.
2. Duvido, porém, que a proibição de recrutamento dos próprios doutorados durante três anos seja a melhor solução: por um lado, pode ser excessiva, por privar as escolas de aproveitarem os seus melhores doutorados, logo enquanto professores (ou investigadores) auxiliares; por outro lado, pode ser insuficiente, por permitir a continuação da "reserva de escola" nos concursos subsequentes (professor associado e catedrático ou investigador principal e cordenador), ou seja, no resto da carreira.
Por isso, talvez a melhor solução esteja em alterar as regras de concurso e de formação dos júris, de modo a contrariar a preferência dominante pelos candidatos de dentro da escola, que inibe à partida a candidatura de concorrentes externos, tornando a carreira mais competitiva e permitindo às melhores escolas recrutar os melhores docentes e investigadores.
Eleições presidenciais 2026 (2): O perfil do PR
1. Considerando que «a função presidencial merece um debate - público, para ser democrático -», o ex-minisstro do PS e ex-presidente da AR, Augusto Santo Silva, publica no Expresso de ontem um importante texto sobre o que entende dever ser o perfil do Presidente da República a eleger em janeiro de 2026.
Poucas vezes se terá escrito tão acertadamente, fora dos circulos académicos, sobre os contornos político-constitucionais do cargo presidencial entre nós.
2. Vale a pena respigar os trechos mais densos politicamente, destacando a negro as ideias-chave:
Por si só, o egocentrismo constitui impedimento inultrapassável ao exercício da Presidência; e o mesmo se diga de qualquer inclinação caudilhista. Quem reclame ser a voz do “povo” contra os “políticos”, qual anjo vingador da “pureza” contra a suposta degradação da vida pública, quem pretenda ser investido de autoridade suprema sobre o conjunto das instituições (nelas incluídas os partidos), só demonstra incompreensão do papel presidencial. Não merece confiança.
O Presidente serve a Constituição, não o contrário. É preciso regressar ao entendimento escrupuloso da Lei Fundamental. O Presidente não tutela o Governo, o qual responde politicamente perante o Parlamento. Não é colegislador. Não tem de ser a favor ou contra a política e a ação do Executivo, mas sim apoiá-lo institucionalmente, qualquer que seja, nos termos da solidariedade devida entre os órgãos do Estado.
O Presidente não tem de se substituir à oposição, nem avaliá-la, nem intrometer-se nos debates parlamentares, nem interferir direta ou indiretamente na vida dos partidos, nem funcionar como comentador omnipresente dos atos dos outros. Deve respeitar a vontade do eleitorado e a composição parlamentar, evitando ser — ou ser usado como — fator de instabilidade. Deve pesar as palavras e falar com clareza, recusando liminarmente manipular meios oficiosos e fontes anónimas. Deve recorrer às soluções que a Constituição lhe outorga — a demissão do Governo, a dissolução do Parlamento — com a maior das parcimónias, isto é, em último, mas último caso, se nenhuma outra solução menos extrema for possível.
O Presidente não tem de opinar sobre os aspetos concretos do regime laboral dos médicos, das remunerações dos polícias, da carreira dos professores, da tabela do IRC ou do trajeto do TGV. Deixará ao debate parlamentar e à dialética entre o Governo e a oposição, ou entre o Estado e os parceiros sociais, os contornos específicos das políticas públicas, incidam elas sobre a rede viária ou os incentivos ao investimento. Aliás, sempre que o Presidente em funções decidiu alimentar ou ecoar as expectativas sociais sobre tais assuntos, veio invariavelmente a causar deceção, exatamente porque não dispõe dos poderes de governar; e, sempre que se deixou arrastar para a crítica sistemática das decisões ou omissões governamentais, a sua credibilidade veio, a prazo, a ressentir-se, porque a Presidência não é, nem deve ser, um contrapoder. (...)
A frequência com que se tem distorcido a função presidencial, colocando-a erradamente ao nível de Governo e Parlamento e encaminhando-a ainda mais erradamente para o terreno das medidas políticas de curto e médio alcance, leva a esquecer as responsabilidades nucleares do Presidente. É indispensável voltar a conceder-lhes toda a atenção.
A Presidência não é um cargo executivo. A sua missão é facilitar, não estorvar, a ação dos órgãos executivos e legislativos, respeitando as competências de cada um e a dialética política própria de uma democracia. É favorecer os processos de concertação também característicos da poliarquia democrática: entre Estado, regiões autónomas e autarquias; entre Estado e parceiros sociais; entre Estado, sociedade civil e empresas.
3. Como costumo dizer quanto a textos de que gosto especialmente, "gostaria de ter escrito isto"!
É fácil concluir que o mandato do atual titular do cargo não encaixa, de todo em todo, neste perfil do PR. Tendo eu apontado desde há muito, neste blogue e fora dele, as minhas discordâncias com o mandato de M. Rebelo de Sousa, é bom saber que se não trata de uma opinião isolada nem descabida.
quinta-feira, 12 de dezembro de 2024
Eleições presidenciais 2026 (1): Para que serve a eleição?
1. A pouco mais de um ano das eleições presidenciais de janeiro de 2026, proliferam os potenciais candidatos, mas ninguém se adiantou formalmente como tal. A mesma contenção reina nos partidos quanto aos candidatos a promover ou a apoiar.
Ao contrário de eleições anteriores, desta vez não existe nenhuma figura que se apresente antecipadamente como candidato natural ou como potencial ganhador. Todavia, a primeira sondagem de opinião publicada sobre o assunto confere quase 25% intenções de voto ao Almirante Gouveia e Melo, que, tudo indica, vai mesmo ser candidato. Mas, como é bom de ver, a procissão eleitoral ainda nem sequer está prestes a sair do adro.
2. Constitucionalmente, e ao contrário das eleições parlamentares, as eleições presidenciais não são uma competição entre partidos. Enquanto nas primeiras as candidaturas são reservadas aos partidos, não havendo lugar a candidaturas independentes, nas segundas não pode haver candidaturas partidárias, estando elas reservadas aos próprios cidadãos (entre um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000).
É fácil de perceber o fundamemto desta diferenciação radical: enquanto as eleições parlamentares são um disputa entre diferentes propostas políticas de governo, as eleições presidenciais têm por objeto a escolha do "Chefe do Estado", que, por definição, é presidente de todos os cidadãos e que, no nosso sistema político-constitucional, não tem poderes governativos nem entra na dialética entre o Governo e a oposição, cabendo-lhe, sim, nos termos da Lei Fundamental, assegurar, super partes, como "poder moderador", o "regular funcionamento das instituições" (por isso, tenho criticado a qualificação do nosso sistema de governo como "semipresidencialismo" -, por exemplo, AQUI).
As eleiçoões presidenciais não podem assentar numa errada representação do papel do PR.
3. Este quadro constitucional impõe-se tanto aos partidos como aos candidatos.
Quanto aos primeiros, sem prejuízo do apoio "externo" que decidam prestar a um candidato, devem abster-se de se apropriar das eleições presidenciais, seja designando candidatos "oficiais", seja tomando a seu cargo as suas campanhas eleitorais.
Quanto aos candidatos, devem abster-se de se apresentar como candidatos partidários ou de defender plataformas eleitorais tipo programa de governo, em vez de esclarecerem, como devem, o que pensam fazer do cargo, quanto ao estilo (ativismo comunicacional ou moderação institucional), quanto às relações com o(s) Governo(s) (cooperação leal ou confrontação), quanto ao exercício dos poderes presidenciais, tal como definidos na Constituição (veto legislativo, dissolução parlamentar, etc.).
As eleições presidenciais não são uma segunda via, nem um sucedâneo, das eleiçoes parlamentares.
quarta-feira, 11 de dezembro de 2024
Free & fair trade (20): Finalmente, o acordo comercial UE-Mercosul!
1. Saúdo vivamente a conclusão do acordo comercial entre a UE e os quatro países do Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai), que estava em negociação há um quarto de século e que eu venho acompanhando de perto há 15 anos, desde que presidi à comissão de comércio internacional do Parlamento Europeu, entre 2009 e 2014, que incluiu uma visita de parlamentares europeus ao Brasil (Brasília e São Paulo), para manifestar apoio a essas negociações.
Quando os Estados Unidos, de novo sob presidência de Trump, se preparam para levar às últimas consequências a sua deriva nacionalista e protecionista, assassinando no caminho a OMC, garante da "ordem económica sujeita a regras", a UE mantém-se fiel não somente a essas regras, mas também aos princípios cosntitucionais a que se encontra vinculada pelos Tratados da União, no sentido da progressiva eliminação das barreiras ao comércio internacional e ao investimento estrangeiro.
2. Além do seu profundo significado político, como resposta ao insano isolacionismo norte-americano, este acordo entre a UE e o Mercosul vai criar a maior zona de comércio livre do mundo entre economias de mercado (25% da economia global e 780 milhões de pessoas), através da eliminação de tarifas de importação na maior parte dos produtos e de outras barreiras ao comércio de bens e serviços.
Explorando as vantagens recíprocas de cada uma das economias, ele traz substanciais poupanças às empresas e aos consumidores dos dois lados do Atlântico, salvaguardando, porém, os setores mais sensíveis de cada lado, através de derrogações pontuais e de períodos de transição alargados, e sem esquecer a preocupação da UE na salvaguarda de elevados padrões laborais e ambientais.
3. Só é pena que a França se lhe oponha, por força do poderoso lobby interno dos produtores de carne de vaca, invocando a ameaça da importação de carne mais barata da América do Sul, quando é certo que nessa área a liberalização prevista no acordo é muito reduzida (a meu ver, demasiado reduzida, em prejuízo dos consumidores europeus) e que a França mais do que vai compensar as alegadas perdas nesse setor com ganhos bem maiores nas exportações de bens industriais e serviços, mas também de bens de origem agrícola, como os queijos e os vinhos e destilados franceses.
Que a oposição viesse das forças políticas soberanistas e antiliberais, como a extrema-direita e a esquerda -, comprende-se. Mas que o liberal Presidente Macron e o seu partido se lhes tenha juntado, isso só revela um lamentável oportunismo político rasteiro, que é impróprio das suas origens doutrinais.
terça-feira, 10 de dezembro de 2024
Dois países (6): Entre os piores...
Este comprometedor penúltimo lugar de Portugal numa lista de 31 países da OCDE sobre capacidades básicas da população adulta - literacia, aritmética, resolução de problemas simples - mostra que a "geração mais preparada de sempre", de que nos ufanamos, convive com uma população mais velha que revela enormes falhas de preparação, a léguas de distância dos países escandinavos, todos colocados entre os melhores dez.
Perante estes números, é mais fácil perceber porque é que não vamos superar tão depressa o nosso atávico défice de produtividade e de eficência económica e o baixo nível de salários e de qualidade de vida que isso representa.
O problema é tanto mais grave, quanto é de supor que grande parte dessas pessoas terá feito a escolaridade obrigatória de seis anos, há muito em vigor, o que obriga a questionar o que está errado no nosso sistema escolar.
domingo, 8 de dezembro de 2024
Rasto no tempo (2): Mário Soares
A celebração dos cem anos do nascimento de Mário Soares fez jus à sua grandeza.
Ninguém como ele representa tão completa e tão profundamente a transição e consolidação democrática em Portugal: a persistente luta contra a ditadura, o papel fulcral na passagem bem-sucedida da Revolução à Constituição, a implementação do Estado social, a decisiva adesão à CEE/UE, o exercício equilibrado do "poder moderador" presidencial no Palácio de Belém, o permanente combate cívico pela liberdade, a democracia e o progresso social, numa perspetiva "republicana, laica e socialista", como uma vez se autodefiniu.
Se há um nome que fica para a História identificado indissociavelmente com a atual República democrática, neste seu primeiro meio século, é, sem dúvida, o dele.
Obrigado, Mario Soares!
sábado, 7 de dezembro de 2024
Conferências & colóquios (9): Memórias da minha freguesia
Nascidas como freguesias suburbanas, no âmbito de uma profunda remodelação da administração paroquial de Coimbra, que eliminou cinco das nove freguesias urbanas preexistentes, as duas novas freguesias, sobretuo a primeira, são hoje das mais importantes e as de maior crescimento da cidade.
2. Eis o sumário da minha comunicação:
1. Nascimento das freguesias como coletividades do poder local em Portugal nos anos 30 dos século XIX.
2. O processo de criação das freguesias de Santo Antonio dos Olivais e de Santa Clara, duas décads depois.
3. A evolução histórica das freguesias, desde a monarquia constitucional ao “Estado Novo”.
4. As freguesias no quadro do poder local democrático da CRP de 1976.
5. As freguesias de S. A. dos Olivais e de Santa Clara na atualidade.
Conto poder publicar esta palestra, como contribuição para a história moderna de Coimbra.
quarta-feira, 20 de novembro de 2024
+ União (83): Um acórdão digno de nota
1. Numa decisão datada de ontem, o TJUE considerou que a Chéquia e a Polónia violam os Tratados da União, quando reservam aos seus nacionais o direito de integrarem partidos políticos, excluindo os nacionais de outros Estados-membros da União que lá residam.
No entender do Tribunal, essa exclusão afronta em especial o art. 22º do TFUE, segundo o qual os cidadãos europeus que residam num Estado-membro que não seja o seu têm direito de eleger e de serem eleitos nas eleições municipais e nas eleições europeias «nas mesmas condições que os nacionais desse Estado» - o que não acontece se forem impedidos de se filiar em partidos políticos.
Não posso deixar de aplaudir esta decisão, que valoriza devidamente os direitos de cidadania europeia, tanto mais que defendi explicitamente tal entendimento num texto sobre cidadania europeia, publicado em 2005.
2. Note-se que o problema não se coloca em Portugal, pois a nossa lei dos partidos políticos admite expressamente a filiação partidária de estrangeiros - aliás, não somente de cidadãos europeus, mas também dos "cidadãos lusófonos" e outros estrangeiros que gozem de direitos políticos em Portugal -, «com os direitos de participação compatíveis com o estatuto de direitos políticos que lhe estiver reconhecido».
Issso quer dizer que os cidadãos europeus residentes, oriundos de outros Estados-membros, podem filiar-se em partidos políticos nacionais e usufruir dos respetivos direitos, incluindo cargos de direção, para efeitos de intervenção nas eleiçães europeias e nas eleições locais (mas não nas demais eleições, como, aliás, observa o TJUE).
Suponho ser baixa, quer em Portugal quer noutros países, a filiação partidária de cidadãos europeus oriundos de outros Estado-membros. Mas este importante acórdão do TJUE pode contribuir para ampliar a perceção desse direito, rompendo decididamente a tradição nacionalista e soberanista de reserva da intervenção política para os cidadãos nacionais.
terça-feira, 19 de novembro de 2024
Manifesto dos 50 (7): Website e reunião geral
O Manifesto dos 50 pela Reforma da Justiça, de que sou subscritor e de que AQUI dei notícia, abriu o seu website - com o texto do manifesto, lista de subscritores, artigos publicados, etc. - e vai promover uma reunião pública dos subscritores, em Lisboa, no próximo dia 21 (esta quinta-feira), para fazer o ponto da situação e decidir as novas ações a tomar.
segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Não concordo (50): Mais um aumento extraordinário das pensões
Não apoio a proposta do PS para mais um aumento extraordinário da pensões, derrogando mais uma vez a lei geral da sua atualização, por duas razões: (i) porque a generalidade das pensões já estão acima do que resultaria da aplicação das regras de cálculo das pensões (tempo e montante dos respetivos descontos); (ii) porque é imprudente subir as pensões e aumentar a despesa permanente do Estado em tempo de "vacas gordas" financeiras, esquecendo que elas não podem ser reduzidas em tempos de "vacas magras", vindo a pôr em causa a solidez das contas públicas.
Há muito que defendo que os partidos de vocação governativa, como o PS, não devem, quando na oposição, defender posições que não sufragariam se fossem governo, como me parece ser evidente neste caso.
domingo, 17 de novembro de 2024
Este País não tem emenda (36): Desfaçatez
A confirmar-se esta notícia - o que não espero! -, trata-se de uma intolerável desfaçatez, indigna da judicatura.
E o Ministério Público vai impugnar a validade dessa insólita medida, por flagrante ilegalidade, ou vai imitá-la, em seu benefício, ao abrigo de um suposto paralelismo de estatuto?
Depois, queixemo-nos do crescimento do populismo, aproveitando estas manifestações de locupletamento no topo do Estado...