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terça-feira, 25 de maio de 2021

Corporativismo (21): "Destruir as Ordens Profissionais"

1. Em chamada de 1ª página para este artigo de opinião do bastonário da Ordem dos Advogados, o jornal iNevitável diz que «Governo quer destruir as Ordens Profissionais». Mas é um exagero jornalístico.

Na verdade, o que o Governo pretende, aliás por recomendação da União Europeia, é combater a atávica tendência das ordens profissionais para restringir a concorrência na prestação dos respetivos serviços profissionais - pela limitação à entrada na profissão ("malhusianismo" profissional), pela espansão dos atos exclusivos de cada profissão e por outros meios -, assim como o corporativismo no desempenho da função de supervisão e de disciplina profisssional (que, aliás, muitas não exercem...), em prol dos interesses dos consumidores, da economia e do interesse público

2. Apoiando sem reservas a intenção governamental de autonomizar a função de regulação e disciplina profissional e de a "descorporativizar", confiando-a a um conselho de supervisão de composição mista, incluindo outros stakeholders, já entendo que o Governo é pouco ambicioso, ao deixar intocada a função de representação e defesa da profissão. Com efeito, penso que a solução que se impõe é eliminar tal atribuição das ordens, visto que não há nemhuma razão para que certas profissões privilegiadas beneficiem de entidades oficiais e de poderes públicos para esse efeito. 

Numa democracia liberal, a representação e defesa de interesses profissionais das chamadas profissões liberais deve competir a associações privadas, de livre criação e filiação, como sucede com as demais profissões. Sindicatos e grémios oficiais, unicitários e obrigatórios, isso era no corporativismo do Estado Novo! Já findou há quase meio século!

quinta-feira, 16 de março de 2023

Corporativismo (42): Alhos e bugalhos

1. Não tem nenhuma razão o advogado João Correia, quando acusa de inconstitucional a nova lei das ordens profissionais, no que respeita à Ordem dos Advogados, por alegadamente ofender o preceito constitucional sobre a proteção do patrocínio forense.

A verdade, porém, é que a nova lei não afeta em nada as imunidades do mandato forense, que existem independentemente de os adogados estarem, ou não, organizados em corporação pública, o que, aliás, sucede em muitos países. O tal preceito constitucional é totalmente irrelevante para a reforma da OA, em consequência da nova lei, pelo que decidiu bem o Tribunal Constitucional ao ignorar essa questão.

Trata-se, pura e simplesmente, de misturar alhos com bugalhos.

2. Enquanto ordem profissional, com funções de representação oficial da profissão e de regulação e disciplina profissional (por delegação do Estado), a OA em nada se distingue das demais, incluindo compartilhar, e de forma agravada, dos três grandes vícios de todas elas, designadamente: 

   - privilegiar descaramente a sua função sindical de defesa de interesses profissionais, em prejuízo da sua missão pública de supervisão e disciplina profissional, claramente negligenciada; 

   - cultivar aplicadamente a tradicional pulsão "malthusiana", restringindo abusivamente a liberdade de entrada na profissão (como se mostrou recentemente com a notícia de reprovação de mais de 80% dos candidatos no exame de acesso à profissão!); 

   -  defender ciosamente o amplo monopólio profissional para a prática de "atos próprios dos advogados", que nada justifica sejam exclusivos deles e vedados a outros profissionais (salvo o patrocínio judiciário), sendo uma forma privilegiada de restrição da concorrência na prestação de serviços profissionais.

Por conseguinte, não existe o mínimo fundamento para excecionar a AO da reforma da lei-quadro das ordens profissionais (aliás, modesta). Pelo contrário!

Adenda
Seguindo uma regra comum na profissão, também João Correia tenta desligar a Ordem dos Advogados do corporativismo do chamado Estado Novo, invocando que ela foi criada antes da instituição do regime corporativo. Mas é tarefa votada ao fracasso: ela foi criada logo em 1926 pela Ditadura militar que deu origem ao Estado Novo e foi inequivocamente integrada na organização corporativa desde o seu início, em setembro de 1933, através do diploma sobre os "sindicatos nacionais" (que abrangia os trabalhadores por conta de outrem e as "profissões livres"), o qual estabelecia explicitamente que «os sindicatos nacionais dos advogados, dos médicos e dos engenheiros podem adotar a denominação de "Ordens"». A função de representação e defesa profissional das ordens é de origem incontornavelmente corporativista. É feio tentar rever oportunisticamente a história.

Adenda 2
Acresce que os advogados (junto com os solicitadores) constituem o único caso de manutenção de um sistema privativo de segurança social de base profissional (a CPAS), aliás sem base constitucional, que é outro traço inequívoco do corporativismo "estado-novista".

Adenda 3
Nem de propósito para confirmar a persistência da memória corporativista na OA, vem a notícia de hoje, segundo a qual a respetiva Bastonária vai propor ao Governo a alteração do regime de segurança social dos advogados. Quando é que a OA se convence de que, como entidade pública administrativa que é, só pode atuar no âmbito das suas específicas atribuições legais e que entre elas não se conta, nem pode contar, a segurança social dos seus membros?

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Corporativismo (5): "Nonsense"

Nesta entrevista, em que este fala abusivamente como se fosse um dirigente sindical, o bastonário da Ordem dos Médicos sustenta, entre outras pérolas, que a medicina deveria ser considerada uma "profissão de desgaste rápido" e que é uma "provocação" a proposta do Ministro da Saúde de rever o limite dos 55 anos para a prestação de serviços de urgência diurna (a urgência noturna não é obrigatória depois dos 50 anos!).
Se a primeira ideia merece ir para um registo de "nonsense" corporativista, a segunda não faz nenhum sentido, pois não se vê nenhuma justificação para aquele limite, aliás estabelecido quando a esperança de vida era muito menor e quando a idade de aposentação da função pública era 60 anos. Sendo esta agora de mais de 66 anos, comprende-se perfeitamente que aquele limite também seja estendido, sob pena de redução da proporção de médicos disponíveis para as urgências.
Mas o corporativismo é assim: insensível a qualquer argumento racional que ponha em causa os privilégios profissionais.

Adenda
Confrontado com uma notícia de que um médico de um centro hospitalar teria ganho 24 mil euros num mês, o bastonário respondeu que há médicos que trabalham mais do que o horário normal, fazem urgências, "trabalham dia e noite". Talvez sejam casos destes que ele tinha em mente para ilustrar o "desgate rápido". Bom, o desgate pode ser rápido mas o enriquecimento também...

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Corporativismo (6) - Ordens profissionais em causa

 
«Acho extraordinário que associações de direito público [como as ordens profissionais], que têm poderes delegados pelo Estado e a confiança do Estado para exercerem a regulação profissional, sejam promotoras de iniciativas que visam atacar o Estado, violar a lei e, pior do que isso, promover o abandono de serviços e abandono de funções.
Se é este entendimento que algumas pessoas têm do que é uma associação de direito público, então provavelmente está na altura de todos nós termos uma conversa sobre esta matéria e perceber qual a utilidade e a utilização que está a ser dada à confiança que o Estado deposita em instituições autónomas»
. [Destaque acrescentado]
Estas palavras do Ministro da Saúde, proferidas a propósito da Ordem dos Enfermeiros e do seu provocatório apoio e incitamento à greve de alguns enfermeiros especialistas no SNS, vem pela primeira vez colocar oficialmente no debate público a subversão, por parte de algumas ordens profissionais, especialmente na área da saúde, do seu papel enquanto organismos públicos de regulação de supervisão profissional, que elas pouco exercem, preferindo comportar-se como organismos parassindicais, que elas não são nem podem ser, não podendo intervir em questões de emprego e de relações laborais.
Não me tenho cansado de denunciar essa situação nesta séria de posts sobre o corporativismo profissional. No caso da Ordem dos Enfermeiros há muito que se passou das marcas (e não está em causa propriamente o desbocamento verbal da respetiva bastonária). Mas penso que antes de encarar qualquer medida mais drástica, nomeadamente pôr fim à autorregulação e autodisciplina profissional dessas ordens, há meios na justiça administrava para as intimar a cessar a sua atividade ilegal e a prosseguir efetivamente as suas atribuições legais.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O corporativismo do "Estado Novo"


No próximo dia 13/10 vou estar na FEUC, a apresentar este livro de Álvaro Garrido sobre o Estado Novo e o corporativismo. Uma das chaves da longevidade da ditadura salazarista...

sábado, 4 de março de 2017

Corporativismo +


1. Neste manifesto público da Ordem dos Médicos e a Ordem dos Médicos Dentistas, em que se reclama a redução das taxas e contribuições pagas à Entidade Reguladora da Saúde, não está em causa a justeza da reclamação em si mesma, aliás baseada num relatório do Tribunal de Contas, mas sim a competência das referidas ordens profissionais para a assumirem como sua.
De facto, a ERS não regula nem cobra taxas e contribuições aos médicos, mas sim aos estabelecimentos de saúde públicos e privados (incluindo os consultórios e clínicas), pertençam ou não a médicos. Ora, as ordens profissionais são organismos oficiais que só podem dedicar-se às suas tarefas oficiais de representação e de regulação das respetivas profissões, onde não se conta a defesa dos interesses dos estabelecimentos de que os seus membros eventualmente sejam donos.
As ordens da saúde representam o "interesse geral" das respetivas profissões e não os interesses económicos setoriais de quem têm consultórios, clínicas ou outros estabelecimentos de saúde, que são uma minoria.

2. No corporativismo do Estado Novo é que os interesses económicos eram representados por organismos oficiais unicitários ("sindicatos nacionais" e "grémios"), mas nem aí as ordens podiam funcionar como sucedâneos dos "grémios" na representação dos interesses económicos dos seus membros "estabelecidos". Era o que faltava que assumissem tais funções na atual ordem liberal-democrática!
Hoje a representação e a defesa dos interesses dos estabelecimentos de saúde, quaisquer que sejam os seus titulares, só podem estar a cargo de associações livres dos respetivos interessados, tal como qualquer outra atividade económica, sendo questões totalmente alheias às ordens profissionais, que não podem usar os seus poderes e meios públicos para funções estranhas ao seu objeto legal.
Vai sendo tempo de o Governo deixar de contemporizar com estas situações de flagrante ilegalidade e de dizer claramente às ordens profissionais que não podem continuar a invadir impunemente terrenos que não são seus e que existem instrumentos políticos e judiciais bastantes para fazer prevalecer a "legalidade democrática".

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Corporativismo (25): SNS sofre...

1. A maternidade do País com maior número de médicos nas respetivas especialidades sofre novos períodos de interrupção de funcionamento, por falta de médicos para completar as escalas de urgência, o que sucede pela sexta vez neste verão.

Desta vez a administração não hesita em apontar os responsáveis - os próprios médicos:

“Quando as pessoas estão de boa vontade não é problemático. Mas estamos a viver um período de grande agitação e de grande toque a reunir da corporação e, neste caso, da corporação ao nível da ginecologia e obstetrícia.”

Os cidadãos fazem sua a pergunta do jornal: 

«Como é possível que uma maternidade que tem 55 especialistas em ginecologia e obstetrícia e 16 internos (médicos em formação nesta especialidade) no seu corpo clínico – a equipa mais numerosa de todas as maternidades do país – não consiga evitar fechar, de novo, o seu bloco de partos?»

Um escândalo! 

2. Basta ler a imprensa, para constatar o corporativismo profissional dessas especialidades, aliás alimentada pela Ordem. 

Mas o que não se entende é que as administrações hospitalares não tenham meios (ou autoridade?) para fazer cumprir as escalas de serviço pelos profissionais, tal como manifestamente não têm para gerir as férias e controlar a assiduidade e punir o absentismo...

Assim, o SNS está condenado.

sábado, 21 de outubro de 2017

Corporativismo (7): Nem mais uma Ordem, sff!

1. Quando o Governo é flagelado pelo comportamento sectariamente corporativista de várias ordens profissionais no setor da saúde - tendo o ministro da pasta vindo mesmo questionar publicamente o sentido das ordens profissionais (com razão, aliás) -, não entendo o apoio do grupo parlamentar do Partido Socialista à criação de mais uma ordem profissional nessa área, a dos fisioterapeutas, tendo aliás proposto mais uma, a dos técnicos de saúde, que não obteve apoio parlamentar.
A criação de novas ordens profissionais tem usualmente a sua origem num eficaz lobbying da associação profissional do setor, que consegue o patrocínio, muitas vezes interessado, de alguns deputados, acabando a ideia por obter o apoio acrítico de uma maioria de deputados, eles mesmos já pertencentes a ordens profissionais (advogados, médicos, engenheiros, arquitectos, enfermeiros, etc.).
Assim se faz a captura do Estado pelos interesses profissionais organizados!

2. A proliferação neocorporativista de ordens e câmaras profissionais, por via de regra protecionistas e "malthusianas", numa época dominada pela liberalização e concorrência na prestação de serviços profissionais, constitui um dos fenómenos mais estranhos da nossa vida institucional.
Nunca escondi as minhas fortes reservas em relação às ordens profissionais - aliás herdadas do corporativismo do "Estado Novo" e depois recicladas no regime democrático -, por entender que elas conferem um estatuto oficial à representação e defesa de certos grupos profisionais, já de si os mais poderosos, e proporcionando-lhes, através da inscrição e da quotização obrigatória, um enorme poder de ação e de influência contra o próprio Estado.
Não surpreende que quase todas as ordens profissionais tendam a esquecer ou a desvalorizar as suas funções oficiais (regulação, supervisão e disciplina da atividade profissional e defesa dos direitos dos utentes) e dediquem os seus meios, mais poderosos do que os dos sindicatos, à defesa dos interesses económicos e laborais da corporação, incluindo pelo patrocínio ou apoio a greves!.
Não admira, por isso, que, prevendo a lei que as ordens profissionais possam nomear um provedor dos clientes/utentes, NENHUMA o tenha feito!

3. Não são precisas as ordens profissinais para haver autorregualção e autodisciplina profissional, que sempre defendi. Esta pode ser efetuada, com vantagem, por conselhos reguladores, compostos por representantes eleitos pela profissão e presididos por uma personalidade independente, nomeada nos mesmos termos que os presidentes das autoridades reguladoras da área económica.
A diferença essencial é que tais conselhos não teriam  as funções de representação e defesa oficial de interesses profissionais, designadamente económicos ou laborais, os quais se manteriam remetidos para a esfera das associações profissionais ou sindicais privadas, ao abrigo da liberdade de associação, como sucede com as demais profissões.
É tempo de acabar com o privilégio corporativo das "profissões ordenadas", que viola o princípio da igualdade e o princípio da separação entre o Estado e os interesses privados.

sábado, 16 de abril de 2016

Sem alma

Como era de esperar, a minha proposta de extinção ou de privatização do Colégio Militar, referido no post precedente, suscitou um violento ataque de atuais e antigos beneficiários da instituição. Nenhuma surpresa aqui: os beneficiários de privilégios tendem sempre a vê-los como situações justíssimas e a atacar em grupo os que os denunciam.
Mais surpreendente é o silêncio e a conivência das esquerdas com uma instituição como o Colégio Militar que espelha como nenhum outra o elitismo social e o corporativismo militar, que a esquerda sempre combateu. Uma esquerda que deixa de lutar contra situações de exceção na esfera do Estado, os privilégios de casta, o elitismo e o corporativismo perdeu a alma.

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Corporativismo (27): Privilégio profissional

1. A notícia de que a AR equaciona a integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social leva-me a lembrar que há décadas que defendo que nenhuma profissão tem direito a um sistema privativo de segurança social, desde a criação da sistema integrado a seguir à Constituição de 1976, que pôs fim ao regime de pensões de base profissional do corporativismo do "Estado Novo". 

Como sobrevivência corporativa, a CPAS funciona desde então à margen da Constituição e só o peso político da profissão permitiu manter o privilégio oriundo do antigo regime.

2. Não vai ser fácil, porém, a equação financeira da integração, visto que não se vê como é que se pode pôr a cargo do sistema geral o pagamento das generosas pensões que a CPAS permitia, com base em contribuições elevadas só na parte final da atividade profissional. 

Ao contrário do sistema geral de segurança social - que padece da degradação da proporção entre contribuintes ativos e pensionistas -, a CPAS continua a gozar de uma confortável base contributiva, dada a entrada de muitos novos advogados todos os anos, o que permite uma relação mais favorável entre a pensão e a carreira contributiva.

quarta-feira, 3 de março de 2021

Pandemia (52): Corporativismo oportunista

Mais corporativismo nas vacinas, não! 

Depois de vacinados os profissionais em contacto direto com infetados (serviços de saúde, lares, bombeiros, etc.), não há nenhuma razão para dar prioridade a classes profissionais que não têm nenhum contacto especial com infetados, como os professores. Por maioria de razão deveriam entrar os cabeleireiros, os massagistas, os "personal trainers", os taxistas, etc., que ao menos têm contactos de proximidade com os seus clientes.

Por este andar, nunca mais chega a vez dos cidadãos comuns, por classes etárias, como é a norma noutros países.

Adenda´
Um leitor comenta que esses outros grupos profissionais não têm os sindicatos nem os votos dos professores e que os governos se movem pelo peso de uns e outros. À vista de episódios destes, tendo a dar-lhe razão.

Adenda 2
Outro leitor acusa-me de egoista e de não querer esperar mais um tempo pela minha vez. Mas engana-se: se entrassem prioritariamente os professores, eu entraria com eles, pois não haveria nenhuma razão para excluir os professores do ensino superior. Portanto, ao contrário da acusação, estou a recusar uma prerrogativa que considero injustificada.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Corporativismo (2)


1. O Jornal de Notícias informa que a Ordem dos Médicos tem um fundo de proteção social destinado a apoiar pecuniariamente os seus membros em dificuldades, acrescentando que o atual bastonário quer reforçá-lo.
Trata-se, porém, de um equívoco e de resquício do tempo do corporativismo, quando as ordens profissionais eram também organismos de proteção social, não havendo então um sistema público universal de segurança e de proteção social. Como já aqui se referiu noutras ocasiões (por exemplo, aqui), hoje as ordens são exclusivamente organismos de representação e de autorregulação pública das profissões, e as "quotas" são contribuições regulatórias, destinadas ao financiamento das funções legais das ordens, não podendo ser destinadas a outro fim e, ponto decisivo, devendo limitar-se ao necessário para esse fim.

2. O mesmo vale para outras iniciativas "sociais" da Ordem dos Médicos, como esta Aldeia do Médico, em Coimbra, orçada em 10 milhões de euros (projeto arquitetónico na imagem)!
Não é para isso que a OM existe como organismo público nem é para isso que os médicos são obrigados a pagar uma contribuição que tem inequívoca natureza tributária. Há uma distinção essencial entre as ordens profissionais, que têm funções de representação oficial da respetiva categoria profissional e de regulação da profissão - sendo por isso obrigatórias -, e as mutualidades ou IPSSs, que têm natureza privada e são voluntárias.
Nada impede obviamente que os médicos interessados criem e sustentem uma mutualidade com fins de proteção social, herdando as funções que hoje já não podem ser desempenhadas pela OM. O que não pode é manter-se o status quo, que não tem cabimento legal.

3. O Estado não pode consentir este abuso dos fins das ordens profissionais e o desvio dos seus recursos financeiros oficiais.
A persistir essa situação, o Ministério Público, no seu papel de defesa da legalidade, não poderá deixar de desencadear as pertinentes medidas corretivas junto da justiça administrativa.
[titulo substituído]

Adenda
O problema com as ordens profissionais é que elas são em geral poderosos grupos de interesse, que os Governos preferem não enfrentar (até porque muitos ministros são membros delas...), apesar de algumas delas preferirem atuar muitas vezes fora das suas atribuições, enquanto descuram as suas principais incumbências legais, relativas à supervisão e disciplina da profissão. A Ordem dos Médicos prima nesse desvio de mandato.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Corporativismo (23): Até a IL se retrai?

1. Penso que faz sentido esta proposta da IL, de suprimir, pura e simplesmente, uma parte das ordens profissionais, por nenhum interesse público de regulação e disciplina profissional as justificar, não passando de entidades de representação e de defesa oficial de interesses profissionais, que não devem ter lugar numa democracia liberal e numa economia de mercado baseada na liberdade profissional, na liberdade de associação e na concorrência na prestação de serviços profissionais.

Não deixa de ser estranho que o fim do corporativismo oficial do chamado Estado Novo em 1974 não só não tenha sido acompanhado da supressão das organizações de representação corporativa oficiais, mas antes tenha dado lugar à sua proliferação continuada, sem princípios nem coerência, às mãos das maiorias políticas do PS e do PSD, sem distinção. Um contrassenso político e doutrinário!

2. Atualmente, entendo, porém, que não basta suprimir umas quantas ordens profissionais injustificáveis. 

Ao fim destas décadas de descabelado malthusianismo, protecionismo e monopólio corporativista das ordens profissionais em geral, assim como de ingerência em reivindicações laborais, como se sindicatos fossem, perdi qualquer esperança - que me esforcei por alimentar durante muito tempo -, de conciliar a representação e a defesa oficial de interesses profissionais - que caracteriza as atuais ordens - com a liberdade profissional, a concorrência no mercado de serviços e os direitos dos clientes. 

Tal conciliação tem-se revelado impossível na prática, dado o manifesto conflito de base entre o interesse público na regulação e disciplina profissional e a representação e defesa corporativa / sindical de interesses profissionais, sempre empenhada no protecionismo e no alargamento do exclusivo profissional.

3. Por isso, entendo que, mesmo nos poucos setores onde, numa economia de mercado, se justifica a regulação e disciplina pública especial das profissões - aqueles onde há "falhas de mercado" qualificadas e / ou que operam na prestação de "serviços de interesse económico geral" (SIEG) -, as ordens devem deixar de ter funções de representação e defesa de interesses profissionais  - que numa democracia liberal devem caber a associações de iniciativa dos interessados (como nas demais profissões) -, devendo, por isso, ser reconvertidas em autoridades de regulação independente (em relação ao Governo e em relação às profissões), em que os profissionais não devem ter mais do que uma representação minoritária.

É essa metamorfose estrutural das ordens que penso que devia ser coerentemente defendida hoje em dia.

Adenda
A mais ridícula ordem profissional é, a meu ver, a Ordem dos Economistas, criada em 1998, visto ser evidente que não há nenhuma "falha de mercado" nesse setor de serviços profissionais, nem as empresas precisam de nenhuma proteção especial contra os seus economistas. É um escandaloso caso de "desvio do poder" legislativo e de instrumentalização do poder público para a proteção de interesses profissionais. O certo, porém, é que houve um Governo que a instituiu e um PR que a promulgou sem, ao menos, o protesto de um veto político.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Corporativismo (9): A Ordem fora da lei

1. Este encontro convocado pelo Ordem dos Enfermeiros com os sindicatos da profissão só pode ser o que parece - uma provocação ao Governo e à opinião pública.
De facto, a Ordem e a sua bastonária parecem não querer entender que não podem envolver-se de nenhum modo nas lutas sindicais, devendo observar a mais estrita separação e neutralidade em questões laborais. Por três razões:
   - primeiro, como organismos públicos que são, as ordens gozam de poderes públicos delegados para realizarem a sua missão pública - que é a de regular, supervisionar e disciplinar o exercício da atividade profissional, incluindo sob o aspeto deontológico - e não para defender os interesses particulares dos seus membros;
   - segundo, como dizem expressamente a Constituição e a lei-quadro das ordens profissionais, elas não podem exercer funções "de natureza sindical", o que exclui obviamente as relações de emprego e os interesses laborais, que cabem em exclusivo aos sindicatos;
   - por último, a mesma lei-quadro diz que as ordens representam o "interesse geral" da respetiva profissão, o que afasta manifestamente a defesa de interesses setoriais de grupos de profissionais (neste caso, os enfermeiros do SNS).

2. De resto, se as ordens pudessem envolver-se na defesa de reivindicações laborais (carreiras, remunerações, etc.) junto com os sindicatos, as profissões "ordenadas" gozariam de um privilégio de que as demais profissões não dispõem, ou seja, um "supersindicato" com inscrição e quotização universal e obrigatória.
Ora, numa sociedade democrática, que compreende a liberdade sindical, de filiação livre, a defesa de interesses laborais não pode caber a entidades públicas. Isso era assim no corporativismo do "Estado Novo", mas aí, para além da falta de liberdade sindical, as profissões "ordenadas" nem sequer tinham sindicatos.

3. Por isso, só peca por tardia a iniciativa do Governo de desencadear os mecanismos judiciais competentes para pôr fim a esta reiterada violação dos limites legais por parte de algumas ordens profissionais, especialmente a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros.
Acresce que, se se verifica que, juntamente com a sua ação ultra vires, gastando recursos naquilo em que são incompetentes, tais ordens optam por não desempenhar as missões públicas de que foram incumbidas e que justificam a sua criação - a saber, a supervisão e disciplina da profissão -, então é de equacionar a hipótese de as extinguir, devolvendo ao Estado as tarefas que este lhes delegou, mas que não são executadas.
Quando a autorregulação delegada falha, só resta voltar à heterorregulação estadual.

Adenda
Para além das inequívocas declarações e manifestações públicas da própria bastonária, esta reportagem do Diário de Notícias de sábado (acesso condicionado) mostra até que ponto tem ido a intervenção direta da Ordem na condução da greve dos enfermeiros do SNS. Não há como negar!

sábado, 20 de novembro de 2021

Corporativismo (22): Captura do Estado


Por larga maioria, incluindo os votos do PS e do PSD, a Assembleia da República rejeitou um projeto de integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social.

Ora, sabendo-se que a CPAS constitui uma sobrevivência corporativista do Estado Novo (como desde há muito tenho mostrado, por exemplo AQUI) e tendo as demais caixas profissionais e sindicais do antigo regime sido integradas no sistema geral de segurança social estabelecido na Constituição - que, aliás, estipula que se trata de um sistema «único» -, o que é que justifica que os advogados mantenham, à margem da Constituição, o privilégio exclusivo de uma caixa de pensões própria, 45 anos depois da CRP e do fim do corporativismo?

A resposta é simples: porque, como é notório, se trata de um grupo profissional politicamente muito influente, com forte presença nos partidos políticos, no Governo e no parlamento, influenciando por dentro, pese embora o manifesto conflito de interesses, as decisões políticas que os afetam.  

Um caso manifesto de captura do Estado por um grupo profissional poderoso!

Adenda
Numa entrevista no recente nº 31 da revista Sollicitare da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, o antigo ministro da Segurança Social, Paulo Pedroso, afirma, com toda a razão, que «a CPAS é um entorse corporativo no sistema de segurança social português». Pelos vistos, porém, os principais partidos e as instituições da República convivem bem com esse entorse corporativo no sistema democrático vigente...

domingo, 8 de julho de 2007

Corporativismo, rigor e objectividade

Parece que o documento de protesto contra as alterações ao Estatuto do Jornalista vai somando adesões, incluindo de directores dos principais órgãos de comunicação.
Sabendo-se que o referido documento não prima propriamente pelo rigor factual nem pelo equilíbrio crítico (contestando também as medidas contra a concentração, que são uma imposição constitucional a favor do pluralismo dos media...), ficamos a saber que o corporativismo profissional pode sacrificar o rigor e a objectividade que devem ser apanágio da actividade jornalística.
Em casa de ferreiro...

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Corporativismo (16): Coutadas profissionais

1. Este pedido da organização regional de Lisboa da Ordem dos Advogados, tendente ao encerramento de uma empresa de cobrança de dívidas, por alegada violação do exclusivo de "atos próprios" dos advogados (definidos na Lei nº /2004, de 24 de agosto), pode ser uma boa ocasião para debater o fundamento invocado, quer em termos de liberdade profissional (que é um direito fundamental protegido pela Constituição), quer em termos de concorrência na prestação de serviços profissionais qualificados numa economia de mercado (que é baseada numa e noutra).

Tradicionalmente, a crítica às Ordens profissionais apontava sobretudo as restrições ao acesso às profissões e a consequente limitação da "concorrência endógena", que a chamada Lei-Quadro das ordens profissionais de 2013 (Lei n.º 2/2013, de 10 de Janeiro) veio tentar reduzir, sem o ter conseguido inteiramente (até porque foi logo derrogada pelos estatutos de algumas Ordens, incluindo a dos advogados). Todavia, a questão do protecionismo profissional, através da excessiva reserva de atividades, pode ter efeitos ainda mais graves, pois o monopólio profissional injustificado de uns significa impedimento profissional para todos os outros, eliminando a concorrência interprofissional.

2. Na verdade, ao longo deste anos veio-se ganhando uma consciência mais aguda dos custos dessas restrições, não apenas quanto ao sacrifício indevido de direitos fundamentais, mas também quanto aos efeitos negativos, quer sobre o desempenho da economia, que é crescentemente baseada nos serviços e na "servicização" geral da atividade económica, quer sobre o welfare dos utentes de serviços.

Ainda há pouco anos, a OCDE, em colaboração com a Autoridade da Concorrência nacional, elaborou e publicou um relatório altamente crítico sobre as restrições existente em algumas profissões autorreguladas em Portugal, incluindo a advocacia, o qual era acompanhado de recomendações de correção da situação, em alguns casos radicais, que não tiveram qualquer seguimento político ou legislativo.

Por isso, é tempo de pôr fim à "conspiração de silêncio" (em que este blogue não tem manifestamente participado, como se vê pelo número de posts nesta série) e de abrir um debate político e legislativo sobre as restrições à liberdade profissional e à concorrência nas profissões autorreguladas (e nas outras...).

quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Corporativismo de esquerda

A reacção da generalidade da esquerda francesa (ressalve-se a excepção de Ségolène Royal) contra o "relatório Attali" -- que, entre outras coisas, preconiza a abolição geral dos proteccionismos profissionais (desde as farmácias aos táxis, passando pelos veterinários e pelos advogados) -- confirma um dos maiores equívocos da esquerda tradicional na actualidade.
Ao abrigo de que princípio há-de a esquerda defender privilégios e coutadas profissionais, contra os utentes e contra a economia em geral?!

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

Não dá para entender (8): Reações corporativas

1. É evidente que, independentemente da sua legitimidade constitucional e da sua eventual justificação política, a desajeitada proposta do PSD de alterar a composição do Conselho Superior do Ministério Público surge a destempo e contra a corrente, só pondendo suscitar a frustrante polémica que provocou.

2. No entanto, sendo óbvia a sua inviabilidade legislativa à partida, por não ter nenhum outro apoio parlamentar, a precipitada ameaça de greve do sindicato do MP é, pelo menos, descabida, como expressão fútil das "dores corporativas" da respetiva magistratura.
Mais despropositada, para não dizer ilegítima, tem de ser considerada a insólita ameaça preventiva de demissão da recém-nomeada Procuradora-Geral da República, que, como titular de uma instituição da República, não pode dedicar-se a exercícios de chantagem virtual sobre o poder legislativo. Um passo em falso, que não credibiliza quem o deu.

Adenda
Quanto à substância da questão, Rui Rio tem razão num ponto decisivo. Se o Conselho Superior da Magistratura - que é o órgão supremo de governo dos juízes, que gozam de independência superlativa -  tem uma maioria de membros designados do exterior, por que razão é que o mesmo não há de suceder no Conselho Superior do Ministério Público, que tem funções parcialmente afins em relação aos respetivos magistrados, quando é certo que a Constituição remeteu a composição daquele para a lei e que o Ministério Público não goza da mesma independência constitucional dos juízes, sendo o/a PGR discricionariamente nomeado/a e exonerado/a por vontade conjunta do PM e do PR? Há alguma razão para que o grau de autogestão do MP ser superior ao dos juízes?

Adenda 2
Mais importante do que a questão da composição do CSMP é que questão do seu poder de gestão dos quadros do MP e do seu poder disciplinar. Ao contrário dos juízes, que são independentes e não têm "chefe", os agentes do MP são funcionários públicos, sujeitos a uma hierarquia encimada pelo/a PGR. Porque é que aqueles poderes hão de ser exercidos em autogestão pelos próprios, em vez de caberem ao/à PGR, que tem a legitimidade democrática que deriva da sua nomeação pelo PR, sob proposta do PM?

Adenda 3
Não deixa de ser curioso ver comentadores liberais, tradicionais inimigos do corporativismo no setor público, a defenderem a autogestão na gestão de quadros e no poder disciplinar do Ministério Público. Contradições que a incoerência doutrinária tece...

sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Corporativismo (17): Usurpação de funçoes

1. Há uma manifesta confusão nesta peça sobre o poder de fiscalização das ordens profissionais.  

Começando pelo equivocado título da peça, é inquestionável que o Estado goza do poder de fiscalização sobre as ordens, sendo a lei das ordens explícita em reconhecer-lhe uma tutela inspetiva geral, para além de uma tutela preventiva sobre alguns poderes específicos das ordens. 

Nem podia deixar de ser assim, dado que as ordens exercem poderes públicos de regulação e disciplina profissional conferidos pelo Estado, que podem afetar a liberdade profissional e a concorrência nos serviços profissionais, além dos direitos dos utentes, pelo que aquele deve ter o poder de velar por que elas não se desviem do exercício ds suas funções legais.

2. Quanto ao poder de fiscalização das ordens, é igualmente evidente que, como instituições oficiais de autorregulação e de autodisciplina profissional, elas têm, em substituição do Estado, o poder (e a obrigação) de fiscalizar e sancionar, se for caso disso, a violação dos deveres legais e deontológicos dos seus membros, que em geral lesa os utentes dos serviços profissionais. Isso inclui também um poder de inspeção sobre os escritórios e consultórios dos profissionais liberais.

Infelizmente várias ordens não exercem, ou exercem muito mal, tal poder/obrigação de fiscalização e de disciplina profissional.

A lei geral das ordens profissionais de 2103 confere-lhes o poder de designar um provedor dos utentes, com a missão a examinar e avaliar as queixas dos utentes dos serviços prossisdinais, podendo recomendar soluções e acionar a ação disciplinar. Mas, muito sigiticativemente, a maior parte das ordens preferiram não ter provedor e algumas que o previram nos seus estatutos não o nomearam.

Assim se vê que as ordens não conferem qualquer prioridade à defesa dos utentes contra os abusos deontológicos dos seus membros.


3. Diferente é o caso de um pretenso poder de fiscalização das ordens sobre as instituições (públicas ou privadas) que empregam ou onde atuam os seus membros, poder que vários dos bastonários reivindicam na referida peça jornalística, citando a recente auditoria ao lar de Monsaraz pela Ordem dos Médicos. 

Mas trata-se de uma pretensão sem qualquer fundamento. É certo que as ordens têm por missão a defesa do "interesse geral da profissão", sobretudo no plano político e legislativo, mas não lhes compete defender os interesse setoriais de grupos dos seus membros, muito menos no aspeto laboral, que cabe aos sindicatos, e não às ordens.

Em qualquer caso, como entidades públicas que são, as ordens só têm os poderes conferidos por lei, e tal poder não consta da lei. Não consta nem devia constar, pois não faz sentido que, por exemplo, a Ordem dos Advogados faça auditorias aos tribunais ou aos serviços judiciais ou que as ordens do setor da saúde façam auditorias aos serviços públicos e privados de saúde ou que a Ordem dos Arquitetos faça autorias aos serviços municipais de urbanismo. Para isso há as auditorias e inspeções públicas e, no plano laboral, a competente fiscalização da respetiva Autoridade.

Não é para isso que as Ordens existem. Tratar-se-ia de uma manifesta usurpação de funções.