segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Manifesto pela Reforma da Justiça (7): O sindicato dirigente

1. Merece ser lido este texto ontem publicado no Público pela magistrada aposentada do Ministério Público, Maria José Fernandes, sobre o sindicato dos seus magistrados e sobre como ele passou de uma organização de defesa de direitos e interesses laborais, como é próprio dos sindicatos, para um centro de poder hegemónico dentro da própria instituição. Mais uma vez a autora dá uma prova de coragem incomum na defesa da instituição a que dedicou a sua vida profissional.

Com o conhecimento de causa que o texto revela, ele vem ao encontro de algo que há muito tempo denuncio aqui, ou seja, a captura do governo do MP pela autogestão sindical da corporação, que constitui uma ameaça fatal à autoridade do Procurador-Geral como presidente da PGR, ao princípio da hierarquia e à autonomia do Ministério Público, constitucionalmente garantida.

2. Tal como a autora, não creio que a situação seja reparável por autorreforma da conduta do sindicato. Quem tomou um  poder numa instituição tão importante no nosso sistema de justiça penal (e não só) não abdica dele de motu proprio.

Reiterando as propostas que tenho feito sobre o assunto, a captura sindical do MP só pode ser desfeita por duas vias simultâneas: (i) a transferência para o PGR de poderes de que nunca deveria ter sido privado, como presidente que é da Procuradoria-Geral, como o movimento dos magistrados e a ação disciplinar; (ii) a redução da representação dos magistrados no Conselho Superior da instituição, perdendo a absurda a maioria que atualmente detêm.

Ao contrário do sindicato, que, por definição, representa interesses particulares de grupo, o PGR goza de legitimidade democrática para governar a instituição à luz do interesse público, sendo nomeado (e eventualmente destituído) pelo PR sob proposta do Primeiro-Ministro, e só ele pode responder pela atividade do MP, como é devido numa Estado de direito constitucional, quer perante quem o nomeou, quer perante a AR.

Decididamente, é altura de uma reforma do governo do Ministério Público em plena conformidade com a Constituição.

domingo, 2 de fevereiro de 2025

Stars & Stripes (18): Uma absurda guerra comercial

1. Tem razão o Financial Times, ao qualificar de «absurda» a guerra comercial aberta ontem por Trump ao subir substancialmente as tarefas de importação de bens oriundos do Canadá e do México (em 25%)  e da China (em 10% ), a pretexto de obrigar os dois primeiros países a travar a entrada de imigrantes ilegais e de fentanyl (uma droga) nos Estados Unidos, e sem nenhuma justificação para o caso da China.

Com efeito, além do absurdo da justificação - como se os governos desses países promovessem ou apoiassem tais situações e fosse fácil impedi-las, e não coubesse sobretudo aos Estados Unidos controlar as suas fronteiras -, a subida das tarifas não vai prejudicar somente as exportações dos países atingidos para o mercado estadunidense; vai também fazer subir os custos dos produtos importados desses países (combustíveis, bens alimentares, peças de automóvel, etc.), à custa dos consumidores e das empresas norte-americanas. Acresce, a inevitável retaliação desses países vai afetar também as exportações norte-americanas, de novo à custa das suas empresas e dos seus trabalhadores.

Em suma, mesmo que os Estados Unidos percam menos do que as vítimas (sobretudo o México), trata-se de uma guerra estúpida, em que todos perdem

2. Mas há outro aspeto que torna esta guerra inaceitável sob o ponto de vista do direito do comércio internacional, que é a sua flagrante ilegalidade. 

Por um lado, ela afronta as normas da Organização Mundial do Comércico (OMC), de que os Estados Unidos foram fundadores, que proíbem tanto a discriminação tarifária de terceiros países por motivos políticos, como a aplicação de tarifas acima da pauta inscrita por cada país na OMC -, como é o caso. Por poutro lado, e ainda mais grave, ela viola frontalmente a acordo de livre comércio entre os três países da América do Norte, aliás negociado e aprovado por Trump no seu primeiro mandato, que estabeleceu a liberdade de circulação de produtos entre eles, sem tarifas.

Em suma, estamos perante uma dupla ilegalidade, que infringe descaradamente os compromissos contratuais dos Estados Unidos e a "ordem económica internacional sujeita a regras" criada depois da II Grande Guerra, em grande parte por impulso dos Estados Unidos.

3. É evidente que o próximo alvo da guerra comercial de Trump vai ser a UE, que ele considera ter sido desde o início uma conspiração contra os Estados Unidos.

Sendo o mercado norte-amerticano o primeiro destino das exportações europeias, um choque tarifário de Washington vai causar muito dano à economia europeia, e não somente nos Estados-membros que mais dependem das exportações para o outro lado do Atlântico. 

Mas a UE não esta desarmada e é de esperar que a resposta a esta guerra não deixe de ser igualmente dura e que, embora seletiva nas subidas tarifárias, seja especialmente danosa nos setores que mais doem à economia americana, inclundo no acesso do investimento norte-americano na Europa.

A UE não pode falhar neste teste provocado pela agressão económica de um ex-aliado, por mais poderoso e agressivo que ele seja.