1. Tendo criticado o PR diversas vezes quando ao exercício das suas funções presidenciais, apraz-me manifestar o meu aplauso à sua entrevista de hoje no Público, centrada sobre o estado e os problemas que enfrenta a União Europeia (desde o Brexit às relações com a China), que revela profundidade, inteligência e equilíbrio.
Nunca é demais sublinhar, como insistiu o Presidente, que a União não é somente um mercado integrado, mas também um projeto político assente num conjunto bem identificado de valores: paz, liberdade, bem-estar e coesão económica, social e territorial.
2. Muito bem equacionadas estão, igualmente, as razões por que, tendo passado pela amarga experiência da recessão económica e da assistência financeira externa entre 2011 e 2014, Portugal conseguiu sair dela sem uma profunda clivagem política ou social e também sem um surto de populismo e sem arruinar o seu sistema partidário tradicional, ao contrário de vários outros países da União, que nem sequer passaram por provação semelhante.
Por isso, acrescento eu, em Portugal as próximas eleições europeias, sem prejuízo das previsíveis alterações, não vão testemunhar nenhuma mudança dramática em relação às de 2014, nomeadamente no que se refere à representação de forças antieuropeístas. É bom verificar esta estabilidade nacional em relação à União.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
domingo, 31 de março de 2019
Não vale tudo (4): Fake news
Publicado por
Vital Moreira
1. Num conhecido programa de debate da TV (Quadratura da Círculo) desta semana, um dos comentadores (Lobo Xavier) afirma assertivamente que a mulher de Pedro Marques, ex-ministro e atual cabeça do PS às eleições europeias, também foi nomeada para um gabinete ministerial. FALSO!
Há poucos dias, o diário espanhol El País, numa crónica de Lisboa, informa que a Ministra Ana Paula Vitorino é filha do antigo Ministro e atual diretor da Organização Mundial dos Migrações, António Vitorino. FALSO.
Ontem, numa reportagem da SIC, alguém afirma, sem contradita, que Pedro Marques e M. M. Leitão Marques, os dois primeiros candidatos do PS às eleições europeias, são familiares um do outro. FALSO.
São demasiadas situações concentradas no tempo para não ver por detrás disto uma central de fake news a alimentar este caudal de acusações sobre a alegada "endogamia política" no PS, com base em simples coincidências patronímicas.
2. O que é surpreendente é que personalidades com as responsabilidades públicas de Lobo Xavier e órgãos de informação de referência como a SIC ou o EL Pais caiam nesta tentação de veicular tais falsidades, abusando da credulidade do público, sem um mínimo de verificação, que logo as revelaria falsas, tanto mais que algumas seriam mesmo impossíveis. Por exemplo, à data do nascimento de A. P. Vitorino, o fictício "pai" António Vitorino teria 5 anos!
É certo que há sempre o direito ao desmentido dos visados e à correção dos média (como fez a SIC, em relação à notícia de ontem, com pedido de desculpa aos visados). Mas nem os desmentidos nem as correções apagam o mal feito, por não cobrirem o mesmo auditório.
3. Este padrão de manipulação da informação é tanto mais preocupante quanto é certo que, segundo um inquérito da Comissão Europeia, os portugueses contam-se entre os menos preocupados com as fake news nestas eleições europeias.
Penso, por isso, que está na altura de a ERC, como autoridade de supervisão dos média, e a CNE, como autoridade de supervisão dos processos eleitorais, virem a público alertar contra campanhas sujas como esta.
Adenda
Um leitor pergunta se também é falso que eu seja marido da ex-ministra e atual candidata nas eleições europeias, Maria Manuel Leitão Marques. Sendo isso público (há mais de três décadas), também é público que nenhum de nós é membro do PS, pelo que não podemos ser arrolados como prova da questionada endogamia política socialista. Pelo contrário, somos prova da sua exogamia política...
Adenda (2) (2 de abril)
A acrescentar aos dislates irresponsáveis dos média nesta novela do parentesco na política, há a acrescentar a TVI, que ontem noticiava que a nova juíza do Tribunal Constitucional, uma reputada especialista em direito constitucional, é filha do "antigo deputado", Gomes Canotilho. Ora, o Professor Canotilho, conhecidíssimo professor de Direito Constitucional em Coimbra, nunca foi deputado. Bastava ir à Wikipédia, caramba! Decididamente, os média estão a dar muito má conta de si neste folhetim.
Há poucos dias, o diário espanhol El País, numa crónica de Lisboa, informa que a Ministra Ana Paula Vitorino é filha do antigo Ministro e atual diretor da Organização Mundial dos Migrações, António Vitorino. FALSO.
Ontem, numa reportagem da SIC, alguém afirma, sem contradita, que Pedro Marques e M. M. Leitão Marques, os dois primeiros candidatos do PS às eleições europeias, são familiares um do outro. FALSO.
São demasiadas situações concentradas no tempo para não ver por detrás disto uma central de fake news a alimentar este caudal de acusações sobre a alegada "endogamia política" no PS, com base em simples coincidências patronímicas.
2. O que é surpreendente é que personalidades com as responsabilidades públicas de Lobo Xavier e órgãos de informação de referência como a SIC ou o EL Pais caiam nesta tentação de veicular tais falsidades, abusando da credulidade do público, sem um mínimo de verificação, que logo as revelaria falsas, tanto mais que algumas seriam mesmo impossíveis. Por exemplo, à data do nascimento de A. P. Vitorino, o fictício "pai" António Vitorino teria 5 anos!
É certo que há sempre o direito ao desmentido dos visados e à correção dos média (como fez a SIC, em relação à notícia de ontem, com pedido de desculpa aos visados). Mas nem os desmentidos nem as correções apagam o mal feito, por não cobrirem o mesmo auditório.
3. Este padrão de manipulação da informação é tanto mais preocupante quanto é certo que, segundo um inquérito da Comissão Europeia, os portugueses contam-se entre os menos preocupados com as fake news nestas eleições europeias.
Penso, por isso, que está na altura de a ERC, como autoridade de supervisão dos média, e a CNE, como autoridade de supervisão dos processos eleitorais, virem a público alertar contra campanhas sujas como esta.
Adenda
Um leitor pergunta se também é falso que eu seja marido da ex-ministra e atual candidata nas eleições europeias, Maria Manuel Leitão Marques. Sendo isso público (há mais de três décadas), também é público que nenhum de nós é membro do PS, pelo que não podemos ser arrolados como prova da questionada endogamia política socialista. Pelo contrário, somos prova da sua exogamia política...
Adenda (2) (2 de abril)
A acrescentar aos dislates irresponsáveis dos média nesta novela do parentesco na política, há a acrescentar a TVI, que ontem noticiava que a nova juíza do Tribunal Constitucional, uma reputada especialista em direito constitucional, é filha do "antigo deputado", Gomes Canotilho. Ora, o Professor Canotilho, conhecidíssimo professor de Direito Constitucional em Coimbra, nunca foi deputado. Bastava ir à Wikipédia, caramba! Decididamente, os média estão a dar muito má conta de si neste folhetim.
sábado, 30 de março de 2019
Não concordo (9): Imunidade penal da difamação jornalística?
Publicado por
Vital Moreira
[Fonte: aqui]
1. O preceito do art. 183º do Código Penal, que manda punir com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias o crime de difamação cometido por meio da comunicação social, acaba de ser julgado incompatível com a CEDH pelo TEDH, no que se refere à punição com pena de prisão. Assim decorre de uma recente decisão do Tribunal, que considerou desproporcionada, e por isso lesiva da liberdade de imprensa, uma decisão judicial italiana que condenou a prisão um jornalista que acusara falsamente de aborto forçado várias pessoas (incluindo pais, ginecologista e um juiz de família), acrescentando que todos deveriam ser punidos com a pena de morte pelo alegado crime. Além da difamação, estava em causa também a invasão da privacidade da mulher em questão.
O Estado italiano acabou condenado a indemnizar o jornalista por causa da tal condenação judicial!
2. Discordo mais uma vez do TEDH, quando opta por uma proteção fundamentalista dos jornalistas, quando não está a defesa da liberdade de imprensa contra o poder político (em que a proteção deve ser máxima), mas sim em casos de difamação contra terceiros.
Tradicionalmente, o Tribunal tinha firmado jurisprudência no sentido de uma tendencial imunidade jornalística pela alegada difamação de políticos ou outras personalidades públicas. Nesta decisão, aliás com precedentes, vai mais longe, decretando que tais crimes não podem dar lugar a pena de prisão, mesmo que os difamados sejam pessoas comuns, falsamente acusadas de um crime infamante (um aborto forçado).
Isto quer dizer que, se o mesmo crime for cometido à volta da mesa de um café, pode ser punido com pena de prisão, mas que, se for cometido através da imprensa, portanto com muito maior impacto e mais intensa lesão da honra dos lesados, só pode ser punido com pena de multa. Não faz sentido este privilégio!
3. A liberdade de imprensa protege tanto a liberdade de opinião como a liberdade de informação, mas esta não inclui a liberdade de divulgar, salvo de boa fé, factos falsos lesivos da honra de terceiros. Além disso, como todas as liberdades, a liberdade de imprensa, mesmo quando protegida, pode ter de ser objeto de compressão quando conflitue com outros direitos ou liberdades fundamentais de terceiros.
A radical proteção da liberdade de imprensa traduz-se na óbvia desproteção das vítimas do seu abuso.
sexta-feira, 29 de março de 2019
Concordo (6): A propósito de "endogamia política"
Publicado por
Vital Moreira
Não posso concordar mais com esta afirmação de António Costa, de que "as pessoas não pensam [politicamente] da mesma maneira por serem marido e mulher". Nem são precisas evidências pessoais!
O mesmo, de resto, se pode dizer, aliás por maioria de razão, da relação política entre pais e filhos...
Adenda
A escolha dos ministros e outros membros do Governo é um poder exclusivo do Primeiro-Ministro (ressalvado algum excecional veto informal do PR). Excluídos obviamente os seus próprios familiares, o PM não está impedido de nomear membros do Governo que sejam familiares uns dos outros, o que não é ilícito, nem sequer censurável em termos de ética política (por isso, não incluí estas situações no meu anterior post sobre esse tema). Politicamente, porém, é de admitir que, para além dos eventuais problemas de gestão interna do Governo que isso possa acarretar (problema do PM...), a repetição de situações destas possa não cair bem na opinião pública, em geral avessa à acumulação de familiares nos mesmos órgãos do poder político...
O mesmo, de resto, se pode dizer, aliás por maioria de razão, da relação política entre pais e filhos...
Adenda
A escolha dos ministros e outros membros do Governo é um poder exclusivo do Primeiro-Ministro (ressalvado algum excecional veto informal do PR). Excluídos obviamente os seus próprios familiares, o PM não está impedido de nomear membros do Governo que sejam familiares uns dos outros, o que não é ilícito, nem sequer censurável em termos de ética política (por isso, não incluí estas situações no meu anterior post sobre esse tema). Politicamente, porém, é de admitir que, para além dos eventuais problemas de gestão interna do Governo que isso possa acarretar (problema do PM...), a repetição de situações destas possa não cair bem na opinião pública, em geral avessa à acumulação de familiares nos mesmos órgãos do poder político...
Dinheiro Vivo (7): Sim a impostos próprios da UE
Publicado por
Vital Moreira
Aqui está o cabeçalho do meu artigo da semana passada no Dinheiro Vivo - o suplemento de economia do Jornal de Notícias e do Diário de Notícias -, onde defendo a criação de impostos próprios da União, de modo a permitir aumentar os seus recursos orçamentais, reduzindo ao mesmo tempo as atuais contribuições orçamentais dos Estados-membros.
Para mim, a questão é simples: assumindo que a União só pode fazer mais com mais dinheiro, entre permitir-lhe tributar rendimentos que hoje fogem à tributação nacional, como por exemplo os lucros das empresas digitais globais, ou fazer os contribuintes nacionais pagar mais para a União, não tenho dúvidas em optar pela primeira solução.
SNS, 40 anos (16): À conta do SNS
Publicado por
Vital Moreira
1. Mais uma vez, o concurso para médicos recém-especialistas do SNS não conseguiu preencher todas as vagas existentes (cerca de 10% de défice), sobretudo fora dos grandes centros urbanos. Apesar dos incentivos entretanto criados, a alternativa privada prevaleceu nesses casos, tanto mais que muitos já acumulavam nos dois lados enquanto internos no SNS (como a lei indevidamente admite).
É a lei da oferta e da procura: quando a primeira fica aquém da segunda, fica por satisfazer a procura menos atrativa, neste caso as vagas dos hospitais públicos, apesar de os médicos deverem a sua formação ao SNS.
2. Penso há muito que, para além de uma possível agilização da formação e dos concursos, faz sentido equacionar duas soluções para responder à situação descrita: (i) primeiro, transferir para o setor privado o encargo de formação dos seus próprios especialistas, obviamente sob escrutinio do Estado, aliviando o SNS dessa responsabilidade e dos seus custos; (ii) estabelecer uma obrigação de os médicos formados em hospitais públicos permanecerem no SNS durante um certo tempo e concorrerem às vagas abertas para o efeito.
Não se justifica que o SNS assuma o encargo da formação dos médicos especialistas, para os ver logo após passarem-se de armas e bagagens para o setor privado, sem nenhuma compensação ao setor público. Também neste aspeto o setor privado não deve poder continuar a viver à conta do SNS.
Adenda
Contribuição de um leitor: «(...) O mesmo ocorreu [pouco antes], aliás em pior escala (30% de vagas por preencher), com o concurso para médicos de clínica geral».
É a lei da oferta e da procura: quando a primeira fica aquém da segunda, fica por satisfazer a procura menos atrativa, neste caso as vagas dos hospitais públicos, apesar de os médicos deverem a sua formação ao SNS.
2. Penso há muito que, para além de uma possível agilização da formação e dos concursos, faz sentido equacionar duas soluções para responder à situação descrita: (i) primeiro, transferir para o setor privado o encargo de formação dos seus próprios especialistas, obviamente sob escrutinio do Estado, aliviando o SNS dessa responsabilidade e dos seus custos; (ii) estabelecer uma obrigação de os médicos formados em hospitais públicos permanecerem no SNS durante um certo tempo e concorrerem às vagas abertas para o efeito.
Não se justifica que o SNS assuma o encargo da formação dos médicos especialistas, para os ver logo após passarem-se de armas e bagagens para o setor privado, sem nenhuma compensação ao setor público. Também neste aspeto o setor privado não deve poder continuar a viver à conta do SNS.
Adenda
Contribuição de um leitor: «(...) O mesmo ocorreu [pouco antes], aliás em pior escala (30% de vagas por preencher), com o concurso para médicos de clínica geral».
quinta-feira, 28 de março de 2019
Terra brasilis (4): Elogio oficial da ditadura
Publicado por
Vital Moreira
Dando curso à revisão da história recente do Brasil de acordo com a sua visão reacionária, o Presidente Bolsonaro decidiu ordenar às Forças Armadas a comemoração da data do golpe militar de 1964 que instalou a ditadura dos generais no Brasil por mais de duas décadas, incluindo não somente a supressão das liberdades públicas e da democracia, mas também a cassação de direitos, o exílio e a repressão violenta dos opositores, incluindo inúmeros casos de tortura e de assassínio.
Recusando mesmo reconhecer que se tratou de um golpe e de uma ditadura, o negacionismo de Bolsonaro fundamenta a relegitimação oficial desse período negro da história do Brasil, mais de três décadas depois da restauração da democracia e da Constituição de 1988.
Em Washington, Trump já deve ter saudado a iniciativa do seu devotado admirador e correligionário do Sul, recordando porventura a bênção e o apoio que outrora os Estados Unidos concederam às ditaduras militares latino-americanas, incluindo a brasileira, contra o alegado "perigo comunista".
Recusando mesmo reconhecer que se tratou de um golpe e de uma ditadura, o negacionismo de Bolsonaro fundamenta a relegitimação oficial desse período negro da história do Brasil, mais de três décadas depois da restauração da democracia e da Constituição de 1988.
Em Washington, Trump já deve ter saudado a iniciativa do seu devotado admirador e correligionário do Sul, recordando porventura a bênção e o apoio que outrora os Estados Unidos concederam às ditaduras militares latino-americanas, incluindo a brasileira, contra o alegado "perigo comunista".
Praça da República (15): Ética republicana
Publicado por
Vital Moreira
1. São conhecidos os quatro pilares essenciais da ética republicana (ou simplesmente ética política) no exercício de cargos públicos: (i) escrupuloso cumprimento das obrigações legais inerentes ao cargo; (ii) primazia absoluta do interesse público sobre os interesses particulares, em geral, e os interesses pessoais, em especial; (iii) integridade e recusa de vantagens ou favores pessoais; (iv) rejeição das relações familiares (nepotismo) ou de amizade (amiguismo) como critérios de decisão no governo da coisa pública.
A ética republicana vai muito para além do respeito da lei, regulando também a margem de livre decisão deixada pela lei. Sem constrições éticas a res publica corre riscos desnecesários.
2. As coisas tornam-se mais complicadas quando se trata de constituir equipas de trabalho, onde prevalece a liberdade de seleção dos colaboradores e onde os fatores de conhecimento, confiança e lealdade pessoal têm o seu lugar, favorecendo a escolha nos círculos de conhecidos, de amigos e de correligionários. É inevitável e compreensível, mas a prudência aconselha contenção e parcimónia no recrutamento nesses círculos, mesmo quando não esteja em causa a experiência e saber dos escolhidos.
O problema aumenta exponencialmente quando entram em jogo as relações familiares e quando a frequência das ocorrências deixa perceber um padrão de conduta comprometedor (o número conta).
Hoje em dia, os novos meios de informação e o maior escrutínio e maior sensibilidade do público tornam estes assuntos especialmente delicados. Toda a imprudência será castigada.
3. Estando em causa juízos translegais e não devendo eles ser deixados ao desamparo dos próprios interessados nem à demagogia dos média e das redes sociais, a solução passa pela elaboração de códigos de conduta ou códigos de ética que recomendem normas de comportamento e pela instituição de comissões de ética, incluindo personalidades externas, que permitam derimir os casos duvidosos ou conteciosos .
Infelizmente, entre nós, em vez de se prevenirem as situações, tendemos a correr atrás do prejuízo.
Adenda
Um leitor observa que recentemente desempenhei uma missão pública de nomeação governamental, sendo minha mulher ministra (embora alheia a tal missão). Assim foi, mas a tal missão - comissário para as comemorações dos 70 anos da DUDH - foi inteiramente gratuita, incluindo o não reembolso de qualquer despesa. Não creio que a ética republicana proíba o financiamento pessoal de missões públicas...
Adenda 2
Propositadamente, não nomeei nenhuma situação concreta, mas é óbvio que, ao contrário do que aqui e aqui se diz apressadamente, não visei a composição do Governo nem sufrago, relativamente aos gabinetes ministeriais, o precipitado inventário a esmo de situações muitos diferentes que vai pela imprensa, incluindo várias que não são suscetíveis de nenhuma censura ética. Não foi por acaso que me referi acima à "demagogia dos média e das redes sociais"...
Adenda 3
Respondendo a outro leitor, não mencionei a alegada "endogamia" na composição do Governo porque não compartilho dessa acusação. Sendo certo que não deixam de ser invulgares as duas situações há muito apontadas - porque existentes desde a origem do Governo -, não é menos verdade que este Governo pede meças na abertura a independentes e a personalidades oriundas de fora da "classe política", pelo que melhor se diria que ele é caracterizado por uma elevada "exogamia" política.
Adenda 4
Às listas que misturam tudo nas redes sociais, há a acrescentar as fake news com imputações de nomeações inteiramente falsas, com a agravante de serem veiculadas por pessoas em geral credíveis. Quando a demagogia freme, até as pessoas decentes claudicam. Aqui está em causa a ética pessoal, tout court...
A ética republicana vai muito para além do respeito da lei, regulando também a margem de livre decisão deixada pela lei. Sem constrições éticas a res publica corre riscos desnecesários.
2. As coisas tornam-se mais complicadas quando se trata de constituir equipas de trabalho, onde prevalece a liberdade de seleção dos colaboradores e onde os fatores de conhecimento, confiança e lealdade pessoal têm o seu lugar, favorecendo a escolha nos círculos de conhecidos, de amigos e de correligionários. É inevitável e compreensível, mas a prudência aconselha contenção e parcimónia no recrutamento nesses círculos, mesmo quando não esteja em causa a experiência e saber dos escolhidos.
O problema aumenta exponencialmente quando entram em jogo as relações familiares e quando a frequência das ocorrências deixa perceber um padrão de conduta comprometedor (o número conta).
Hoje em dia, os novos meios de informação e o maior escrutínio e maior sensibilidade do público tornam estes assuntos especialmente delicados. Toda a imprudência será castigada.
3. Estando em causa juízos translegais e não devendo eles ser deixados ao desamparo dos próprios interessados nem à demagogia dos média e das redes sociais, a solução passa pela elaboração de códigos de conduta ou códigos de ética que recomendem normas de comportamento e pela instituição de comissões de ética, incluindo personalidades externas, que permitam derimir os casos duvidosos ou conteciosos .
Infelizmente, entre nós, em vez de se prevenirem as situações, tendemos a correr atrás do prejuízo.
Adenda
Um leitor observa que recentemente desempenhei uma missão pública de nomeação governamental, sendo minha mulher ministra (embora alheia a tal missão). Assim foi, mas a tal missão - comissário para as comemorações dos 70 anos da DUDH - foi inteiramente gratuita, incluindo o não reembolso de qualquer despesa. Não creio que a ética republicana proíba o financiamento pessoal de missões públicas...
Adenda 2
Propositadamente, não nomeei nenhuma situação concreta, mas é óbvio que, ao contrário do que aqui e aqui se diz apressadamente, não visei a composição do Governo nem sufrago, relativamente aos gabinetes ministeriais, o precipitado inventário a esmo de situações muitos diferentes que vai pela imprensa, incluindo várias que não são suscetíveis de nenhuma censura ética. Não foi por acaso que me referi acima à "demagogia dos média e das redes sociais"...
Adenda 3
Respondendo a outro leitor, não mencionei a alegada "endogamia" na composição do Governo porque não compartilho dessa acusação. Sendo certo que não deixam de ser invulgares as duas situações há muito apontadas - porque existentes desde a origem do Governo -, não é menos verdade que este Governo pede meças na abertura a independentes e a personalidades oriundas de fora da "classe política", pelo que melhor se diria que ele é caracterizado por uma elevada "exogamia" política.
Adenda 4
Às listas que misturam tudo nas redes sociais, há a acrescentar as fake news com imputações de nomeações inteiramente falsas, com a agravante de serem veiculadas por pessoas em geral credíveis. Quando a demagogia freme, até as pessoas decentes claudicam. Aqui está em causa a ética pessoal, tout court...
quarta-feira, 27 de março de 2019
Euroeleições (9): Levar a sério a cidadania europeia
Publicado por
Vital Moreira
1. As eleições do Parlamento Europeu são uma manifestação da cidadania europeia e da democracia representativa da União. Têm direito de participar nelas, como eleitores e como candidatos, todos os cidadãos europeus, onde quer que residam na União, podendo exercer esses direitos no país onde residem.
Por isso, em Portugal estão abrangidos os numerosos cidadãos de outros países da União residentes entre nós. Não se trata de uma concessão nacional, como sucede com o voto de estrangeiros nas eleições domésticas, mas sim um direito consagrado nos Tratados da União e na sua Carta de Direitos Fundamentais, que os Estados-membros se limitam a respeitar, como lhes compete.
2. Lamentavelmente, porém, nenhuma das listas dos principais partidos às eleições de maio próximo integra candidatos de outras nacionalidades, ao contrário do que sucede em alguns outros países da União, como é o caso da lista da LRM em França (o partido do Presidente Macron).
A sua inclusão poderia ajudar a mobilizar o voto dos cidadãos europeus residentes em Portugal, fazendo destas eleições uma efetiva manifestação de representatividade transnacional, como deve ser. De resto, os eurodeputados não representam os seus países no PE, mas sim todos os cidadãos europeus, independentemente da nacionalidade, a começar pelos que votaram neles nos seus países.
Penso que é de equacionar a hipótese de a lei eleitoral da União vir a estabelecer uma obrigação de as listas nacionais incluírem um número mínimo de candidatos de outros nacionalidades, nomeadamente das mais numerosas em cada país.
Por isso, em Portugal estão abrangidos os numerosos cidadãos de outros países da União residentes entre nós. Não se trata de uma concessão nacional, como sucede com o voto de estrangeiros nas eleições domésticas, mas sim um direito consagrado nos Tratados da União e na sua Carta de Direitos Fundamentais, que os Estados-membros se limitam a respeitar, como lhes compete.
2. Lamentavelmente, porém, nenhuma das listas dos principais partidos às eleições de maio próximo integra candidatos de outras nacionalidades, ao contrário do que sucede em alguns outros países da União, como é o caso da lista da LRM em França (o partido do Presidente Macron).
A sua inclusão poderia ajudar a mobilizar o voto dos cidadãos europeus residentes em Portugal, fazendo destas eleições uma efetiva manifestação de representatividade transnacional, como deve ser. De resto, os eurodeputados não representam os seus países no PE, mas sim todos os cidadãos europeus, independentemente da nacionalidade, a começar pelos que votaram neles nos seus países.
Penso que é de equacionar a hipótese de a lei eleitoral da União vir a estabelecer uma obrigação de as listas nacionais incluírem um número mínimo de candidatos de outros nacionalidades, nomeadamente das mais numerosas em cada país.
terça-feira, 26 de março de 2019
Bloquices (7): Desfaçatez
Publicado por
Vital Moreira
1. Há poucos dias a eurodeputada do BE, Marisa Matias, declarou enfaticamente que o Bloco não defende nem nunca defendeu a saída do euro. Mas não é essa a verdade, pelo contrário: ainda há menos de dois anos, a líder do partido, Catarina Martins, disse exatamente o contrário.
Pura desfaçatez política, portanto; ou o Bloco a imitar o descaramento que aponta aos "partidos burgueses".2. Mesmo admitindo que agora o Bloco, face à recuperação da zona euro e ao amplo apoio à moeda única em Portugal e lá fora, tenha abandonado publicamente esse objetivo revolucionário, a verdade é que ele mantém, no fundo, o mesmo objetivo de forçar a saída de Portugal do euro, através de medidas que tornariam a nossa permanência insustentável, como, por exemplo, quando defende a reestruturação unilateral da dívida pública ou o abandono do Tratado Orçamental, a que todos os países do euro estão vinculados.
Rabo escondido com o gato de fora...
segunda-feira, 25 de março de 2019
Euroeleições (8): Inverter o ciclo da abstenção
Publicado por
Vital Moreira
Penso que estas eleições europeias vão ser mais concorridas do que as anteriores, invertendo o recorrente aumento de abstenção. Por duas razões:
- primeiro, pela visibilidade e pelo debate paneuropeu de temas como a imigração, o Brexit, os atentados ao Estado de direito na Polónia e na Hungria;
- segundo, pela ascensão das forças antieuropeístas em vários países, o que, para além de mobilizar o seu eleitorado, pode também provocar uma contramobilização do eleitorado europeísta em defesa da União.
Olhando para trás, não me recordo de eleições que a esta distância do dia da votação tenham suscitado tanta atenção pública como estas.
- primeiro, pela visibilidade e pelo debate paneuropeu de temas como a imigração, o Brexit, os atentados ao Estado de direito na Polónia e na Hungria;
- segundo, pela ascensão das forças antieuropeístas em vários países, o que, para além de mobilizar o seu eleitorado, pode também provocar uma contramobilização do eleitorado europeísta em defesa da União.
Olhando para trás, não me recordo de eleições que a esta distância do dia da votação tenham suscitado tanta atenção pública como estas.
sexta-feira, 22 de março de 2019
Praça da República (14): Igualdade eleitoral
Publicado por
Vital Moreira
1. Tal como o Presidente da República, também entendo que não faz sentido que o novo regime, mais exigente, de igualdade de género nas candidaturas às eleições nacionais (europeias, parlamentares e locais) não se aplique também as eleições dos parlamentos regionais dos Açores e da Madeira.
No entanto, a justificação é tão simples quanto incontornável: é que, segundo a Constituição, a legislação das eleições regionais, embora da competência da AR, só pode ser alterada por iniciativa das próprias regiões, pelo que não pode sê-lo por iniciativa dos deputados nacionais nem do Governo da República, como foi o caso em relação à "lei da paridade" agora promulgada.
2. É de admitir que os órgãos do poder regional escutem devidamente a pertinente queixa presidencial. Infelizmente, porém, não é a primeira vez que as regiões autónomas não seguem as boas soluções legislativas adotadas a nível nacional quanto ao funcionamento do sistema político. É o custo da autonomia!
Mas cabendo ao PR também o poder de supervisão sobre o sistema político das regiões autónomas, assiste-lhe toda a legitimidade para apontar essas situações de assimetria legislativa.
No entanto, a justificação é tão simples quanto incontornável: é que, segundo a Constituição, a legislação das eleições regionais, embora da competência da AR, só pode ser alterada por iniciativa das próprias regiões, pelo que não pode sê-lo por iniciativa dos deputados nacionais nem do Governo da República, como foi o caso em relação à "lei da paridade" agora promulgada.
2. É de admitir que os órgãos do poder regional escutem devidamente a pertinente queixa presidencial. Infelizmente, porém, não é a primeira vez que as regiões autónomas não seguem as boas soluções legislativas adotadas a nível nacional quanto ao funcionamento do sistema político. É o custo da autonomia!
Mas cabendo ao PR também o poder de supervisão sobre o sistema político das regiões autónomas, assiste-lhe toda a legitimidade para apontar essas situações de assimetria legislativa.
Regionalização (3): Défice de descentralização
Publicado por
Vital Moreira
1. Como mostra o quadro junto, colhido AQUI, ao contrário do que por vezes se ouve, Portugal não está entre os países mais centralizados, nem na UE nem na OCDE, tomando como critério a repartição da despesa pública entre o Estado central e as entidades territoriais subnacionais.
Mas é evidente que, nesse ranking da descentralização, Portugal está bem abaixo tanto da média da UE como, ainda mais, da OCDE, com menos de 50% de despesa não centralizada.
De resto, a posição de Portugal neste ranking é ilusoriamente menos má por causa dos Açores de da Madeira, onde grande parte da despesa pública é da responsabilidade das regiões autónomas e não do Estado. No Continente o défice de descentralização deve ser bem mais acentuado.
2. É provável que o processo de descentralização municipal e intermunicipal em curso atenue este défice, porém sem o corrigir.
Ora, uma vez esgotada a margem de descentralização para os municípios e entidades intermunicipais, por falta de escala destas unidades territoriais, o único meio de aprofundar a descentralização é a criação de autarquias territoriais supramunicipais, a saber, as regiões.
Não é por acaso que no quadro junto a maior parte do países com mais elevado grau de descentralização tem um (ou dois) níveis de descentralização territorial entre o Estado e os municípios.
Mas é evidente que, nesse ranking da descentralização, Portugal está bem abaixo tanto da média da UE como, ainda mais, da OCDE, com menos de 50% de despesa não centralizada.
De resto, a posição de Portugal neste ranking é ilusoriamente menos má por causa dos Açores de da Madeira, onde grande parte da despesa pública é da responsabilidade das regiões autónomas e não do Estado. No Continente o défice de descentralização deve ser bem mais acentuado.
2. É provável que o processo de descentralização municipal e intermunicipal em curso atenue este défice, porém sem o corrigir.
Ora, uma vez esgotada a margem de descentralização para os municípios e entidades intermunicipais, por falta de escala destas unidades territoriais, o único meio de aprofundar a descentralização é a criação de autarquias territoriais supramunicipais, a saber, as regiões.
Não é por acaso que no quadro junto a maior parte do países com mais elevado grau de descentralização tem um (ou dois) níveis de descentralização territorial entre o Estado e os municípios.
quinta-feira, 21 de março de 2019
+Europa (13): Enfrentar as empresas globais
Publicado por
Vital Moreira
A Comissão Europeia acaba de punir de novo a Google com mais uma elevada coima de 1.500 milhões de euros por abuso de posição dominante, desta vez por abusar do seu hegemónico poder de mercado para prejudicar os concorrentes em matéria de publicidade.
Com esta sanção, a UE mostra mais uma vez que constitui a única instância política com poder para fazer valer as regras da concorrência contra as mais conspícuas empresas globais, em defesa do mercado e dos consumidores, perante a complacência interessada dos Estados Unidos nesta matéria.
Eis um dos mais evidentes valores acrescentados da União, que os soberanistas e nacionalistas querem anular. É óbvio que nenhum Estado-membro da União isolado teria a capacidade para investigar estas complexas violações da concorrência, nem a força política necessária para tomar tais medidas.
Com esta sanção, a UE mostra mais uma vez que constitui a única instância política com poder para fazer valer as regras da concorrência contra as mais conspícuas empresas globais, em defesa do mercado e dos consumidores, perante a complacência interessada dos Estados Unidos nesta matéria.
Eis um dos mais evidentes valores acrescentados da União, que os soberanistas e nacionalistas querem anular. É óbvio que nenhum Estado-membro da União isolado teria a capacidade para investigar estas complexas violações da concorrência, nem a força política necessária para tomar tais medidas.
Lisbon first (16): E o Porto a seguir
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Vital Moreira
1. O Primeiro-Ministro veio asseverar que a redução de preços dos transportes urbanos é programa nacional e beneficiará 85% da população.
Que é "programa nacional", bem o sabemos do lado do financiamento, pois que pago por todos os contribuintes; mas não é "programa nacional" pelo lado dos beneficiários, não só por causa dos tais 15% que ele não toca, mas também pela escandalosa assimetria entre os gastos em Lisboa e no Porto e no resto do País.
Pago por todos, o programa não beneficia todos, nem beneficia os que beneficia de modo minimante equânime. Todos pagam e poucos levam quase tudo! A extensão ao resto do País foi apenas uma habilidade para justificar politicamente mais uma enorme subvenção do País às duas áreas metropolitanas.
2. O subsídio público aos transportes urbanos é uma excelente medida social e ambiental. Mas, tratando-se de uma tarefa de natureza e âmbito eminentemente local, deve ser financiada pelos municípios interessados e não pelos contribuintes de todo o País, incluindo os que nem sequer têm transportes urbanos.
Não existe nenhuma razão para que, por exemplo, os munícipes de Miranda do Douro subvencionem os de Lisboa e do Porto que, aliás, já beneficiam do financiamento nacional do respetivo metropolitano (que também deveria ser uma competência municipal).
Também aqui deve valer o princípio beneficiário-pagador.
Que é "programa nacional", bem o sabemos do lado do financiamento, pois que pago por todos os contribuintes; mas não é "programa nacional" pelo lado dos beneficiários, não só por causa dos tais 15% que ele não toca, mas também pela escandalosa assimetria entre os gastos em Lisboa e no Porto e no resto do País.
Pago por todos, o programa não beneficia todos, nem beneficia os que beneficia de modo minimante equânime. Todos pagam e poucos levam quase tudo! A extensão ao resto do País foi apenas uma habilidade para justificar politicamente mais uma enorme subvenção do País às duas áreas metropolitanas.
2. O subsídio público aos transportes urbanos é uma excelente medida social e ambiental. Mas, tratando-se de uma tarefa de natureza e âmbito eminentemente local, deve ser financiada pelos municípios interessados e não pelos contribuintes de todo o País, incluindo os que nem sequer têm transportes urbanos.
Não existe nenhuma razão para que, por exemplo, os munícipes de Miranda do Douro subvencionem os de Lisboa e do Porto que, aliás, já beneficiam do financiamento nacional do respetivo metropolitano (que também deveria ser uma competência municipal).
Também aqui deve valer o princípio beneficiário-pagador.
quarta-feira, 20 de março de 2019
"Dinheiro Vivo" (5): Liberalizar os táxis
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Vital Moreira
Aqui está o cabeçalho da minha coluna de opinião da semana passada no Dinheiro Vivo - o suplemento de economia do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias -, desta vez dedicada ao projeto de lei de liberalização dos táxis apresentado no Parlamento pelo PSD.
Depois da "lei da Uber", impõe-se submeter às regras do mercado também o próprio serviço de táxis, incluindo liberdade de entrada na atividade e concorrência na qualidade e nos preços, revogando o regime protecionista que vem desde o regime corporativo do "Estado Novo", que sobreviveu incólume a mais de quatro décadas de economia de mercado!
Decididamente, os privilégios corporativos custam a morrer.
Depois da "lei da Uber", impõe-se submeter às regras do mercado também o próprio serviço de táxis, incluindo liberdade de entrada na atividade e concorrência na qualidade e nos preços, revogando o regime protecionista que vem desde o regime corporativo do "Estado Novo", que sobreviveu incólume a mais de quatro décadas de economia de mercado!
Decididamente, os privilégios corporativos custam a morrer.
SNS, 40 anos (15): Um dever de defender a própria saúde?
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Vital Moreira
1. Não vejo onde é que está a alegada inconstitucionalidade de uma norma que estipule a responsabilidade individual pela proteção da saúde própria e alheia, como esta que consta da proposta governamental de Lei de Bases da Saúde.
Por duas razões fundamentais:
- primeiro, a própria Constituição estabelece explicitamente um dever de defender e proteger a saúde e não distingue entre a saúde própria e a de terceiros;
- segundo, em matéria de direitos sociais não deve haver direitos individuais sem responsabilidade individual, visto que os direitos sociais são pagos por todos e a irresponsabilidade individual fica cara à coletividade.
2. Nem se diga que um tal dever não é suscetível de sanção, ou que poderia abrir caminho a sanções aburdas como a recusa de cuidados de saúde a quem infringisse tal obrigação (um argumento puramente terrorista).
Antes de mais, pode haver (e há) "normas imperfeitas", sem sanção, sem por isso perderem o seu sentido normativo, como "deveres cívicos", permitindo a censura comunitária sobre comportamentos que as ignorem. Por outro lado, não vejo, por exemplo, porque é que uma obrigação legal de vacinação não pode ser sancionada (por via contraordenacional, por exemplo) ou porque é que é que um fumador não há-de ser discriminado, por exemplo, no pagamento de taxas moderadoras pelos cuidados de saúde decorrentes da sua adicção.
É tempo de equilibar uma hipercultura de direitos contra o Estado e a sociedade com um módico de cultura de responsabilidade individual perante a coletividade. E se a moral social dominante não favorece essa responsabilidade individual (pelo contrário), que seja a lei a incentivá-la.
Por duas razões fundamentais:
- primeiro, a própria Constituição estabelece explicitamente um dever de defender e proteger a saúde e não distingue entre a saúde própria e a de terceiros;
- segundo, em matéria de direitos sociais não deve haver direitos individuais sem responsabilidade individual, visto que os direitos sociais são pagos por todos e a irresponsabilidade individual fica cara à coletividade.
2. Nem se diga que um tal dever não é suscetível de sanção, ou que poderia abrir caminho a sanções aburdas como a recusa de cuidados de saúde a quem infringisse tal obrigação (um argumento puramente terrorista).
Antes de mais, pode haver (e há) "normas imperfeitas", sem sanção, sem por isso perderem o seu sentido normativo, como "deveres cívicos", permitindo a censura comunitária sobre comportamentos que as ignorem. Por outro lado, não vejo, por exemplo, porque é que uma obrigação legal de vacinação não pode ser sancionada (por via contraordenacional, por exemplo) ou porque é que é que um fumador não há-de ser discriminado, por exemplo, no pagamento de taxas moderadoras pelos cuidados de saúde decorrentes da sua adicção.
É tempo de equilibar uma hipercultura de direitos contra o Estado e a sociedade com um módico de cultura de responsabilidade individual perante a coletividade. E se a moral social dominante não favorece essa responsabilidade individual (pelo contrário), que seja a lei a incentivá-la.
terça-feira, 19 de março de 2019
O que o Presidente não deve fazer (18): O "veto antecipado"
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Vital Moreira
1. Em relação ao meu último post desta série, um leitor pergunta quais são os casos de interferência do PR no poder legislativo. Eis a minha resposta.
Por um lado, o Presidente da República vem-se permitindo pronunciar-se publicamente, com alguma frequência, sobre matérias pendentes de procedimento legislativo na AR (chegando a enviar notas ao Parlamento sobre leis em debate), desse modo condicionando diretamente o excercício da função legislativa, que cabe em exclusivo ao parlamento.
Ora, numa república parlamentar o debate legislativo cabe aos partidos políticos representados na AR e às organizações da sociedade civil (estes a título de "democracia participativa"), pelo que o PR se deveria manter à margem dele, tanto mais que no final lhe compete ajuizar, face à formulação concreta dos diplomas aprovados, sobre um eventual veto político, recusando a sua promulgação.
2. Neste quadro, são ainda mais problemáticos os casos em que o Presidente antecipadamente deixa entender ou indicia diretamente que não promulgará uma lei pendente de votação na AR, em função da solução legislativa em consideração ou caso não seja aprovada por maioria qualificada (como sucedeu em relação à lei de bases da saúde).
Como é evidente, estes casos de "veto antecipado" e, em especial, a exigência de aprovação de leis por maioria qualificada, nos casos em que a Constituição não a estipula, revestem maior gravidade do que as situações anteriores, por a perspetiva de veto presidencial levar as oposições a radicalizarem as suas posições na disputa legislativa, dispensando-as de negociar soluções de compromisso com a maioria governativa.
Por definição, o eventual veto legislativo só deve ser equacionado a posteriori, face ao resultado final do labor legislativo, não devendo poder fundar-se na falta de uma maioria qualificada que a Constituição não exige.
segunda-feira, 18 de março de 2019
Regionalização (2): O fator perturbador da intermunicipalidade
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Vital Moreira
1. Além do obstáculo do duplo referendo, referido em post anterior, a revisão constitucional de 1997 veio também introduzir um importante fator perturbador da regionalização, ao reforçar a institucionalização de entidades intermunicipais (associações de municípios), que hoje se consubstanciam nas duas áreas metropolitanas (AM) e nas 21 comunidades intermunicipais (CIM), que correspondem territorialmente às NUTS III (no mapa junto).
O problema é que a Constituição previu também que a lei lhes conferisse diretamente "atribuições e competências próprias" (além das transferidas pelos próprios municípios associados), abrindo assim caminho para a criação "furtiva" de um novo nível "intermunicipal" (mas na verdade supramunicipal) de descentralização territorial e conferindo-lhes um estatuto de "semiautarquias" territoriais (atribuições próprias, mas sem órgãos diretamente eleitos).
2. A referida cláusula constitucional permitiu que a lei das autarquias locais cometesse às entidades intermunicipais importantes tarefas de âmbito supramunicipal, que caberiam naturalmente às regiões administrativas, se estas existissem. A recente lei-quadro da descentralização territorial também vai por aí, prevendo expressamente a "transferência de competências [do Estado] para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais".
Ao criar esse nível de descentralização territorial supramunicial (embora sem autarquias supramuncipais, por falta de órgãos diretamente eleitos), o legislador acabou por estabelecer uma espécie de "mesorregionalização", com base nas 23 NUTS III atuais, a qual vem reduzir o espaço entre o Estado e os municípios que a criação das regiões administrativas visava preencher.
3. As coisas complicam-se ainda mais, se for para a frente o projeto que estava no programa do atual Governo de fazer eleger diretamente os órgãos das áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que assim se transformariam em verdadeiras autarquias territoriais supramunicipais.Desse modo, e supondo que essa solução é constitucionalmente viável, nas áreas metropolitanas - que abrangem uma parte substancial da população do País -, passaria a haver três níveis territoriais de administração infraestadual: freguesias - municípios - autarquias metropolitanas; com a hipotética criação das regiões administrativas, passariam a ser quatro níveis!
E provável que nem só os adversários da regionalização achem demais!
O problema é que a Constituição previu também que a lei lhes conferisse diretamente "atribuições e competências próprias" (além das transferidas pelos próprios municípios associados), abrindo assim caminho para a criação "furtiva" de um novo nível "intermunicipal" (mas na verdade supramunicipal) de descentralização territorial e conferindo-lhes um estatuto de "semiautarquias" territoriais (atribuições próprias, mas sem órgãos diretamente eleitos).
2. A referida cláusula constitucional permitiu que a lei das autarquias locais cometesse às entidades intermunicipais importantes tarefas de âmbito supramunicipal, que caberiam naturalmente às regiões administrativas, se estas existissem. A recente lei-quadro da descentralização territorial também vai por aí, prevendo expressamente a "transferência de competências [do Estado] para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais".
Ao criar esse nível de descentralização territorial supramunicial (embora sem autarquias supramuncipais, por falta de órgãos diretamente eleitos), o legislador acabou por estabelecer uma espécie de "mesorregionalização", com base nas 23 NUTS III atuais, a qual vem reduzir o espaço entre o Estado e os municípios que a criação das regiões administrativas visava preencher.
3. As coisas complicam-se ainda mais, se for para a frente o projeto que estava no programa do atual Governo de fazer eleger diretamente os órgãos das áreas metropolitanas (Lisboa e Porto), que assim se transformariam em verdadeiras autarquias territoriais supramunicipais.Desse modo, e supondo que essa solução é constitucionalmente viável, nas áreas metropolitanas - que abrangem uma parte substancial da população do País -, passaria a haver três níveis territoriais de administração infraestadual: freguesias - municípios - autarquias metropolitanas; com a hipotética criação das regiões administrativas, passariam a ser quatro níveis!
E provável que nem só os adversários da regionalização achem demais!
domingo, 17 de março de 2019
Social-democracia (6): "Dignidade económica"
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Vital Moreira
1. Vale a pena ler este artigo do economista Gene Sperling - que trabalhou com Clinton e Obama na Casa Branca - sobre o principal objetivo que deve nortear as políticas económicas e sociais de um governo progressista, ou seja, a "dignidade económica" de todos, numa tríplice dimensão: (i) assegurar os meios suficientes para sustentar condignamente a família (incluindo crianças e idosos); (ii) realizar o potencial económico de cada um; (iii) participar na vida económica sem sujeições nem humilhações.
2. Isento do jargão marxista e tendencialmente anticapitalista que é típico dos debates europeus sobre o tema, este desafiante texto inscreve-se plenamente no filão do idealismo progressista norte-americano, que inspirou os avanços de Roosevelt, Kennedy, Clinton e Obama na regulação do mercado com objetivos sociais nos Estados Unidos, no contexto adverso de uma cultura política visceralmente individualista e antissocialista e na ausência de uma ancoragem constitucional dos direitos sociais, não tendo sido possível a adoção do "second bill of rights" que Roosevelt ambicionou (e não sendo por acaso que os Estados Unidos não ratificaram também o Pacto de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, de 1966).
2. Isento do jargão marxista e tendencialmente anticapitalista que é típico dos debates europeus sobre o tema, este desafiante texto inscreve-se plenamente no filão do idealismo progressista norte-americano, que inspirou os avanços de Roosevelt, Kennedy, Clinton e Obama na regulação do mercado com objetivos sociais nos Estados Unidos, no contexto adverso de uma cultura política visceralmente individualista e antissocialista e na ausência de uma ancoragem constitucional dos direitos sociais, não tendo sido possível a adoção do "second bill of rights" que Roosevelt ambicionou (e não sendo por acaso que os Estados Unidos não ratificaram também o Pacto de Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, de 1966).
sábado, 16 de março de 2019
Horizonte 2023 (II): Regresso do défice comercial
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Vital Moreira
O aspeto mais desfavorável do cenário económico e orçamental do Conselho das Finanças Públicas até 2023 é a continuação do crescimento das exportações abaixo das importações, consumindo a atual excendente comercial, voltando o País a uma situação de défice comercial já em 2020 (como aqui se antecipou anteriomente), que se torna maior nos anos seguintes, embora moderadamente.
Também aqui existem riscos de evolução mais negativa, se se agravar o abrandamento económico nos nossos principais mercados externos, se o Brexit correr mesmo mal, se as anunciadas guerras comerciais ameaçadas a partir de Washington se vierem a desencadear, etc..
Prognóstico reservado, portanto.
Também aqui existem riscos de evolução mais negativa, se se agravar o abrandamento económico nos nossos principais mercados externos, se o Brexit correr mesmo mal, se as anunciadas guerras comerciais ameaçadas a partir de Washington se vierem a desencadear, etc..
Prognóstico reservado, portanto.
sexta-feira, 15 de março de 2019
Horizonte 2023 (I): Riscos orçamentais
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Vital Moreira
1. Apesar do abrandamento geral do ciclo económio, o Conselho das Finanças Públicas prevê para Portugal a manutenção do crescimento no horizonte de 2023 (à volta de 1,5% ao ano), o que perfaz um período de nove anos de expansão económica contínua (com início em 2014), sem paralelo desde 1974.
Num quadro de aumento sustentado das receitas orçamentais e de contenção da despesa pública, nomeadamente da despesa com juros da dívida pública, vai ser possível cumprir, num cenário de "políticas invariantes", as regras de consolidação orçamental da zona euro, quer quanto ao défice (chegando a prever um excedente orçamental em 2021!), quer quanto à redução do rácio da dívida pública no PIB (mas não quanto à redução do "défice estrutural").
2. No entanto, o CFP enuncia uma série de riscos para este cenário favorável, nomeadamente os seguintes: (i) uma deterioração da economia mundial mais acentuada [do que o previsto], com efeitos no crescimento da economia portuguesa e consequentes impactos negativos ao nível da receita e da despesa; (ii) o impacto de novos apoios ao sector financeiro; (iii) a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública (concretamente despesas com prestações sociais e despesas com pessoal); e (iv) a capacidade de manter o controlo do crescimento da despesa com consumos intermédios.
Ora, se os dois primeiros fogem ao alcance do Governo, já os dois últimos dependem essencialmente das condições políticas internas. A provável hipótese de um novo governo minoritáio a partir das eleições de outubro próximo, sem condições para um acordo parlamentar sobre a estabilidade orçamental, pode tornar o cenário mais problemático, em consequência da maior vulnerabilidade do Governo às pressões do setor público e a "coligações negativas" com impacto orçamental significativo.
Num quadro de aumento sustentado das receitas orçamentais e de contenção da despesa pública, nomeadamente da despesa com juros da dívida pública, vai ser possível cumprir, num cenário de "políticas invariantes", as regras de consolidação orçamental da zona euro, quer quanto ao défice (chegando a prever um excedente orçamental em 2021!), quer quanto à redução do rácio da dívida pública no PIB (mas não quanto à redução do "défice estrutural").
2. No entanto, o CFP enuncia uma série de riscos para este cenário favorável, nomeadamente os seguintes: (i) uma deterioração da economia mundial mais acentuada [do que o previsto], com efeitos no crescimento da economia portuguesa e consequentes impactos negativos ao nível da receita e da despesa; (ii) o impacto de novos apoios ao sector financeiro; (iii) a concretização de pressões orçamentais sobre as componentes mais rígidas da despesa pública (concretamente despesas com prestações sociais e despesas com pessoal); e (iv) a capacidade de manter o controlo do crescimento da despesa com consumos intermédios.
Ora, se os dois primeiros fogem ao alcance do Governo, já os dois últimos dependem essencialmente das condições políticas internas. A provável hipótese de um novo governo minoritáio a partir das eleições de outubro próximo, sem condições para um acordo parlamentar sobre a estabilidade orçamental, pode tornar o cenário mais problemático, em consequência da maior vulnerabilidade do Governo às pressões do setor público e a "coligações negativas" com impacto orçamental significativo.
+Europa (12): Corpo Europeu de Solidariedade
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Vital Moreira
1. Criado pelo Regulamento (UE) n.º 2018/1475, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de outubro de 2018, o Corpo Europeu de Solidariedade (CES) é mais uma instituição que visa radicar socialmente a União, novamente focada na juventude.
Cofinanciado pela União (com uma dotação de €375.6 milhões para o triénio 2018-20) e pelos Estados-membros, compete a estes designar as estruturas de gestão interna, o que acaba de ser efetuado em Portugal através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2019, de 12 deste mês.
2. Vocacionado, como o nome diz, para ações de voluntariado social em vários domínios, incluindo desastres naturais e refugiados - como se lê no seu portal no site da União -, o CES pode atuar não somente ao nível nacional, mas também a nivel europeu e internacional. Sem poder ter a visibilidade e o impacto do Erasmus (a principal "fábrica" de cidadãos europeus inventada pela União), o CES tem, porém, o pontencial de envolver numerosos jovens europeus em ações desinteressadas de cooperaçao e de apoio social.
É também assim que se constrói a Europa, pela base. Como escrevia há dias o Presidente Macron da França, numa carta aberta aos cidadãos europeus, a "UE não é somente um mercado, mas também um projeto" - neste caso, um projeto de coesão social, através do envolvimento da juventude europeia em tarefas de apoio social.
Cofinanciado pela União (com uma dotação de €375.6 milhões para o triénio 2018-20) e pelos Estados-membros, compete a estes designar as estruturas de gestão interna, o que acaba de ser efetuado em Portugal através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2019, de 12 deste mês.
2. Vocacionado, como o nome diz, para ações de voluntariado social em vários domínios, incluindo desastres naturais e refugiados - como se lê no seu portal no site da União -, o CES pode atuar não somente ao nível nacional, mas também a nivel europeu e internacional. Sem poder ter a visibilidade e o impacto do Erasmus (a principal "fábrica" de cidadãos europeus inventada pela União), o CES tem, porém, o pontencial de envolver numerosos jovens europeus em ações desinteressadas de cooperaçao e de apoio social.
É também assim que se constrói a Europa, pela base. Como escrevia há dias o Presidente Macron da França, numa carta aberta aos cidadãos europeus, a "UE não é somente um mercado, mas também um projeto" - neste caso, um projeto de coesão social, através do envolvimento da juventude europeia em tarefas de apoio social.
quinta-feira, 14 de março de 2019
Corporativismo (12): Cada macaco no seu galho
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Vital Moreira
1. Registe-se este eloquente diálogo político:
2. Resta, porém, a outra parte, ou seja, tornar igualmente claro, sem margem para nenhuma dúvida, que as ordens não podem envolver-se nessas matérias nem tomar posição sobre as mesmas, incluindo sobre greves, e que o Governo não vai mais tolerar mais essa ingerência.
Como entidades públicas que são, as ordens não existem para tratar de relações de trabalho, que são competência própria dos sindicatos e dos próprios trabalhadores. Ora, as ordens não representam trabalhadores, muito menos os do setor público, mas sim os profissionais enquanto tais, independentemente do regime de prestação de serviços.
Há males que vêm por bem. Os exageros provocatórios da Ordem dos Enfermeiros obrigaram o Governo a acabar de vez com a complacência política habitual em relação às ordens profissionais, designadamente no setor da saúde.
«“Bom dia, como está?”, perguntou António Costa [cumprimentando a bastonária da Ordem dos Enfermeiros]. “Estou bem. Vamos chegar a acordo?”, respondeu Ana Rita Cavaco, dirigindo de imediato uma pergunta ao Chefe de Governo. “Estamos a negociar com os sindicatos”, devolveu de forma lacónica o primeiro-ministro (...).É assim mesmo, como tenho proclamado há muito: o Governo tinha de tornar claro, sem margem para confusões, que não negoceia nem trata de condições de trabalho ou de emprego do setor público com ordens profisssionais, mas apenas com os sindicatos, únicos representantes dos trabalhadores nessas matérias.
À primeira e única provocação, Costa respondeu com uma frase que arrumou o assunto. Sem revelar se haverá acordo ou não entre as duas partes, deu a entender aquilo que por várias vezes já foi afirmando nos últimos meses: as negociações sobre as reivindicações dos enfermeiros são para ser mantidas com os sindicatos e não com a representante da Ordem dos Enfermeiros. Uma ideia que a Ministra da Saúde recuperaria no fim da inauguração desta nova unidade hospitalar.»
2. Resta, porém, a outra parte, ou seja, tornar igualmente claro, sem margem para nenhuma dúvida, que as ordens não podem envolver-se nessas matérias nem tomar posição sobre as mesmas, incluindo sobre greves, e que o Governo não vai mais tolerar mais essa ingerência.
Como entidades públicas que são, as ordens não existem para tratar de relações de trabalho, que são competência própria dos sindicatos e dos próprios trabalhadores. Ora, as ordens não representam trabalhadores, muito menos os do setor público, mas sim os profissionais enquanto tais, independentemente do regime de prestação de serviços.
Há males que vêm por bem. Os exageros provocatórios da Ordem dos Enfermeiros obrigaram o Governo a acabar de vez com a complacência política habitual em relação às ordens profissionais, designadamente no setor da saúde.
Direito de resposta: ERC chumba na justiça administrativa
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Vital Moreira
1. A atual Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) não é muito amiga do direito de resposta, um direito fundamental dos cidadãos e pessoas coletivas contra os média, reconhecido na Constituição, que lhe compete fazer valer em caso de ilegítima recusa de publicação/transmissão da resposta.
Justamente por não ter dado provimento a um recurso contra a recusa de um direito de resposta da IURD na TVI, a ERC acaba de ser duplamente censurada pela justiça administrativa, em 2ª instância, depois de ter recorrido da decisão da 1ª instância que a obrigava a reconhecer o direito de resposta nesse caso.
2. Entretanto, como é evidente, com o tempo decorrido por efeito da sua recusa inicial e, depois, do seu recurso judicial, a ERC reduziu a atualidade do direito de resposta da entidade interessada. O direito de resposta perde pela demora!
Um problema adicional é que os cidadãos comuns poucas vezes têm disponibilidade e meios para impugnar judicialmente as decisões negativas da ERC, que por isso subsistem, mesmo quando injustas, como era o caso.
Justamente por não ter dado provimento a um recurso contra a recusa de um direito de resposta da IURD na TVI, a ERC acaba de ser duplamente censurada pela justiça administrativa, em 2ª instância, depois de ter recorrido da decisão da 1ª instância que a obrigava a reconhecer o direito de resposta nesse caso.
2. Entretanto, como é evidente, com o tempo decorrido por efeito da sua recusa inicial e, depois, do seu recurso judicial, a ERC reduziu a atualidade do direito de resposta da entidade interessada. O direito de resposta perde pela demora!
Um problema adicional é que os cidadãos comuns poucas vezes têm disponibilidade e meios para impugnar judicialmente as decisões negativas da ERC, que por isso subsistem, mesmo quando injustas, como era o caso.
Ainda bem! (3): Responsabilidades governativas
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Vital Moreira
“Rasgar contratos [pelo Estado] não é uma forma de cortar rendas excessivas”, afirmou o Secretário de Estado da Energia no Parlamento.
Para defender essa posição não deveria ser necessário chegar ao Governo, mas ainda bem que as responsabilidades governativas morigeram os ímpetos políticos!
Essa prudente regra geral de bom governo vale em especial para contratos do Estado com investidores, incluindo com investidores estrangeiros, que Portugal tem de atrair, em vez de afugentar (desde logo, dada a carência de investimento doméstico). Além de que rasgar contratos, ademais do dano reputacional do crédito político do Estado, gera responsabilidade civil, que pode ficar bem mais cara ao erário publico do que os eventuais ganhos resultantes da quebra contratual.
Sempre um mau negócio, portanto!
Para defender essa posição não deveria ser necessário chegar ao Governo, mas ainda bem que as responsabilidades governativas morigeram os ímpetos políticos!
Essa prudente regra geral de bom governo vale em especial para contratos do Estado com investidores, incluindo com investidores estrangeiros, que Portugal tem de atrair, em vez de afugentar (desde logo, dada a carência de investimento doméstico). Além de que rasgar contratos, ademais do dano reputacional do crédito político do Estado, gera responsabilidade civil, que pode ficar bem mais cara ao erário publico do que os eventuais ganhos resultantes da quebra contratual.
Sempre um mau negócio, portanto!
quarta-feira, 13 de março de 2019
Praça da República (14): Excessos legislativos
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Vital Moreira
1. A nota da Comissão Nacional de Eleições sobre a publicidade institucional de órgãos da Administração Pública em período eleitoral, ou seja, a partir da convocação oficial de atos eleitorais (e referendos) suscitou reações desencontradas dos média, dos partidos e dos órgãos administrativos abrangidos, tendo também desencadeado uma guerrilha política que só pode tornar-se mais aguda com o passar do tempo.
A questão tem a ver, antes do mais, com uma indevida equiparação entre a publicidade institucional da Administração e a propaganda eleitoral - que implica promoção de uma candidatura -, a qual obviamente está vedada, por definição, à Administração pública (mesmo quando disfarçada). Ora, a CNE levou esta equiparação ao extremo.
2. Mas, além do escusado rigorismo da CNE na interpretação da noção de "publicidade institucional", a responsabilidade pela confusão criada tem de imputar-se à própria lei, quando a dois outros aspetos:
- quando parece abranger todos os órgãos administrativos, em qualquer nível da Administração (local, regional, nacional), independentemente das eleições em causa, incluindo as eleições presidenciais e os referendos, em vez de limitar a inibição ao nível de administração diretamente envolvida em cada tipo de eleições (admitindo, no caso das eleições presidenciais e europeias, que a Administração nacional também as pode influenciar);
- quando define o período eleitoral de forma aleatória, pois depende da antecedência com que as eleições forem oficialmente marcadas, que pode ser muito amplo (três meses no caso das próximas eleições europeias), em vez de estabelecer um período fixo (por exemplo, nos trinta dias antes da eleições).
3. Além disso, as eleições regionais não estão abrangidas, o que cria uma situação assimétrica, pois os órgãos da administração local e regional das regiões autónomas ficam inibidos de publicidade institucional da sua ação por causa das eleições locais e nacionais, mas não no caso das eleições regionais, o que não faz sentido.
Além do excesso, também inconsistência legislativa!
Adenda
A CNE publicou hoje uma "nota de esclarecimento" que atenua o rigor da anterior "nota informativa" (por exemplo, permitindo notícia de inaugurações), mas que obviamente não supera os referidos excessos da lei.
A questão tem a ver, antes do mais, com uma indevida equiparação entre a publicidade institucional da Administração e a propaganda eleitoral - que implica promoção de uma candidatura -, a qual obviamente está vedada, por definição, à Administração pública (mesmo quando disfarçada). Ora, a CNE levou esta equiparação ao extremo.
2. Mas, além do escusado rigorismo da CNE na interpretação da noção de "publicidade institucional", a responsabilidade pela confusão criada tem de imputar-se à própria lei, quando a dois outros aspetos:
- quando parece abranger todos os órgãos administrativos, em qualquer nível da Administração (local, regional, nacional), independentemente das eleições em causa, incluindo as eleições presidenciais e os referendos, em vez de limitar a inibição ao nível de administração diretamente envolvida em cada tipo de eleições (admitindo, no caso das eleições presidenciais e europeias, que a Administração nacional também as pode influenciar);
- quando define o período eleitoral de forma aleatória, pois depende da antecedência com que as eleições forem oficialmente marcadas, que pode ser muito amplo (três meses no caso das próximas eleições europeias), em vez de estabelecer um período fixo (por exemplo, nos trinta dias antes da eleições).
3. Além disso, as eleições regionais não estão abrangidas, o que cria uma situação assimétrica, pois os órgãos da administração local e regional das regiões autónomas ficam inibidos de publicidade institucional da sua ação por causa das eleições locais e nacionais, mas não no caso das eleições regionais, o que não faz sentido.
Além do excesso, também inconsistência legislativa!
Adenda
A CNE publicou hoje uma "nota de esclarecimento" que atenua o rigor da anterior "nota informativa" (por exemplo, permitindo notícia de inaugurações), mas que obviamente não supera os referidos excessos da lei.
Bloquices (6): O Estado na gestão de empresas privadas
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Vital Moreira
1. A última ideia brilhante do Bloco de Esquerda é que o Estado devia ter um administrador no Novo Banco. «Se pusemos lá dinheiro - diz líder do Bloco -, no mínimo tínhamos de lá ter um administrador».
Ora, o Estado não é acionista do NB, que é um banco privado; nem o Estado "pôs dinheiro" no NB - o que fez foi emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução (não diretamente ao NB), o qual teve de recapitalizar o banco, nos termos da resolução do antigo BES decidida pelo Banco de Portugal. Obviamente, esse empréstimo é reembolsável, com juros, pelo Fundo de Resolução, que é alimentado por contribuições anuais de todos os bancos, logo que ele tenha disponibilidade financeira.
Independentemente de toda a propositada confusão das declarações da responsável pelo BE, o que avulta é a facilidade com que o Bloco ignora as regras da economia de mercado e do Estado de direito, como se fosse normal que o Estado participasse na gestão de empresas privadas que de qualquer modo beneficiam de dinheiros públicos - e tantas são!
2. O Bloco parece querer recuar aos tempos do Estado Novo, em que o Estado participava da gestão das empresas privadas "de interesse público" - uma noção bem ampla nessa altura - e aos tempos a seguir à revolução de 1974, em que o Estado se permitiu assumir a gestão das empresa privadas "intervencionadas" - que em geral acabaram na falência -, regime que foi revogado em logo 1981, para não voltar a ser recuperado, por ser dificilmente compatível com a liberdade de empresa, constitucionalmente garantida.
Obviamente, o Estado pode e deve estabelecer condições quando concede subvenções ou outras ajudas a empresas privadas, mas entre elas não deve estar a de entrar na sua gestão. Numa economia de mercado, a responsabilidade pela gestão das empresas cabe aos seus acionistas, pelo que o Estado só deve ter responsabilidades de gestão das empresas públicas ou mistas.
Ora, o Estado não é acionista do NB, que é um banco privado; nem o Estado "pôs dinheiro" no NB - o que fez foi emprestar dinheiro ao Fundo de Resolução (não diretamente ao NB), o qual teve de recapitalizar o banco, nos termos da resolução do antigo BES decidida pelo Banco de Portugal. Obviamente, esse empréstimo é reembolsável, com juros, pelo Fundo de Resolução, que é alimentado por contribuições anuais de todos os bancos, logo que ele tenha disponibilidade financeira.
Independentemente de toda a propositada confusão das declarações da responsável pelo BE, o que avulta é a facilidade com que o Bloco ignora as regras da economia de mercado e do Estado de direito, como se fosse normal que o Estado participasse na gestão de empresas privadas que de qualquer modo beneficiam de dinheiros públicos - e tantas são!
2. O Bloco parece querer recuar aos tempos do Estado Novo, em que o Estado participava da gestão das empresas privadas "de interesse público" - uma noção bem ampla nessa altura - e aos tempos a seguir à revolução de 1974, em que o Estado se permitiu assumir a gestão das empresa privadas "intervencionadas" - que em geral acabaram na falência -, regime que foi revogado em logo 1981, para não voltar a ser recuperado, por ser dificilmente compatível com a liberdade de empresa, constitucionalmente garantida.
Obviamente, o Estado pode e deve estabelecer condições quando concede subvenções ou outras ajudas a empresas privadas, mas entre elas não deve estar a de entrar na sua gestão. Numa economia de mercado, a responsabilidade pela gestão das empresas cabe aos seus acionistas, pelo que o Estado só deve ter responsabilidades de gestão das empresas públicas ou mistas.
Legislativas/2019 (2): Fragmentação parlamentar
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Vital Moreira
1. Não alinho com a preocupação dos analistas - como Pedro Adão e Silva e Paula Vicente no Expresso de sábado (acesso condicionado) -, relativamente ao crescimento da percentagem de eleitores que votam em partidos que não chegam a obter representação parlamentar, que foi de 3,2% nas últimas eleições.
Por um lado, isso deve-se sobretudo ao nascimento de novos partidos sem apoio eleitoral suficiente para elegerem deputados, apesar do baixo limiar de eleição no círculo de Lisboa, onde é possível eleger um deputado com menos de 2% dos votos.
Por outro lado, esse número é comparativamente muito reduzido, visto que, mesmo em sistemas eleitorais proporcionais, não são muitos os países onde existem círculos eleitorais da dimensão do de Lisboa (47 deputados) e sem "cláusula-barreira".
2. O que deveria preocupar, pelo contrário, é o crescente número de partidos que obtêm representação parlamentar. Tendo começado por ser 5 na AR de 1976, são agora 7 e na próxima legislatura serão provavelmente pelo menos 8, com a previsível entrada do Aliança. São ainda poucos, comparando com outros países (por exemplo, o caso extremo do Brasil), mas a tendência de aumento parece instalada.
De resto, essa tendência é agravada pela transferência de mandatos do interior para Lisboa e para o Porto, por efeito da deslocação demográfica, fazendo baixar ainda mais o limiar de eleição de deputados nesses dois círculos (como mostrei em anterior post).
Ora, num sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso, em que os governos dependem da confiança parlamentar, a fragmentação da representação parlamentar torna mais complicada a formação dos governos e mais instável a sua vida.
Por um lado, isso deve-se sobretudo ao nascimento de novos partidos sem apoio eleitoral suficiente para elegerem deputados, apesar do baixo limiar de eleição no círculo de Lisboa, onde é possível eleger um deputado com menos de 2% dos votos.
Por outro lado, esse número é comparativamente muito reduzido, visto que, mesmo em sistemas eleitorais proporcionais, não são muitos os países onde existem círculos eleitorais da dimensão do de Lisboa (47 deputados) e sem "cláusula-barreira".
2. O que deveria preocupar, pelo contrário, é o crescente número de partidos que obtêm representação parlamentar. Tendo começado por ser 5 na AR de 1976, são agora 7 e na próxima legislatura serão provavelmente pelo menos 8, com a previsível entrada do Aliança. São ainda poucos, comparando com outros países (por exemplo, o caso extremo do Brasil), mas a tendência de aumento parece instalada.
De resto, essa tendência é agravada pela transferência de mandatos do interior para Lisboa e para o Porto, por efeito da deslocação demográfica, fazendo baixar ainda mais o limiar de eleição de deputados nesses dois círculos (como mostrei em anterior post).
Ora, num sistema de governo de tipo parlamentar, como o nosso, em que os governos dependem da confiança parlamentar, a fragmentação da representação parlamentar torna mais complicada a formação dos governos e mais instável a sua vida.
terça-feira, 12 de março de 2019
Regionalização (1): Desconstitucionalizar?
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Vital Moreira
1. Para o bem e para o mal, no seguimento do entendimento entre o PS e o PSD sobre a descentralização territorial, está de volta o debate sobre a regionalização do Continente, mediante a criação de regiões administrativas como autarquias territoriais supramunicipais, que a Constituição impõe desde 1976, mas cuja concretização a revisão constitucional de 1997 veio, contraditoriamente, submeter a um duplo referendo, que ocorreu em 1998 e rejeitou a solução regional proposta.
Duas década passadas, tenho para mim que uma segunda tentativa - ainda que com diferente mapa regional e mais informação - dificilmente terá diferente resultado, pela simples razão de que os cidadãos não votam em geral a favor daquilo que desconhecem, para mais numa área ideologicamente contaminada pelo atavismo centralista contra o aumento das estruturas políticas e o reforço da "classe política".
2. Desde 1998, a única coisa que mudou para melhor foi o ter-se criado um relativo consenso sobre o mapa regional, assente nas atuais cinco NUTS II, sob jurisdição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (no mapa junto, com a divisão das respetivas NUTS III, ou comunidades intermunicipais, CIM), tendo ficado sepultado o abstruso mapa das oito regiões levianamente colocado a votação em 1998 pelo então Ministro João Cravinho, tendo constituído uma das razões para o fracasso do referendo.
Quanto ao mais, porém, as autarquias regionais - designação que acho preferível à de "regiões administrativas" - continuam a ser um mistério para a generalidade dos portugueses, quanto a atribuições, financiamento, etc. Foi pena não ter avançado a ideia de uma experiência piloto (por exemplo, o Algarve), para testar a instituição.
3. Não sendo possível desfazer, pura e simplesmente, a revisão constitucional de 1997 - que resultou da "conspiração" do então primeiro-ministro, Guterres, com o então líder da oposição do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, para "tramar" a regionalização -, uma solução alternativa para fugir à armadilha de há duas décadas poderia ser a desconstitucionalização da própria regionalização, acabando com a inconstitucionalidade por omissão que perdura desde 1976 (e que compromete a autoridade da Constituição), tornando a regionalização facultativa e remetendo-a para a lei (mesmo se por "lei reforçada"), como sugere o Prof. António Cândido de Oliveira, no Público, invocando o exemplo francês.
Mas está bom de ver que uma tal proposta de revisão constitucional vai suscitar a maior resistência das posições centralistas, que preferem o status quo constitucional. Não deixa de ser irónico que os mais estrénuos opositores da regionalização se prevaleçam do texto cosntitucinal que... continua a impor a regionalização!
Duas década passadas, tenho para mim que uma segunda tentativa - ainda que com diferente mapa regional e mais informação - dificilmente terá diferente resultado, pela simples razão de que os cidadãos não votam em geral a favor daquilo que desconhecem, para mais numa área ideologicamente contaminada pelo atavismo centralista contra o aumento das estruturas políticas e o reforço da "classe política".
2. Desde 1998, a única coisa que mudou para melhor foi o ter-se criado um relativo consenso sobre o mapa regional, assente nas atuais cinco NUTS II, sob jurisdição das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (no mapa junto, com a divisão das respetivas NUTS III, ou comunidades intermunicipais, CIM), tendo ficado sepultado o abstruso mapa das oito regiões levianamente colocado a votação em 1998 pelo então Ministro João Cravinho, tendo constituído uma das razões para o fracasso do referendo.
Quanto ao mais, porém, as autarquias regionais - designação que acho preferível à de "regiões administrativas" - continuam a ser um mistério para a generalidade dos portugueses, quanto a atribuições, financiamento, etc. Foi pena não ter avançado a ideia de uma experiência piloto (por exemplo, o Algarve), para testar a instituição.
3. Não sendo possível desfazer, pura e simplesmente, a revisão constitucional de 1997 - que resultou da "conspiração" do então primeiro-ministro, Guterres, com o então líder da oposição do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, para "tramar" a regionalização -, uma solução alternativa para fugir à armadilha de há duas décadas poderia ser a desconstitucionalização da própria regionalização, acabando com a inconstitucionalidade por omissão que perdura desde 1976 (e que compromete a autoridade da Constituição), tornando a regionalização facultativa e remetendo-a para a lei (mesmo se por "lei reforçada"), como sugere o Prof. António Cândido de Oliveira, no Público, invocando o exemplo francês.
Mas está bom de ver que uma tal proposta de revisão constitucional vai suscitar a maior resistência das posições centralistas, que preferem o status quo constitucional. Não deixa de ser irónico que os mais estrénuos opositores da regionalização se prevaleçam do texto cosntitucinal que... continua a impor a regionalização!
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