Nenhuma surpresa nesta decisão do PS de não apoiar nenhuma candidatura presidencial e de dar liberdade de voto aos seus membros nas eleições presidenciais de janeiro próximo. Foi o que defendi desde o início.
Também reitero a minha opinião de que esta posição e o possível apoio público de alguns dirigentes do PS podem melhorar as perspectivas eleitorais de Ana Gomes, apesar do apoio de que o atual Presidente (e candidato favorito) colhe entre muitos socialistas. António Costa deu uma ajuda, ao dizer que a candidatura de AG contribui para «impor uma derrota clara à candidatura da extrema-direita xenófoba».Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sábado, 7 de novembro de 2020
Presidenciais 2021 (5): A opção presidencial do PS
White House 2021 (5): O resgate democrático dos Estados Unidos
Celebremos na eleição do Presidente Biden o resgate democrático dos Estados Unidos e o regresso da decência política à Casa Branca, depois de um pesadelo político de quatro anos, para os Estados Unidos e para o Mundo.
sexta-feira, 6 de novembro de 2020
Pandemia (41): Os hospitais não são lares sociais
Dada a pressão da pandemia sobre os internamentos hospitalares, foi necessário encontrar finalmente uma resposta social para as muitas centenas de pessoas que indevidamente continuam internadas sem necessidade, por vezes durante anos, por não terem para onde ir, sobrecarregando indevidamente o SNS, perante a incompreensível inércia dos ministérios da Saúde e da Segurança Social.
A seu tempo, não deixei de denunciar, entre os males do SNS, «a sobrecarga do SNS com pacientes hospitalizados que não têm alta por falta de cobertura da rede de cuidados continuados ou por falta de apoio familiar domiciliário». Sem eco, como se viu.
Eis como a pandemia pode ter efeitos colaterais positivos...
quinta-feira, 5 de novembro de 2020
Pandemia (40): Estado de emergência cautelar
1. É original a declaração do novo estado de emergência pelo Presidente da República, pois não estabelece a suspensão de nenhum direito fundamental (com o pressupõe a Constituição), limitando-se a autorizar o Governo e as autoridades competentes a «limitar, restringir ou condicionar parcialmente o exercício» vários direitos (liberdade pessoal, liberdade de circulação, liberdade económica, direitos dos trabalhadores, direito ao desenvolvimento da personalidade).
Ou seja, o decreto presidencial cumpre a função típica das leis restritivas comuns, quer quando reitera medidas restritivas já autorizadas por leis existentes, mas que têm suscitado dúvidas (mesmo que infundadas) quanto à sua aplicação, quer quando supre o défice de previsão legislativa das medidas restritivas em caso de crise sanitária, como AQUI se assinalou anteriormente.
2. Resta saber se, para além de comprometer politicamente o Presidente da República na tomada dessas medidas, a declaração do estado de emergência deve servir para socorrer supletivamente a inércia do legislador, com os riscos AQUI apontados.
Poderia dizer-se que a previsão dessas medidas na declaração de emergência afasta a dificuldade constitucional resultante de entre os referidos direitos estarem alguns, em relação aos quais a Constituição não prevê explicitamente a possibilidade de serem restringidos. Todavia, uma vez que tais restrições visam defender o direito à saúde, na sua vertente negativa (direito a não se ser infetado por terceiros), elas sempre poderiam ser constitucionalmente admissíveis, como meio de solucionar a colisão de direitos, como AQUI assinalei.
Em suma, este atípico estado de emergência só pode justificar-se em aras à segurança jurídica, que, aliás, o decreto presidencial invoca expressamente.
Um leitor "menos complacente", como a si próprio se qualifica, argumenta que o decreto presidencial padece de "desvio de poder constitucional", por utilizar a declaração de estado de emergência para fim diverso do previsto constitucionalmente (a restrição de direitos, em vez da suspensão de direitos), e também de incompetência (por avocar poderes legislativos da AR), e ironisa que, embora invocando a "segurança jurídica", o decreto presidencial pode gerar ele mesmo uma maior insegurança jurídica, por causa da sua própria desconformidade constitucional. Eis um desafiante tema para um sofisticado debate académico...
Corporativismo (18): "Ultra vires"
1. A Ordem dos Advogados vai deliberar sobre a convocação de um referendo acerca do regime de segurança social dos advogados, nomeadamente quanto à opção entre manter o regime da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores (CPAS) e mudar para o regime geral da segurança social.
- em primeiro lugar, a OA não pode colocar a referendo a modificação do regime da segurança social dos advogados, que está fixado na lei; só o Estado pode mudar a lei, pelo que só o Estado poderia convocar um referendo para esse efeito - que, aliás, não poderia restringir-se aos advogados;
- em segundo lugar, a OA só pode convocar referendos sobre as questões da sua competência; ora, não vejo onde está o poder legal da OA para decidir, ou sequer pronunciar-se, sobre o regime de segurança social dos advogados, cuja definição cabe exclusivamente ao Estado;
Há aqui, portanto, barreiras jurídicas inultrapassáveis para a convocação do dito referendo pela OA.
2. No atual regime jurídico das ordens profissionais, diferentemente do que sucedia no regime corporativo do"Estado Novo", as ordens profissionais só têm funções de representação da profissão e de autorregulação e de autodisciplina profissional, pelo que deixaram de ter poderes quanto à segurança social dos seus membros (ou sobre relações laborais, como tinham antes). O artigo dos Estatutos da OA sobre o regime de segurança social é um resquício descabido de tempos idos há mais de 40 anos.
Por isso, se o Conselho de Jurisdição da Ordem não vetar a convocação do referendo, como se impõe, incumbe ao Ministério Público promover a pertinente ação judicial de anulação, antecedida da necessária medida cautelar de suspensão da sua execução.
quarta-feira, 4 de novembro de 2020
Livres e iguais (53): Orgulho europeu
1. Passam hoje 70 anos sobre a assinatura da Convenção Europeia de Direitos Humanos (Roma, 1950), a primeira convenção internacional de direitos humanos e a primeira a instituir um mecanismo de queixa dos cidadãos contra os seus próprios Estados e de condenação destes por violação da Convenção.
A CEDH não influenciou somente posteriores convenções internacionais regionais de direitos humanos (Américas, 1969, e África, 1981), mas também o catálogo de direitos fundamentais de várias constituições nacionais posteriores, nascidas da "terceira vaga da democratização", iniciada com a Revolução portuguesa de 1974 e a Constutuição de 1976.
Neste artigo de hoje no Expresso o anterior juiz nacional no TEDH e a atual juíza sublinham justamente o que Portugal deve à CEDH.
2. Por coincidência, passam também este ano, a 7 de dezembro, os 20 anos da proclamação da Carta de Direitos Fundamentais da UE, que estabeleceu um pilar essencial do Estado de direito constitucional da União, a que depois o Tratado de Lisboa (2007-2009) veio conferir força vinculativa.
Eis dois instrumentos transnacionais de direitos humanos que orgulham a Europa, pelo seu pioneirismo na proteção multinível dos direitos humanos e na efetividade em suprir as insuficiências ou lacunas da sua proteção constitucional ao nível nacional.
Pandemia (39): Inconstitucionalite aguda
1. Há quem pense que os constitucionalistas são tanto melhores quanto mais inconstitucionalidades descortinarem e, observando as acusações de inconstitucionalidade desde ao início da pandemia, é caso para dizer que nenhuma das medidas tomadas para a combater, fora do estado de emergência, escapou a essa acusação.
Também se dá erradamente por assente que, uma vez denunciada uma inconstitucionalidade, por menos evidente que seja, é ao legislador ou ao Governo que incumbe provar que ela não existe, como se lhes coubesse o "ónus da prova" da conformidade constitucional dos seus atos. Ora, não é assim. Os atos do poder público não são inconstitucionais enquanto não se provar concludentemente que o são. Portanto, quem invoca uma inconstitucionalidade é que tem de justificar convincentemente a sua tese. Não basta alegar que ela existe. Na dúvida, não prevalece a inconstitucionalidade.
Nada contra, obviamente. O problema é que, no seu apressado zelo, a OA invoca em seu apoio uma passagem da CRP Anotada de que sou coautor (junto com J. J. Gomes Canotilho), sobre a regra constitucional de que as restrições legais aos direitos fundamentais precisam de uma explícita credencial constitucional, o que não se verifica no caso da liberdade de circulação, "esquecendo", porém, de citar outra passagem da mesma obra, em que se explica que essa autorização constitucional de restrição de cada direito não é exigível quando se trate de situações de colisão de direitos fundamentais, em que necessariamente um deles ou ambos têm de sofrer alguma restrição, para defender o outro (como já expliquei anteriormente em adenda a este post).
Ora, como argumentou o Governo, a referida restrição da circulação, aliás muito mitigada pelas exceções estabelecidas, visou limitar o perigo de contaminação comunitária, assim defendendo o direito de todos a não verem lesada a sua saúde (e a sua vida!) por ação ou omissão de terceiros. Portanto, restrição de um direito fundamental para defender outro.
3. De resto, se essas "restrições não expressamente previstas", como são conhecidas, fossem constitucionalmente ilícitas, então seriam ilegítimas todas as demais restrições à liberdade de circulação ao abrigo da Lei da Proteção Civil, obrigando à declaração do estado de emergência, sempre que fosse necessário tomá-las.
O mesmo sucederia, de resto, em muitas outras situações de colisão entre direitos fundamentais, para os quais a Constituição não prevê explicitamente a possibilidade de restrição legal. E são muitos.
White House 2020 (4): Trump again!?
1. E o que parecia ainda mais improvável do que há quatro anos, pode voltar a acontecer: apesar de a contagem ainda não estar encerrada (10:30 da manhã em Portugal), a recondução de Trump na Casa Branca parece certa.
A confirmar-se esse infeliz desfecho, trata-se, antes de mais, da vitória da economia sobre a pandemia. A baixa taxa de mortalidade da segunda desvalorizou a importância eleitoral da luta contra ela; a falta de uma rede de proteção social e sanitária nos Estados Unidos contra o desemprego e a perda de rendimentos ajudou a primeira opção. Isso justifica a importante votação em Trump, não somente entre os trabalhadores brancos, mas também entre os latinos e os afro-descendentes, principais vítimas das recessões económicas.
A combatividade de Trump na campanha versus a temerosidade de Biden também ajudou. É evidente que a integridade de caráter e a decência política não são ativos eleitorais rendosos na América de hoje.
2. A vitória de Trump será também a vitória de todos os "demo-autocratas" nacionalistas por esse mundo fora, os Bolsonaro, os Putin, os Kaczinski, os Orbán e os seus seguidores, os Salvini, as Le Pen, os Ventura.
Por outro lado, será uma séria derrota para a União Europeia, aprofundando o divórcio transatlântico. Além disso, também vai reforçar a resistência dos grupos que, em vários países europeus, lutam contra as medidas restritivas antipandemia, por vezes recorrendo à violência nas ruas.
3. Mais um mandato de Trump na Casa Branca iria igualmente multiplicar os estragos na ordem política e económica mundial e nas instituições multilaterais de governação global, desde as Nações Unidas à Organização Mundial do Comércio.
Se Trump continuar na Casa Branca, não serão propícios à paz e à estabilidade internacional os tempos que aí vêm. Preparemo-nos para o pior.
[revisto]
Revelando mais uma vez a sua falta de escrúpulos políticos, Trump veio logo de manhã clamar vitória e exigir a cessação da contagem dos votos nos vários estados onde ainda decorria, e ainda não está encerrada. Puro golpismo político. Ora, embora a sua vitória continue a ser provável, ainda não está assegurada - e seria uma bela surpresa se o não fosse. Decididamente, não o merece.
terça-feira, 3 de novembro de 2020
Corporativismo (17): Monopólios profissionais
1. Merece atenção este artigo da Profª Maria de Lurdes Rodrigues, Reitora do ISCTE, sobre os malefícios dos monopólios profissionais normalmente associados à criação de ordens profissionais, neste caso da Ordem dos Assistentes Sociais, instituída pela AR em 2019.
Há muito tempo que venho denunciando, neste blogue e antes dele, a deriva política na criação de ordens profissionais, que tem levado à sua proliferação entre nós, sem paralelo em qualquer outra país de democracia liberal e de economia de mercado.
2. Se as ordens profissionais já são um problema em si mesmas, na medida em que conferem às profissões "ordenadas" o privilégio de um estatuto institucional público na representação e defesa das respetivas profissões, pior são os monopólios profissionais que elas habitualmente proporcioname protegem, os quais, como todos os monopólios, tendem a favorecer os prestadores de serviços em prejuízo dos utentes e que, portanto, só se justificam em casos muito contados.
Na verdade, os exclusivos profissionais vão em geral ao arrepio das recomendações da União Europeia e da OCDE, no sentido de garantir a liberdade profissional e a concorrência na prestação de serviços profissionais, tanto ao nível doméstico quanto ao nível do mercado único da União.
De resto, gozando a liberdade profissional de proteção constitucional, resta saber se muitos desses exclusivos não vão de encontro aos requisitos constitucionais da restrição de direitos fundamentais, nomeadamente quanto ao teste da proporcionalidade.
segunda-feira, 2 de novembro de 2020
Pandemia (38): Estado de emergência "preventivo"?
1. A ideia de um estado de emergência "preventivo" suscita-me várias reservas:
- Primeiramente, penso que o lógica constitucional do estado de emergência consiste em responder a calamidades atuais ou iminentes, não a situações a verificar num futuro mais ou menos indefinido;
- Em segundo lugar, entendo que é o decreto presidencial do estado de emergência que declara os direitos que ficam suspensos, em vez de autorizar o Governo fazê-lo quando o entender conveniente;
- Por último, julgo que o estado de emergência só é necessário para suspender o exercício de direitos (ou seja, para os tornar inoperativos), devendo evitar definir também restrições (por definição menos gravosas, por terem de respeitar o "núcleo essencial" dos direitos afetados), cuja competência cabe ao legislador e ao Governo / administração, sob pena de se criar a ideia incorreta de que também estas só podem ser estabelecidas em estado de emergência.
2. Na verdade, a declaração do estado de emergência confere ao Presidente da República um superpoder legislativo (embora com autorização parlamentar e com duração limitada), o qual, por ser uma derrogação do princípio da separação de poderes, só deve ser utilizado para os fins estritamente previstos na Constituição e não para fazer o Presidente da República compartilhar de poderes e responsabilidades que cabem ao Governo.
É que, ao contrário deste, que responde politicamente perante o Parlamento, com todas as consequências, o PR não é politicamente responsável pelo exercício dos seus poderes (a não ser de forma difusa, perante os eleitores).
Não dá para perceber a declaração do Presidente da República onde se assume como o «maior responsável pelos erros da luta à covid-19». O Governo agradece, mas a declaração não é credível. Desde a declaração presidencial do estado de emergência em março e abril, que aliás foi bem-sucedido, toda a gestão do combate à pandemia desde então foi da competência e responsabilidade do Governo, sem que o Presidente pudesse interferir, salvo através de conselhos ou advertências, em que, de resto, tem sido pródigo. Não podendo haver responsabilidade sem poder, de onde vem, então, a pretensa responsabilidade presidencial?
Retratos de Portugal (3): Irresponsabilidade pública
domingo, 1 de novembro de 2020
Este País não tem emenda (24): Detritos selvagens
sábado, 31 de outubro de 2020
Pandemia (37): Estado de emergência soft
1. É acertada a estratégia decidida pelo Governo de adotar medidas mais restritivas somente para os municípios com maiores índices de contaminação (o que, no entanto, vai abranger 70% da população), pois isso vai obrigar os respetivos moradores e empresas a esforçarem-se por inverter a situação, ao mesmo tempo que incentiva os demais concelhos a manterem a sua situação controlada.
As novas medidas são relativamente pouco intrusivas, quando comparadas com as do primeiro surto da pandemia, na primavera, e quando comparadas com as tomadas noutros países por estes dias, não se incluindo nelas, por exemplo, o recolher obrigatório à noite, que vários outros países decretaram (visando travar os eventos sociais noturnos e o seu elevado potencial de contaminação).
2. Poucas das novas medidas se traduzem verdadeiramente em suspensão de direitos - como será a proibição de mercados de levante e a obrigação de teletrabalho -, pelo que exigem a declaração de estado de emergência pelo Presidente da República.
As demais medidas são restrições mais ou menos severas a várias liberdades (liberdade de estabelecimento, liberdade de reunião, etc.), sem porém as afetarem no seu núcleo essencial, pelo que poderiam ser estabelecidas ou autorizadas por lei fora de estado de emergência. Mas a declaração deste, para além de comprometer o Presidente da República na sua adoção, afasta eventuais dúvidas sobre a sua constitucionalidade, como as que foram (infundadamente) suscitadas a propósito da restrição da liberdade de deslocação entre municípios no corrente fim de semana.
3. Torna-se evidente, porém, que o novo estado de emergência que aí vem fica bem longe da amplitude da suspensão de direitos fundamentais do estado de emergência em março e abril, que suspendeu várias liberdades, como a liberdade de deslocação (confinamento geral), a liberdade de estabelecimento em várias atividades (cafés, restaurantes, etc.), a liberdade de culto, etc.
Esperemos que não se tenha de ir mais além nas próximas semanas.
Para se ter uma ideia da moderação das medidas agora tomadas em Portugal, basta comparar com as que ontem foram tomadas na Bélgica, que incluem encerramento de todos os estabelcimentos não essenciais (incluido resaurantes e cafés)e a limitação das visitas em casa a uma ou duas, etc., a somar ao recolher obrigatório, que já estava em vigor há dias.
Aplauso (18): Ilegitimidade judicial do Chega
1. Merece aplauso a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que rejeitou a providência cautelar interposta pelo Chega contra a restrição da liberdade de deslocação (entre concelhos) neste fim de semana, em razão da ilegitimidade do requerente, pois os partidos políticos não são titulares de nenhum dos direitos alegadamente violados pela referida medida, que são direitos eminentemente individuais.
Ora, se o Chega não tinha legitimidade para impugnar judicialmente a legalidade da Resolução do Conselho de Ministros em causa, também não tinha legitimidade para pedir a suspensão da sua execução.
2. Fica assim clarificado que, ao contrário de algumas associações representativas de certas categorias sociais, como os sindicatos, a quem lei confere legitimidade para a defesa dos interesses dos seus membros em juízo, tal não sucede com os partidos políticos, pelo que eles só podem defender em juízo os seus próprios interesses institucionais, o que não era o caso.
Com esta clarificação judicial, corta-se cerce a tentativa que se desenhava, de certos partidos políticos instrumentalizarem a justiça ao serviço do seu combate político.
Só é pena que, assim, o STA não tenha podido conhecer do fundo da questão, a saber, sobre a alegada inconstitucionalidade de tal medida --, que, a meu ver, não existe.
Porque é que a decisão ainda não está disponível no website do STA? É evidente que a decisão não interessa somente às partes nesse processo!
sexta-feira, 30 de outubro de 2020
White House 2020 (3): Anti-Trump coalition
«In this election America faces a fateful choice. At stake is the nature of its democracy. One path leads to a fractious, personalised rule, dominated by a head of state who scorns decency and truth. The other leads to something better—something truer to what this newspaper sees as the values that originally made America an inspiration around the world.»
Saber quem vai ocupar a Casa Branca também interessa deste lado do Atlântico. E é notório que, pelo voto dos europeus, Trump não chegaria aos 30%!
quinta-feira, 29 de outubro de 2020
Lisbon first (24): Até o "Público"?!
Não é só o Estado que dá primazia a Lisboa. Na sua edição de hoje, o Público traz uma peça sobre o enquadramento jurídico das medidas antiCovid, tendo ouvido cinco constitucionalistas. Não por acaso, todos são de universidades de Lisboa.
Sucede que não se trata de um caso isolado, mas de uma prática arreigada, com que até um jornal como o Público alinha, como se não houvesse juristas nas Universidades do Minho, do Porto ou de Coimbra, só para citar as escolas públicas.
Decididamente, o atavismo centralista e o "lisboacentrismo" contaminam tudo e todos!
Pandemia (36): "Estado de crise sanitária"
1. Em relação ao post anterior, um leitor bem informado pergunta se não é «excessivo recorrer ao estado de emergência constitucional para decretar o recolher obrigatório», visto tratar-se ainda de uma restrição da liberdade de movimentos (durante a noite) e não da sua suspensão, como sucedeu na primavera, com o confinamento geral, pelo que bastaria uma lei geral a autorizar tal restrição.
Poupar-se-ia assim a intervenção do Presidente da República e o pesado e demorado procedimento de declaração do estado de emergência, dando ao Governo maior flexibilidade no recurso a restrições aos direitos fundamentais afetados.
O problema é que tal lei não existe. Quando as leis gerais existentes não chegam (como a Lei de Bases da Proteção Civil ou a Lei de Vigilância em Saúde Pública), o Governo e a AR têm preferido recorrer a soluções legislativas ad hoc, como a recente lei sobre o uso obrigatório de máscaras.
2. Sufrago, porém, a ideia sugerida desde o início por alguns observadores e constitucionalistas (e hoje reiterada no Público) de que a melhor solução seria introduzir na atual LVSP a figura do estado de crise sanitária (expressão que prefiro à de "estado de emergência, ou de calamidade, sanitária", como alguns propõem, que se presta a confusão com figuras já existentes).
Além de afastar as dúvidas de constitucionalidade suscitadas contra a aplicação extensiva da LBPC a estas situações de proteção sanitária, uma tal solução permitiria (i) definir mais rigorosamente essa nova figura, (ii) regular o modo e o procedimento da declaração do estado de crise (pareceres prévios, etc.), a sua duração e renovação e, sobretudo, (iii) definir o catálogo de medidas restritivas aplicáveis, incluindo restrições à liberdade de circulação, de reunião e de manifestação, cercas sanitárias, recolher obrigatório, restrição a atividades económicas, restrição à greve em serviços de saúde, vacinação obrigatória e obrigação de tratamento, uso obrigatório de meios de proteção, etc.
A segurança sanitária não se dá bem com insegurança jurídica.
É altura de equacionar essa solução, pois, com a segunda vaga, impõem-se medidas mais severas de proteção. E, como parece evidente, a pandemia veio para ficar e também não promete ser a última crise sanitária.
quarta-feira, 28 de outubro de 2020
Pandemia (35): Degradação célere da situação
Não vejo como é que se pode adiar muito tempo uma nova declaração de estado de emergência, para permitir, como noutros países, declarar o recolher obrigatório em algumas zonas e restrições mais duras aos ajuntamentos, à abertura de estabelecimentos e à liberdade de deslocação.
Como já escrevi noutra altura, onde a disciplina e a responsabilidade cívica falecem, resta o arrocho da proibição ou da imposição legal.
É evidente que o SNS não está, nem poderia estar preparado, para picos excecionais de procura desta natureza, que tornam mais evidente o seu conhecido défice de eficiência e de produtividade, que a falta de avaliação de desempenho do pessoal, dos serviços e da gestão alimenta. A lamentável redução do horário de trabalho para as 35 horas há quatro anos, o persistente mathusianismo profissional na formação de médicos e a acumualção e conflitos de interesse entre o público e o privado, sempre em prejuízo daquele, só agravam as desvantagens do SNS.
Bloquices (13): O fim de uma perigosa ilusão
O cinismo oportunista com que o Bloco decidiu votar contra o orçamento, apesar de todas as importantes concessões que obtivera do Governo do PS, não revela somente a incontornável leviandade política da agremiação esquerdista. Ao mostrar que não é "tábua de sustentar prego" e que pode convergir friamente com a direita num momento difícil do governo socialista (e do País), o Bloco desfaz num momento a ilusão, que muitos alimentaram, em 2015, do advento de uma nova era de alianças privilegiadas do PS com as forças à sua esquerda no parlamento, para além do tradicional "arco da governação".
Tudo indica que o namoro de quatro anos, em tempos de "vacas gordas", deu em divórcio litigioso e insidioso, quando a crise começou a morder a sério. Aos que, como o autor destas linhas, nunca acreditaram na metamorfose do Bloco em força política de vocação governamental, por incompatível com o seu ADN hostil à economia de mercado e à responsabilidade orçamental, só lhes resta comentar: «está-lhe na massa do sangue». QED!
Um leitor pergunta se, tendo o Bloco rejeitado qualquer acordo para viabilizar o orçamento e tendo mesmo decidido votar contra, não se impõe que o Governo retire do orçamento todas as concessões que tinha feito aos bloquistas, sob pena de benefício ao infrator. Tem, toda a razão!
terça-feira, 27 de outubro de 2020
Praça da República (39): Razões para inquietação
Parece evidente que as coisas não correm pelo melhor ao PS nos tempos políticos que correm.
Há, desde logo, o novo surto descontrolado da pandemia e a dificuldade do Governo em responder eficazmente, fazendo ampliar o sentimento de insegurança na opinião pública; veio depois o rompimento belicoso do BE na questão do orçamento, parecendo pôr um fim precipitado ao ensaio de aliança política que durava desde 2015, no que pode ser o dobre de finados pela aposta do PS em acordos à sua esquerda; soma-se, por último, o revés eleitoral dos Açores (apesar dos 39% de votos), que pode levar à perda do poder para um governo de "geringonça" à direita, interrompendo um quarto de século de hegemonia socialista nas ilhas.
A resiliência dos grandes partidos (e das suas lideranças) testa-se nas conjunturas difíceis. Vamos a ver como é que o PS, e António Costa, dão a volta por cima...
[O título foi substituído]
segunda-feira, 26 de outubro de 2020
Vontade popular (11): Equação governativa complicada
1. As eleições para o parlamento regional dos Açores de ontem traduziram-se numa vitória por maioria relativa do PS (menos de 40%), o que é um revés eleitoral, pois tem menos cinco deputados e perdeu a maioria absoluta que tinha. Aliás, também não há hipótese de uma coligação maioritária à esquerda, pois a soma do BE não atinge os 29 deputados necessários, nem com uma eventual ajuda do PAN.
Já o conjunto da direita (PSD+CDS+CHEGA+PPM+IL) perfaz uma maioria parlamentar (e mais 6pp nos votos do que as esquerdas!), a qual, porém, não se deve concretizar numa coligação de governo, dada a sua inconsistência, nomeadamente por causa do Chega.
2. Em todo o caso, estas eleições resultaram numa acentuada fragmentação do parlamento açoriano, que, apesar da saída da CDU (outro revés), passa a ter nada menos de oito partidos representados, com três novos partidos a entrar nas bancadas do parlamento da Horta (Chega, PAN e IL).
[Revisto]
Um leitor pergunta se, tendo sido o PS a ganhar as eleições, o representante da República pode nomear um eventual Governo do PSD com o apoio de todas as direitas. Como sempre defendi numa situação semelhante, ao contrário (em 2015), o partido que ganhou as eleições (o PS) deve ser chamado a constituir governo, mas se este for rejeitado no parlamento regional pela união das direitas, então deve ser o PSD chamado a formar governo, se conseguir o apoio parlamentar de todas as direitas. É assim que funciona a democracia parlamentar: quem ganha eleições sem maioria, arrisca-se a ir para a oposição. Divertido vai ser ver os partidos que anatemizaram a solução de 2015 como "usurpação do poder" recorrerem agora a ela.
domingo, 25 de outubro de 2020
Pobre Língua (21): Mudar para o erro
Num programa de TV hoje sobre as eleições açorianas, uma comentadora, obviamente com educação superior, depois de ter dito, corretamente, que certo partido "teria elegido" deputados, pediu desculpa e mudou, erradamente, para "teria eleito"!
A senhora esqueceu obviamente que quando um verbo tem duas formas de particípio passado, se deve usar a forma regular ("elegido") com o verbo ter (como era o caso) e a forma irregular ("eleito") com o verbo ser.
Se as pessoas da elite falam assim, tão desmazeladamente, só resta esperar o pior..
Barbárie tauromáquica (10): É desta?
Tornou-se prática política, no caso de governos minoritários, como é o caso, os partidos da oposição colocarem condições para votarem a favor orçamento (ou não o rejeitarem), não somente de natureza financeira, mas também outras condições políticas. E não há nada de ilícito nisso.
Pandemia (34): É inconstitucional a proibição de circulação transmunicipal?
sábado, 24 de outubro de 2020
Ai, Portugal (6): O desastre da justiça administrativa
1. O recente Relatório da Comissão de Justiça do Conselho da Europa, revela que os tribunais em Portugal apresentam agora tempos de decisão processual próximos da mediana do conjunto dos países europeus na justiça cível e penal, sendo, porém, escandalosamente mais morosos no caso da justiça administrativa.
De facto, em Portugal os processos nos tribunais administrativos demoram na 1ª instância uma média de 927 dias (mais de dois anos e meio!), o que compara miseravelmente com a mediana europeia de 240 dias (mais 380%). A diferença é ainda maior no caso da 2ª instância (1015 dias contra 209!).
Na realidade, o panorama é ainda mais preocupante do que esses números indicam, pois em Portugal, (i) uma parte dos casos do contencioso administrativo corre nos tribunais judiciais (por exemplo, as questões de regulação económica e de concorrência) e (ii) muitos casos são desviados para a arbitragem administrativa, dada justamente a demora dos tribunais.
2. Torna-se evidente que em Portugal os cidadãos e as empresas não têm assegurado o seu direito a uma justiça em tempo útil nas suas pendências contra o Estado, com a injustiça e os custos inerentes!
A verdade é que a justiça administrativa nunca recuperou da sobrecarga trazida pela reforma dos tribunais e do processo administrativo de 2002, que aumentou os mecanismos processuais de (hiper)proteção dos particulares contra a Administração, fazendo crescer a litigância e congestionando os tribunais.
Todavia, como se vê, a proteção processual acrescida redunda em proteção judicial reduzida, levando os interessados com mais posses a optar pela arbitragem dos seus litígios administrativos, apesar da sua maior onerosidade.
sexta-feira, 23 de outubro de 2020
Lisbon first (22): Eles comem tudo!
O Estado insiste em fazer o País todo pagar os transportes urbanos das duas principais cidades, que deviam ser de responsabilidade municipal ou intermunicipal, segundo um elementar princípio de descentralização territorial e de "federalismo fiscal". Num Estado territorialmente descentralizado, aliás por imposição constitucional, não faz sentido que seja o Governo central a gerir e a financiar linhas de metropolitano.
Mas é evidente que é nessas duas cidades que se concentram os eleitores (somente à sua conta, elegem mais do que 80 deputados) e que no próximo ano vai haver eleições municipais.
2. Enquanto a cornucópia do orçamento despeja investimento público do Estado nas duas principais cidades em tarefas que deviam ser responsabilidade local, Coimbra, por exemplo, continua a ver adiados alguns investimentos estruturais, da responsabilidade do Estado, em alguns casos com décadasde atraso, como a nova estação ferroviária, a nova Maternidade, a nova Penitenciária e o novo tribunal. O que abunda para as cidades favoritas do poder escasseia para as demais.
O que surpreende é o gritante silêncio dos deputados por Coimbra e do próprio município de Coimbra perante esta iniquidade na repartição territorial do investimento público do Estado. A solidariedade partidária não pode justificar tudo.
[revisto]
Um leitor argumenta que Coimbra também beneficia do financiamento do Estado para o Metrobus. Mas não é a mesma coisa. O "Sistema de Mobilidade do Mondego" consiste essencialmente no reaproveitamento do antigo ramal ferroviário da Lousã, que era uma responsabilidade do Estado, tal como as demais linhas férreas. O unico acréscimo, que representa uma pequena fração do investimento, é uma ligação dessa linha aos Hospitais da Universidade, que, a meu ver, deveria ser financiada pela município de Coimbra, por se tratar de transporte urbano de âmbito local. Nada de comum, portanto, com o gigantesco financiamento da rede do metropolitano de Lisboa e do Porto pelo Estado.
quarta-feira, 21 de outubro de 2020
Praça da República (38): Onde a democracia falha em Portugal
Pobre Língua (20): Portenglish
Infelizmente, hoje em dia, há muita gente nas elites cosmopolitas que cuida mais do seu Inglês do que do Português. Mas o Estado, esse, não tem o direito de desconsiderar a Língua.
+Europa (31): Soberania económica da União
Obrigatório ler este relatório do European Council for Foreign Relations sobre a necessidade de defender a soberania económica da UE contra ações agressivas de outras potências económicas, nomeadamente os Estados Unidos e a China.
Definitivamente adquirido o conceito de soberania da União, introduzido pelo Presidente Macron e logo adotado pela Chancelerina Merkel, ele é especialmente útil no esfera da relações económicas internacionais, quer pelo facto de a União ser uma efetiva potência económica, quer por a economia da União depender muito do comércio internacional e do investimento direto estrangeiro.
Por isso, a União tem não apenas de adotar políticas assertivas nas suas relações económicas internacionais, mas também de se munir dos meios de defender, se necessário agressivamente, os seus interesses económicos no confronto com atitudes hostis de outras potências económicas.
terça-feira, 20 de outubro de 2020
Retratos de Portugal (2): Onde está a inspeção?
Estes dois contentores permanecem há anos abandonados, deixados nas obras de construção ou reparação da ponte sob a qual se encontram (sobre o Rio Cértima, no limite entre os concelhos de Águeda e de Oliveira do Bairro).
Obviamente, faltou inspeção final à obra antes da sua entrega, ou a inspeção "esqueceu-se" de ver o que ficava para trás. É um dos cancros do País: a inexistência ou ineficácia das inspeções de obras públicas.
Ainda recentemente tive de protestar duas vezes junto da CM de Coimbra, por causa da obra de remodelação dos passeios da minha rua, cujos trabalhos tinham ficado inacabados ou com manifestas deficiências. A inspeção não tinha passado por lá.