sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Eleições parlamentares 2022 (12): Não vale tudo numa campanha eleitoral

Mesmo no diminutivo, acoimar de "nazizinho" a um adversário político é muito grave, ultrapassando as marcas da contenda eleitoral, particularmente quando visa alguém que não deu nenhum motivo para isso. 

Que António Costa se tenha logo demarcado do insulto, é de aplaudir, mas, tendo em conta a notoriedade da sua apoiante que o proferiu, justificava-se também que censurasse a lamentável atitude.

Adenda
Um leitor comenta que este tipo de ataques pessoais só favorece Rio e prejudica o PS. Concordo!

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Concordo (20): Emagrecer o espectro partidário

Sufrago esta proposta do Prof. J. A. Maltez, no sentido de "sanear" a chusma de micropartidos (ou pseudopartidos) formalmente registados que ocupam abusivamente o espaço de debate político, as campanhas eleitorais, os boletins de voto e o apuramento eleitoral, quanto não representam politicamente nada e degradam o espaço político e a imagem e reputação dos partidos em geral, como mostrou o recente debate na televisão entre os partidos sem representação parlamentar. Na verdade, só servem de megafone das propostas políticas do seus líderes e de pretexto para faltas ao trabalho dos seus candidatos durante a campanha eleitoral.

Ora, bastaria extinguir oficiosamente os partidos que obtenham menos de 0,25% dos votos a nível nacional em duas eleições consecutivas da AR - requisito mínimo dos mínimos para "prova de vida"-, para fazer desaparecer uma meia dúzia desses de partidos, despoluindo o espectro partidário...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Eleições parlamentares 2022 (10): Solução sensata

1. É razoável a solução adotada pelo Governo, com base num parecer do conselho consultivo da PGR, de permitir a saída das pessoas isoladas, por causa da pandemia, no dia 30, para irem votar, em condições que minoram a possibilidade de infetarem outras pessoas, nomeadamente a previsão de um slot horário específico e requisitos de proteção especial para os membros das mesas de voto.

Havendo uma óbvia colisão de direitos, entre o direito a votar de uns e o direito a não ser contaminado de outros, nada permite sacrificar integralmente um deles em benefício do outro, quanto seja possível uma solução de compromisso que permita a coabitação de ambos, com restrições recíprocas, desde que cabíveis na margem de aplicação da lei eleitoral (que obviamente não podia ser alterada nesta altura). 

A solução de compromissso é agora facilitada pela vacinação maciça e pela menor agressividade do vírus, tornando a infeção muito menos perigosa para a vida e a saúde do que sucedia há um ano, quando uma solução destas teria sido inadmissível.

2. Nesse sentido, admito que o slot horário não fosse, como é proposto, uma simples "recomendação" aos dois grupos. Nenhum direito é absoluto, pelo que seria possivel limitar efetivamente a esse intervalo horário o exercício do direito de voto dos confinados e vedar aos demais eleitores a votação nessa mesma hora, de modo a estabeler uma separação estrita. A lei estabelece o horário das assembleias de voto (das 8:00 às 19:00), mas, a meu ver, não impede que em casos excecionais, por razões de saúde ou de segurança, haja limitação do horário de votação para categorias específicas de eleitores, desde que necessárias e proporcionais ao motivo que as justifica.

Claramente, ao enveredar pela solução soft da "recomendsção", a PGR e o Governo, pretenderam evitar possíveis impugnações gratuitas das eleiçoes, por alegada denegação do direito de voto. Resta esperar que os visados não abusem desse soft law e que os demais eleitores não se inibam de ir votar por receio de serem infetados por algum prevaricador fora da sua hora.

Adenda 
Há quem, como Rui Rio, precipitadamente, venha defender que a solução consiste em ter mesas de voto separadas para as pessoas em isolamento. Mas não se vê como é que poderiam ser elaborados com a devida antecedência os cadernos eleitorais para tais eleitores, retirando-os das mesas a que pertenceriam pela normal ordem alfabética. Solução impraticável, portanto.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

O que o Presidente não deve fazer (28): Usurpação de poderes

 

A que propósito é que esta manhã coube ao PR, com o Primeiro-Ministro atrás, fazer o prolongado briefing sobre a reunião no Infarmed sobre a pandemia, respondendo aos jornalistas sobre as questões técnicas e políticas levantadas?

Parece óbvio que se trata de questões do foro exclusivamente governamental - pois não há nenhum estado de emergência declarada -, que por isso deveriam ser publicamente apresentadas pelo Primeiro-ministro ou pela Ministra da Saúde, não pelo Presidente da República, à margem das suas competências constitucionais. 

Aparentemente, MRS entende, erradamente, que não pode deixar de ser protagonista em todos os palcos onde está. Só que, no caso concreto, ele encontrava-se em casa alheia, como convidado do Governo, não podendo apropriar-se dos poderes próprios deste. 

Eleições parlamentares 2022 (9): Propostas inviáveis

1. Como se dizia no tempo da I República, as campanhas eleitorais são propícias às promessas de "bacalhau a pataco". Passado um século, parece que a tentação se mantém e que não poupa sequer os principais partidos políticos, que a ela deveriam ser imunes.

Entre as "linhas gerais e prioridades" do programa eleitoral do PS conta-se a «a ponderação de aplicabilidade em diferentes setores de modelos assentes em experiências como a semana de quatro dias». Apesar da formulação propositadamente perifrástica, considero tal proposta politicamente pouco ponderada, imprópria de um partido de vocação governamental como PS. 

Num país incluído no escalão mais baixo do ranking da riqueza per capita na União Europeia, em grande parte devido à baixa produtividade do trabalho, como é que se considera económica e politicamente viável reduzir o tempo de trabalho para as 32 horas semanais? 

2. Na verdade, quanto ao impacto económico da redução do tempo de trabalho, de duas, uma: ou ela é compensada pela redução correspondente dos salários ou pelo subsídio público às empresas, para impedir a sua falência, transferindo o encargo para os contribuintes (como se tem feito com o aumento do salário mínimo). Entre ambas as soluções, venho o diabo e escolha.

O mais provável será limitar essa redução à função pública, sem corte de salários, tal como se verificou com as 35 horas, e com os mesmos efeitos nocivos: aumento substancial da despesa com pessoal, pressionando o orçamento, e estabelecimento de nova discriminação entre o setor público e o setor privado, privilegiando aquele.

Em nenhum caso a medida é recomendável na atual situação económica do País. Mas a sua enunciação no programa eleitoral do PS - que a esquerda radical se vai apressar a cooptar -, vai obviamente aumentar as reivindicações sindicais e as acusações políticas de incumprimento. Um tiro no pé, portanto.

Pandemia (63): Histeria injustificada

Este gráfico, retirado DAQUI, mostra que a variante Omicron "ladra muito, mas morde pouco", quando se compara a subida em flecha de novas infeções na União Europeia com a estabilidade das hospitalizações. Por outro lado, "o que depressa arde, rapidamente se extingue", tendo a África do Sul já indicado que pode ter sido ultrapassado o pico da vaga, pouco mais de um mês depois do seu início.

Não se vê, portanto, nenhuma razão para a histeria diária dos média a abrir noticiários com os "records" de infetados, quando a maior parte deles não têm senão infeções ligeiras.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

Eleições parlamentares 2022 (8): Insistir no erro

1. Foi obviamente por engano que recebi um pedido para subscrever este manifesto a favor da reedição de uma aliança do PS com o BE e o PCP para fins governativos a seguir às próximas eleições

É sabido que discordei dessa solução governativa desde o início em 2015 e que ao longo dos seis anos da sua vigência fui registando regularmente as suas duas principais consequências negativas, a saber: (i) o excessivo aumento da despesa pública corrente, sacrificando o investimento público e a redução da dívida pública, assim como o risco de crise orçamental no caso de ocorrência de crise económica e / ou de subida acentuada os juros da dívida; (ii) a paralisação de qualquer reforma institucional (sistema eleitoral, SNS, sistema de justiça, sistema fiscal, etc.), por causa do veto político de um daqueles partidos ou de ambos.

A esses fatores impeditivos da repetição da experiência soma-se a circunstância de esses partidos terem friamente provocado a queda do Governo do PS, com a irresponsável rejeição do orçamento para 2022, em "coligação" negativa com a direita parlamentar. O PS não pode permitir-se ficar de novo refém de parceiros inconfiáveis.

2. A verdade é que a tentativa de chamar o PCP e o BE para dentro do "arco da governação" através de um acordo de governo com o PS estará sempre destinada a falhar, enquanto subsistir o fosso político e doutrinário entre a esquerda moderada do PS e a esquerda radical daqueles partidos. 

Para além de alguma convergência sobre o Estado social (direitos do trabalhadores, proteção social, SNS, escola pública), é manifesto que a "esquerda da esquerda" não compartilha dos valores do PS quanto à economia de mercado e ao papel do Estado na economia, à democracia liberal, à integração europeia, à disciplina orçamental, ao comércio internacional, às alianças estratégicas.

Entre o PS e os partidos à sua esquerda não pode haver mais do que entendimentos pontuais e conjunturais. Insistir em que a união das esquerdas é solução para um governo estável constitui um equívoco, que a morte da chamada "Geringonça" não aconselha a repetir.

Adenda 
Julgo, aliás, que manifestos destes não ajudam à vitória do PS, pois podem afastar o voto daqueles eleitores que, embora preferindo um Governo do PS, afastam, porém, a hipótese de ressuscitar a "geringonça" de esquerda. Surpreende-me por isso ver alguns militantes socialistas entre os subscritores de um manifesto que, a meu ver, só dá força ao PCP e ao BE.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Eleições parlamentares 2022 (7): Lamentável

Não dá para entender como é que, no debate com André Ventura, Rui Rio não tenha excluído liminarmente a eventualidade de instituir a prisão perpétua entre nós, acabando mesmo por deixar a questão em aberto. 

Se, ao arrepio de quase meio século de enfática proibição constitucional de tal pena e da tradição de humanismo penal do PSD, Rio é capaz de fazer uma concessão desse jaez ao pedestre populismo do Chega, que outras não estará ele disponível para fazer, a fim de disputar o eleitorado daquele? E que barreira resta para impedir um acordo de governo entre os dois partidos!?

É com posições levianas como esta, pondo em causa um dos mais arraigados consensos democráticos e constitucionais entre nós, que o líder do PSD vai criando dúvidas sobre a solidez e confiabilidade das suas posições políticas

Disgusting!

Adenda 
Um leitor argumenta que a prisão perpétua existe em quase todos os países europeus, o que é verdade (embora muitos admitam a sua interrupção mediante liberdade condicional). O que não faz sentido é restaurá-la num país em que ela foi abolida há quase 140 anos, ainda na monarquia liberal, sem que nem a ditadura do chamado "Estado Novo" tenha ousado ressuscitá-la. Que Ventura queira ultrapassar o "Estado Novo" pela direita, já é elucidativo; que Rio não exclua tal ideia à partida, é deveras comprometedor.

Adenda 2
Outro leitor junta um argumento importante: não é por terem, e eventualmente aplicarem, a pena de prisão perpétua que esses países têm taxas de criminalidade menos elevadas do que Portugal -, o que não sucede, em muitos casos.

Adenda 3 (5/1)
Um leitor pergunta o que quero dizer com a "tradição de humanismo penal do PSD"? Refiro-me designadamente às posições de eminentes militantes do PSD, desde a Assembleia Constituinte até à academia, como os professores J. Figueiredo Dias e M. da Costa Andrade.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Não com os meus impostos (6): Dar benesses com dinheiro dos outros é fácil

1. O semanário Expresso anuncia hoje (acesso exclusivo para assinantes) que, em cumprimento de uma promessa eleitoral, o Presidente da Câmara Muncipial de Lisboa apresentou à edilidade a sua proposta de tornar gratuitos os transportes públicos urbanos em Lisboa para crianças e seniores.

Não sendo munícipe de Lisboa, nada tenho a objetar contra essa medida social, que, aliás, avalio de modo positivo e que considero que deveria ser adotada em outros municípios com a necessária capacidade financeira, incluindo o meu.

2. Sucede, porém, que, se a Carris é hoje uma empresa municipal, outro tanto não acontece com o metropolitano, que continua a ser uma empresa do Estado, sendo os seus investimentos e défices de exploração suportados pelos contribuintes de todo o País, incluindo aqueles que moram onde os transportes coletivos, quando existem, são exclusivamente municipais e não concedem tais benesses sociais.

Por isso, de duas uma: (i) ou o município de Lisboa indemniza o Estado pelo perda de receita decorrente da gratuitidade; (ii) ou o município de Lisboa propõe ao Estado a transferência do metro para a esfera local (munipal ou intermunicipal), como há muito defendo, em nome dos princípios constitucionais da descentralização territorial e da subsidiariedade, manifestamente ignorados neste caso.

3. O que não faz nenhum sentido é pôr os contribuintes do resto do país, incluindo os das regiões mais pobres (que nem transportes coletivos locais têm), a subsidiar as regalias sociais de Lisboa, que devem ser pagas pelo respetivo orçamento municipal. Para iniquidade territorial já basta terem de pagar o metro de Lisboa tal como está.

Pôr as regiões pobres a subsidiar os privilégios da capital é um contrassenso.

Adenda
Sem surpresa, embora anote que o metropolitano de Lisboa pertence ao Estado, a notícia do Expresso não manifesta nenhuma estranheza por o município da capital decretar o seu uso gratuito, como se fosse propriedade municipal. Pelos vistos, em Lisboa toda a gente considera natural ser o Estado a suportar os serviços públicos locais da capital com o dinheiro dos contribuintes em geral. Assim vai o atavismo centralista!...

Adenda 2
Carlos Moedas já veio declarar, como se impunha, que o município indemnizará as empresas de transportes pela perda de receitas, pelo que o problema suscitado no post acima está resolvido. No entanto, quanto ao metropolitano, não há até agora nenhum esclarecimento nem da empresa nem do ministro da tutela. E é pena não se aproveitar esta oportunidade para tranferir finalmente para o município (ou entidade intermunicipal) a titularidade e a responsabilidade por esse serviço público de transporte da capital.

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Pandemia (62): Irresponsabilidade moral

1. Sendo evidente que os não-vacinados são, de longe, os que mais precisam de hospitalização e que mais contam no número de vítimas mortais do Covid - por exemplo AQUI e AQUI -, não se percebe porque é que o Governo não explora diariamente esses dados para pressionar as pessoas a vacinarem-se.

Comprovada que está a eficácia da vacina, assim como a ausência geral de efeitos colaterais, sou pessoalmente favorável a torná-la obrigatória, salvo contra indicação médica, pelo menos para as pessoas cuja funções as colocam em contacto frequente com outras (pessoal de saúde e do ensino, polícias, taxistas, empregados de lojas, cabeleireiros e restaurantes, caixas em supermercados, etc.), quer pelo facto de os não-vacinados contaminarem mais, pondo mais em causa a saúde alheia, quer porque sobrecarregam os serviços de saúde, pagos por todos, obrigando a desviar recursos do tratamento de outras doenças

2. A liberdade de não se vacinar ou o direito a morrer na pandemia não podem prevalecer sobre o direito à vida e à saúde dos outros. Como ensinaram os clássicos do liberalismo, a liberdade de uns termina onde começa a liberdade alheia.

Mas se o Governo e os partidos entendem que não há condições políticas para sancionar a recusa da vacinação (com coimas, inibições, etc.), nada justifica que não se "massacre" diariamente os não-vacinados com a evidência da sua irresponsabilidade moral e do abuso provocatório da sua suposta liberdade individual.

Adenda
Penso que, em vez dos atuais esforços e gastos infrutíferos para travar a fulgurante difusão do Omicron - afinal relativamente inofensivo para pessoas vacinadas -, o Governo deveria empenhar todos os recursos e toda a determinação na vacinação. Se, como tudo indica, todos vamos acabar por ser infetados, que todos estejam devidamente protegidos quando calhar a sua vez.

Adenda 2 (29/12)
Segundo este estudo do Prof. Valadares Tavares (reservado a assinantes), «o risco de ser internado no hospital devido à COVID 19 dos não vacinados é cerca de 21 vezes superior ao risco suportado pelos vacinados». É fácil fazer uma ideia dos enormes recursos que o SNS tem de dedicar à irresponsabilidade dos não-vacinados.

Adenda 3 (29/12)

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (7): E o plano B do PS?

1. Fica agora claro que o PS assume explicitamente o objetivo de alcançar uma maioria parlamentar nas próximas eleições, como condição para um governo estável e para realizar o programa político apresentado aos eleitores. Mas, obviamente, o PS não vai ser poupado à pergunta sobre o que vai fazer se ganhar as eleições sem maioria absoluta, que é a hipótese mais provável segundo as sondagens de opinião. 

Não podendo António Costa furtar-se a responder a essa questão, entendo que deve afastar tanto um governo de coligação (seja à esquerda seja à direita) como um governo minoritário sem garantias minimas de estabilidade e que, portanto, deve defender um acordo parlamentar de viabilização do Governo por quatro anos com o partidos ou partidos que estejam disponíveis para tal acordo, sem preferências nem exclusões prévias, optando pela alternativa que que ofereça melhores condições quanto a três fatores: (i) a viabilização dos orçamentos, de acordo com metas pré-estabelecidas quanto à redução do défice e da dívida pública, (ii) os critérios de seleção dos titulares de cargos de nomeação política e (iii) o menor sacrifício do programa eleitoral do PS.

2. Ao mesmo tempo que entrega aos eleitores a questão fundamental da fórmula governativa (governo de maioria ou governo minoritário), esta opção transfere para os outros partidos elegíveis para possíveis acordos de viabilização parlamentar a escolha das possíveis fórmulas de aliança parlamentar. 

Ou seja, tratar-se-ia de uma espécie de "concurso público" limitado, aberto simultaneamente ao PAN, ao PCP e/ou ao BE e ao PSD, "ganhando" a melhor oferta quanto aos três indicadores acima referidos. A escolha final deveria ser publicamente explicada e deveria ser vertida em compromisso escrito entre as partes envolvidas, a fim de permitir a verificação da sua execução pelos cidadãos.

Adenda
Um leitor pergunta se o PS não deve exluir à partida a hipótese de formar Governo se não ganhar as eleições, mas houver maioria da esquerda na AR, recorrendo ao apoio do BE e do PCP, como sucedeu em 2015 (a verdadeira e própria "Geringonça"). Penso que Costa já respondeu explicitamente a essa questão, ao proclamar que desta vez a questão eleitoral consiste em saber qual dos candidatos a primeiro-ministro (ele ou Rio) ganha as eleiçoes - o que só admite um Governo chefiado por quem as vencer. 
O que resta por saber é se, na hipótese pouco provável de ser o PSD a ganhar, Costa (caso se mantivesse à frente do PS) estaria aberto a um acordo parlamentar para viabilizar um Governo minoritário do PSD para a legislatura (mediante as devidas contrapartidas) ou se "forçaria" Rio a buscar o apoio da demais direita parlamentar.

Adenda 2
Outro leitor pergunta qual seria a solução governativa mais provável, caso o PS vença sem maioria parlamentar. Como já escrevi várias vezes, penso que uma aliança parlamentar à esquerda provou ser demasiado onerosa orçamentalmente e implica o veto de qualquer reforma do sistema político. Além disso, não vejo como é que o PCP ou o BE poderiam algum vez assumir um compromisso político de apoio, por quatro anos, a uma política orçamental apostada na redução do défice e da dívida pública. Neste quadro, afigura-se ser pouco provável um acordo de governo à esquerda. 

Adenda 3
Ao contrário do que me acusa um crítico, não defendo, nem às escondidas nem à descarada, o "bloco central". Na sua versão histórica (1983-85), um governo de bloco central implica um governo de coligação entre o PS e o PSD, com programa comum e posições convergentes em todos os dossiers governamentais e parlamentares. Não defendo nada disso. Nem bloco central nem bloco das esquerdas.


Estado social (10): O tabu nacional

1. Acaba de ser publicado em França um importante estudo sobre o imposto de sucessões, que mostra a inconsequência do atual regime do imposto nesse país, o qual, além de abranger uma muito pequena minoria das sucessões, deixa um série de isenções em aberto, que favorece as maiores heranças.

Curiosamente, enquanto os candidatos de direita às próximas eleições presidenciais propõem uma redução do imposto, embora sem avançarem para a sua abolição, os demais candidatos, incluindo o favorito Macron e com a exceção do candidato da extrema-esquerda, Melenchon, são omissos sobre o assunto.

Tudo indica, portanto, que em França o topo da pirâmide económica vai continuar a tornar-se, cada vez mais, uma "elite de herdeiros".

2. Em Portugal, a questão tornou-se uma espécie de tabu, depois da abolição do imposto pelo Governo de Durão Barroso (PSDS-CDS). No programa eleitoral de 2015 o PS propunha o restabelecimento do imposto para as sucessões de elevado montante, mas a proposta desapareceu no programa de Governo e não voltaria à agenda em 2019. Não há indicação nenhuma de que a ideia regresse nas próximas eleições.

E eis como, num país que mantém uma elevada carga fiscal para financiar um Estado social orçamentalmente exigente, nem a esquerda defende uma das mais justas peças do cardápio tributário.

Adenda 
Um leitor argumenta que na maior parte dos casos as grandes fortunas são usualmente constituídas por empresas ou conglomerados de empresas, que os herdeiros não podem vender facilmente, e sem prejuízo para as próprias empresas. Trata-se porém, de um pseudoargumento. Está provado que as grandes fortunas não são constituídas somente por empresas, mas também por prédios, aplicações financeiras (ações, obrigações, etc.), joias, quadros, etc. E qual é o problema de vender uma pequena parte da herança por 1 milhão (ou pedir um empréstimo desse montante) para receber 10 milhões. É óbvio que esse pseudoargumento não impede a existência do imposto sucessório em tantos países, incluindo os EUA, onde a taxa é de 40% para heranças acima de 12 milhões de dólares.

Adenda 2
Outro leitor pergunta qual seria a minha proposta de imposto sucessório. Se fosse legislador defenderia a aplicação do imposto não à massa hereditária global, mas sim à quota hereditária de cada herdeiro (pois são estes que vão pagar o imposto); o imposto seria progressivo: ficariam isentas do imposto as heranças inferiores a 250 000 euros; o imposto começaria por uma taxa de 5% até meio milhão, que aumentaria para 10% para o excedente até um milhão, e assim sucessivamente a cada acréscimo de meio milhão, até atingir uma taxa limite de 25% (acréscimos acima de 2 000 milhões). Note-se que os prémios de lotaria estão sujeitos a um imposto autónomo de 30%, independentemente do seu valor; as mais-valias mobiliárias pagam uma "taxa liberatória" de 28% e as mais-valias imobiliárias estão sujeitas a englobamento no IRS por metade do seu valor.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

No bicentenário da Revolução Liberal (36): A consulta de 1820 sobre as Cortes Constituintes

1. Eis mais um produto da minha coautoria com o Prof. José Domingues na investigação da Revolução Liberal de há dois séculos. 

Baseado em documentos em grande parte inéditos, trata-se do estudo de uma consulta pública, até agora pouco conhecida, realizada em outubro de 1820, sobre o tipo e o modo de eleição das Cortes Constituintes, que eram, desde o início, o principal objetivo da Revolução. Mostramos que, ao contrário do que até agora se pensava, considerando os poucos pareceres publicados na época, a opinião dominante nessa consulta se mostrou favorável à convocação de Cortes de novo tipo, em representação unitária da Nação, e não das antigas Cortes, que davam representação privativa ao clero e à nobreza, a par do "terceiro estado".

2. Essa consulta veio, portanto, sufragar a natural opção dos revolucionários liberais pelo modelo de assembleia constituinte seguido na vizinha Espanha em 1810-12, que gerou a Constituição de Cádis (1812) e que se viria a concretizar entre nós nas eleições constituintes de dezembro de 1820.

Um momento singular na nossa história política e constitucional.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Não vale tudo (8): Os réprobos

Discordo de todo em todo deste ataque à eventual candidatura de Edite Estrela a presidente da Assembleia da República, de que aliás já é vice-presidente.  

Em primeiro lugar, o facto de ter colaborado politicamente com José Sócrates ou de ter tido uma relação de amizade com ele não a torna politicamente réproba, como suposta coautora ou cúmplice das malfeitorias de que ele veio depois a ser acusado (e por que tarda a ser julgado, para vergonha do sistema judicial). Em segundo lugar, não vejo quem possa ombrear com o seu brilhante currículo político de autarca, de deputada, de eurodeputada, de vice-presidente da AR e de membro da assembleia parlamentar do Conselho da Europa, aliando competência, seriedade, empenho e integridade no exercício de todos esses cargos públicos, como é geralmente reconhecido.

A AR merece uma presidente assim.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

Sim, mas (7): Voluntarismo oneroso

1. Sendo desde há muito um firme defensor, incluindo por razões ambientais, do resgate da ferrovia de décadas de abandono político, entendo, porém, que num país que não abunda em recursos financeiros todos os investimentos públicos têm de obedecer a parâmetros de racionalidade económica em termos de custos e benefícios coletivos, não podendo ser o resultado de volutarismo orçamentalmente irresponsável.

É por isso que não pode deixar de supreender o anúncio, que a Ministra da Coesão Territorial acaba de fazer, do restabelecimento da linha do Douro no troço Pocinho -Barca de Alva, há muito abandonado, sem invocar e sem, muito menos, disponiblizar os estudos que mostram a viabilidade financeira desse pesado investimento.

Eis algumas perguntas que têm de ser respondidas pelo Ministro das Infraestruturas: Essa ligação quanto custará? E serviria para transportar quantas pessoas por dia? E qual seria o défice de exploração?

2. Se se acha que faz sentido restaurar um troço ferroviário em território de baixa densidade populacional, encerrado há anos por falta de procura, será que igual reivindicação não vai surgir em relação a outras linhas encerradas, como os vários ramais do Douro, a linha do Vouga, o ramal Viseu-Santa Comba Dão, o troço da linha da Beira Alta entre Pampilhosa e Figueira da Foz, as várias linhas do Alentejo? 

E se só aquela linha é restaurada, qual o fundamento para o privilégio?

Denunciando há muito tempo o défice de investimento público em Portugal, há, porém, uma coisa que tenho por certa: pior que a falta de investimento público é o investimento público ruinoso, delapidando os escassos recursos existentes.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (7): O PSD dividido

1. Convencidos de que os ventos sopravam a seu favor e de que, apostando em Rangel, podiam afastar Rui Rio nas eleições diretas e modelar em seu proveito as listas eleitorais do PSD e o próximo grupo parlamentar, os seus opositores foram surpreendidos com a vitória convincente do Presidente do partido, que, ato contínuo, não hesitou em "limpá-los" das listas, aproveitando a legitimidade reforçada que os adversários internos lhe proporcionaram.

É o que se chama "ir à ã e vir tosquiado".

2. Embora legítima e, porventura justificada nas circunstâncias, a operação de "depuração" política das listas eleitorais do PSD levanta, porém dois problemas, um de teoria política e outro mais prático: (i) até onde é que, num partido de vocação governamental, não ideológico, como o PSD (ou o PS), o grupo parlamentar há de ser composto apenas por seguidores do líder do momento, inorando a diversidade política interna, com o risco adicional de grave disfunção política interna, se vier a haver mudança de líder no decurso da legislatura; (ii) se é possível realizar uma campanha eleitoral bem-sucedida, defrontado o ressabiamento, se não a a hostilidade, de muitas estruturas distritais e locais e dos seus seguidores.

Pode um general ganhar batalhas, dispensando uma parte das suas tropas?

sábado, 4 de dezembro de 2021

Campos Elíseos (5): Boas perspetivas para Macron

Definido o quadro de candidaturas às eleições presidenciais francesas de abril do ano que vem - com as "primárias" deste fim-de-semana dos Republicanos, que deram a vitória a Valérie Pécresse -, as sondagens indicam que o Presidente Macron tem boas hipóteses de renovar o seu mandato por mais cinco anos, batendo mais uma vez a candidatura da extrema-direita (Le Pen), visto que a dos Republicanos (Pécresse) não parece ter fôlego para ir à segunda-volta, onde poderia eventualmente fazer melhor do que aquela, federando toda a direta. Sem surpresa, as candidaturas da esquerda somadas não excedem os 20%!

A confirmar-se a reeleição de Macron, uma boa notícia para a França e para a União Europeia.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Estado social (9): Receita para o desastre

Este relatório do Conselho de Finanças Públicas vem suscitar mais uma vez a questão da sustentabilidade do Estado social, em especial o sistema de segurança social, mostrando a gravidade do problema num futuro não muito longínquo, face ao envelhecimento da população e redução da população ativa, por um aldo, e ao insuficiente crescimento da produtividade e do crescimento económico, por outro lado. 
O risco óbvio consiste em não termos economia bastante para o nível de Estado social existente, pelo que as contínuas propostas de reforço deste sem assegurar um melhor desempenho daquela constituem uma receita para o desastre.
Era bom que este tema fosse incluído na agenda do debate político da próxima campanha eleitoral, em vez de ser remetido mais uma vez para debaixo do tapete, como é típico entre nós.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Ai o défice (15): Degradação da balança comercial

Além do défice das contas públicas (excesso da despesa sobre a receita), que gera aumento da dívida pública, há também o défice da balança comercial (menos exportações do que importações), que gera aumento do endividamento externo. Ora, a pandemia também trouxe a degradação do défice comercial

Há dois fatores que explicam, pelo menos em parte, esta degradação: do lado das importações, a subida da cotação internacional do petróleo e do gás; do lado das exportações, a quebra do turismo, uma das principais exportações nacionais. A presente retoma do crescimento económico interno, estimulada sobretudo pelo consumo, pode também estar a ajudar ao crescimento das importações e à travagem das exportações.

Vai ser preciso esperar pela superação da crise económica provocada pela pandemia e pelo regresso da economia aos níveis de 2019 - o que se espera venha a ocorrer na primeira metade do ano que vem -, para saber se o agravamento de défice comercial externo não se deve somente a esses fatores conjunturais, mas também, como é de recear, a uma continuada degradação estrutural da competitividade externa da economia portuguesa.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (6): A economia "vota" PS

As previsões favoráveis da OCDE para o crescimento económico em Portugal para o corrente ano e para o ano que vem não podiam ser mais lisonjeiras para o Governo do PS. 

Além de permitir superar a recessão económica da pandemia, o robusto crescimento económico previsto, sem paralelo há muito tempo, significa mais emprego, mais receita pública, menos despesa social, menos défice, menor endividamento público -, tudo isto com o bónus de uma taxa de inflação contida, longe do nível que está a atingir noutros países europeus

Cereja em cima do bolo, o relatório não deixa de mencionar o êxito na vacinação anti-Covid entre os fatores adjuvantes deste bom desempenho económico.

Não se podia ter melhor cartão de apresentação para a disputa eleitoral que se aproxima!

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Não concordo (27): Sobre o veto presidencial da despenalização da eutanásia

1. Embora lamentando o veto presidencial do novo diploma da despenalização da morte medicamente assistida (abreviadamente conhecida como eutanásia), não consigo acompanhar os protestos contra ele. Na verdade, ainda que se possa discutir se as razões invocadas pelo PR (aliás, nem todas pertinentes) bastam para justificar o veto legislativo, ele tem, porém, razão quanto à inconsistência conceptual do diploma

De facto, apesar de o art. 2º conter supostamente a definição das noções depois utilizadas, assim não sucede, todavia. O preceito-chave do diploma, que é o art. 3º, despenaliza a morte medicamente assistida, a pedido do interessado quando «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença incurável e fatal» [negrito acrescentado]. Ora, o conceito de "doença incurável e fatal" não consta do art. 2º  (que define o conceito de "doença grave ou incurável", o que não é a mesma coisa). Acima de tudo, não faz sentido na intenção do diploma o requisito de "doença fatal", quando tal não se requere no caso de "lesão definitiva de gravidade extrema"; de resto, no nº 3 do mesmo artigo já se prescinde do requisito da "doença fatal". Em que ficamos?

Não dá para entender esta falha de rigor num diploma destes, já em segunda edição.

2. É certo que estas incongruências conceptuais poderiam não resistir a uma cuidada tarefa de interpretação jurídica e judiciária, pelo que o PR as utilizou como pretexto para um veto político, de fundo claramente ideológico, indo ao encontro da direita mais conservadora e travando a despenalização da eutanásia durante mais algum tempo.

Mas não deixa de ser igualmente evidente que os deputados que reformularam o diploma depois do juízo de inconstitucionalidade do TC deveriam saber que não podiam deixar margem ou pretexto a Belém para se prevalecer ostentatoriamente do poder de veto (que o atual Presidente tem exercido de forma assaz discricionária). Pouco cuidadosos foram e só de si mesmos se podem queixar.

Adenda
Um leitor pergunta o que vai a AR fazer do veto. Embora teoricamente o parlamento pudesse superar o veto, confirmando a lei por maioria absoluta, entendo que, dadas as razões do veto, se impõe a correção do diploma, aprovando uma terceira versão. Tudo depende evidentemente de se manter uma maioria favorável às despenalização da eutanásia no próximo parlamento -, o que nada faz temer que não aconteça.

Adenda 2
Saúde-se a reação da bancada parlamentar do PS, a dar a mão à palmatória presidencial.

Adenda 3 (1/12)
No seu editorial do Público de hoje, Manuel Carvalho destaca no veto a "astúcia" do PR; eu preferiria destacar a imperdoável incúria dos deputados.

Lisbon first (26): Circuito fechado

Todos os membros da direção agora nomeada para a CReSAP (o presidente e os três vogais permanentes) provêm da universidades de Lisboa (2 do ISCTE e 2 da FDUL), apesar de se tratar de uma resolução do Conselho de Ministros e de ter havido uma audição da AR. 

É fatal como o destino, esta tendência para as nomeações governamentais em circuito fechado dentro do universo universitário de Lisboa, como se houvesse "universidades do regime" com exclusivo de acesso a cargos públicos de nomeação. É somente mais uma vertente da atávica concentração do poder em Lisboa, como se o resto do País não existisse.

É tempo de começar a pensar em estabelecer quotas territoriais para as nomeações governamentais!

Eleições parlamentares 2022 (5): Os objetivos de Rio

1. Em relação ao último post, um leitor, que se declara do PSD, entende que Rui Rio ganhou por dizer ter melhores condições para ser primeiro-ministro e que, por isso, se terá de demitir, se não conseguir chegar ao poder, perdendo as eleições parlamentares em janeiro. Com o partido dividido quase a meio, só a vitória eleitoral o resguardará da revolta interna. 

Discordo deste argumento. Deixando de lado a questão de saber o que é que esteve por detrás da surpreendente vitória de Rio, penso ele está em melhores condições políticas do que Rangel para atingir dois objetivos importantes para o PSD: (i) impedir uma maioria absoluta do PS e (ii) apresentar uma alternativa política à reconstituição da aliança do PS com a esquerda radical.

Não é pouca coisa!

2. Penso que Rangel se desacreditou ao apontar um objetivo completamente irrealista (vitória nas próximas eleições parlamentares com maioria absoluta), recusando-se a dizer o que faria no caso de isso não se verificar e rejeitando liminarmente qualquer entendimento com o PS, enquanto Rio foi mais sério, ao admitir acordos com o PS (salvo coligação governamental), no caso de vitória de qualquer dos partidos sem maioria absoluta, assegurando a governação minoritária de qualquer deles sem ficarem reféns da extrema-esquerda ou da extrema-direita, respetivamente. 

Portanto, mesmo que o PS ganhe as eleições, como é mais provável, Rio atingirá um dos seus objetivos, se conseguir um acordo que afaste Costa da dependência em relação à extrema-esquerda e que abra caminho para algumas das reformas por ele defendidas (sistema eleitoral, justiça, SNS, etc.).

domingo, 28 de novembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (4): Combate ao centro

Com a surpreendente reeleição de Rui Rio à frente do PSD - o que lhe permite arrancar com mais força para as eleições de finais de janeiro -, o objetivo eleitoral do partido deixa de ser marcado pela polarização eleitoral da direita contra o PS (como seria com Rangel), para ser a conquista do centro, disputando-o ao PS. 

Este desfecho não é sem consequências quanto ao resultado eleitoral. Por um lado, a improvável hipótese de maioria absoluta do PS torna-se ainda mais distante. Por outro lado, a insistência do PS em privilegiar à partida uma aliança pós-eleitoral com o Bloco e/ou o PCP, ressuscitando a solução governativa a que o chumbo do orçamento pela esquerda radical parecia ter posto fim, dá um bom argumento político ao PSD nesse combate ao centro em que as eleições se vão tornar.

domingo, 21 de novembro de 2021

Eleiçoes parlamentares 2022 (3): Voltar ao mesmo?

1. Não dá compreender a ideia de que, se o PS ganhar as eleições sem maioria parlamentar, dará prioridade a um entendimento à sua esquerda, ou seja, com o BE e/ou o PCP.

Há dois argumentos contra essa opção de partida para as próximas eleições:

        - primeiro, depois das fundas divergências que motivaram o "chumbo" do orçamento que levou a esta crise política, não é sério admitir que um acordo de legislatura com esses dois partidos seria possível, sem cedências suscetíveis de pôr em causa o crescimento económico e a consolidação das finanças públicas;

        - em segundo lugar, uma aliança parlamentar com a extrema-esquerda implica necessariamente, como estes seis anos testemunharam, o seu veto a imprescindíveis reformas institucionais e políticas, desde a lei eleitoral ao SNS, passando pela justiça e pela economia, cujo adiamento penaliza o futuro do País.

Ou seja, mesmo que não fosse politicamente impossível, uma nova "geringonça" seria politicamente nociva.

2. Acresce que essa estratégia antecipadamente anunciada em favor de uma aliança pós-eleitoral à esquerda só prejudica as perspetivas eleitorais do PS, quer porque o priva do argumento do voto útil em relação ao eleitorado de esquerda, quer porque o pré-anúncio dessa preferência afasta o eleitorado de centro - que decide as eleições! -, que associa uma reedição da "Geringonça" a aumento contínuo da despesa pública corrente, carga fiscal elevada, medíocre crescimento económico, salário médio  baixo e congelamento das necessárias reformas.

Com uma mensagem destas, ao mesmo tempo que desiste implicitamente da luta pela maioria absoluta, o PS arrisca-se a dar sentido ao voto na extrema-esquerda e a alienar para a abstenção ou, mesmo, para o PSD muitos votos suscetíveis de serem atraídos por uma aposta convicta numa vitória robusta capaz de assegurar a estabilidade governativa de que o País precisa para a superação sustentada dos estragos da crise pandémica.

sábado, 20 de novembro de 2021

Corporativismo (22): Captura do Estado


Por larga maioria, incluindo os votos do PS e do PSD, a Assembleia da República rejeitou um projeto de integração da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS) no sistema geral de segurança social.

Ora, sabendo-se que a CPAS constitui uma sobrevivência corporativista do Estado Novo (como desde há muito tenho mostrado, por exemplo AQUI) e tendo as demais caixas profissionais e sindicais do antigo regime sido integradas no sistema geral de segurança social estabelecido na Constituição - que, aliás, estipula que se trata de um sistema «único» -, o que é que justifica que os advogados mantenham, à margem da Constituição, o privilégio exclusivo de uma caixa de pensões própria, 45 anos depois da CRP e do fim do corporativismo?

A resposta é simples: porque, como é notório, se trata de um grupo profissional politicamente muito influente, com forte presença nos partidos políticos, no Governo e no parlamento, influenciando por dentro, pese embora o manifesto conflito de interesses, as decisões políticas que os afetam.  

Um caso manifesto de captura do Estado por um grupo profissional poderoso!

Adenda
Numa entrevista no recente nº 31 da revista Sollicitare da Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução, o antigo ministro da Segurança Social, Paulo Pedroso, afirma, com toda a razão, que «a CPAS é um entorse corporativo no sistema de segurança social português». Pelos vistos, porém, os principais partidos e as instituições da República convivem bem com esse entorse corporativo no sistema democrático vigente...

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Praça da República (59): Enriquecimento injustificado

Com a aprovação parlamentar, por unanimidade, da lei que pune a falta de declaração e de justificação de acréscimos patrimonais significativos por parte dos titulares de cargos públicos, termina bem a longa novela política da punição do chamado "enriquecimento ilícito" , na qual a direita e a extrema-esquerda parlamentar insistiram durante muito tempo na punição penal direta do enriquecimento injustificado, liminarmente presumido de ilícito, solução que acabou por ser declarada inconstitucional, como não podia deixar de ser.

A solução agora adotada, desta vez sem atropelo do princípios do Estado de direito, segue a linha que defendi AQUI há uma década: 

«Tal como propôs o PS, o que se pode considerar como crime é a falta de declaração oficial do património, quando obrigatória (titulares de cargos políticos). Mas também pode criar-se para os servidores públicos uma obrigação de indicar a fonte de qualquer acréscimo patrimonial significativo, cuja justificação pode e deve ser exigida pelo menos a todos os titulares de cargos políticos, durante o exercício do cargo e após o seu final, durante um ou dois anos. Depois, se houver incumprimento dessa obrigação, ele pode ser criminalizado e punido. Mas primeiro têm de ser criada a obrigação de justificação. Nesse caso não é o suposto enriquecimento ilícito que é crime, mas sim a violação de um dever legal de justificar os acréscimos patrimoniais - o que é muito diferente[negrito acrescentado]

Foi pena terem-se desperdiçado 10 anos de debate fútil, com muita tralha populista à mistura.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Outras causas (8): Muito a desejar


Se é verdade que, no que se refere às energias renováveis no seu conjunto (hídrica, eólica, solar, etc.), Portugal não faz má figura a nível europeu, como se pode ver AQUI, já no que respeita à energia solar em particular a posição de Portugal, segundo o quadro acima (extraído DAQUI) é surpreendentemente modesta, limitando-se a ficar em 33º lugar no ranking mundial da produção de energia per capita, ficando muito abaixo de outros países com condições bem menos favoráveis do que nós.

Na exigente corrida relativa à "transição climática" e à neutralidade carbónica, esse handicap quanto à energia solar é muito penalizador do desempenho do País. 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Praça da República (58): Estado de emergência sem convocação da AR dissolvida?

1. Suscita-se a questão de saber se, na pendência da dissolução parlamentar (que vai ser decretada daqui a duas semanas), seria possível o PR decretar o estado de emergência apenas com a autorização da Comissão Permanente da AR, sem necessidade de convocar uma reunião plenária da própria AR para confirmar essa autorização, como a Constituição ordena.

Considerando o disposto na Constituição, tenho por certas duas coisas: (i) que o estado de emergência, que aliás ninguém antecipa, pode ser decretado pelo AR com a AR dissolvida, mas que (ii) não basta a autorização inicial da Comissão Permanente, devendo ser imediatamente convocada uma reunião da própria AR, apesar de dissolvida, para confirmar a autorização. 

Tal é a opinião desde há muito sustentada na CRP Anotada de que sou coautor, junto com J. J. Gomes Canotilho.

2. As razões para esta solução são duas:

   - primeiro, a dissolução parlamentar não extingue o mandato dos deputados, que por isso podem ser convocados em situações excecionais, quando a Constituição imponha a reunião da AR, visto que a Comissão Permanente só substitui o plenário no exercício dos poderes expressamente enunciados na Constituição e nos termos nela previstos;

   - segundo, e mais importante, o estado de emergência só se justifica quando seja necessário suspender o exercício de direitos, liberdades e garantias constitucionais; ora, se para restringir o seu exercício se exige sempre uma decisão ou autorização legislativa da AR, por maioria de razão ela se impõe no caso, muito mais grave, de suspensão de direitos.

Por isso, mesmo que a Comissão Permanente da AR não convocasse tal reunião, caberia ao PR fazê-lo, aliás no uso de uma faculdade constitucional.

domingo, 14 de novembro de 2021

Eleições parlamentares 2022 (2): Fundamentalismo

Sem prejuízo dos limites próprios dos "governos cessantes" com orçamento rejeitado (AQUI referidos), não concordo com a tese de que, uma vez marcadas eleições parlamentares - e mesmo antes de iniciada a campanha eleitoral - o Governo em funções, apesar de não estar demitido, fica impedido de fazer inaugurações de obras ou dar notícia das medidas tomadas para resolver as questões que se lhe deparem. Parece que o Governo se prepara para tal autorrestrição.  Mas a norma legal sobre neutralidade e imparcialidade eleitoral das entidades públicas não pode ser interpretada do modo radical com que tem sido pela Comissão Nacional de Eleições.

O que essa norma quer dizer é que o Governo e os seus membros, enquanto tais, não podem intervir no debate eleitoral nem tomar posição pública sobre as eleições ou sobre as candidaturas. Quando muito, além disso, se forem candidatos a deputados, os membros do Governo também devem suspender a sua atividade governativa pública. Tudo o mais é, a meu ver, uma limitação ilegítima da atividade governativa. Salvo se demitido, a convocação de eleições não manda o Governo para um convento...