1. Não é preciso estar por dentro da formação dos governos para saber as "negas" que um primeiro-ministro pode levar no recrutamento dos ministros, por causa da baixa remuneração ministerial (mesmo que o motivo invocado possa ser outro). Não poucos ministros não foram a primeira escolha (o que não quer dizer que não acabem por ser a melhor...). O mesmo vale para os secretários de Estado, aliás, por maioria de razão.
Ora, a área de recrutamento ministerial não pode ficar tendencialmente limitada aos políticos de carreira ou às pessoas suficientemente ricas para se permitirem dedicar generosamente uns anos de "serviço cívico" num Governo em que se sintam confortáveis. Para sacrifício pessoal em prol da República, já basta a exigência do cargo, a interrupção da vida profissional e a exposição mediática a que ele obriga...
2. Penso, por isso, que o novo Governo, gozando de uma maioria absoluta, deveria ter a coragem de enfrentar o miserabilismo popular dominante sobre esta matéria e elevar a remuneração dos ministros (e secretários de Estado).
Em concreto, proponho as seguintes medidas:
- eliminar finalmente a redução de 5% aplicada pelo governo Sócrates II, em 2010, que foi a primeira "medida de austeridade orçamental" adotada, sendo a única que até agora não foi revertida, quando a situação que a ditou foi há muito ultrapassada;
- elevar as remunerações para a média das remunerações governamentais dos países da UE, medidas em paridade de poder de compra.
Para graduar o impacto desta última alteração, proponho que o aumento seja repartido por frações de 25% nos próximos quatro anos.
3. Outra situação remuneratória iníqua tem a ver com os membros dos gabinetes ministeriais, quando não são de Lisboa ou arredores, visto que não têm nenhuma compensação pelas despesas adicionais da deslocação para a capital, nomeadamente as de alojamento, sendo uma importante barreira à aceitação de tais cargos.
Como é evidente, essa limitação contribui para a escandalosa "reserva" lisboeta dos gabinetes ministeriais, habitualmente recrutados em universidades, serviços públicos ou empresas da capital, em violação da regra constitucional de não-discriminação em função da residência. Como é sabido, as "discriminações indiretas" podem ser mais insidiosas do que as diretas...
4. Por último, urge diferenciar devidamente a remuneração dos deputados, conforme exerçam, ou não, o mandato em dedicação exclusiva, ampliando o ridículo prémio de 10% atualmente em vigor, o que, além de não incentivar devidamente a dedicação exclusiva à causa pública, também favorece mais uma vez os deputados de Lisboa em part time, que podem passar pelo parlamento a marcar a presença, antes de irem para o seu escritório ou local de trabalho.
Como é bom de ver, esta elevação do "prémio" de dedicação exclusiva - que proponho não seja inferior a 33% - nem sequer exigira mais despesa orçamental, bastando adicionar à dedicação exclusiva o montante que se pouparia na redução da remuneração dos deputados em part time.
Adenda
Um leitor pergunta se a minha posição sobre a remuneração do Governo tem algo de pessoal. Não tem: quando outrora fui sondado para o efeito (1995 e 2005), recusei à partida, por me considerar incompetente para tarefas executivas - no que não me mudei, aliás. De resto, conheci vários ministros, não apenas do PS, que exerceram o cargo com perda significativa de rendimentos, sem nenhum queixume público, por entrega à causa pública ou por amizade pessoal ao PM; mas entendo que isso não pode ser exigido a toda a gente.
Adenda 2
Concordando com o post, uma leitora aduz que os ministros, apesar de serem os "gestores políticos" do Estado, ganham menos do que os gestores de empresas públicas. É de acrescentar que, mesmo dentro do setor não-empresarial do Estado, também recebem menos do que os juízes dos tribunais superiores (e não têm depois as pensões integrais destes).