quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Contra a corrente (3): As maiorias absolutas não são "coisa má"

 1. O comentador político e politólogo André Freire sustenta - suponho que na 1ª qualidade - que o Governo ainda em funções comprova a sua tese de que os governos de maioria absoluta (de um só partido) são por natureza «uma coisa má». Não concordando com a tese em concreto (como defendi AQUI), tampouco a subscrevo em abstrato -, pelo contrário.

Para começar, os governos maioritários têm condições para governar de forma mais previsivel e com mais estabilidade do que os governos minoritários ou de coligação, aqueles porque ficam sempre reféns das oposições e dos grandes grupos de interesse, e os últimos porque o partido "sénior" da coligação fica refém dos partidos "juniores", pelo que ambos os tipos de governo tendem sempre a adiar reformas e a aumentar a despesa pública, para comprar apoios políticos. 

A primeira grande diferença está, portanto, em serem mais coerentes e mais estáveis politicamente, na base do mandato político correspondente ao programa eleitoral submetido aos cidadãos eleitores.

2. Em segundo lugar, os governos de maioria absoluta também são mais reformistas, porque conseguem levar de vencida as corporações instaladas: não é por acaso que, com exceção do Governo de Passos Coelho, sob intervenção externa (2011-2015), os governos mais reformistas desde 1976 foram indubitavelmente os governos maioritários de Cavaco Silva (1997-1995) e de Sócrates (2005-2009).

Por último, mas de primeira importância, os governos maioriários são também mais responsáveis politicamente perante os cidadãos, porque no final do mandato não podem desculpar as suas falhas ou o incumprimento do seu programa nem com a falta de apoio parlamentar nem com os parceiros de coligação. 

Além da instabilidade governativa que lhes é inerente (poucos chegaram ao fim), os governos minoritários e os de coligação tendem também a fugir à responsabilidades política pelo seu falhanço, à margem de um dos grandes princípios da teoria republicana do governo.

3. Além disso, dada a inviabilidade política de soluções de "bloco central" entre nós, as maiorias absolutas tornam-se o único antídoto eficaz contra a tentação de acordos de governo, expressos ou implícitos, dos dois tradicionais partidos de governo (PS e PSD) com os partidos radicais, à sua esquerda ou à sua direita, respetivamente.

Não tenho dúvidas em afirmar que é preferível um governo maioritário do PS a um governo de coligação PS-PCP-BE, ou um governo minoritário dependente desses dois partidos (como foi a chamada "Geringonça"), tal como é melhor ter um governo maioritário do PSD do que um governo de coligação PSD-IL ou PSD-Chega, ou um governo minoritário dependente deles. Ou seja, ao contrário de A. Freire, eu penso que os governos de maioria absoluta são, em princípio, uma "coisa boa". 

O problema é que, em sistemas proporcionais como o nosso, trata-se de um produto com pouca oferta no mercado eleitoral, e parece que destinado mesmo a desaparecer. Ainda haveremos de o lamentar...

Adenda
Um leitor defende que, não havendo em geral maiorias monopartidárias, os governos de coligação são preferíveis aos governos minoritários, os quais têm de negociar todas as suas políticas caso a caso, a começar pelo orçamento, à custa do aumento a despesa pública, e que «podem ser derrotados ou demitidos a qualquer momento por "coligação negativa" das oposições». Tem razão, mas as coligações - que pressupõem um programa de governo comum, governo compartilhado e solidariedade a nível parlamentar -, só resultam, se houver uma suficiente afinidade política entre os partidos coligados (como era o caso das coligações PSD-CDS). Ora, não vejo que "química" política é que pode associar o PS ao PCP e ao BE numa coligação, ou o PSD ao Chega (ou mesmo à IL)... 

Adenda 2
Outro leitor objeta que «a maioria absoluta tende a dar em poder absoluto», pelo que é melhor não haver. Sucede, porém, que se há um regime de tipo parlamentar em que um governo maioritário não corre o risco de abuso de poder dos sistemas parlamentares maioritários (como o Reino Unido ou a Índia) é justamente o nosso, onde são decisivos os limites constitucionais do poder das maiorias absolutas, como já argumentei várias vezes, nomeadamente AQUI.

Adenda 3
Um leitor observa que o principal senão dos governos minoritários, e mesmo dos de coligação, é o "poder de veto" que conferem aos partidos minoritários, «muito acima da sua expressão eleitoral, o que é antidemocrático». De acordo.

Laicidade (14): O caso dos servidores públicos

1. Embora entenda que o princípio da laicidade do Estado - ou seja, a separação entre o Estado e a religião - pode ser tolerante com o uso de vestes ou símbolos religiosos pelos servidores públicos, admito, porém, que, numa atitude mais consequente, as autoridades públicas podem estabelecer a sua proibição, nomeadamente na escola pública, a fim de assegurar uma estrita neutralidade religiosa dos serviços públicos, desde logo perante os cidadãos, como acaba de decidir o Tribunal de Justiça da UE

Ponto é que tal proibição não seja discriminatória, nem na lei nem na prática, devendo abranger os símbolos de qualquer religião, e não especialmente, como sucede por vezes, os símbolos islâmicos, a começar pelo lenço de cabeça.

2. Em contrapartida, continuo a entender que não há nenhuma justificação para estender tal proibição aos próprios utentes dos serviços públicos (como os alunos das escolas públicas), como sucede em França, ao abrigo de uma conceção fundamentalista da laicidade do Estado (como AQUI critiquei).

Não sendo os utentes dos serviços públicos representantes nem servidores do Estado, não se vê como é que é que se pode restringir a sua liberdade religiosa a pretexto da separação entre o Estado e a religião.

Adenda
Um leitor objeta que em Portugal ninguém propõe "códigos de indumentária religiosamente neutra" nos serviços públicos e que isso só viria «criar artificialmente um conflito político e religioso, que só beneficiaria a extrema-direita». Concordo!

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Ai, Portugal (13): A "justiça" à moda do Ministério Público

Ao fim de 7-anos-7, o Ministério Público veio ilibar das suspeitas que tinham sido levantadas contra nada menos de 4-Ministros-4 do então Governo PS, por supostos crimes na adjudicação de contratos públicos, investigação que na altura foi obviamente explorada politicamente pelos media que servem de megafone às operações de legal warfare do Mº Pº contra o mundo político.

Sete anos para concluir pela inocência de políticos cujo bom-nome e reputação - direito constitucionalmente protegidos - foram manchados pela leviandade ou má-fé do Ministério Público? Haverá quem se não revolte contra esta irresponsável prepotência ?

Adenda
Também um ex-secretário de Estado do Desporto e atual deputado soube agora estar sob investigação por factos ocorridos há quatro anos, cujas suspeitas penais o visado considera «delirantes». Independentemente do que se vier a apurar, será tolerável que o Mº Pº demore outros tantos anos a concluir a investigação?!

Alma mater (2): "Uma das mais belas universidades do Mundo"

Tal é o título de uma bela reportagem do jornal francês Figaro, sobre  a Universidade de Coimbra.

Mesmo sendo eu interessado (por ser a minha alma mater), mas conhecendo muitas universidades, por esse mundo fora, julgo que o jornal tem razão

Aplauso (29): Abuso do Código Penal

Era um manifesto excesso e um fator de incerteza jurídico-penal criminalizar a "discriminação política ou ideológica" no chamado hate speech

Felizmente, triunfou o bom-senso político!

Guerra na Ucrânia (58): O impasse militar e a solução política

1. Como reconhece a revista britânica The Economist, que adotou desde o principio uma intransigente posição pró-ucraniana e antirrussa, a grande contraofensiva miliar de Kíev desencadeada em junho passado deu em nada e a guerra entrou num «impasse militar».

A anunciada cavalgada que em poucos meses haveria de culminar na reconquista do própria Crimeia, acabou em desilusão, apesar dos meios maciços empenhados na operação. com a assistência militar e técnica ocidental. Pior do que isso, é a Rússia que retomou a ofensiva em vários trechos da linha de combate, com o risco de a Ucrânia perder ainda mais território.

Como várias vezes aqui se antecipou, a mais provável era o congelamento das posições de cada beligerante e evolução para uma "guerra de atrito", sem perspetivas de solução militar para o conflito.

2. Neste quadro sem mudança à vista, a guerra torna-se num sorvedouro inglório de soldados, de armamento e de dinheiro (este proporcionado em grande parte pelos contribuintes da UE). 

A questão do "cansaço da guerra", que a primeira-ministra italiana deixou cair inadvertidamente há algum tempo, não é uma questão de "se", mas de quando é que se tornará um problema político incontornável. Acresce que, enquanto a Ucrânia estiver em estado de guerra, a questão da sua adesão à UE e à NATO também tem de ser adiada indefinidamente. 

Por isso, não será altura de alguém com coragem política na UE invocar a patente exaustão da solução militar do conflito e propor uma pausa bélica, que abra caminho a uma solução política, mediada por terceiros países aceites por ambos os beligerantes, por mais difícil que ela se apresente?

Adenda
Infelizmente, como se deduz desta notícia, a Nato não está em modo negocial. Sendo certo que esta guerra se tornou, desde o início, num conflito entre a Rússia e a Nato, por interposta Ucrânia, é a primeira vez, se não estou em erro, que um "falcão" ocidental defende expressamente a entrada direta da Nato na guerra, sem medir as óbvias consequências de tal aventura.


terça-feira, 28 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (8): Atribulações do PS

1. Num sistema de governo de base parlamentar como o nosso, em que a legitimidade política do Governo decorre das eleições parlamentares, estas são, antes de mais, um julgamento do Governo cessante, e o critério decisivo deve ser naturalmente o seu desempenho.

Ora, quanto a este Governo, e apesar das minhas várias críticas quanto a várias políticas concretas e das dificuldades em algumas áreas (como a saúde e a habitação, embora centradas na capital), entendo que o saldo é globalmente muito positivo: combate eficaz às sequelas da pandemia, especialmente a inflação, crescimento económico acima da média da UE, aumento do emprego e dos rendimentos (pensões, salário mínimo, remunerações em geral), reforço do Estado social (prestações sociais, creches gratuitas, reforma decretada do SNS), excedente orçamental e redução do peso da dívida pública (com melhoria geral do rating externo), reforma das ordens profissionais (uma "reforma estrutural" há muito devida), avanço nos processos de localização do novo aeroporto e de arranque do TGV, descentralização territorial, novo programa Simplex de desburocratização da Administração, prestígio do País nas instituições da UE, etc.

A meu ver, só o mais acrítico sectarismo político pode desqualificar o desempenho geral deste III Governo de António Costa, cujo mandato foi insensatamente interrompido pelo PR.

2. Em condições normais, o PS deveria ganhar folgadamente estas eleições.

Sucede, porém, que, a fazer fé nas sondagens, não é bem esse o juízo da maioria dos cidadãos nesta fase, visto que mais de um quarto dos eleitores que há dois anos deram uma inesperada maioria parlamentar absoluta ao PS não parecem disponíveis para renovar esse mandato de confiança política.

Há três factores que podem explicar essa perda de apoio eleitoral: (i) a inesperada demissão do Governo, na sequência de uma investigação penal  - incluindo dois ministros, um dos quais já se demitiu, embora protestando a sua inocência -, a qual, apesar de essencialmente esvaziada pela decisão do juiz de instrução, continuará a afetar negativamente a confiança no partido, enquanto não for encerrada; (ii) a saída de António Costa da liderança do PS, e estar ainda em aberto a sua sucessão e a escolha do aspirante a primeiro-ministro socialista; (iii) a incerteza quanto à política de alianças pós-eleitorais do partido, designadamente quanto à eventual repristinação da chamada "Geringonça" com os partidos à esquerda do PS.

Os três meses e meio que faltam até às eleições podem afastar ou, pelo menos, atenuar o impacto destes fatores negativos, mas dificilmente o PS pode fazer incidir o juizo eleitoral somente sobre o seu desempenho governativo.
[Mudada a rubrica]

Adenda
Com este acordo com os médicos do SNS, há menos um "irritante" nas perspetivas eleitorais do PS.

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

História constitucional (6): A nossa primeira Constituição!

Acaba de sair do prelo o 2º volume da História Constitucional Portuguesa, da minha coautoria com o Prof. José Domingues, no âmbito da Universidade Lusíada Norte (Porto), dedicado ao estudo da nossa primeira Lei Fundamental da era constitucional moderna, ou seja, a Constituição de 1822, resultante da Revolução Liberal de 1820 e aprovada em Cortes Constituintes eleitas nesse mesmo ano.

Mais avançada do que as precedentes constituições liberais que tomou como referência (França, 1891, e Espanha, 1812), ela instituiu uma genuína monarquia constitucional entre nós, baseada na soberania da Nação (desvalorizando o papel do rei), num sistema político representativo (assente nas Cortes diretamente eleitas), nas liberdades individuais, na separação de poderes (legislativo, executivo e judicial) e na subordinação do Governo e da administração à Constituição e à lei parlamentar.

Apesar da sua breve vigência, de menos de oito meses, a Constituição de 1822 veio a deixar um legado incontornável na história político-constitucional nacional, repercutindo-se ainda na CRP de 1976. Por isso, estudar a Constituição "vintista" é ir às raízes profundas do constitucionalismo liberal-democrático em Portugal.

Eleições parlamentares 2024 (7): A vertigem eleitoral do PSD

1. Começou a vertigem das promessas eleitorais, e o PSD colocou-se claramente à frente no seu recente Congresso, prometendo tudo a toda a gente e conseguindo o prodígio de ir simultaneamente ao encontro da IL, com a promessa de substancial redução de impostos (IRS, IRC e o mais que vier), e ultrapassando o PS pela esquerda, fazendo suas propostas do PCP e do Bloco, como o aumento substancial das pensões e reposição do tempo de serviço aos professores. 

PSD = IL+PCP/BE. É obra, este casamento de contrários!

2. Mas é evidente que - a não ser que estas promessas escondam um programa paralelo de corte a sério noutras despesas públicas essenciais do Estado social, como o SNS ou a escola pública - conjugar um grande aumento da despesa corrente com uma substancial redução da receita fiscal só pode dar no regresso ao défice orçamental e ao aumento da dívida pública (e ao agravamento do seu custo), contrariando todo o historial doutrinário do PSD quanto à contenção da despesa pública e ao equilíbrio das contas públicas. 

Uma enorme cambalhota política!

3. A verdade é que nada disto tem suficiente credibilidade, não somente por ir contra o ADN do partido quanto à contenção da despesa pública, mas também porque o PSD sabe que, mesmo que ganhe as eleições, não terá condições para governar sozinho, tendo de aliar-se à sua direita, nomeadamente à IL.

Ora, sendo conhecido o fundamentalismo deste partido sobre a redução da carga fiscal e consequente diminuição da despesa pública, a possibilidade de este dar luz verde a um aumento substancial da despesa social é igual a zero. Ou seja, o PSD coopta as referidas propostas "à esquerda", sabendo antecipadamente que não vai executá-las, graças ao veto político do parceiro de coligação.

Um perfeito exercício político de "reserva mental"!

[Alterada a rubrica]

domingo, 26 de novembro de 2023

Causa palestina (3): Não podiam ser mais claros

O nosso MNE diz que não percebe os objetivos políticos da invasão de Gaza por Israel

Mas as dúvidas parecem-me inteiramente descabidas: a pretexto da erradicação do Hamas e da liquidação da resistência palestina à opressão israelita - objetivos inatingíveis, enquanto esta perdurar (porque é ela-mesma que gera a resistência palestina) -, Israel está a matar milhares e milhares de palestinianos inocentes e a aniquilar as mais elementares condições de vida na pequena faixa territorial, numa operação de punição coletiva de crueldade sem precedentes desde a II Guerra Mundial, destinada a consolidar irreversivelmente a anexação territorial e a inviabilizar definitivamente um Estado palestino.

O que não se percebe é porque é que a UE, Portugal incluído, não condena sem ambages a revoltante matança israelita em curso, atitude cúmplice de que só os PM belga e espanhol ousaram demarcar-se - honra lhe seja!

Adenda
A UE está «chocada» com a instalação de novos colonatos israelistas na Cisjordânia, continuando a anexar o território palestino, enquanto massacra a faixa de Gaza. Mas o que é que a União faz, perante tal "choque"? Sanciona Israel? Apoia a causa palestiniana na luta pelo seu próprio Estado? Exige o regresso israelita aos limites do seu território? O que é verdadeiramente chocante é a duplicidade da UE, e do ocidente em geral, em relação a anexações territoriais, conforme sejam feitas pelos nossos amigos (Israel) ou pelos nossos inimigos (Rússia)...

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Praça da República (78): Os desmandos do Ministério Público

1. Como é que uma imputação penal tão estúpida como esta pôde sequer ter sido dirigida pelo MP contra a presidente da CM de Matosinhos (e também presidente da ANMP), como se a contratação de uma chefe de gabinete não fosse por definição um cargo de confiança pessoal e de escolha livre, mesmo se a denúncia viesse travestida de alegada "troca de favores", para a qual não havia nenhum fundamento!?

Ficamos a saber que o caso acaba de ser arquivado. Mas ninguém apaga o dano moral causado à visada pelo enxovalho da suspeita pública a que foi submetida, pelas buscas na CMM, pela apreensão do seu telemóvel e cópia do seu conteúdo. E porque é que o MP demorou vários anos a arquivar o caso, sem que tenha ocorrido qualquer diligência posterior, só para manter a arguida em suspensão quanto ao seu estatuto?

Se isto não é um caso exemplar de legal warfare do MP contra os políticos, façam o favor de dizer o que é!

2. As operações mais banais de "assédio judiciário" a políticos e outras pessoas publicamente expostas obedecem sempre ao mesmo guião: 1º - desencadear uma investigação por qualquer denúncia, por mais infundada que seja, como esta; 2ª - avançar imediatamente para buscas e exames altamente intrusivos, por mais desproporcionados que sejam; 3º - vazar o caso para os media, violando o segredo de justiça, para causar imediatamente um dano profundo aos suspeitos na opinião pública; 3º - mesmo que o caso não tenha nenhuns pés para andar, como neste exemplo, demorar o máximo tempo possível para o arquivar, mantendo os suspeitos em sofrimento quando ao desfecho.

Para além dos intoleráveis danos reputacionais causados aos visados, do desperdício de recursos humanos e técnicos públicos (do próprio MP, da PJ, etc.) e do alimento que se dá à narrativa populista da "corrupção generalizada", não há ninguém que responda pelo descrédito institucional que casos destes - claramente à margem dos princípios do Estado de direito democrático - lançam sobre o MP em geral e sobre a PGR em especial?

Adenda

Adenda 2 (25/11)
Em declarações à imprensa hoje, Luísa Salgueiro afirmou benevolamente que só um "grosseiro lapso" pode explicar o processo contra ela. Eu acho, porém, que a hipótese do "lapso" não explica tudo, nomeadamente a demora no arquivamento, sem qualquer pedido de desculpas, e não vejo nenhuma razão para benevolência em relação à inaceitável intrumentalização da investigação penal como arma de perseguição política.

Livres & iguais (56): Nos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

No próximo dia 6 de dezembro, vou participar neste colóquio sobre a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948, aprovada pelas Nações Unidas.

A DUDH inaugurou politicamente o processo de universalização dos direitos e liberdades fundamentais, que veio a ser seguido, ao longo das décadas seguintes por numerosas convenções internacionais de direitos humanos, quer de âmbito global (ao nível das Nações Unidas), quer de âmbito regional (a primeira das quais foi a Convenção Europeia de Direitos Humanos, CEDH, de 1950).

Eleições parlamentares 2024 (6): Arriscada estratégia

1. Penso que, independentemente de poder vir a avançar para um acordo de governo com o PCP e o BE depois das eleições, o PS não tem nenhuma vantagem em anunciar uma preferência por tal solução de governo antes delas.

Pelo contrário, penso que apostar antecipadamente numa coligação à sua esquerda encerra um forte risco eleitoral para o PS, numa dupla vertente: por um lado, abandona o argumento do "voto útil" à esquerda, uma vez que o voto no PCP e no BE também passa a contar à partida como voto num governo de esquerda, não sendo necessário votar PS; por outro lado, tende a alienar uma parte do voto centrista, que não sufraga um governo de frente de esquerda, tanto mais que, ao contrário do que sucedeu em 2022, com Rui Rio, desta vez o líder do PSD afasta enfaticamente a hipótese de coligação com o Chega

2. Tenho por evidente que, em 2022, foi a recusa de António Costa de equacionar na campanha eleitoral qualquer reedição da "Geringonça", proporcionando a confluência do voto útil de esquerda e do voto centrista anti-Chega, que deu ao PS a inesperada maioria absoluta que obteve então. 

Poderá argumentar-se que, mesmo sem nenhuma dessas "majorações" da sua votação, ainda é possível o PS vencer as eleições a 10 de março, desde logo pelo legado positivo do Governo, pela falta de "appeal" político do PSD de Montenegro e, também, por efeito do crescimento do Chega, à custa dele.

No entanto, naquelas condições, a eventual vitória socialista torna-se bem mais arriscada e, a acontecer, seguramente menos expressiva.

Adenda
Acresce que, ao contrário da "Geringonça" de 2015-19 - que não passou de um acordo de sustentação parlamentar do governo minoritário do PS, a troco de vários ganhos nas políticas sociais -, não é provável que essa fórmula satisfaça as novas ambições políticas do BE, reforçadas pelas atuais perspetivas de subida eleitoral, levando-o a exigir um programa de governo negociado e, mesmo, a entrada no Governo - hipóteses que, a não serem preventivamente afastadas, seguramente não agradam a uma parte do eleitorado do centro político que há dois anos deu a folgada vitória eleitoral ao PS

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Aplauso (28): Uma agradável surpresa


Não sendo membro da maçonaria (nem de qualquer outra irmandade, fraternidade ou simples confraria), nunca tinha visitado o Museu Maçónico do Grande Oriente Lusitano, ao Bairro Alto, em Lisboa.

Ontem, porém, aproveitando a sessão de apresentação do livro de um eminente maçon do século XIX, José Liberato, a que me referi no post anterior, aceitei o convite do Grão-Mestre para visitar o museu. Sabendo que o espólio histórico de mais de um século da maçonaria tinha sido destruído pelo assalto fascista da Legião em 1935 e pelo subsequnte confisco do palácio maçónico até 1974, foi para mim uma agradável surpresa encontrar um notável acervo documental, iconográfico, bibliográfico, entretanto reunido, testemunhando o contributo decisivo da maçonaria para as três grandes revoluções políticas dos últimos dois séculos em Portugal: a revoluação liberal (1820), a revolução republicana (1910) (como mostram as duas imagens acima) e a revolução democrática (1974).

Obrigado, pela história e pelo museu!

Bicentenário da Revolução Liberal (50): Spartacus

Ontem estive aqui, no Grémio Lusitano, em Lisboa, junto com o meu colega, Prof. José Domingues, a apresentar o nosso recente livro sobre o pensamento político de José Liberato, em especial o seu projeto de constitucionalismo liberal, que ele expôs, entre 1819 e 1821, a partir do exílio em Londres, no seu jornal O Campeão Português.

Tendo sido também uma grande figura da maçonaria portuguesa na 1ª metade do século XIX - a que aderiu em 1806, sendo ainda clérigo, adotando o nome simbólico de Spartacus -, foi com gosto que fizemos a apresentação desta obra, que se propõe resgatar a importância de Liberato como dos "pais intelectuais" da Revolução Liberal de 1820 e do constitucionalismo, na sede do Grande Oriente Lusitano, que cuida de honrar a sua memória

Causa Nossa, 20-anos-20 (II) - Top five

Ao longo destes 20 anos, o Causa Nossa teve mais de 5,3 milhões de visualizações, o que dá uma média diária de 730. 

E entre os numerosos posts publicados há muitos que alcançaram milhares de visualizações, à cabeça dos quais estão os cinco indicados no quadro acima, que constituem uma boa amostra da liberdade crítica e do estilo do Causa Nossa, e que podem ser relidos aqui: 

- Ai Portugal (13): O Ministério Público é intocável?

- Corporativismo (3): Ordem ou sindicato oficial?

- Populismo judicial

- O que o Presidente da República não deve fazer (13): Um veto problemático

- Geringonça (10): Uma história afeiçoada

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

CAUSA NOSSA, 20-anos-20!

1. Faz agora vinte anos que foi fundado o Causa Nossa, em 22 de novembro de 2003, sendo um dos  mais antigos blogues em publicação ininterrupta e um dos poucos sobreviventes da "era de ouro" da blogoesfera, no início deste século. 

Nascido a partir de uma tertúlia convivial reunida pelo saudoso jornalista Vicente Jorge Silva, nessa altura deputado do PS, o blogue foi buscar o nome, que eu sugeri, ao restaurante do Bairro Alto, Lisboa, onde nos reuníamos, o Casanostra (na imagem). Com o tempo, o grupo inicial (cuja composição continua a constar da ficha do blogue, no topo desta página) foi-se reduzindo, por efeito de compromissos profissionais e políticos pessoalmente mais exigentes, pelo que desde há poucos anos só permanece no ativo o autor destas linhas, de resto o contribuinte mais assíduo desde o princípio. 

Tornado uma tribuna publicamente identificada com o seu atual autor, o Causa Nossa não esquece, porém, o legado deixado pelos fundadores, que faço questão de evocar, não sem emoção, neste 20º aniversário

2. No editorial inaugural, há duas décadas, depois de informar os leitores que não se tratava de «uma iniciativa de grupo organizado, mas sim de um conjunto de pessoas individualmente identificadas, marcado pela independência e diversidade individuais», acrescentava-se: «partilhamos algumas ideias e valores fundamentais, identificados com a autonomia pessoal, a liberdade de costumes, o liberalismo político, o pluralismo cultural, a tradição progressista da social-democracia e da esquerda democrática, a construção europeia e a globalização democrática»

Julgo que o blogue se tem mantido fiel a esse "credo" enunciado pelo grupo fundador, quer quanto à postura crítica e à independência política, quer quanto aos referidos princípios doutrinários. 

3. Às causas iniciais, que continuam tão atuais e tão relevantes hoje como ontem, fui acrescentando as minhas próprias causas específicas, como a defesa da democracia parlamentar, da descentralização territorial (incluindo as autarquias regionais), do rigor orçamental e equilíbrio das contas públicas, da sustentabilidade financeira do Estado social, da natureza e do ambiente, bem como a luta contra as touradas, a transformação do país num imenso eucaliptal, a invasão da cidades pelos automóveis e o corporativismo das ordens profissionais, sem esquecer, no plano internacional, a defesa da causa palestiniana, neste momento em vias de ser aniquilada pela invasão israelita de Gaza, perante a cúmplice complacência ocidental. 

Tendo este blogue o nome que tem, nenhuma boa causa lhe deve ser alheia.

4. Outra inovação nos últimos anos, esta de natureza formal, foi a reformulação da apresentação dos posts, que passaram a ser identificados pelo tema a que se referem e a ser numerados dentro de cada rubrica - pelo que o número de posts reflete a importância de cada tema e a frequência com que regresso a ele.  Por sua vez, cada post também é subdividido em parágrafos numerados, terminando cada parágrafo com uma ideia conclusiva destacada a amarelo (como é o caso do presente post...).

Penso que essa forma de apresentação torna os posts graficamente menos pesados para os leitores, facilitando a sua leitura e sublinhando as ideias principais.

5. «Queremos ser uma referência na esfera bloguística» -, era assim que terminava a referida declaração de fundação deste blogue, há vinte anos. 

Penso que, contados mais de 12 000 posts e somadas mais de 5 milhões de visitas ao longo destes 20 anos, esta ambição tem vindo a ser realizada na área do debate de ideias e de propostas políticas, como revela o número consistente dos seus subscritores e de leitores diários e o diálogo com eles, assim como o eco que as posições aqui defendidas encontram na esfera pública e política, mesmo quando não publicamente assumido. 

Assim esperamos prosseguir, enquanto o ânimo não desfalecer.

Adenda
Comentário de uma leitora (via Linkedin): «Venham mais 20!». Bom, gostaria de poder prometer!...

terça-feira, 21 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (5): Boas notícias para o PS

A somar ao rápido esvaziamento político da operação "Influencer" do MP contra o Governo - que as oposições se preparavam para explorar sem escrúpulos -, a continuação das boas notícias, como a subida do rating da República e da própria TAP - que refletem a boa situação da economia e das finanças públicas - são de molde a animar as expectativas eleitorais do PS e a desanimar as do PSD e da direita em geral.

Adenda
Provavelmente, o PS já encontrou o seu melhor cartaz de campanha - a manchete de hoje no Jornal de Negócios, resumindo a entrevista com Paul Krugman:


segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Praça da República (77): À margem da Constituição!

1. Este artigo de uma magistrada superior do Ministério Público, no Público de hoje, é de leitura obrigatória, porque ele vem confirmar, a partir de dentro da instituição, tudo o que tem motivado as críticas à organização e funcionamento do MP, a começar neste blogue (por último, AQUI).

As questões essenciais são estas: (i) a Constituição diz que o Ministério Público «goza de (...) autonomia, nos termos da lei», mas o que temos hoje é uma estatuto de completa independência, não respondendo a instituição nem prestando contas, através do PGR, perante ninguém, nem perante a AR, nem perante o PR, que o nomeia e pode demiti-lo (sob proposta do PM); (ii) a Constituição diz que os agentes do MP «são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados», mas sabemos - e este artigo confirma-o inteiramente -, que não há hierarquia nem responsabilidade, prevalecendo, em vez disso, um sistema feudal, em que cada encarregado da investigação penal goza de pleno alvedrio na condução das mesmas, proporcionando terreno fértil para os abusos de poder individual, de acordo com as simpatias ou antipatias políticas de cada um, incluindo um patente golpe de Estado.

Em suma: o Ministério Público tornou-se um abcesso institucional manifestamente à margem da Constituição e das regras essenciais do Estado de direito.

2. Respeitando integralmente a sua autonomia constitucional, cumpre, porém, fazer valer a ordem constitucional no Ministério Público - em vez da ordem corporativa abusivamente representada pelo Sindicato dos magistrados -, a começar pela Procuradoria-Geral da República. 

Para isso impõe-se : (i) tornar o Procurador-geral a efetiva autoridade governativa e administrativa suprema no Ministério Público; (ii) obrigar a instituição, através do Procurador-geral, a prestar contas regulares da atividade do MP à AR e ao PR; (iii) instituir uma efetiva hierarquia e responsabilidade hierárquica interna, incluindo para efeitos disciplinares, retirando esta competência ao "parlamento" do CSMP; (iv) em especial, punir disciplinarmente e fazer punir penalmente os conluios entre magistrados do MP e a imprensa, principal fonte da sistemática e impune violação do segredo de justiça, sempre que estão em causa investigados politicamente expostos.

Tal como está, o MP tornou-se um risco sistémico para o Estado de direito constitucional, que urge afastar.

Adenda
É merecido o impacto público do artigo aqui comentado, como aqui na CNN. A autora vai certamente ser crucificada pelo corporativismo dominante na cultura da instituição, mas eu confio que seja o princípio do fim da sua imunidade ao escrutínio público.

Adenda 2
Um leitor considera que a correção desta situação necessita de uma intervenção política «que só um entendimento entre o PS e o PSD pode assegurar». Concordo e, por isso, lamento que o PS não tivesse dado seguimento, alegadamente em nome da defesa da independência da justiça - que não estava em causa -, à proposta do PSD de Rui Rio, a qual, é certo, não respondia a todos os problemas acima enunciados e continha algumas soluções controversas, mas podia ser ser utilizada como base de negociação.

Adenda 3
Outro leitor considera que o Ministério Público entrou em «deliberada operação de "legal warfare" contra o poder político, tal como foi concebida pela teoria e pela prática nos Estados Unidos», abusando do instrumental à sua disposição contra os agentes políticos, incluindo o vazamento para a imprensa de investigações sem fundamento, buscas espalhafatosas, previamente "filtradas", prisões preventivas arbitrárias, demora deliberada na investigação, violação sistemática do segredo de justiça e instrumentalização dos meios de comunicação mais populares, impugnação caprichosa das decisões dos juízes de instrução, etc. Sim, toda a panóplia conhecida da political lawfare, ou seja, utilização de instrumentos jurídicos como arma de guerra política, têm sido utilizados.

Bicentenário da Revolução Liberal (49): O triunfo da contrarrevolução em 1823

Menos de três anos após a Revolução Liberal de 1820 e pouco mais de oito meses depois da Constituição de 1822, que dela dimanou, o "triénio liberal" cessou às mãos da sublevação liderada pelo infante D. Miguel, à frente de várias unidades militares, a partir de Vila Franca de Xira - a Vila-Francada.

Com este livro, da minha coautoria com José Domingues - que encerra o nosso projeto comum de investigação sobre a história da Revolução Liberal, iniciado em 2018 -, descrevemos as origens e o processo contrarrevolucionário, bem como o desmantelamento integral do Vintismo, desde a revogação da Constituição - a mais efémera das constituições portuguesas - até à anulação das próprias eleições vintistas de 1820 e 1822, um sanha reacionária sem paralelo em qualquer outra contrarrevolução no País.

Adenda
O livro encontra-se disponível on-line, em acesso livre.

domingo, 19 de novembro de 2023

Alma mater (1): E todavia, continua a liderar

Desmentindo uma certa ideia de perda da antiga liderança académica da Universidade de Coimbra, o prestigiado e exigente ranking global de universidades do Times Higher Education acaba de a considerar a melhor universidade do País, à frente das duas outras universidades mais antigas, as de Lisboa e do Porto.

Curiosamente, certas universidades hoje com alto conceito entre a elite social e política nacional, nomeadamente a Católica, a Nova de Lisboa e o ISCTE, aparecem em lugares bastantes mais modestos. 

Pelos vistos, nesta área, a tradição da UC ainda é o que era!

Eleições parlamentares 2024 (4): Venha o diabo e escolha

1. Não há nada a objetar à posição do Presidente da República, de que não se oporá a um Governo que, eventualmente, se baseie num acordo com o Chega

Na verdade, embora incumba ao PR a designação do Governo, o únicio critério constitucional atendível na formação de novo executivo é o que decorre dos resultados eleitorais e da composição parlamentar, não lhe cabendo substituir as suas preferências políticas às dos eleitores e aos subsequentes entendimentos entre os partidos políticos, até porque os governos não dependem da sua confiança, sendo politicamente responsáveis somente perante o Parlamento. 

O que pode variar é o modo e a intensidade com que o PR exerce o seu "poder moderador" sobre o Governo em funções, desde o poder de veto legisaltivo ao poder de dissolução parlamentar.

2. De resto, mesmo que das eleições saísse uma maioria parlamentar das direitas - o que, tudo indica, só existirá incluindo o Chega, dadas as suas boas perspetivas eleitorais -, nada impõe que o Governo de direita que se formasse na base dela se baseasse numa coligação governativa com o partido da extrema-direita, nem sequer num acordo de apoio parlamentar, como na Madeira.

Se Montenegro ganhar as eleições e mantiver o seu compromisso de não negociar um acordo de governo com o Chega, avançando para um executivo minoritário com a IL (e o CDS, se este recuperar representação parlamentar), aquele terá de decidir se rejeita liminarmente o Governo na apresentação parlamentar deste, aliando-se à esquerda, ou se o deixa passar - bastando, aliás, a abstenção -, sabendo que o executivo vai sempre ficar dependente do seu voto no parlamento, desde logo no orçamento.

3. A questão que se pode colocar é mesmo a de saber qual solução é pior para a direita democrática e para o País: uma coligação de Governo abrangendo o Chega, em que este fica vinculado ao programa de governo, à autoridade do primeiro-ministro e à solidariedade governamental, ou um Governo sem o Chega, mas na sua dependência política permanente e sujeito a negociar e a ceder em todos os dossiês, a começar pelo orçamento...

Ou seja, com ou sem Chega no Governo, uma maioria eleitoral das direitas é sempre um perigo.

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Amanhã vou estar aqui (19): A UE precisa de uma Constituição?

Amanhã à tarde, em Aveiro, vou participar, junto com o Prof. Paulo Otero (Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa) num painel sobre se «Deve a União Europeia ter uma Constituição formal?», integrado no Curso de Formação Política sobre a Europa, organizado pelo Instituto Amaro da Costa, ligado ao CDS.

Sendo um tema que me interessa tanto sob o ponto de vista político como académico, como estudioso do Direito constitucional da União (última disciplina que lecionei na FDUC antes da minha jubilação), é uma boa ocasião não somente para fazer o ponto do processo de integração política europeia, mas também de abordar os desafios emergentes, desde logo o ligado ao previsto alargamento aos Balcãs e ao Mar Negro.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Outras causas (9): O que me move

1. Recebo mensagens de amigos a pedir-me que, agora que o feitiço se está a virar contra o feiticeiro no processo Influencer, desafie o PS - principal vítima dele - a vir a terreiro assumir o combate a este abuso do MP.

Lamento não poder ir ao encontro desse objetivo. Concordando com o apelo de António Costa, logo no início, penso que nem o Partido nem ninguém com responsabilidades políticas no PS, incluindo os deputados, deve entrar publicamente nesta luta política, porque seria contraproducente, dando armas ao MP.

O que o PS pode e deve fazer - como está a fazer -, é reclamar publicamente a necessária celeridade judicial, quer no desenlace do estranho "inquérito" que impende sobre António Costa, quer na decisão sobre se vai haver ou não acusação no processo, e sobre quê e relativamente a quem. Para além dos danos políticos já irreversíveis (demissão do PM e interrupção da legislatura), o PS tem o direito de disputar as eleições em condições de igualdade política, com a plena clarificação das suspeitas enunciadas pelo MP.

2. Perguntam-me porque é que, não sendo membro do PS e sendo por vezes muito crítico das suas políticas, me empenhei na denúncia da leviandade e da inconsistência da investigação do MP e da irresponsabilidade da PGR neste processo, que qualifiquei como golpe de Estado.

Estando definitivamente fora de qualquer atividade ou compromisso político há vários anos, não me candidato obviamente a nenhuma recompensa de qualquer natureza. O meu empenhamento na denúncia deste caso é pela honra política dos vários visados que conheço, a começar por António Costa, em cuja integridade confio plenamente; pela democracia liberal, que não pode criminalizar a busca de investimentos que promovam o desenvolvimento económico; pela responsabilidade republicana, a que nenhum poder do Estado, salvo os juízes, está imune no exercício das suas funções: e pela Constituição da República, que não consente a instrumentalização da investigação penal ao serviço da perseguição política.

São demasiado importantes para mim (e para o Causa Nossa) os valores que estão em causa neste mal-enjorcado e não-inocente processo judiciário.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

Não vale tudo (15): Pela demissão da Procuradora-Geral da República

1. Miguel Sousa Tavares defende a demissão da PGR, acusando-a de ser a responsável pela crise política, ao provocar a demissão do PM e ao dar ao PR a oportunidade de dissolver a AR e interromper a legislatura. 

Pelo que tenho escrito, penso que tem razão. Num Estado de direito democrático, não é admissível meter na prisão vários cidadãos por seis dias, imputar crimes de corrupção a esmo, visar criminalmente dois ministros e abrir um inquérito de âmbito indefinido ao próprio Primeiro-Ministro, tudo sem a devida justificação, com base em pseudoindícios sem nenhuma consistência, que não resistiram ao primeiro exame judicial.

Só um deliberado propósito de instrumentalização da investigação criminal para fins de perseguição política pode explicar este desastre processual-penal.

2. Por minha parte, tendo denunciado, desde o início,  a "inventona" do Ministério Público, já defendi também que a autoinstituição abusiva do Ministério Público em instância de escrutínio da ação política do Governo, usurpando as funções da AR e do PR, extravasa manifestamente a sua missão constitucional e constitui uma usurpação de poder.

Incumbindo ao Presidente da República, segundo explícita norma constitucional, assegurar o «regular funcionamento das instituições», cabe-lhe cobrar a responsabilidade que impende sobre a Procuradora-Geral da República neste lamentável caso. Uma vez que o Presidente só pode demiti-la sob proposta do PM, e que este não está obviamente em condições de a solicitar, deve o PR instá-la, de forma discreta, mas convincente, a apresentar o seu pedido de demissão, a bem da República.

Adenda
Entretanto, numa bem fundamentada Carta Aberta, para subscrição pública, dois dirigentes do Volt em Portugal instam Lucília Gago a prestar perante da AR os esclarecimentos a que o País tem direito sobre a condenável conduta do MP neste processo.

Adenda 2
Concordando com a demissão, um leitor considera que, além de «ter obviamente validado internamente o desastroso despacho da investigação, a Procuradora-geral é pessoalmente responsável pelos dois comunicados publicados no site da PGR, incluindo o 'esclarecimento' assassino sobre o inquérito ao Primeiro-Ministro», que desencadeou a sua demissão. Subscrevo.

Adenda 3
Outro leitor, embora ache justificada a demissão, entende que «o problema, como mostra Pacheco Pereira na Sábado, está na cultura política corporativista antipolíticos que é dominante no MP, segundo a qual os políticos em geral são, por definição, corruptíveis, até prova em contrário».  Como tenho escrito, compartilho desta opinião; mas por isso mesmo, entendo que o estatuto de irresponsabilidade interna e externa do MP não pode continuar. Impõe-se um compromisso político entre os dois partidos do regime para corrigir esta situação anómala, que não cabe no quadro constitucional vigente.

Adenda 4
Embora deste artigo do Público de hoje se conclua que a atual titular do cargo o transformou numa espécie de sinecura, abdicando da direção da instituição, a verdade é que a irresponsabilidade também se faz por omissão dos deveres de orientação e supervisão inerentes ao cargo.

Adenda 5
Que o comunicado do MP sobre o processo Influencer não poderia ter sido publicado sem luz verde da Procuradora-Geral, parecia óbvio, mas fica agora a saber-se que foi ela-mesma quem acrescentou o célebre parágrafo assassino sobre António Costa - o que a torna ainda mais responsável pela sua demissão.

Adenda 6
Como diz um amigo meu, «se isto é real, este país não é real». Concordo - e a PGR também não é real...

Alhos & bugalhos (5): Mau perder

1. Este texto de uma conhecida personalidade do PSD mostra que a direita já dá como perdida a acusação de corrupção no caso Influencer, apesar de a ter exibido sem escrúpulos, antes de qualquer validação judicial, como trunfo político durante dias, para atacar o Governo e o Primeiro-Ministro.

Só é pena que, em vez de se render à ausência de qualquer fundamento para a suspeição (apesar de anos de escutas telefónicas e de buscas de toda a espécie pelo MP), MPM tenha tentado justificar a derrota com uma imaginária insuficiência do nosso sistema processual-penal quanto à prova da corrupção, nomeadamente a falta da famigerada "delação premiada" (a que, aliás, o PSD se opõe, e bem!). 

Sendo o autor também professor de direito, não lhe fica bem tal argumento.

2. Propondo mudar de conversa - como se faz usualmente quando se perde uma causa -, MPM propõe que, na falta de corrupção de políticos, tratemos da "corrupção do sistema político". 

Concordo, e proponho um tema para abrir a discussão: como é que o Ministério Publico - que é internamente uma magistratura hierarquizada e responsável e é externamente uma instituição que, através do PGR, deve prestar contas à AR e ao PR - consegue inventar e trazer a público (violando flagrantemente o segredo de justiça a que está vinculado) uma grave acusação contra o Primeiro-ministro e o Governo, levando à sua demissão e à abertura de uma grave crise política, e no final não há ninguém responsável, nem interna, nem externamente, por este atentado qualificado ao Estado de direito e à democracia parlamentar?

Com este acintoso ataque ao poder democrático, transformando a investigação penal em arma de perseguição política, a irresponsabilidade no e do Ministério Público tornou-se um problema sistémico na ordem político-constitucional vigente, pondo em causa o "regular funcionamento das instituições".

Adenda
No Diário de Notícias de hoje, o jornalista Pedro Tadeu apresenta uma relação das vítimas (não por acaso, quase todos políticos) dos abusos de poder do MP. Pior do que a obsessiva cultura "caça-políticos" vigente na instituição é a irresponsabilidade interna e externa, que os legitima e incentiva.

Adenda 2
Uma leitora, que sabe do que fala, entende que o caminho para acabar com a inaceitável irresponsabilidade do MP no abuso da investigação penal como ilegítima arma de poder é explicitar a sua responsabilidade penal, criando o crime de "perseguição penal de pessoa inocente", como no Código Penal Alemão. Aplaudo.

Adenda
Outra leitora, especialista em Direito Penal, considera que o comentário de MPM revela «desconhecimento do regime processual-penal do crime de corrupção desde a reforma de 2001, que tornou muito mais fácil prová-lo» - e explica porquê. Eis o risco de comentários apressados e politicamente motivados.

terça-feira, 14 de novembro de 2023

Eleições parlamentares 2024 (3): O Chega na equação da direita

1. Voltou à agenda política, mais uma vez pela voz de Miguel Relvas - uma influente voz no PSD e na direita em geral - a hipótese de um acordo de governo do PSD com toda a direita, incluindo o Chega, a nível nacional, se tal for condição para acesso ao poder, depois das próximas eleições parlamentares antecipadas.

De facto, não estando no horizonte nenhuma vitória com maioria parlamentar absoluta (nem sequer, ao que parece, com maioria relativa), a única via de o PSD chegar ao Governo seria através de um acordo com a demais direita parlamentar, que lhe proporcionasse a necessária parlamentar. Ora, tal como as coisas se apresentam à partida, essa eventual maioria parlamentar de direita, muito provavelmente só se vai conseguir com o contributo do Chega, o qual, tudo indica, vai obter um significativo ganho eleitoral.

Por conseguinte, dificilmente uma maioria de direita e o caminho do PSD para o Governo deixarão de passar pelas mãos de André Ventura.

2. Não pode haver, portanto, dúvidas de que a hipótese de um acordo do PSD com o Chega vai ser um tema recorrente na campanha eleitoral, sobretudo suscitado pelo PS, a que Montenegro vai ter de responder.

É certo que está registada a terminante negativa do líder do PSD a tal acordo, proferida a seguir às eleições regionais da Madeira, «não é não». Mas a ânsia de voltar ao poder por aquelas bandas é tal e tanta, que uma declaração pública dessas de pouco vale. A necessidade aguça a imaginação e forjará uma justificação: palavras de políticos pouco convictos, leva-as o vento.

Adenda
Montenegro apressou-se a repetir que, se ganhar as eleições sem maioria, não governará com o Chega. Registemos a reiteração desse compromisso para memória futura. Penso que, para além de o partido da extrema-direita ser politicamente infrequentável, o PSD tem todo o interesse em colocar os eleitores de direita perante uma opção clara: ou voto num governo do PSD ou voto no Chega.

Adenda 2
Penso que é correta sob o ponto de vista eleitoral a firmeza de Montenegro nesta questão pois, por um lado, apela ao "voto útil" da direita no PSD em vez do Chega e, por outro lado, contraria o risco de perda de eleitorado ao centro, em favor do PS. De resto, se o PSD ganhasse as eleições, mas não obtivesse maioria parlamentar sem o Chega, seria este que teria de decidir entre aceitar ou rejeitar um Governo minoritário de direita sem ele...

Um pouco mais de jornalismo, sff (26): Objetividade, precisa-se


Porque é que, ao contrário dos demais jornais, o Diário de Notícias de hoje não dá nenhum relevo na 1ª página à relevantíssima decisão do juiz de instrução de ontem sobre o afastamento da suspeição de corrupção e a manutenção em liberdade de todos os suspeitos, limitando-se o jornal a uma breve notícia no fundo da p. 5, cujo título refere somente a liberdade dos suspeitos, mas não a denegação da suspeita de corrupção, que ainda é mais importante.

Depois de durante dias ter veiculado as teses do Ministério Público, o mínimo que se exigia era que o jornal desse o devido relevo a uma decisão judicial que as não valida em parte substancial e que pode ter alterado de alto a baixo o curso deste processo. Num jornalismo responsável, opções editoriais destas carecem de explicação pública

Um jornal de referência como o DN não pode, implicitamente, tomar partido pelo abuso de poder numa matéria destas.

Adenda
No limitado léxico jornalístico corrente entre nós, qualquer contestação de propostas ou ideias alheias é definido como "arraso" ou "arrasador". Porque é que, no caso desta devastadora decisão judicial, ninguém, que eu tenha notado, disse que ela "arrasou" o despacho do Ministério Público - termo que teria aqui toda a propriedade? A resposta é simples: porque o juiz de instrução não arrasa somente a "inventona" do MP, mas também o seguidismo acrítico e cúmplice da imprensa (com raras exceções), mesmo quando eram evidentes desde o início as suas inconsistências...

Adenda 2 (15/11)
Como diz o insuspeito José Miguel Júdice, o «despacho do MP não tem pés nem cabeça», o que caracteriza bem a sua inconsistência. Mas isso era evidente desde o início, como AQUI logo se assinalou. Para além da oportunista oposição, só não quis dar-se conta disso a generalidade da imprensa, que preferiu cavalgar a "inventona" para vender papel, tempo de antena e publicidade. Não é somente o MP e a PGR que saem desacreditados deste processo...

Eleições parlamentares 2024 (2): Maus augúrios

Se esta sondagem escondida algures no Observador de hoje antecipasse de algum modo os resultados eleitorais - o que seria temerário admitir a esta distância -, nem com a crise e o PS virado para dentro o PSD consegue liderar as intenções de voto. Como é de recear, os partidos mais beneficiados pela crise são os partidos dos extremos, o Chega e o BE. 

Restam obviamente quatro meses, em que as perceções dos eleitores podem mudar consideravelmente. Mas com um universo parlamentar deste tipo, como seria possível governar o País?

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Ai, Portugal (12): O golpe de Estado

Depois desta primeira decisão judicial sobre o processo "Influencer", nenhum arguido fica detido e nenhum fica acusado de corrupção, o terrível crime que tanto jornalistas e comentadores sem escrúpulos como a imprensa de referência (como notei AQUI) brandiram durante estes dias contra o Governo e o PS.

A "inventona" judiciária - como a qualifiquei AQUI - malevolamente construída pelo Ministério Público começa a desmoronar-se, mas o golpe de Estado que ela consubstanciava foi muito bem sucedido, acrescentando à demissão do Primeiro-Ministro e do Governo a interrupção da legislatura e a convocação de novas eleições ("cortesia" do PR), sem esperar por nenhuma avaliação judicial da solidez da construção imaginária do MP.

No entanto, depois deste primeiro indício de esvaziamento da acusação, que sentido faz manter em suspenso a outra peça do golpe de Estado ainda em curso, que é abertura de inquérito penal ao Primeiro-Ministro, quando o seu objetivo (a demissão) já foi conseguido? Ainda resta à Procuradora-Geral da República uma reserva de brio e dignidade institucional suficiente para pôr fim a esta baixa provocação, retirando a queixa?

Adenda
Um leitor argumenta que, mesmo que o processo venha a dar em nada, por falta de matéria penal, «o problema é que os do MP conseguiram demitir o Primeiro-Ministro e abrir um crise política de enormes dimensões e não vão pagar por isso». Sim, é esse problema: o MP não pode continuar a ter o poder de, através de pseudoindícios criminais, sem controlo judicial prévio, fazer demitir governos e lançar o País numa enorme crise política, e depois os responsáveis, incluindo o Procurador-Geral, não serem chamados a responder pelos devastadores danos causados pela sua leviandade ou má-fé. Ao contrário dos juízes, o MP é um magistratura responsável, quer quanto ao PGR (responsabilidade político-institucional), quer quanto aos magistrados (responsabilidade disciplinar, civil e penal). Algo vai ter de mudar no estatuto e na conduta do Ministério Público

Adenda 2
Outro leitor observa que se mantém a suspeita relativa ao crime de tráfico de influência. Certo, mas não vejo como é que se pode transformar em tráfico de influências (supostamente promovido pela empresa, por intermédio de Lacerda Machado) uma típica operação de lobbying empresarial junto dos decisores políticos, que não tem nada de ilícito, e que normalmente é efetuada ou assistida por profissionais, próprios ou contratados ad hoc (bem remunerados). Por isso, a viabilidade de essa tentativa de prestidigitação conceptual vingar parece-me nula, desde logo em sede de acusação, e ainda menos em sede de julgamento, se lá chegar. Se se frustrar, como é de esperar, então esta pseudoinvestigação do MP fica reduzida ao que foi desde o início - uma "golpada" mal urdida (mas, ai de nós!, bem conseguida) contra o Governo em funções, à margem das instituições democráticas.

Adenda 3 (14/11)
No Podcast do Público de hoje, a questão e a de saber se «a credibilidade da justiça fica em causa com a libertação dos arguidos». A resposta, porém, é óbvia: pelo contrário, a credibilidade da justiça - que é missão dos tribunais - sai reforçada. Quem sai descredibilizado - por culpa própria - é o Ministério Público, que nesta operação desserviu a justiça.