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sábado, 2 de dezembro de 2023

Gostaria de ter escrito isto (32): O "justicialismo antidemocrático"

Saúdo vivamente este artigo de J. Pacheco Pereira no Público de hoje, com o qual concordo inteiramente, desde logo porque ele empresta a voz de um colunista consagrado e respeitado à luta contra o irresponsável e impune legal warfare do Ministério Público contra a "classe política" - transformando a investigação penal em arma de perseguição política -, que venho denunciando há muito, praticamente sozinho na área socialista (por último, AQUI e AQUI), e para o qual já apresentei propostas concretas (por exemplo, AQUI).

O processo Influencer, em que o MP se ultrapassou a si mesmo no manifesto abuso de poder arbitrário, configurando um verdadeiro golpe de Estado (como mostrei AQUI), não pode deixar de ter uma resposta das instituições em defesa da democracia. Julgo que um dos temas prioritários que deve figurar nos necessários "acordos de regime" entre os dois "partidos de governo" nacionais para reforçar o regime democrático deve ser justamente o de extirpar este cancro institucional que há muito corrói os princípios da separação de poderes e da responsabilidade política, inerentes ao Estado de direito democrático.

Adenda
Um leitor objeta que o princípio da separação de poderes «não permite interferências do poder político no poder judicial». Tem razão, mas isso em nada prejudica a minha crítica ao MP. Por um lado, como já aqui expliquei, o poder judicial pertence aos juízes (independentes, imparciais e irresponsáveis) e não ao Ministério Público, instituição judiciária auxiliar, de natureza hierarquizada, que nos julgamentos é parte interessada; a pretensa equipação dos magistrados do MP aos magistrados judiciais, que o sindicato daqueles conseguiu impor, é pura e simplesmente inaceitável. Por outro lado, as minhas propostas não preveem nenhuma interferência governamental no PM, limitando-se a fazer valer a regra constitucional da hierarquia e da responsabilidade interna e o princípio constitucional da prestação de contas externa do PGR pela cumprimento da sua missão constitucional e legal, como é próprio de um Estado de direito democrático.

Adenda 2
Outro leitor argumenta que o MP tem o dever de investigar todos os casos suspeitos, «sem nenhum privilégio para os políticos». Mas não é bem assim. Primeiro, o MP não deve iniciar nenhuma investigação que inclua meios intrusivos (escutas, buscas, etc.) sem um juízo prévio, superiormente aprovado, sobre se a denúncia tem alguma viabilidade; segundo, quando se trate de meios intrusivos na privacidade ou na liberdade dos suspeitos, eles estão obviamente sujeitos aos princípios constitucionais da necessidade e da proporcionalidade enunciados no art. 18º da CRP; terceiro, o MP não pode permitir-se, violando o segredo de justiça, pôr nos media amigos notícia das investigações contra políticos, dado o prejuízo imediato, e nunca reversível, do habitual julgamento público para o seu bom nome e reputação pessoal e político e para a confiança dos cidadãos na política. Ou seja, os políticos não devem ter privilégios, mas não podem ser especialmente lesados nos seus direitos constitucionais pelo populismo judiciário antipolíticos prevalecente no MP.

Adenda 3
Um leitor remeteu-me esta lista de políticos socialistas em exercício de cargos públicos que nos últimos anos foram vítimas de investigação penal que veio a ser arquivada ou de acusação, de que vieram a ser judicialmente absolvidos.
O problema é que nem o arquivamento da investigação nem a absolvição da acusação os indemniza da grave lesão da sua honorabilidade pessoal e política durante meses ou anos, por efeito da incompetência, leviandade ou pura má-fé do MP. Esta lista, a que haverá que juntar as vítimas de outros partidos (designadamente do PSD), revela uma intolerável afronta à justiça em Portugal por parte de uma instituição judiciária "em roda livre", à margem de qualquer prestação de contas democrática.

Adenda 4
O ministro João Galamba esteve sob escuta durante quatro anos, ou seja, quatro anos de toda a vida de uma pessoa sob devassa, para no fim o MP conseguir inventar um fútil crime de vantagem indevida, à conta de alguns jantares com lobbyistas! Se isto não é abuso de poder e perseguição política do MP, digam o que é..

sábado, 5 de novembro de 2016

Separação de poderes

Há muito que defendo que os juízes não podem assumir funções políticas sem abandonarem (e não somente suspenderam) a condição de juízes. Separação de poderes oblige. Pela mesma razão, entendo que os titulares de cargos políticos não devem assumir nem tomar posse de funções judiciais sem abandonarem as funções políticas que desempenham. A meu ver, não se pode estar simultaneamente na esfera política e na esfera judicial.
Mesmo que não se compartilhe esta visão extremada da separação de poderes, seria conveniente evitar confusões. Por precaução.

Adenda
Não tem razão o leitor que me acusa de em 1982 ter passado diretamente da AR para o Tribunal Constitucional. Já não era deputado e tinha regressado à Universidade, quando fui convidado.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Separação de poderes

Considera-se, e bem, que os titulares do poder político não devem pronunciar-se sobre o mérito das decisões judiciais, nem muito menos criticá-las. Podem, quando muito, lamentá-las ou saudá-las, mas não lhes assiste o direito de as contestar, antes só o dever de as respeitar e acatar.
Reciprocamente, deveria esperar-se dos juízes que se abstivessem também de contestar publicamente as opções político-legislativas do poder político, o que infelizmente tem estado longe de suceder entre nós nos últimos tempos, incluindo intervenções no debate político de projectos legislativos, como por exemplo a lei do divórcio ou a lei das armas, que nada têm a ver com o seu estatuto profissional nem com a organização dos tribunais (onde essa participação pode ser justificada).
Ora, a separação de poderes não é de sentido único. A competência para tomar opções político-legislativas, bem como a responsabilidade por elas, pertence ao poder legislativo e ao poder executivo, democraticamente legitimados para o efeito. Sempre que os magistrados judiciais entram no debate político, politizam a justiça.
É talvez chegada a altura de o órgão constitucional de governo e de disciplina dos juízes -- o Conselho Superior da Magistratura -- tomar alguma posição sobre o assunto.

sexta-feira, 17 de março de 2023

Antologia do nonsense (25): Acabar com a política de justiça?!

1. Parece-me francamente disparatada este proposta da SEDES, uma organização que se julgava imune a radicalismos políticos ou doutrinários, de extinção do ministério da Justiça, em alegada homenagem à separação de poderes.

Não faz nenhum sentido. Primeiro, a separação entre o poder executivo e poder judicial não é posta em causa pela existência do MdJ, havendo uma óbvia separação entre, por um lado, a atividade judicial e a gestão judicial, que constitucionalmente cabem exclusivamente aos tribunais e respetivos conselhos, e, por outro lado, a política da Justiça (cobertura judicial do território, equipamentos e pessoal, política criminal, custas judiciais, assistência judiciária, tutela das ordens profisssionais do setor, etc.), que cabe Governo, e pela qual ele responde politicamente perante a AR. Segundo, como mostra a lei orgânica do Governo, as competências do MdJ vão muito além da esfera dos tribunais e dos juízes (prisões, registos e notariado, Polícia Judiciária, reinserção social, etc.), sem esquecer a participação nacional na "formação" JAI do Conselho da UE. 

Em suma, uma proposta manifestamente irrefletida.

2. O que, pelo contrário, seria uma enorme violação da separação de poderes (desde logo entre o público e o privado) e da independência judicial (incluindo entre a judicatura e o Ministério Público) seria entregar a definição e execução da política de justiça, como propõe a SEDES, a um todo-poderoso "Conselho Superior Judiciário" centralizado, com representação conjunta de juízes, Ministério Público, advogados e oficiais de justiça... Só falta a Polícia Judiciária!

Uma verdadeira e despropositada salsada institucional.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Praça da República (83): Contra os juízes-ministros


1.
A imagem acima constitui um excerto da entrevista do Presidente do STJ, Consº Cura Mariano, na última edição do semanário Expresso. Como já tive ocasião de dizer diretamente ao autor, por quem nutro uma elevada consideração pessoal e profissional, discordo em absoluto do exercício de cargos governativos por juízes, como sucede lamentavelmente no atual Governo, contradizendo descaradamente um compromisso eleitoral.

De facto, tenho por evidente que se trata de uma solução que afronta dois pilares incontornáveis do Estado de direito constitucional desenhado na CRP, a saber: (i) a separação de poderes entre o poder judicial (e os seus titulares, os tribunais) e poder político (e os seus titulares, PR, AR e Governo) e (ii) a independência política dos juízes, que só aquela garante. É a posição que venho denfendendo desde sempre, quer no meu ensino de Direito Constitucional, quer em declarações públicas ocasionais (por exemplo, AQUI e AQUI).

Ou seja, no meu entender - e também era esse o entendimento do anterior presidente do STJ... -, os juízes que queiram enveredar pelo exercício de cargos políticos, nomeadamente ser ministro, devem abandonar previamente a carreira judicial. Ser ministro, mantendo o estatuto de juiz, é uma contradição nos termos.

2. Não ignoro que mercê de uma recente alteração no Estatuto dos magistrados judiciais (promulgada pelo PR sem fiscalização prévia de constitucionalidade), essa acumulação é legalmente permitida. Mas ser permitida não quer dizer que seja recomendável, e não é preciso ser constitucionalista para saber que as leis não prevalecem sobre a Constituição, pelo contrário.

De resto, tal solução contrasta manifestamente sobre outras disposições legais que, em conformidade com os referidos princípios constitucionais, vedam o exercício de cargos políticos e outras atividades políticas aos juízes, nomeamente a incapacidade de candidatura à AR e a quaisquer órgãos políticos eletivos e a proibição de atividades partidárias de caráter público. Ora, se não podem ser deputados nem ter atividade partidária, como é que se entende que possam ser ministros ou secretários de Estado de governos de natureza indesmentivelmente partidária, que executam o programe eleitoral do(s) partido(s) governante(s) e que respondem pessoalmente na AR perante os partidos de oposição?
Trata-se de uma contradição legislativa demasiado grosseira - e a culpa não está nas leis que fazem valer a independência política dos juízes, mas sim naquela que a subverte.

Adenda
Um leitor pergunta se a doutrina deste meu post também se aplica aos juízes do Tribunal Constitucional. Obviamente que sim: também não podem exercer atividades políticas durante o seu mandato nem aceitar cargos políticos sem renunciarem ao mandato (como, aliás, já ocorreu). A única diferença está em que eles têm um mandato de 9 anos (não renovável), enquanto os magistrados judiciais têm uma carreira (salvo as quotas de entrada externa no STJ), a qual só termina com a aposentação, a não ser que saiam antes, por vontade própria ou por sanção disciplinar. E se os juízes do TC podem exercer atividades e cargos políticos antes e depois do seu mandato, como qualquer outro cidadão, o mesmo sucede com os demais juízes, quer antes de iniciarem a carreira (desde logo, nas lutas estudantis e nas juventudes partidárias), quer depois de a terminarem, seja antecipadamente, seja depois da aposentação (salvo se optarem pela jubilação. A ideia de que os juízes do TC gozam de algum privilégio neste ponto não tem nenhum fundamento.

domingo, 31 de março de 2024

Não concordo (46): Dois erros na formação do Governo

1. Além da problemática nomeação de uma advogada para a pasta da Justiça nas atuais circunstâncias, como referi anteriormente, há mais dois aspetos em que discordo na composição do novo Governo.

O primeiro é a nomeação da Juíza-Conselheira Margarida Blasco para ministra da Administração Interna (ou qualquer outra pasta), porque, desde sempre (por exemplo, AQUI), considero que a nomeação de magistrados judiciais para cargos políticos sem prévio abandono da carreira judicial viola flagrantemente o princípio da separação de poderes e a independência partidária da magistratura (e não estou sozinho neste ponto). Apesar de já jubilada, tal estatuto (a que voltará depois de deixar o Governo) não representa abandono da carreira judicial, mantendo-se vinculada às incompatibilidades próprias da magistratura.

A meu ver, a "porta giratória" entre cargos judiciais e cargos políticos não é compatível com o princípio do Estado de direito.

2. O segundo aspeto negativo é o regresso dos assuntos europeus ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Como defendi anteriormente AQUI, o pelouro dos assuntos europeus - que compreende essencialmente a representação do Governo na formação de "assuntos gerais" do Conselho da União, e a articulação da representação ministerial nacional nas nove restantes formações especializadas do Conselho - tem a ver sobretudo com políticas internas, desde a economia ao ambiente, pelo que deveria continuar sob responsabilidade de um secretário de Estado, na presidência do Conselho de Ministros, ou seja, sob a égide e autoridade superior do Primeiro-Ministro, tal como no Governo cessante.

Além de injustificada, até porque o MNE sempre teria direito a integrar o conselho de ministros da política externa da UE, esta solução constitui, a meu ver, um retrocesso prejudicial à coordenação das políticas da UE com as correspondentes políticas internas, que são competência dos demais ministros sectoriais, e que deveria continuar sob responsabilidade do PM, e não de um ministro sectorial, como o MNE.

Adenda
Um leitor, que sabe do que fala, comenta que se trata de «um claro retrocesso na visão do papel que os Assuntos Europeus têm / devem ter na governação» e que «o relevo dos MNE na política europeia é muito diminuto (salvo a PESC), sendo a política europeia um tema dos chefes do Governo e uma tarefa essencialmente de coordenação ministerial». Inteiramente de acordo.

Adenda 2
Outro leitor objeta que «Montenegro não podia desperdiçar o profundo conhecimento de Paulo Rangel sobre a UE». Eu não contesto obviamente a entrega dos assuntos europeus a Rangel; o que entendo é que, então, devia nomeá-lo Ministros dos Assuntos Europeus adjunto do PM, fazendo um upgrade político desse pelouro governativo essencial e respeitando a sua natureza transversal, em vez de o degradar como secretaria de Estado do MNE, que é um ministério sectorial e que, além disso, tem pouco a ver com a UE. Decididamente, a UE não é uma questão de política externa.

quinta-feira, 21 de abril de 2022

Praça da República (66): Juízes fora da política, pois claro!

1. Não podia concordar mais com a posição ontem defendida pelo Presidente do STJ na inauguração tardia do ano judicial, segundo a qual os juízes que optam pelo desempenho de cargos políticos devem deixar a magistratura

Além de defender há muito essa posição (por exemplo, AQUI), entendo que ela decorre da própria Constituição, nomeadamente dos princípios da separação de poderes e da independência dos juízes (que postula a sua independência e isenção política, obviamente inquinadas pela assunção de responsabilidades políticas)

2. Concordo também com outras posições defendidas pelo orador, designadamente quanto ao espalhafato populista da cobertura jornalística das decisões judiciais (porém, facilitado por algumas infelizes decisões judiciais e pela deficiente comunicação judicial) e quanto às reformas legislativas apressadas sob pressão de casos individuais mediaticamente explorados.

No entanto, é de sublinhar sobretudo a denúncia da miserável impunidade do crime de violação do segredo de justiça, e o consequente julgamento definitivo dos visados na praça pública, antes sequer de qualquer acusação judicial. Apesar de se tratar da proteção penal de um direito protegido constitucionalmente, o próprio Ministério Público decidiu expurgá-lo de facto do Código Penal, com aplauso da imprensa e da televisão tablóide, como tenho denunciado ao longo dos anos (por exemplo, AQUI e AQUI).

Eis uma das maiores falhas do Estado de direito entre nós, com a complacência de sucessivos governos e parlamentos.

Adenda
Por esta altura não faltam propostas de reforma de justiça a esmo, incluindo algumas bem bizarras, como a eleição do PGR pelos próprios agentes do Ministério Público, como se aquele fosse um representante destes e como se uma estrutura hierarquizada pudesse ser chefiada em modo de autogoverno. Nem o sindicato da classe ousaria ir tão longe!

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Privilégios (11): Como é que situações destas persistem?!

1. No domingo passado, o diário Público fazia manchete com a notícia de que há juízes do STJ que passam tão fugazmente pelo lugar, requerendo logo a jubilação, que não chegam a ocupar-se de um único processo

A razão disso está obviamente no facto extraordinário de eles terem direito a uma pensão de valor superior à sua já elevada remuneração (acima da do primeiro-ministro!), pois, além de a pensão ter o mesmo valor daquela, eles deixam de descontar os 11% para a segurança social! 

Assim sendo, ao contrário do que sucede noutras carreiars públicas, por exemplo no ensino superior, em que os profissionais tendem a manter-se no ativo, por vezes até aos 70 anos (idade da aposentação obrigatória), para adiarem a importante redução de rendimento que a aposentação traz, os magistrados judiciais têm, ao invés, um incentivo para saírem logo que possível. Ganhar mais sem trabalhar, é irresistível.

Daí a elevada rotação na composição do STJ e nos demais tribunais superiores, com a inerente perda de produtividade, mercê de juízes que não chegam a "aquecer o lugar".

2. O que é extraordinário é não haver nenhum debate, nem no campo político nem na sociedade civil, sobre este injustificado privilégio, apesar de ele se tornar cada vez mais insustentavel, à medida que o valor das pensões do regime geral se vai distanciando das correspondentes remunerações à saída, quer pela degradação da "taxa de substituição", quer porque a atualização das pensões não acompanha a das remunerações.

Mas é de perguntar se, daqui a uns anos, é social e politicamente tolerável uma situação em que as pensões da generalidade dos portugueses são da ordem dos 50% do valor dos correspondentes vencimentos no ativo, enquanto uma pequena "elite da toga" continua a obter uma pensão mesmo superior à sua elevada remuneração, e beneficiando automoticamente de qualquer valorização superveniente desta.

É evidente que, ao contrário das demais, aquelas pensões nenhuma relação têm com os descontos  dos seus beneficiários para a segurança social. Nisto tudo, onde fica um mínimo de respeito pelo princípio constitucional da igualdade!?

Adenda
Um leitor argumenta que o caso mais escandaloso foi o da minha "correligionária política", a ex-ministra Francisca van Dunen, que nem chegou a ocupar o cargo, tendo acedido ao STJ e sido depois jubilada enquanto exercia funções ministeriais. Isso é verdade, mas, como assinalei na altura, o mal esteve na tomada de posse de um cargo jurisdicional sendo membro do Governo, em óbvia incompatibilidade com o princípio da separação de poderes e da independência política dos tribunais...

Adenda 2
Outro leitor observa que esse privilégio da pensão majorada e automaticamente atualizável vale para todos os juízes, e não somente para os dos tribunais superiores, e também para os agentes do Ministério Público, o que é ainda menos justificável, por estes não compartilharem nem do estatuto nem das responsabilidades dos juízes. Tem razão!

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Corporativismo (9): A Ordem fora da lei

1. Este encontro convocado pelo Ordem dos Enfermeiros com os sindicatos da profissão só pode ser o que parece - uma provocação ao Governo e à opinião pública.
De facto, a Ordem e a sua bastonária parecem não querer entender que não podem envolver-se de nenhum modo nas lutas sindicais, devendo observar a mais estrita separação e neutralidade em questões laborais. Por três razões:
   - primeiro, como organismos públicos que são, as ordens gozam de poderes públicos delegados para realizarem a sua missão pública - que é a de regular, supervisionar e disciplinar o exercício da atividade profissional, incluindo sob o aspeto deontológico - e não para defender os interesses particulares dos seus membros;
   - segundo, como dizem expressamente a Constituição e a lei-quadro das ordens profissionais, elas não podem exercer funções "de natureza sindical", o que exclui obviamente as relações de emprego e os interesses laborais, que cabem em exclusivo aos sindicatos;
   - por último, a mesma lei-quadro diz que as ordens representam o "interesse geral" da respetiva profissão, o que afasta manifestamente a defesa de interesses setoriais de grupos de profissionais (neste caso, os enfermeiros do SNS).

2. De resto, se as ordens pudessem envolver-se na defesa de reivindicações laborais (carreiras, remunerações, etc.) junto com os sindicatos, as profissões "ordenadas" gozariam de um privilégio de que as demais profissões não dispõem, ou seja, um "supersindicato" com inscrição e quotização universal e obrigatória.
Ora, numa sociedade democrática, que compreende a liberdade sindical, de filiação livre, a defesa de interesses laborais não pode caber a entidades públicas. Isso era assim no corporativismo do "Estado Novo", mas aí, para além da falta de liberdade sindical, as profissões "ordenadas" nem sequer tinham sindicatos.

3. Por isso, só peca por tardia a iniciativa do Governo de desencadear os mecanismos judiciais competentes para pôr fim a esta reiterada violação dos limites legais por parte de algumas ordens profissionais, especialmente a Ordem dos Médicos e a Ordem dos Enfermeiros.
Acresce que, se se verifica que, juntamente com a sua ação ultra vires, gastando recursos naquilo em que são incompetentes, tais ordens optam por não desempenhar as missões públicas de que foram incumbidas e que justificam a sua criação - a saber, a supervisão e disciplina da profissão -, então é de equacionar a hipótese de as extinguir, devolvendo ao Estado as tarefas que este lhes delegou, mas que não são executadas.
Quando a autorregulação delegada falha, só resta voltar à heterorregulação estadual.

Adenda
Para além das inequívocas declarações e manifestações públicas da própria bastonária, esta reportagem do Diário de Notícias de sábado (acesso condicionado) mostra até que ponto tem ido a intervenção direta da Ordem na condução da greve dos enfermeiros do SNS. Não há como negar!

quarta-feira, 8 de março de 2023

Aplauso (28): Levar a sério a independência dos juízes

Defendo desde sempre que os princípios constitucionais da separação de poderes e da independência dos juízes não consentem que os juízes desempenham cargos políticos ou equiparados. 

Por isso, embora menos drástica, considero ser de apoiar esta proposta do CSM, no sentido de só admitir essa "migração política" dos juízes mediante uma licença sem vencimento e um período de "nojo" de três anos antes de retomar funções judiciais.

Quando a Constituição se aproxima do meio século de vida, é tempo de levar a sério a independência política dos juízes, pondo fim a esse reiterado desvio constitucional, em que irresponsavelmente governos e juízes têm incorrido.

Adenda
Só me parece que a proposta deveria igualmente proibir a nomeação de titulares de cargos políticos para funções judiciais, como sucedeu há anos quando a ministra da justiça de então, que era magistrada do MP, foi nomeada e tomou posse como juíza do STJ!


quinta-feira, 24 de março de 2005

Nunca é tarde

O Reino Unido está em vias de se tornar numa democracia constitucional normal, com separação de poderes e "rule of law". Vai ser criado um supremo tribunal, pondo fim às funções judiciais supremas da Câmara dos Lordes; e o Lord Chancelor vai deixar de ser simultaneamente membro do poder judicial, do parlamento e do Governo -- uma situação insólita, ao arrepeio das regras mais elementares do Estado de Direito. Lá onde não há constituição escrita existem destas anomalias.
Paulatinamente o governo trabalhista vai modernizando o sistema constitucional britânico. Já não era sem tempo!