1. Julgar Saddam Hussein
Excluída a hipótese de reservar a Saddam Hussein o mesmo destino dado aos alegados membros taliban enterrados em Guatanamo em regime de morte civil, a alternativa só pode ser o seu julgamento pelos crimes cometidos pela ditadura (incluindo os que contaram a seu tempo com o apoio ou a conivência norte-americana) por um tribunal credível. Ora nesse caso não se encontra o tribunal penal especial congeminado recentemente pelos norte-americanos em Bagdad, que não oferece as mínimas garantias de imparcialidade e de independência. Não sendo possível considerar o TPI, desde logo porque a sua jurisdição não cobre temporalmente a ditadura iraquiana (para além do seu não reconhecimento pelos Estados Unidos), exige-se um tribunal internacionalmente acreditado, que somente as Nações Unidas podem legitimar.
2. Uma voz singular
A tomada de posição do bispo do Porto contra a criminalização e punição penal do aborto revela uma singular independência e coragem pessoal, tendo em conta o fundamentalismo tradicional da hierarquia da Igreja Católica na utilização do instrumentário repressivo do Estado para castigar a interrupção voluntária da gravidez em qualquer circunstância. Prescindir da punição penal do aborto não significa a absolvição deste sob o ponto de vista moral ou religioso, ou mesmo social. A punição penal exige um mínimo de consenso social sobre a utilização dessa forma extrema de proteger valores comunitários, não podendo ser instrumentalizada para a defesa de particulares visões religiosas.
Vital Moreira