1. Registo a publicação da coletânea da poesia de Joaquim Namorado (1914-1986), um dos expoentes do "neorrealismo" literário e artístico que, desde os anos 40, sob influência marxista, pautou a criação dos autores e artistas identificados com a luta política e social antifascista, tendo sido diretor (primeiro de facto e depois de direito) da revista Vértice, publicada em Coimbra, que foi um dos grandes veículos do movimento, nas difíceis condições da censura prévia e de perseguição política do "Estado Novo".
O combate cultural foi uma frente essencial na resistência, pública e clandestina, à ditadura.
2. Tal como muitos estudantes e jovens académicos desses anos, tive o privilégio de privar com Joaquim Namorado, especialmente nos encontros quase diários no café Tropical (à Praça da República) e nas reuniões semanais da redação da Vértice, que a seu convite integrei a partir de 1969.
Para além da suas firmes convicções políticas e ideológicas como militante comunista que era (o que lhe valera uma prisão e a interdição de ensinar) e da sua crença inabalável na emancipação humana, o que impressionava em Joaquim Namorado era vastidão do seu conhecimento da literatura e da arte, a sua coragem intelectual, a sua firmeza de caráter e a sua integridade moral.
3. Na Coimbra dos anos 60 e 70, sob a ditadura, até 1974, a minha geração, tal como outras antes e depois, deve a Joaquim Namorado (assim como a Orlando de Carvalho, um católico progressista que compartilhava essas mesmas virtudes), não somente uma sólida amizade, mas também um incentivo e um apoio que foram decisivos na nossa formação pessoal, intelectual e política. A reedição da sua poesia é um boa oportunidade para o recordar.
E nem as diferenças de opinião da altura (por exemplo, quanto à União Soviética) nem a minha posterior evolução doutrinal e política permitem obnubilar a dívida de gratidão para com personalidades como Joaquim Namorado.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
Não dá para entender (19): Deferência?
Publicado por
Vital Moreira
Não se percebe porque é que a Direção-Geral de Saúde se recusa a publicar as recomendações sanitárias relativas à Festa do Avante, que o PCP insistiu em realizar, apesar da pandemia. É evidente que se trata de um documento de interesse público, desde logo para avaliar os critérios usados pela DGS e para verificar se o PCP respeita as recomendações.
O Presidente da República fez bem em alertar para essa anomalia. O público, incluindo os visitantes da Festa, tem direito a conhecer as medidas recomendadas para minorar os riscos. Não dá para entender a deferência da DGS para com o PCP!
Adenda
Perante o clamor público, o PCP decidiu divulgar as referidas recomendações. Ainda bem!
O Presidente da República fez bem em alertar para essa anomalia. O público, incluindo os visitantes da Festa, tem direito a conhecer as medidas recomendadas para minorar os riscos. Não dá para entender a deferência da DGS para com o PCP!
Adenda
Perante o clamor público, o PCP decidiu divulgar as referidas recomendações. Ainda bem!
domingo, 30 de agosto de 2020
Puerta del Sol (6): Maus augúrios
Publicado por
Vital Moreira
Como se não bastasse a profunda crise económica e financeira provocada pela 1ª vaga da pandemia, a fragilidade política de um Governo de coligação minoritário (PSOE+Podemos) e o intratável problema catalão, a Espanha passa também por uma retoma preocupante do número de infeções, que exige novas medidas socialmente restritivas, que ameaçam ainda mais a indústria turística, tão importante no País.
Numa conjunção claramente desfavorável, parece que em Espanha não há mal que venha só.
Numa conjunção claramente desfavorável, parece que em Espanha não há mal que venha só.
segunda-feira, 24 de agosto de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (14): O dia de Fernandes Tomás
Publicado por
Vital Moreira
1. Hoje, 24 de agosto, completam-se 200 anos sobre a sublevação militar do Porto que desencadeou a Revolução Liberal, a qual pôs fim à monarquia absoluta entre nós e iniciou a moderna era constitutional, assente na soberania da Nação, na liberdade individual e na cidadania, nas eleições parlamentares e no poder político representativo, na separação dos diferentes poderes do Estado (legislativo, executivo e judicial) e na submissão do poder político à Constituição e à lei.
É uma data e uma revolução sem paralelo na história política nacional quanto à profundidade da transformação política envolvida e quanto às suas repercussões no futuro do País, até hoje. Das várias constituições nacionais nenhuma foi um antecedente tão importante da atual Constituição democrática de 1976 como a Constituição vintista de 1822. A sua própria vigência foi curta (menos de um ano), mas a sua influência sobre as constituições posteriores mais progressistas (Constituição setembrista de 1838, Constituição republicana de 1911 e Constituição de 1976) foi profunda e duradoura.
2. Para celebrar os 200 anos da Revolução Liberal nada mais pertinente do que participar na homenagem que todos anos, nesta data, a Figueira da Foz presta a Manuel Fernandes Tomás, filho da terra e protagonista maior da Revolução, seu principal mentor e doutrinador, este ano assinalada especialmente pelo lançamento de uma coletânea da obra política do homenageado, da autoria do Prof. José Luís Cardoso, um especialista da Revolução Liberal e do próprio Fernandes Tomás, sendo autor de uma biografia deste (1983), também reeditada este ano.
Cabe-me a honra de apresentar o novo livro, que ao longo das suas mais de 500 páginas, para além de um excelente estudo introdutório, colige os escritos de Fernandes Tomás como líder revolucionário, como governante, como publicista e, especialmente, como ativo e influente deputado às Cortes Constituintes.
A comemoração dos grandes eventos históricos traz sempre, pelo menos, um avanço no seu conhecimento. Na já volumosa bibliografia sobre a Revolução Liberal, esta torna-se uma obra imprescindível para compreender a dinâmica da Revolução e as opções avançadas da Constituição de 1822.
É uma data e uma revolução sem paralelo na história política nacional quanto à profundidade da transformação política envolvida e quanto às suas repercussões no futuro do País, até hoje. Das várias constituições nacionais nenhuma foi um antecedente tão importante da atual Constituição democrática de 1976 como a Constituição vintista de 1822. A sua própria vigência foi curta (menos de um ano), mas a sua influência sobre as constituições posteriores mais progressistas (Constituição setembrista de 1838, Constituição republicana de 1911 e Constituição de 1976) foi profunda e duradoura.
2. Para celebrar os 200 anos da Revolução Liberal nada mais pertinente do que participar na homenagem que todos anos, nesta data, a Figueira da Foz presta a Manuel Fernandes Tomás, filho da terra e protagonista maior da Revolução, seu principal mentor e doutrinador, este ano assinalada especialmente pelo lançamento de uma coletânea da obra política do homenageado, da autoria do Prof. José Luís Cardoso, um especialista da Revolução Liberal e do próprio Fernandes Tomás, sendo autor de uma biografia deste (1983), também reeditada este ano.
Cabe-me a honra de apresentar o novo livro, que ao longo das suas mais de 500 páginas, para além de um excelente estudo introdutório, colige os escritos de Fernandes Tomás como líder revolucionário, como governante, como publicista e, especialmente, como ativo e influente deputado às Cortes Constituintes.
A comemoração dos grandes eventos históricos traz sempre, pelo menos, um avanço no seu conhecimento. Na já volumosa bibliografia sobre a Revolução Liberal, esta torna-se uma obra imprescindível para compreender a dinâmica da Revolução e as opções avançadas da Constituição de 1822.
sexta-feira, 21 de agosto de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (14): A crucial adesão de Coimbra
Publicado por
Vital Moreira
1. A poucos dias dos 200 anos da sublevação do Porto que iniciou a Revolução Liberal (24 de agosto de 1820), eis que acaba de ser publicado na revista História do Jornal de Notícias (nº 27, agosto de 2020) mais um estudo da minha coautoria com o Prof. José Domingues, desta vez sobre o papel de Coimbra no triunfo da Revolução, tema até agora relativamente pouco estudado.
Dada a sua posição geográfica e a sua importância académica e militar na época, Coimbra tornou-se um objetivo estratégico tanto para a Junta revolucionária do Porto, como condição de controlo do centro do País e etapa para a conquista do poder em Lisboa, como para a Regência de Lisboa, como meio de confinamento da revolução a Norte.
2. A disputa por Coimbra foi breve e saldou-se pela decidida adesão da cidade à causa revolucionária, com amplo apoio das instituições (câmara municipal, Universidade, Casa dos 24), das "forças vivas" e da população, sendo de sublinhar o papel ativo do presidente do município e do bispo e reitor da Universidade.
Foi em Coimbra que a Junta, entretanto deslocada do Porto, rechaçou a tentativa falsamente conciliatória da Regência de Lisboa para desativar a Revolução e recebeu logo depois a boa nova da sublevação lisboeta de 15 de setembro, abrindo o caminho ao triunfo da Revolução, com a entrada triunfal em Lisboa, em 1 de outubro.
Por tudo isto, a "conquista" de Coimbra para a causa liberal constituiu um passo decisivo para o seu triunfo. O manifesto de gratidão da Junta à população de Coimbra, de 17 de setembro, assinala esse episódio memorável da história política da cidade.
Dada a sua posição geográfica e a sua importância académica e militar na época, Coimbra tornou-se um objetivo estratégico tanto para a Junta revolucionária do Porto, como condição de controlo do centro do País e etapa para a conquista do poder em Lisboa, como para a Regência de Lisboa, como meio de confinamento da revolução a Norte.
2. A disputa por Coimbra foi breve e saldou-se pela decidida adesão da cidade à causa revolucionária, com amplo apoio das instituições (câmara municipal, Universidade, Casa dos 24), das "forças vivas" e da população, sendo de sublinhar o papel ativo do presidente do município e do bispo e reitor da Universidade.
Foi em Coimbra que a Junta, entretanto deslocada do Porto, rechaçou a tentativa falsamente conciliatória da Regência de Lisboa para desativar a Revolução e recebeu logo depois a boa nova da sublevação lisboeta de 15 de setembro, abrindo o caminho ao triunfo da Revolução, com a entrada triunfal em Lisboa, em 1 de outubro.
Por tudo isto, a "conquista" de Coimbra para a causa liberal constituiu um passo decisivo para o seu triunfo. O manifesto de gratidão da Junta à população de Coimbra, de 17 de setembro, assinala esse episódio memorável da história política da cidade.
quinta-feira, 20 de agosto de 2020
Praça da República (35): O hipercorporativismo da Justiça
Publicado por
Vital Moreira
1. Nesta passagem do seu artigo hoje no Público, o advogado João Correia (antigo secretário de Estado da Justiça) põe o dedo na ferida de uma das principais disfunções do nosso sistema político:
2. Um coisa é a presença necessariamente minoritária de representantes do Parlamento nesses órgãos de cogoverno das magistraturas, outra é a prestação de contas institucional. O caso é ainda mais estranho no caso do Ministério Público, que constitucionalmente tem a obrigação de colaborar na execução da política criminal definida pela AR, que a PGR deveria ser chamada a dar conta da execução desse mandato.
Num Estado de direito democrático, nenhum poder, por mais independente que seja, pode estar imune à prestação de contas pública sobre a sua gestão.
«É consabida a hiper-independência dos Tribunais e seus atores face à Assembleia da República (onde reside o núcleo central da Democracia) e ninguém conhece qualquer momento de responsabilização dos agentes da justiça e seus Governos face ao Parlamento.»De facto, se a função judicial é constitucionalmente independente, nada justifica a ausência de prestação de contas dos órgãos de gestão dos corpos judiciários, ou seja, o CSM e a PGR, nomeadamente um relatório anual ao Parlamento e apresentação dos responsáveis perante a comissão parlamentar competente.
2. Um coisa é a presença necessariamente minoritária de representantes do Parlamento nesses órgãos de cogoverno das magistraturas, outra é a prestação de contas institucional. O caso é ainda mais estranho no caso do Ministério Público, que constitucionalmente tem a obrigação de colaborar na execução da política criminal definida pela AR, que a PGR deveria ser chamada a dar conta da execução desse mandato.
Num Estado de direito democrático, nenhum poder, por mais independente que seja, pode estar imune à prestação de contas pública sobre a sua gestão.
terça-feira, 18 de agosto de 2020
No bicentenário da Revolução Liberal (13): Desvalorização descabida
Publicado por
Vital Moreira
1. Nesta entrevista de M. Fátima Bonifácio ao Público sobre a Revolução Liberal (surpreendente escolha de uma inimiga do vintismo para abrir a publicação de uma série de textos sobre a Revolução... ), a historiadora defende a estrambótica e sectária tese de que a Revolução de 1820 não existiu, não tendo passado de um pronunciamento de consequências efémeras.
Ora, além de ter sido uma verdadeira e própria revolução - como movimento de ataque ao poder e ao regime político vigente, visando a implantação de novas instituições -, 1820-22 representou porventura a mais profunda e decisiva rutura política na história nacional, não somente pela substituição da monarquia absoluta por um Estado constitucional assente na soberania nacional, no poder politico representativo, na liberdade e na cidadania, na separação de poderes e na limitação do poder do Estado, mas também pelos seu legado duradouro na história político-constitucional nacional, até à Constituição de 1976.
2. Também não me parece de todo injustificado referir um "aparente alheamento da academia e das instituições políticas” em relação às comemorações do bicentenário. Pelo contrário.
Só a pandemia impediu a realização em tempo de vários colóquios universitários programados para este ano (do meu conhecimento: 3 no Porto, 1 Coimbra e outro em Lisboa), alguns de âmbito internacional. Há também a contar com os livros anunciados, 2 já publicados e vários outros em vias de o serem.
Quanto às instituições políticas, parece-me injusto ignorar pelo menos o notável programa comemorativo do município do Porto, apesar de a pandemia ter obrigado à sua recalendarização quase integral.
De resto, vergonha seria deixar passar despercebido o bicentenário do início do Portugal moderno. Afinal, todos somos herdeiros da Revolução de 1820.
Ora, além de ter sido uma verdadeira e própria revolução - como movimento de ataque ao poder e ao regime político vigente, visando a implantação de novas instituições -, 1820-22 representou porventura a mais profunda e decisiva rutura política na história nacional, não somente pela substituição da monarquia absoluta por um Estado constitucional assente na soberania nacional, no poder politico representativo, na liberdade e na cidadania, na separação de poderes e na limitação do poder do Estado, mas também pelos seu legado duradouro na história político-constitucional nacional, até à Constituição de 1976.
2. Também não me parece de todo injustificado referir um "aparente alheamento da academia e das instituições políticas” em relação às comemorações do bicentenário. Pelo contrário.
Só a pandemia impediu a realização em tempo de vários colóquios universitários programados para este ano (do meu conhecimento: 3 no Porto, 1 Coimbra e outro em Lisboa), alguns de âmbito internacional. Há também a contar com os livros anunciados, 2 já publicados e vários outros em vias de o serem.
Quanto às instituições políticas, parece-me injusto ignorar pelo menos o notável programa comemorativo do município do Porto, apesar de a pandemia ter obrigado à sua recalendarização quase integral.
De resto, vergonha seria deixar passar despercebido o bicentenário do início do Portugal moderno. Afinal, todos somos herdeiros da Revolução de 1820.
Subscrever:
Mensagens (Atom)