domingo, 28 de janeiro de 2018

Discordo (4) - Contra a reabertura do mapa das freguesias

A extemporânea reabertura do processo de reordenamento territorial das freguesias, efetuado pelo Governo do PSD/CDS em execução de uma imposição do programa de assistência financeira (que, aliás, se referia às autarquias em geral e não somente às freguesias....), só pode resultar na pressão de toda a gente, incluindo dentro do PS, para a reversão integral da reforma e a reconstituição de todas as freguesias extintas, o que é um grave erro. Vai sobrar a algazarra populista à custa da racionalidade técnica, financeira... e política.
Quando uma das propostas de descentralização territorial é o reforço das competências das freguesias, não se compreende a reconstituição de freguesias sem população suficiente e sem a massa crítica necessária para cumprir essas competências. Face ao despovoamento de grandes áreas do país - quer do país rural, quer dos centros da cidades -, não faz sentido voltar à fragmentação das freguesias. Em vez de reverter a reforma efetuada - quando ela funciona sem grandes problemas, como mostraram as eleições autárquicas -, melhor seria apostar na desconcentração dos serviços das freguesias, de modo a cobrir adequadamente todo o seu território. 
É ilusório pensar que há soluções ótimas para as questões de ordenamento territorial das autarquias locais. Nesta questão da geografia das freguesias era importante seguir a prudência observada na pequena emenda da reordenação judicial. Mas dificilmente a demagogia política vai permitir tal contenção.

Irreversível o declínio da social-democracia?


1. Os números do quadro acima - retirado daqui - não enganam: é evidente o declínio eleitoral dos partidos social-democratas europeus nas últimas duas décadas, traduzido em pesadas perdas nas eleições parlamentares desde 2000 em muitos países, algumas delas devastadoras (Grécia, França), com apenas duas exceções (Bulgária  e Noruega). E em vários países do Leste europeu, a social-democracia praticamente não existe
Perdendo apoio eleitoral e representação parlamentar a social-democracia perde naturalmente poder governamental. Há vinte anos, os governos socialistas detinham a maioria no Conselho da União Europeia; hoje estão em reduzida  minoria. As próximas eleições italianas podem trazer mais uma perda.
As perdas eleitorais dos partidos social-democratas têm beneficiado não somente os partidos à sua esquerda mas também os partidos populistas, incluindo a direita nacionalista.

2. Entre as razões geralmente apontadas - na já vasta literatura sobre o declínio da social-democracia - contam-se a recomposição económica social no países europeus, com redução acentuada do trabalho manual e da filiação sindical, base social tradicional dos principais partidos social-democratas, e a incapacidade da social-democracia tradicional para captar o apoio das novas classes médias (profissionais liberais, quadros médios e técnicos, etc.).
Há talvez outro fator não menos importante. A social-democracia cresceu politicamente na fase da luta pela edificação do Estado social na Europa (direitos dos trabalhadores e direitos sociais gerais, nomeadamente o direito à saúde, à educação, e a segurança e proteção social), de que foi protagonista. Hoje o Estado social está na defensiva, sob o desafio da sua sustentabilidade financeira. Por isso, os partidos social-democratas, quando no Governo, são levados a restringir os níveis de satisfação dos direitos sociais, contrariando a sua herança política e ideológica, o que provoca o afastamento do seu eleitorado tradicional, cativado pelo ativismo protestatário das esquerdas alternativas ou pelas ilusões salvíficas das forças populistas.
Não admira que algumas da maiores perdas foram registadas pelos partidos social-democratas que tiveram de gerir programas de austeridade ou de contenção financeira a seguir à crise da dívida pública de 2009 (Grécia, Espanha, Irlanda), como aqui se assinalou, ou que levaram a cabo reformas a favor da flexibilidade laboral e da competitividade económica (caso da Alemanha).

3. Vítima da recomposição social e da crise do Estado social, a social-democracia tarda em adaptar o seu discurso e prática política a um nova configuração social (pluriclassismo e mobilidade social) e a novas agendas políticas socialmente transversais, onde sofre a competição de outras forças políticas (ambiente e mudanças climáticas, segurança alimentar, igualdade de género, mobilidade e qualidade de vida urbana, imigração e multiculturalismo, globalização e sua regulação, etc.).
Vivemos durante muitas décadas no pressuposto de que a social-democracia era a alternativa de governo natural à direita. Hoje, porém, em muitos países, a social-democracia está inexoravelmente afastada da luta pelo poder e da governação. Ponto é saber se esse declínio é reversível...

Adenda
A posição do PS português é relativamente singular. Embora também tenha reduzido o seu score eleitoral no período assinalado, o PS foi poupado à ordália política de ter de gerir o programa de assistência financeira externa que o seu próprio Governo negociou em 2011 (cortesia da coligação entre a direita e a extrema-esquerda que o afastou do poder pouco antes...), tendo depois voltado ao governo em 2015 já com o programa de austeridade orçamental concluído e com a retoma económica iniciada e o desemprego a diminuir, apoiada no dinamismo da economia da União e em especial dos nosso principais parceiros comerciais. Eis uma conjunção astral favorável de que nenhum outro partido da família socialista beneficiou.

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

Observatório do comércio internacional (3): Protecionismo à moda da Trump

1. Em vias de se transformar no campeão do protecionismo comercial entre as economias desenvolvidas, Trump anunciou "medidas de salvaguarda comercial" contra a importação de painéis solares e de máquinas de lavar roupa, o que vai prejudicar sobretudo as exportações chinesas e coreanas, respetivamente, mas atinge também todos os demais países exportadores desses produtos, que ficam sujeitos a uma tarifa suplementar na sua importação para os Estados Unidos.
Embora esta medida de proteção de emergência das indústrias nacionais esteja prevista nas regras da OMC, a verdade é que a sua aplicação está sujeita a requisitos muito exigentes, o que as torna excecionais.

2. Com esta iniciativa, os Estados Unidos passam a ser a único país desenvolvido a pôr em vigor "medidas de salvaguarda". De facto, dos 18 países que as têm em vigor (apenas 10% dos membros da OMC), nenhum integra o grupo das economias desenvolvidas, como mostra o quadro abaixo (retirado daqui). Agora passam a ter a surpreendente companhia da segunda maior economia mundial, até há pouco líder do comércio livre.
Como era de esperar, esta iniciativa protecionista suscitou uma ampla crítica, mesmo nos Estados Unidos.  E a Coreia já anunciou que vai contestar essa medida na OMC, não devendo ficar sozinha. Mais um argumento para a guerra de Trump contra a OMC!

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Para ficar na gaveta

1. Tem-se aqui notícia de mais uma proposta de reforma do sistema eleitoral, apresentada pela Associação para uma Democracia de Qualidade, dinamizada pelo antigo deputado e presidente do CDS, Ribeiro e Castro.
Embora não sejam conhecidos os pormenores, visto que a proposta não se encontra disponível online, a informação vinda a público deixa entender que se trata de uma adaptação do sistema eleitoral alemão, sendo uma nova versão da proposta apresentada à AR em 1998, por iniciativa do Governo Socialista, integrando dentro do sistema proporcional a eleição de cerca de metade dos deputados em círculos uninominais, que depois são imputados à quota que cabe ao respetivo partido na repartição proporcional dos mandatos nos círculos plurinominais.

2. O sistema alemão constitui uma das alternativas destinadas a estabelecer a chamada personalização do voto em sistemas proporcionais, dando aos eleitores a possibilidade de votarem em candidatos e não somente em partidos.
As dificuldades da importação de tal sistema entre nós consistem na tarefa de desenhar círculos uninominais de dimensão populacional aproximada - que correm o risco de ser assaz artificiais, sem identidade territorial própria - e a impossibilidade de solução para o eventual caso de um partido conseguir eleger um candidato num dos círculos uninominais mas depois não ter votos suficientes para conseguir o respetivo mandato nem no circulo territorial plurinominal correspondente nem no circulo nacional de compensação.

3. Seja como for, a perspetiva de sucesso de tal iniciativa é pouco ou nada favorável, visto que os dois principais partidos cujo voto é necessário para aprovar reformas eleitorais, o PS e o PSD, não compartilham o mesmo ponto de vista sobre a solução adotar (o PSD prefere agora o "voto preferencial" dentro das listas plurinominais, à maneira belga, por exemplo).
Além disso, enquanto houver governos de coligação ou acordos de governo à direita ou à esquerda, é impossível qualquer reforma eleitoral como a agora reequacionada, visto que os partidos mais pequenos temem que os círculos uninominais sejam (quase) todos ganhos pelos dois grandes partidos (o que é provável) e que o voto dos eleitores nessa eleição contamine o seu voto nas listas plurinominais, que atribuem os mandatos, favorecendo os mesmos partidos (o que é menos provável).
Enquanto forem necessários para formar ou apoiar soluções de governo, os pequenos partidos têm poder de veto nessa matéria, impossibilitando qualquer entendimento entre os dois grandes partidos, pelo que a reforma eleitoral vai continuar fora da agenda política, como tem estado nos últimos 20 anos.

Adenda
J. Ribeiro e Castro enviou-me um email, que agradeço, a indicar que a proposta se encontra disponível online, aqui:
https://drive.google.com/file/d/1ZrQUKDgFJYmt58YVFqu5WFAdOXQXhOiN/view

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Pobre Língua (12)

«Sérgio Sousa Pinto falou em "vestais" e não em "vegetais", como inicialmente foi entendido pela comunicação social dada a semelhança na fonética da palavra. Pelo erro, pedimos desculpa.»
Ora, a confusão de "vestais" com "vegetais" só é possível no pronúncia de Lisboa, o que revela que a versão lisboeta da Língua, cada vez mais dominante no País, mesmo na fala de pessoas cultas, por efeito da televisão e da rádio, está a estropiar a norma fonética erudita tradicional.

"Business and human rights" (1)

1. Desde há muito que a União Europeia condiciona as vantagens comerciais que concede a outros países (nomeadamente a entrada das suas exportações sem tarifas ou com tarifas reduzidas no enorme mercado da União) ao reconhecimento e efetivação dos chamados "core labour standards" da OIT por parte dos países beneficiários, nomeadamente proibição de trabalho forçado e infantil, liberdade sindical e contratação coletiva e não discriminação no trabalho e no emprego.
Sucede, porém, que, ao contrário dos Estados Unidos, a União não estabelece sanções para o incumprimento dessa obrigação nos seus acordos comerciais, pelo que a chamada "cláusula laboral" fica "sem dentes".
Critiquei fundadamente esta posição de fraqueza da União no meu livro Trabalho Digno para Todos: A Cláusula Laboral no Comércio Externo da União Europeia (2014) e propus a revisão desta posição. Mas até agora a Comissão Europeia - a quem compete negociar os acordos comerciais da União - não avançou com essa necessária revisão.

2. O problema volta a ser suscitado agora com o acordo comercial com o Vietname, dada a desproteção dos direitos laborais mais elementares nesse país (supostamente comunista), que se tornou um forte exportador não somente de têxteis mas também de dispositivos electrónicos, incluindo smartphones, em grande parte à custa desse baixo nível de proteção dos direitos laborais.
Na falta de uma cláusula laboral dotada de sanções no tratado já concluído, a posição do Parlamento Europeu - a quem cabe aprovar o acordo -, deve ser, como defendi no referido livro, a de recusar essa aprovação enquanto o país em causa não tomar medidas corretivas. Tal é também a posição do presidente da Comissão de Comércio Internacional do Parlamento Europeu (o social-democrata Bernd Lange, meu sucessor nesse cargo), que é a de reter a aprovação do acordo enquanto o Vietname não proceder à revisão do Código Laboral.
A União não pode continuar a conceder acesso privilegiado ao mercado europeu a produtos fabricados com violação dos mais elementares direitos laborais, em concorrência desleal não somente com produtos europeus mas também com produtos oriundos de outros países que os cumprem.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Qualidade da democracia (III)

Uma das medidas do pacote da transparência que pode vir a ser aprovada consiste em criminalizar o incumprimento da obrigação de declaração património e de rendimentos dos titulares de cargos políticos e equiparados, que passará a constituir crime de desobediência qualificada.
Discordo. Há entre nós um notório abuso de tal crime para punir o incumprimento de obrigações legais ou administrativas. E não funciona. Entendo que é desnecessário e inconveniente usar meios penais nestes casos, devendo aqueles ser reservados para a violação de valores fundamentais da coletividade. Penso que na maior parte destes casos, incluindo na nova situação que se pretende criar, os melhores instrumentos punitivos seriam uma sanção pecuniária compulsória (uma "multa" por cada dia de atraso na entrega da declaração) e a perda do mandato em causa, ambas muito mais céleres e eficazes.

Qualidade da democracia (II)

No prestigiado índice democrático do The Economist, relativo a 2016 - cujo ranking é encabeçado pelos países escandinavos -, Portugal ocupa um modesto 28º lugar, abaixo de países como Cabo Verde e Costa Rica, por causa da baixa classificação em três dos cinco indicadores utilizados na classificação (funcionamento do Estado, participação política e cultura política).
Há que melhorar estes indicadores. Entre outras medidas, o pacote da transparência referido em post anterior, pode aumentar a confiança nas instituições políticas e o funcionamento do sistema político. Mais uma razão par a sua aprovação e implementação tão depressa quanto antes.

Qualidade da democracia

1. Tão importante como a democracia em si mesma é a sua qualidade.
Hoje em dia as democracias liberais distinguem-se, entre outros fatores, pela transparência no exercício da função política e pelas medidas adotadas para prevenir os conflitos de interesses e a corrupção, o que influencia enormemente a credibilidade e a confiança que as instituições inspiram nos cidadãos.
Por isso, só peca por por tardia a aprovação do conjunto de iniciativas legislativas sobre o assunto em curso na Assembleia da República e que estão na agenda das jornadas parlamentares do PS que hoje decorrem em Coimbra.

2. A regulação da atividade de representação e defesa de interesses junto dos decisores políticos (conhecido vulgarmente por lobbying) constitui um instrumento fundamental de transparência e de integridade da atividade política, devendo abranger todos os níveis de poder e todos os decisores, desde os legisladores aos dirigentes dos institutos e agências públicos, passando obviamente pelo Governo.
Alem do registo oficial dos profissionais dessa atividade, a regulação deve incluir o registo público de todas as suas interações com todos os decisores políticos. Pretender excluir os deputados dessa obrigação de registo e de reporte, como alguns pretendem, é um contrassenso. Além do mais, estabelecer exceções injustificáveis ao cumprimento de obrigações públicas em beneficio próprio é muito feio.

3. As incompatibilidades são o meio institucional de prevenção de conflitos de interesse, impedindo a contaminação da função política pelos interesses privados dos decisores públicos. Por isso, devem abranger todas as situações susceptíveis de inquinar a confiança pública na dedicação exclusiva à causa pública.
No caso dos advogados, cuja incompatibilidade com a função parlamentar há muito defendo, há outro motivo para a justificar, que é a separação de poderes. Os advogados participam na função judicial de aplicação das leis (tal como prevê, aliás, a Constituição) e podem ter obviamente interesse em alterar ou manter legislação em função dos interesses do seus clientes. Ficou célebre a história de deputados que alegadamente promoveram e defenderam a aprovação de amnistias para beneficiar clientes seus.
Ora, como demonstraram os pais fundadores da teoria da separação de poderes (de Locke a Montesquieu), é essencial que quem faz as leis não participe na sua execução, e vice-versa. Os advogados-deputados infringem claramente essa regra essencial da teoria constitucional.

4. Nunca defendi a exclusividade ou a profissionalização integral da função parlamentar, por a considerar excessiva (embora sempre tenha estado em dedicação exclusiva no meus vários mandatos parlamentares). Mas entendo que hoje em dia os parlamentos ganham em qualidade e capacidade de desempenho, se tiverem o maior número possível de deputados em dedicação exclusiva, dada a enorme exigência da função parlamentar na atualidade.
Por isso, penso que deveria haver uma clara distinção remuneratória entre a dedicação exclusiva e o tempo parcial (o qual, aliás, só beneficia quem exerce outra atividade em Lisboa ou nos arredores). O atual diferencial de 10% é puramente ridículo; deveria ser de pelo menos o triplo, premiando a dedicação exclusiva e dissuadindo o tempo parcial.

Portucaliptal (27) - Interesses intocáveis

1. Só posso apoiar a nova estratégia florestal de diversificação das espécies e de aposta nas espécies autóctones e de crescimento mais lento e mais resistente aos fogos. Não tem sido outro o objectivo da minha longa luta contra a eucaliptização galopante do País.
Foi preciso um ano de catástrofes de incêndios florestais, com perdas de muitas vidas e enormes prejuízos materiais, para tornar evidente o barril de pólvora que criámos ao longo dos anos com a florestação extensiva e desordenada de montes e vales, assente no pinheiro e cada vez mais no eucalipto. Ainda há menos de um ano eram anunciados nutridos subsídios públicos à plantação florestal que incluíam o pinheiro e o eucalipto. Um absurdo, como aqui assinalei!

2. O que mantenho, porém, é que não basta subsidiar e investir dinheiros públicos na plantação dessas espécies. Torna-se necessário reverter a atual extensão do eucaliptal e fazê-lo pagar as "externalidades negativas" que a coletividade até agora tem pago - em termos de fogos, de degradação da paisagem, de predação de recursos hídricos, de perda de biodiversidade -, através de meios fiscais apropriados, como já propus antes (aqui e aqui).
O preço do eucalipto deve refletir por via fiscal todos os seus custos, incluindo os custos sociais, contribuindo para pagar o enorme investimento exigido pela expansão dos sobreirais, carvalhais, etc. Mas pelos vistos, tal medida continua fora da agenda política. Os interesses da fileira agro-industrial da celulose acabam sempre por prevalecer...

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Este País não tem emenda (18): O império do automóvel

«(...) a velocidade mínima na autoestrada portuguesa parece ser 140 km/h, a velocidade média de 160 km/h e a velocidade máxima o que o carro permite.»
Tilo Wagner, Diário de Noticias de 18/1/2018.
1. O cronista tem inteira razão. Nas autoestradas portuguesas, o limite legal de 120 km/h é fictício, sendo ignorado pela generalidade dos automobilistas, muitos dos quais se dão ao gozo de viajar a 180 km/h ou mais, pondo em causa a segurança rodoviária e aumentando os níveis de poluição sonora e ambiental (por causa do maior consumo de combustível).
Este incumprimento generalizado não revela somente o típico défice de civismo nacional mas também a falta de fiscalização e de punição. Pelo que se sabe, o risco de serem apanhados é baixo (por falta de fiscalização) e a possibilidade de fuga ao pagamento da coima é elevado (por deficiência do sistema de aplicação e de cobrança). A impunidade geral convida à infração.
Pode considerar-se que o atual limite é demasiado baixo, mas a verdade é que, mesmo se fosse mais alto (como defendo), não deixaria por isso de haver a mesma violação maciça que hoje existe, se não houve mudança de atitude e de fiscalização.

2. O incumprimento generalizado dos limites de velocidade (e não somente nas autoestradas!) é apenas uma vertente do império do automóvel entre nós, também caracterizado pelo estacionamento caótico (invadindo passeios e lugares reservados às paragens de transportes urbanos), pelos crescentes engarrafamentos urbanos e pela reivindicação de um pretenso direito ao aparcamento gratuito no espaço público.
Entretanto, as cidades e o país geral continuam a ser invadidos por cada vez mais automóveis, para além de todos os limites de sustentabilidade, sem que os poderes públicos revelem a mínima intenção de penalizar o uso do automóvel privado e de investirem a sério no transporte público.
O direito universal à mobilidade não equivale à universalização do transporte automóvel particular, pelo contrário!

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

Impostos virtuosos

Acaba de ser criada, por iniciativa da Fundação Bloomberg, uma task force sobre a "política tributária para a saúde", advogando a aplicação de impostos elevados sobre produtos especialmente prejudiciais à saúde, nomeadamente o tabaco, o álcool e os produtos com excesso de açúcar. O New York Times saúda a iniciativa.
Por minha parte, não é a primeira vez que apoio estes impostos entre nós. Por isso, a saúdo também.

Adenda
Ver também o artigo de Lawrence Summers (que é um dos promotores das iniciativa) no Financial Times: «Para melhorar a saúde global é preciso tributar as coisas que nos estão a matar». Segundo os dados por ele invocados, o tabaco é responsável por 7 milhões de mortes anualmente, a obesidade por 4 milhões e o álcool por 3,3 milhões!
É um massacre! E o impacto estimados das doenças que causam estas mortes sobre as despesas dos sistemas de saúde é gigantesco. Tal como sucede com a poluição, os responsáveis diretos por estes custos devem dar a sua própria contribuição financeira para custear essa despesa adicional, para não sobrecarregar excessivamente os demais contribuintes. É uma questão de justiça tributária!

sábado, 13 de janeiro de 2018

Não concordo (3): Decisão precipitada

1. Sempre me opus à ideia de criação de uma círculo eleitoral transnacional nas eleições para o Parlamento Europeu (por exemplo, aqui), por várias razões:
  - primeiro, os lugares atribuídos a tal lista transnacional seriam retirados aos círculos nacionais, implicando portanto uma redução do número de deputados eleitos em cada país, incluindo em Portugal;
  - segundo, a lista transnacional favoreceria naturalmente a posição dos países mais populosos, nomeadamente Alemanha e a França, reforçando a sua representação parlamentar;
  - terceiro, passaria a haver duas categorias de deputados, a saber os eleitos a nível da União e os eleitos a nível nacional, com o perigo de uma perda de status político dos segundos face aos primeiros.

2. Sucede, aliás, que essa solução nem sequer se pode defender sob um ponto de vista da construção federal da UE, de que aliás compartilho, pois ela não existe na generalidade dos Estados federais (como os Estados Unidos ou o Brasil). Acresce que as listas de base nacional já dispõem, elas mesmas, de natureza "transnacional", visto que nelas votam e podem ser eleitos cidadãos de qualquer outro Estado-membro da União que seja residente noutro país.
Por isso não se compreende como é que a recente cimeira dos governos dos países do sul da União, entre os quais Portugal, acordou em apoiar tal ideia (ponto 9 do comunicado final), quando ela nem sequer está na agenda do debate político, muito menos do debate parlamentar, pelo menos entre nós. O mínimo que se pode dizer é que se trata de uma posição precipitada e inadvertida sobre uma questão de perigosas consequências, que se impõe seja reconsiderada.

Adenda
Já depois deste post Rui Tavares veio defender a lista supranacional e atacar os seus críticos (onde não me inclui), deixando entender que os opositores se situam à direita e temem a "democratização da UE". Sucede que eu não sou de direita, tenho defendido o aprofundamento democrático da UE e até sou confessadamente federalista. Nada disso me leva a concordar com tal ideia. Entretanto, outras vozes na área socialista, como Manuel Alegre, vieram juntar-se à crítica à lista supranacional. Decididamente, está lançado o debate público que faltava. Mas ainda não chegou ao Parlamento, seu lugar natural.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

A disputa no PSD

Não pretendo obviamente manifestar nenhuma preferência pessoal na disputa pela presidência do PSD, que não é a minha área política. Mas ocorrem-me duas notas:
  - primeiro, qualquer que seja o resultado, dificilmente isso fará qualquer diferença quanto ao previsível desfecho das eleições parlamentares do próximo ano, que, tudo indica, não se vai traduzir numa vitória do PSD, dado que o ciclo económico - ajudado pela forte retoma da economia europeia e mundial - favorece claramente o Governo e o PS, como argumentei aqui;
  - segundo, em qualquer caso, dado que Santana Lopes se situa manifestamente mais à direita do que Rio, é de admitir que um PSD liderado pelo primeiro terá mais dificuldade em disputar o eleitorado do centro político - que é quem decide as eleições -, o que tende a favorecer o PS, que vai apelar a  tal eleitorado em condições particularmente favoráveis.
Em suma, seja quem for o novo líder do PSD, a seu futuro político não se afigura esperançoso, pelo menos no horizonte temporal imediato.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Direito de resposta nos média

1. Reeditando uma iniciativa realizada no ano passado com assinalado êxito, o Instituto Jurídico da Comunicação da FDUC vai voltar a apresentar o curso breve de direito de resposta na comunicação social, cuja coordenação científica me cabe, na qualidade de autor de uma monografia sobre o assunto, a qual, apesar de de ter sido publicada há mais de vinte anos (Coimbra, 1994), se mantém no essencial plenamente atual (e que hoje se encontra hoje disponível online).
2. Tratando-se de um direito fundamental constitucionalmente reconhecido, o direito de resposta garante aos interessados a publicação de uma retificação ou comentário no caso de qualquer notícia ou imputação relativa a uma pessoa (ou instituição). Cabendo recurso para a Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), em caso de denegação, sem necessidade de recurso aos tribunais, o direito de resposta goza entre nós de uma proteção assaz forte.
Quanto os média se tornam cada vez mais intrusivos na vida pessoal, tantas vezes em termos incorretos ou ofensivos, o direito de reposta oferece um meio expedito de retificação ou defesa dos interessados no mesmo órgão de comunicação social e, em princípio, nos mesmos termos e condições do texto que motiva a resposta.

3. Os direitos fundamentais existem antes de mais para defender as pessoas contra o poder, e não apenas o poder político.
Ora, os média são hoje inegavelmente um poder (o "quarto poder". como sói dizer-se) com uma enorme capacidade de afetar a esfera da liberdade pessoal e o direito ao bom nome e reputação. Daí a plena justificação do direito de reposta e da sua efetivação contra os média recalcitrantes.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Invocar a Constituição em vão

Entre nós há uma tentação fatal para "constitucionalizar" todas as questões políticas, como mostra a polémica sobre a possibilidade, ou não, de recondução da Procuradora-Geral da República, uma vez terminado o seu mandato.
Parece óbvio que, na falta de expressa proibição constitucional, nada impede a recondução nem, muito menos, confere um direito à recondução nesse cargo. O Governo tem plena liberdade de decisão quanto à proposta a fazer ao PR, podendo naturalmente optar por um novo titular, sem necessidade de justificação, tal como aliás fizeram os governos anteriores. Trata-se de uma questão do exclusivo foro da discricionariedade política, não de uma questão constitucional.
A Constituição não pode ser invocada em vão nem para fundamentar uma alegada impossibilidade de recondução nem para contestar a incontornável liberdade governamental de seleção de um novo PGR. À Constituição o que é do foro constitucional, à política o que releva da esfera da livre decisão governamental. O resto são futilidades constitucionais...

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

"Direitos Humanos e Negócios"

No próximo dia 17 tem lugar o lançamento público do Coimbra Business and Human Rights Centre, uma parceria inovadora entre o Ius Gentium Conimbrigae / Centro de Direitos Humanos da FDUC (ao qual presido), e a Coimbra Business School, do Instituto Politécnico de Coimbra.
O novo centro visa a investigação e o ensino da temática dos direitos humanos na atividade económica, sobretudo no âmbito das relações económicas internacionais - ou seja, o comércio internacional e investimento direto estrangeiro -, que têm como atores principais as empresas multinacionais e as cadeias de produção globais.