Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Bicentenário da Revolução Liberal (27): J. Ferreira Borges
Autárquicas 2021 (1): Carlos Moedas
1. A anunciada candidatura de Carlos Moedas à Câmara Municipal de Lisboa não é de saudar somente por trazer algum "picante político" à disputa pela presidência da edilidade da capital - que ameaçava ser um "passeio eleitoral" do atual presidente -, mas também porque mostra que um político e militante partidário responsável - e um dos mais promissores políticos da sua geração - se dispõe a abandonar o seu tranquilo e prestigiado retiro profissonal, para se candidatar numas eleições locais, depois de ter sido membro bem-sucedido do Governo nacional e da Comissão Europeia.
A militância partidária não supõe somente direitos mas também obrigações. Uma lição a alguns "barões" do seu partido, que preferiram pôr-se "ao fresco".
2. Não sendo provável a vitória eleitoral da coligação de direita em Lisboa, apesar da grande mais-valia do candidato, a coragem e a responsabilidade política que revela nesta candidatura podem torná-lo um próximo candidato incontornável à lideranca do PSD, se se vier a confirmar o provável falhanço de Rui Rio como candidato a primeiro-ministro. Eis uma alternativa ao "sebastianismo passista" que alguma inconsequente oposição interna impulsiona.
Sob pena de bloqueio, a democracia parlamentar só ganha com a existência de alternativas de governo e de líderes credíveis no campo da oposição.
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2021
Cartas dos leitores (8): Demolir, diz ele
sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021
Praça da República (46): A questão constitucional da eutanásia
1. Sem surpresa, o Presidente da República submeteu a fiscalização prévia de constitucionalidade a lei de despenalização da eutanásia recentemente aprovada na AR com ampla maioria e um apoio político transversal.
Penso que o Presidente fez bem: dadas as acusações de inconstitucionalidade de que tem sido alvo desde o início, é importante que uma lei como esta não entre em vigor sem clarificar a sua conformidadade constitucional. A provável luz verde do Tribunal Constitucional facilitará, aliás, a sua aplicação prática.
2. Não sem alguma surpresa, no seu requerimento ao Tribunal Constitucional, o Presidente, não argui de inconstitucionalidade a despenalizaçao da eutanásia em si mesma, como defendido pela direita conservadora e pela ortodoxia católica, por alegada violação do direito à vida - argumento que AQUI contestei.
Resta saber se o PR abdicou desse caminho por considerar não haver tal inconstitucionalidade ou por ter concluído pela inviabilidade dessa posição no TC. Seja como for, é de saudar essa posição.
3. Não impugnando a despenalização, o PR "limita-se"a levantar uma objecção "técnica" do regime definido na lei, que tem a ver com a ultilização de noções indeterminadas (como "sofrimento intolerável" e "gravidade extrema de acordo com o consenso científico"), cuja densificação é deixada aos médicos, o que, no entender de Belém, envolve uma "delegação" externa do poder legislativo da AR, que a Constituição proíbe.
Não considero convincente este argumento, pois as referidas noções não me parecem excessivamente vagas e os médicos são seguramente quem está em melhor situação para as densificar, não existindo, por isso, a alegada "delegação do poder legislativo". O direito, mesmo o direito penal, está cheio de conceitos relativamente indeterminados, a serem preenchidos pelo saber técnico especializado.
4. Mesmo na hipótese (a meu ver, improvável) de o TC dar seguimento a esta impugnação, nos termos em que é feita (pois o Tribunal não pode ir além do pedido), a lei voltaria à AR não para ser arquivada, por incompatível com a Constituição, mas sim para as obras de correção das falhas que o Tribunal Constitucional tenha censurado.
Em qualquer caso, portanto, tudo indica que a despenalização da eutánasia, nas condições exigentes definidas na lei, vai para a frente, proporcionando o direito a uma morte digna entre nós - um avanço civilizacional.
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021
Não concordo (20): A nova Inquisição
Considero inaceitável o processo de acusação e julgamento público do novo Presidente do Tribunal Constitucional, o Conselheiro João Caupers, por causa de algumas opiniões desprevenidas, controversas e pouco ortodoxas para a cultura hoje dominante relativamente à homossexualidade, produzidas há muitos anos e nem sequer ofensivas na altura.
A cultura hoje prevalecente sobre o tema ainda não é uma religião e as opiniões desalinhadas do passado não podem ser descontextualizadas nem ser sujeitas retroativamente ao juízo condenatório da uma nova Inquisição. A exigência de retratação do Bloco de Esquerda é puramente despropositada.
As instituições e os seus titulares não podem estar sujeitas a estes processos sumários de cancelamento da opinião e de desterro dos desalinhados.
Descendo mais um degrau no despautério, há agora deputados a exigirem a comparência do Presidente do TC para prestar explicações numa comissão parlamentar! Era suposto os deputados saberem que uma das regras essenciais do Estado constitucional é independência dos juízes e dos tribunais, pelo que é um disparate propor a comparência de juízes no Parlamento. Impõe-se um curso breve de Estado de direito constitucional em São Bento!
sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021
Aplauso (19): Apostar na ferrovia
Depois de muitas décadas de incúria e abandono, é de aplaudir o plano de investimentos na rede ferroviária para esta década, de que o Expresso dá conta na edição de hoje (acesso reservado a assinantes).
Todavia, alguns dos projetos apresentados parecem luxuriantes, como uma nova linha entre Aveiro e Mangualde - que duplica a linha da Beira Alta, em renovação, e que já foi chumbada pela Comissão Europeia - e a reposição da linha do Douro, entre o Pocinho e Barca de Alva, não se sabe para que público. Gostaria de ver publicada a análise de custos e benefícios destes projetos...
Pior do que falta de investimentos é a redundância de investimentos. O dinheiro público, mesmo quando vem da União Europeia, não élástico...
terça-feira, 9 de fevereiro de 2021
Gostaria de ter escrito isto (28): A elite lisboeta do poder
Há, mesmo no espaço de certas academias, uma repulsa pela vinda dos territórios interiores, porque não comungaram da mesma escola pública elitista, porque não frequentaram o mesmo colégio privado, porque não beberam uns copos no Bairro Alto e aí construíram a cola que os salvará para sempre. Neste processo de segregação, nem o Porto conseguiu salvar-se. Ser de fora de Lisboa só garante, no tempo de hoje e mesmo a um potencial prémio Nobel, o acesso a um lugar subalterno.»
(Ascenso Simões, no Público de ontem)
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021
Free and fair trade (19): Recuperar a OMC
Dado que o Presidente Biden abandonou o veto que Trump tinha oposto, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, ex-ministra das Finanças do seu país, vai ser eleita diretora-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC/WTO), pela primeira vez presidida por uma mulher e por uma cidadã africana. É uma boa notícia.
Prenchida a vaga na direção, é tempo de repor em funcionamento o tribunal da OMC, que Trump deliberadamente levou à inatividade, vetando o preenchimento das sucessivas vagas, até ficar sem quorum.
Peça essencial da ordem económica mundial "baseada em normas" (rules-based), a OMC foi uma das vítimas do nacionalismo económico e político de Trump e do seu desprezo pelo multilateralismo na ordem internacional. Afastado da Casa Branca, urge desfazer o seu péssimo legado.
+ Europa (55): O paraíso fiscal do Luxemburgo
O Le Monde de hoje publica uma investigação sobre o paraíso fiscal do Luxemburgo.
Segundo o jornal, mais de metade das 140 000 sociedades sediadas no país são puras holdings financeiras off-shore, sem outra atividade económica no Grão-Ducado, atraídas pelas vantagens fiscais. Por nacionalidades, as sociedades de capital português ocupam o sexto lugar entre as beneficiárias.
Com este paraíso fiscal no coração da União, que rouba milhares de milhões de euros em impostos aos demais países, Bruxelas perde toda a autoridade na luta contra os paraísos fiscais das ilhas Cayman ou das ilhas Virgem.
domingo, 7 de fevereiro de 2021
Praça da República (45): O ocaso do CDS
Sintoma do mal-estar e da desconfiança reinante foi o facto de se terem perdido horas com a questão do voto secreto, que acabou por prevalecer, com base num parecer vinculativo do "tribunal" do partido. Ora, salvo deliberação em contrário, a regra de voto em assembleias políticas, como aquela, é o voto aberto, exceto quando estejam em causa pessoas (eleições, sanções, etc.).
2. O litígio patente que divide o partido a meio não ajuda à sua sobrevivência. E é uma pena ver desaparecer um partido fundador do regime democrático em Portugal, que, aliás, partipoou em vários governos. Faz falta no expectro político nacional um partido de direita liberal-conservador ou social-conservador, democrático e europeísta. O seu deparecimento só favorece a direita populista.
sábado, 6 de fevereiro de 2021
Antologia do nonsense político (14): Estranha escolha
Santana Lopes, candidato do PSD à presidência da câmara municipal de Coimbra?! Rui Rio "passou-se"?
Faz algum sentido afastar um candidato local prestigiado, como Nuno Freitas - candidato da estrutura local do partido -, a troco de um "paraquedista" politicamente esgotado? Além do mais, Santana Lopes "diz" alguma coisa a Coimbra, e vice-versa?
Só pode ser "piada" política!
+ Europa (54): Humilhação em Moscovo
A União Europeia não pode propor-se afirmar a sua "soberania" e "autonomia estratégica" na cena internacional e depois deixar-se humilhar politicamente em Moscovo, na recente visita do titular dos Negócios Estrangeiros da União, Borrell.
Inceitável!
sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021
Pandemia (51): Privilégios
Não dá para entender como é que as prioridades da vacinação passaram a incluir os membros do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Conselho Superior do Ministério Público e de todos os tribunais supremos, que reúnem quando reúnem e não estão em contacto com o exterior, ou seja, não estão sujetos a nenhum risco especial de infeção. Isto, enquanto as vacinas escasseiam e os maiores de 80 anos e outros idosos com doenças graves só agora começam a ser vacinados..
Dar prioridade ao poder pelo poder não é próprio de um Estado de direito democrático, onde os privilégios não devem ter lugar.
A cada privilégio destes, lá se vai a credibilidade do processo de vacinação.
Só faltava incluir o Conselho de Estado. A que propósito!? O Presidente da República concordou com este disparate?
quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021
Assim vai a política (6): Precipitação
Sendo certo que não se trata de uma "organização militar nem de tipo militar ou paramilitar" e nem de uma "organização que perfilhe a ideologia fascista" (pois tal não resulta do seu programa nem das suas propostas políticas), o único fundamento constitucional que poderia ser invocado prima facie seria a de tratar-se de uma "organização racista", dadas algumas conhecidas declarações contra ciganos e comunidades de origem africana.
Mas é de duvidar se algumas declarações e posições avulsas de natureza racista, intoleráveis e condenáveis em si mesmas, bastam para a qualificação de "organização racista", o que exige que ela estabeleça como um dos objetivos explícitos da sua ação a discriminação, a perseguição, a exclusão ou a estigmatização de pessoas ou comunidades por motivo de raça.
Numa democracia liberal, a derrogação da liberdade de organização política é por definição excecional e tem de ser interpretada restritivamente. Na dúvida, prevalece a regra da liberdade de criação e de ação de partidos políticos.
2. Deixando de lado a questão de saber se uma eventual ilegalização do Chega traria alguma vantagem à luta democrática contra a direita populista - há boas razões para pensar que não, pelo efeito da vitimização e da clandestinização que geraria -, não podem restar muitas dúvidas, porém, de que a improcedência de um processo judicial de ilegalização iria constituir um inestimável trunfo político para os visados, que poderiam passar a exibir uma credencial oficial de conformidade constitucional.
Nesse caso, tudo redundará num "tiro pela culatra" para os promotores e defensores da iniciativa. O Chega agradecerá...
terça-feira, 2 de fevereiro de 2021
Estado social (8): Esquecer o principal
1. Na sua coluna no Público de ontem escreve Rui Tavares:
«Se queremos evitar aproximar-nos mais ainda do abismo, a esquerda tem de quebrar com os seus hábitos e produzir, em conjunto, um compromisso histórico que devolva um rumo ao seu mandato conjunto e dê respostas nos temas em que todas as esquerdas têm mais em comum: como defender o Serviço Nacional de Saúde e o Estado social, como combater em simultâneo as desigualdades e as alterações climáticas, e como renovar a promessa do 25 de abril com um novo modelo de desenvolvimento para o país.»
Neste texto estão condensados dois dos grandes equívocos da esquerda: (i) que é possível uma visão polírtica conjunta das diferentes esquerdas sobre o Estado social (o que os últimos cinco anos provaram impossível); (ii) que pode haver um Estado social cada vez robusto sem as necessárias condições económicas e financeiras.
2. O principal problema do Estado social entre nós é o persistente mau desempenho económico, que arrasta Portugal para os últimos lugares no ranking da UE, traduzindo-se em défice de criação de empregos qualificados e em falta de meios financeiros para sustentar as crescentes despesas sociais (saúde, educação, proteção social, etc.).
Para melhorar o desempenho económico, é necessário menos despesa corrente e mais investimento público, mais eficiência e menos corporativismo no setor público, mais concorrência e menos protecionismo económico.
[revisto]
Comentário de um leitor: «Gostei da sua abordagem, mas acho que não seria demais chamar-lhe a atenção para a História, que é suposto ele conhecer. Chega de idealismo piedoso! As esquerdas não se fundem só porque isso parece desejável. Nem no tempo da ditadura isso aconteceu. Muito menos em democracia. O materialismo histórico é uma grande escola...».
segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021
Assim vai a política (5): Atavismo golpista
A proposta de formação de um "governo de salvação nacional" oriunda de alguns setores da direita revela mais uma vez a tentação golpista da direita quando se vê sem perspetivas de voltar ao poder por meios legítimos.
Além de abrir uma crise politica absurda, a ideia não tem a mínima viabilidade constitucional. Primeiro, o PR só pode demitir o Governo quando esteja em causa o "regular funcionamento das instituições" -, o que não é manifestamente o caso. Segundo, todos os governos têm de ser constituídos de acordo com os resultados eleitorais e no quadro parlamentar existente -, o que exclui governos sem base parlamentar. Terceiro, não se vê como é que um governo nascido de um ato inconstitucional e formado à margem do parlamento poderia obter a investidura parlamentar, com a atual composição da AR -, onde talvez só tivesse o apoio do Chega!
Decididamente, há na direita quem tenha perdido o juízo.