1. Parece que o PS só tem "dúvidas" sobre a proposta do PAN que exige um parecer favorável para a nomeação governamental do Governador do Banco de Portugal, ainda por cima um parecer votado por maioria superqualificada de 2/3. Mas não se compreendem as "dúvidas" perante essa abstrusa solução, que, aliás, subverte a lógica constitucional da separação de poderes.
Em qualquer das vertentes do Banco de Portugal - como banco central e como autoridade de supervisão das instituições de crédito -, a nomeação da equipa de gestão do BP só pode competir ao Governo, como órgão de condução da política geral do País e como órgão superior da Administração Pública. Por isso, essa competência não pode ser transferida para a AR, como implica a disparatada proposta do PAN.
2. Durante algum tempo, houve propostas igualmente inaceitáveis (tanto do ponto de vista político como do ponto de vista constitucional) de transferir tal poder de nomeação para o Presidente da República, com as quais o PS chegou a namorar irresponsavelmente, para depois a abandonar.
Não é menos censurável a presente proposta de expropriação parlamentar desse poder eminentemente governativo.
É o Governo e não o parlamento que deve responder pela eventual "culpa in eligendo" na escolha do Governador do Banco de Portugal, tal como, aliás, das demais autoridades de supervisão independente. Um sistema de governo parlamentar não é aquele onde o Parlamento governa, mas sim onde um Governo de base parlamentar governa sob controlo parlamentar.
Esta irresponsável proposta não deve passar.
Blogue fundado em 22 de Novembro de 2003 por Ana Gomes, Jorge Wemans, Luís Filipe Borges, Luís Nazaré, Luís Osório, Maria Manuel Leitão Marques, Vicente Jorge Silva e Vital Moreira
sexta-feira, 26 de junho de 2020
quinta-feira, 25 de junho de 2020
Laicidade (9): Troca de favores
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Vital Moreira
1. O Jornal de Notícias de hoje informa que o município de Oliveira do Hospital decidiu subsidiar as paróquias do município para financiar as respetivas despesas, incluindo a remuneração dos párocos, por causa da alegada redução de receitas próprias decorrente da pandemia.
O caso é assaz bizarro: por um lado, não consta que o município tenha decidido subsidiar todos os munícipes que perderam rendimentos por causa da pandemia, sendo portanto um caso evidente de privilégio à Igreja; por outro lado, sabe-se pela mesma notícia que o presidente da Câmara costuma usar o púlpito em cerimónias religiosas para usar da palavra, não como crente (que não é), mas sim como Presidente da Câmara.
Trata-se, portanto, de um caso manifesto de troca de favores à custa de dinheiros públicos.
2. Não se podia imaginar um caso mais flagrante de violação do princípio constitucional da separação entre a Igreja e o poder público.
Antigamente, tínhamos bispos e padres a intervirem em cerimónias oficiais (como as inaugurações de obras públicas); agora temos titulares de cargos públicos a intervirem, enquanto tais, em cerimónias religiosas, a troco de financiamento público!
Até quanto é que atitudes destas vão continuar impunes?
O caso é assaz bizarro: por um lado, não consta que o município tenha decidido subsidiar todos os munícipes que perderam rendimentos por causa da pandemia, sendo portanto um caso evidente de privilégio à Igreja; por outro lado, sabe-se pela mesma notícia que o presidente da Câmara costuma usar o púlpito em cerimónias religiosas para usar da palavra, não como crente (que não é), mas sim como Presidente da Câmara.
Trata-se, portanto, de um caso manifesto de troca de favores à custa de dinheiros públicos.
2. Não se podia imaginar um caso mais flagrante de violação do princípio constitucional da separação entre a Igreja e o poder público.
Antigamente, tínhamos bispos e padres a intervirem em cerimónias oficiais (como as inaugurações de obras públicas); agora temos titulares de cargos públicos a intervirem, enquanto tais, em cerimónias religiosas, a troco de financiamento público!
Até quanto é que atitudes destas vão continuar impunes?
White House 2020 (1): Suspense americano
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Vital Moreira
1. As eleições presidenciais norte-americanas são em geral importantes para todo o mundo, dado o peso político e económico que os Estados Unidos da América continuam a manter e considerando que no sistema presidencialista o Presidente é não somente chefe do Estado mas também chefe do Governo e da Administração federal. As eleições do final do corrente ano (novembro) são ainda mais importantes, para saber se chega ao fim a atrabiliária presidência de Trump.
Em certo sentido, todos "votamos" nas eleições presidenciais estadunidenses e não é ousado estimar que desta vez a esmagadora maioria dos europeus votará contra Trump. Resta saber qual será a decisão dos cidadãos norte-americanos.
2. Neste momento, todas as previsões eleitorais apontam para uma clara vantagem do candidato Democrata, John Biden, antigo vice do Presidente Obama. O gráfico acima mostra a estimativa da revista liberal britânica, The Ecomomist, prevendo uma confortável vantagem de Biden sobre Trump, não somente no voto popular, mas também no colégio eleitoral, que é o que importa.
Essa dianteira reflete a destrambelhada condução política de Trump na resposta à pandemia e à morte do cidadão negro George Floyd em Minneapolis, sob o joelho de um polícia branco, dando uma força inaudita ao movimento "Black lives matter".
Mas a este distância, é impossível dar por assente a vitória de Biden. Há quatro anos, Hilary Clinton liderou as sondagens até ao dia das eleições...
3. Para comprender o gráfico, importa lembrar que nos Estados Unidos o Presidente não é eleito diretamente pelos cidadãos, mas sim por um colégio eleitoral composto por representantes dos 50 estados federados, cada um deles tendo direito a tantos representantes quantos os seus membros no Congresso federal, ou seja, a soma dos respetivos senadores e deputados em Washington. Acresce que na maior parte dos estados vigora um regime eleitoral maioritário, segundo o qual o candidato presidencial com mais votos ganha todos os representantes do estado no colégio eleitoral.
Por isso, é possível que um candidato tenha mais votos a nível nacional, mas tenha menos representantes no colégio eleitoral, como já sucedeu várias vezes, incluindo há quatro anos, quando a candidata Democrata, Hilary Clinton, teve quase três milhões de votos a mais do que Trump, mas foi este que foi eleito Presidente, por ter obtido mais representantes estaduais no colégio eleitoral.
quarta-feira, 24 de junho de 2020
Concordo (15): Poderes de veto de facto
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Vital Moreira
1. Concordo com esta opinião autorizada de que as férias judiciais deveriam ser encurtadas, para permitir recuperar algum do atraso sofrido nas "férias forçadas" durante a prolongada paralisação dos tribunais, por causa do estado de emergência, com grave prejuízo das partes e da Justiça.
Se as férias judiciais de dois meses já constituem em geral um privilégio injustificável, menos ele se compreende nas atuais circunstâncias excecionais, sendo perfeitamente razoável uma solução excecional para o corrente ano e não havendo nenhum obstáculo constitucional a uam derrogação temporária.
2. Infelizmente é tradição dos ministros da Justiça, sobretudo quando oriundos do meio judiciário, como quase sempre, renunciaram à partida a qualquer medida que possa suscitar o protesto das corporações do setor, que gozam de um poder de veto não escrito.
E há coisas que não mudam na governação, mesmo quando mudam radicalmente as circunstâncias e quando o interesse público exigia uma resposta diferente.
Se as férias judiciais de dois meses já constituem em geral um privilégio injustificável, menos ele se compreende nas atuais circunstâncias excecionais, sendo perfeitamente razoável uma solução excecional para o corrente ano e não havendo nenhum obstáculo constitucional a uam derrogação temporária.
2. Infelizmente é tradição dos ministros da Justiça, sobretudo quando oriundos do meio judiciário, como quase sempre, renunciaram à partida a qualquer medida que possa suscitar o protesto das corporações do setor, que gozam de um poder de veto não escrito.
E há coisas que não mudam na governação, mesmo quando mudam radicalmente as circunstâncias e quando o interesse público exigia uma resposta diferente.
O que o Presidente não deve fazer (21): O veto errado
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Vital Moreira
1. O Presidente da República vetou um diploma da AR que criava despesa pública não prevista na Lei do Orçamento em vigor, o que a Constituição não permite (a chamada "lei-travão"). O argumento constitucional, único usado pelo Presidente, é pertinente (como mostrei AQUI), mas não compete ao PR utilizá-lo para vetar politicamente um diploma submetido a promulgação.
Na verdade, a Constituição distingue claramente o veto político, por objeções de natureza política, e o veto constitucional, por inconstitucionalidade do diploma, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva da constitucionalidade, o que não se verificou.
Por isso, os principais comentadores da Constituição convergem no entendimento de que não se pode invocar argumentos de constitucionalidade no veto político.
Face ao veto político, a AR poderia confirmar o diploma por maioria absoluta, obrigando o PR promulgar um diploma inconstitucional, o que é não faz sentido (e o que não poderia ocorrer se se tratasse de veto por inconstitucionalidade).
2. Na mensagem que acompanha o veto - que se devia limitar a justificá-lo -, o PR sugere que os partidos interessados possam reintroduzir a medida em causa na "orçamento suplementar" em debate na AR.
Sucede, porém, que, a ter em conta o parecer técnico que o Governo enviou à AR sobre os limites do poder dos deputados quanto ao "orçamento suplementar", eles não podem propor aumentos de despesa, pelo que se o fizessem, poderiam pôr em causa a constitucionalidade do próprio diploma...
Adenda
Em relação ao último parágrafo do nº 1, um leitor objeta que a AR também pode confirmar, por maioria de 2/3, os diplomas vetados por inconstitucionalidade, obrigando o PR a promulgar diplomas julgados inconstitucionais pelo TC em fiscalização preventiva.
Mas não é a mesma coisa: para além da substancial diferença de maioria necessária para a confirmação parlamentar (2/3 versus maioria absoluta), há outra diferença ainda mais decisiva: no caso do veto por inconstitucionalidade, a eventual confirmação parlamentar apenas autoriza o PR a promulgar o diploma vetado, mas não o obriga a fazê-lo, ao contrario do que ocorre no caso de veto político. Resta dizer que nunca houve nenhuma confirmação parlamentar de um diploma vetado por inconstitucionalidade.
Na verdade, a Constituição distingue claramente o veto político, por objeções de natureza política, e o veto constitucional, por inconstitucionalidade do diploma, na sequência de decisão do Tribunal Constitucional em fiscalização preventiva da constitucionalidade, o que não se verificou.
Por isso, os principais comentadores da Constituição convergem no entendimento de que não se pode invocar argumentos de constitucionalidade no veto político.
Face ao veto político, a AR poderia confirmar o diploma por maioria absoluta, obrigando o PR promulgar um diploma inconstitucional, o que é não faz sentido (e o que não poderia ocorrer se se tratasse de veto por inconstitucionalidade).
2. Na mensagem que acompanha o veto - que se devia limitar a justificá-lo -, o PR sugere que os partidos interessados possam reintroduzir a medida em causa na "orçamento suplementar" em debate na AR.
Sucede, porém, que, a ter em conta o parecer técnico que o Governo enviou à AR sobre os limites do poder dos deputados quanto ao "orçamento suplementar", eles não podem propor aumentos de despesa, pelo que se o fizessem, poderiam pôr em causa a constitucionalidade do próprio diploma...
Adenda
Em relação ao último parágrafo do nº 1, um leitor objeta que a AR também pode confirmar, por maioria de 2/3, os diplomas vetados por inconstitucionalidade, obrigando o PR a promulgar diplomas julgados inconstitucionais pelo TC em fiscalização preventiva.
Mas não é a mesma coisa: para além da substancial diferença de maioria necessária para a confirmação parlamentar (2/3 versus maioria absoluta), há outra diferença ainda mais decisiva: no caso do veto por inconstitucionalidade, a eventual confirmação parlamentar apenas autoriza o PR a promulgar o diploma vetado, mas não o obriga a fazê-lo, ao contrario do que ocorre no caso de veto político. Resta dizer que nunca houve nenhuma confirmação parlamentar de um diploma vetado por inconstitucionalidade.
Pandemia (28): Porquê a demora?
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Vital Moreira
1. Depois da aplicação eletrónica francesa para alerta de proximidade com infetados pelo Covid-19, via smartphone, foi lançada na semana a versão alemã. Para quando o lançamento da aplicação portuguesa, anunciada ha várias semanas, que parece estar dependente de aprovação do Governo?
Temos de chegar atrasados a tudo?!
2. Em qualquer caso, a aplicação terá tanto mais serventia quanto maior for o número dos que a instalarem, desde que obviamente os infetados tenham o cuidado de assinalar esse facto no seu smartphone.
Para isso seria conveniente o lançamento de um apelo público para a instalação massiva da aplicação e para a sua utilização, quer pela Comissão Europeria, quer pelas autoridades de saúde nacionais. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade cívica.
Temos de chegar atrasados a tudo?!
2. Em qualquer caso, a aplicação terá tanto mais serventia quanto maior for o número dos que a instalarem, desde que obviamente os infetados tenham o cuidado de assinalar esse facto no seu smartphone.
Para isso seria conveniente o lançamento de um apelo público para a instalação massiva da aplicação e para a sua utilização, quer pela Comissão Europeria, quer pelas autoridades de saúde nacionais. Trata-se de uma verdadeira responsabilidade cívica.
sábado, 20 de junho de 2020
Bicentenário da Revolução Liberal (10): Da Revolução (1820) à Constituição (1822)
Publicado por
Vital Moreira
1. Em pré-lançamento da Porto Editora, eis o primeiro de três livros sobre a Revolução Liberal de que sou coautor junto com o Professor José Domingues, integrando um projeto enquadrado nas comemorações do bicentenário da Revolução Liberal e do início da era constitucional em Portugal.
Coligindo textos inicialmente publicados na revista História JN, revistos e ampliados, este primeiro livro analisa as etapas que levaram da Revolução de 1820 à Constituição de 1822, passando pelas Cortes Constituintes de 1821-22. Dois anos fulcrais na passagem do Antigo Regime ao Portugal moderno, de que somos herdeiros.
2. O livro é dedicado à memória de Manuel Fernandes Tomás e José Ferreira Borges, os dois mais eminentes líderes revolucionários, fundadores do Sinédrio, membros da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, deputados às Cortes Constituintes, enfim protagonistas maiores do vintismo.
Do prefácio do livro: «Como muitas outras vezes no passado, o engenho e a ação dos líderes são essenciais nas grandes façanhas da história. Aqui fica a nossa homenagem às duas figuras que, como nenhumas outras, personificam o “triénio vintista” entre nós.»
Coligindo textos inicialmente publicados na revista História JN, revistos e ampliados, este primeiro livro analisa as etapas que levaram da Revolução de 1820 à Constituição de 1822, passando pelas Cortes Constituintes de 1821-22. Dois anos fulcrais na passagem do Antigo Regime ao Portugal moderno, de que somos herdeiros.
2. O livro é dedicado à memória de Manuel Fernandes Tomás e José Ferreira Borges, os dois mais eminentes líderes revolucionários, fundadores do Sinédrio, membros da Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, deputados às Cortes Constituintes, enfim protagonistas maiores do vintismo.
Do prefácio do livro: «Como muitas outras vezes no passado, o engenho e a ação dos líderes são essenciais nas grandes façanhas da história. Aqui fica a nossa homenagem às duas figuras que, como nenhumas outras, personificam o “triénio vintista” entre nós.»
quinta-feira, 18 de junho de 2020
Ai o défice ! (10): Os custos orçamentais da recessão
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Vital Moreira
1. No próprio dia em que o Governo apresentou ao parlamento a revisão do Orçamento para o corrente ano, as previsões do Banco de Portugal sobre a recessão económica, muito mais pessimistas do que as inscritas no proposta de revisão orçamental, põem em causa a previsão do défice orçamental do Governo.
De facto, uma recessão de quase 10% quer dizer também mais desemprego e ambos significam menos receita fiscal e contributiva e mais despesa social (seguro de desemprego, etc.). O Orçamento revisto nasce problemático à partida. Mau começo para o novo ministro das Finanças.
2. Maior défice leva a mais dívida pública, quer em termos absolutos, quer, ainda mais, em termos relativos, dada a redução do PIB. O recurso à dívida pode ter de aumentar substancialmente, se não se concretizar o plano de ajuda à recuperação económica da Comissão Europeia, na parte em que prevê o endividamento da União para financiar diretamente projetos de investimento nacionais, dada a oposição dos chamados "países frugais". A esperada cornucópia da União pode não se materializar ou ficar muito aquém do projetado.
É certo que esse aumento do endividamento não vai trazer elevação das taxas de juro, em virtude da intervenção maciça do BCE na compra de dívida pública. Todavia, mesmo com juros baixos, o aumento do stock da dívida vai obviamente sobrecarregar o peso orçamental dos encargos da dívida.
Por isso mesmo, assumindo que o Governo não queira adotar medidas de austeridade (aumento de impostos e/ou corte na despesa), tudo aconselha uma prudente e parcimoniosa gestão orçamental.
De facto, uma recessão de quase 10% quer dizer também mais desemprego e ambos significam menos receita fiscal e contributiva e mais despesa social (seguro de desemprego, etc.). O Orçamento revisto nasce problemático à partida. Mau começo para o novo ministro das Finanças.
2. Maior défice leva a mais dívida pública, quer em termos absolutos, quer, ainda mais, em termos relativos, dada a redução do PIB. O recurso à dívida pode ter de aumentar substancialmente, se não se concretizar o plano de ajuda à recuperação económica da Comissão Europeia, na parte em que prevê o endividamento da União para financiar diretamente projetos de investimento nacionais, dada a oposição dos chamados "países frugais". A esperada cornucópia da União pode não se materializar ou ficar muito aquém do projetado.
É certo que esse aumento do endividamento não vai trazer elevação das taxas de juro, em virtude da intervenção maciça do BCE na compra de dívida pública. Todavia, mesmo com juros baixos, o aumento do stock da dívida vai obviamente sobrecarregar o peso orçamental dos encargos da dívida.
Por isso mesmo, assumindo que o Governo não queira adotar medidas de austeridade (aumento de impostos e/ou corte na despesa), tudo aconselha uma prudente e parcimoniosa gestão orçamental.
quarta-feira, 17 de junho de 2020
Livres & Iguais (52): "Gay rights are civic rights"
Publicado por
Vital Moreira
A decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos que, por ampla maioria, incluindo o voto de dois juízes conservadores, considerou os gays e pessoas transgénero protegidos pela cláusula de não discriminação no emprego em razão do sexo da Lei dos Direitos Civis de 1964, constitui um importante passo na conquista da igualdade no trabalho e no emprego independentemente de opções sexuais nos Estados Unidos, onde o lobby evangélico tem militantemente defendido tal discriminação.
A causa universal dos direitos humanos tem razões para celebrar. Nas palavras do editorial do New York Times, "gay rights are civil rights".
A causa universal dos direitos humanos tem razões para celebrar. Nas palavras do editorial do New York Times, "gay rights are civil rights".
terça-feira, 16 de junho de 2020
Praça da República (32): Invocar a Constituição em vão
Publicado por
Vital Moreira
1. Tal como sucedeu no passado quanto à despenalização do aborto e ao reconhecimento legal de casamentos de pessoas do mesmo sexo, entendo perfeitamente as objeções dos que se opõem à despenalização da eutanásia (ou suicídio medicamente assistido) por razões religiosas ou morais.
Mas, tal como os casos precedentes, não procede invocar a Constituição em apoio dessa oposição, como é o caso deste manifesto de alguns professores de Direito. Tal como as duas referidas questões, também esta deve manter-se no terreno do debate religioso, moral... e político, deixando a decisão aos representantes legítimos da coletividade. Num Estado laico e numa sociedade livre e plural, a Constituição não é o veículo mais apropriado para decidir as grandes aporias morais e religiosas.
2. O direito à vida, tal como todos os direitos individuais, visa antes de mais proteger a vida de cada um contra terceiros (o Estado ou outras pessoas), não propriamente contra o seu próprio titular. Já passou o tempo em que era crime a tentativa de suicídio.
O mesmo sucede com o direito à integridade pessoal ou o direito à liberdade pessoal. Ambos defendem as pessoas contra lesão desses direitos por terceiros, mas não tornam penalmente punível que alguém inflija a si mesmos lesões corporais ou decida estabelecer-se em reclusão absoluta, deitanto a chave fora.
Não se deve subverter a lógica defensiva contra terceiros dos direitos de personalidade e de liberdade, transformado-os em obrigações. Direito à vida significa direito a viver mas não um obrigação de viver em qualquer circunstâncias.
3. Tampouco a invocação da dignidade humana serve para fundamentar a atual criminalização da eutanásia. Pelo contrário, o que a meu ver é manifestamente ofensivo da dignidade humana é forçar a manter-se vivo, contra expressa e reiterada vontade sua, quem, sem nenhuma hipótese de sobrevivência, padece de sofrimento intolerável e deixou de ter qualquer sentido para a vida.
Mais apropriado nesta questão é defender, em sentido contrário, a irredutível liberdade e autonomia pessoal na escolha de uma morte digna.
4. Já no corrente ano, o Tribunal Constitucional alemão, que não pode ser acusado de desvalorizar o direito à vida nem a dignidade humana, considerou inconstitucional a criminalização do suicídio assistido, justamente em nome da liberdade e da autonomia pessoal na opção por uma morte digna, em casos devidamente caracterizados quanto aos pressupostos de facto e quando a liberdade e genuinidade da decisão dos interessados.
Sim, do que se trata é de um conflito entre a liberdade e autonomia pessoal de quem se encontra nessas situações dramáticas e a posição dos que entendem que eles devem beber até ao fim o cálice da dor e do sofrimento.
Adenda
De um leitor: «Como católico que sou, penso que em nenhuma circunstância devo privar-me da vida nem pedir assistência para o fazer. Mas entendo que não tenho o direito de julgar quem, em desespero de causa e na impossibilidade de pôr fim à vida, peça ajuda a outrem, muito menos tenho o direito de mandar para a prisão quem ajude a realizar essa última vontade».
Adenda 2
Outro leitor invoca a atual discriminação económico-social entre quem tem meios e pode obter tranquilamente a eutanásia numa clínica suíça (ou numa discreta clínica doméstica) e todos os demais, que ficam condenados e penar uma vida de dependência, dor e sofrimento, que resolutamente rejeitam.
Adenda 3
Um leitor argumenta que uma coisa é o direito ao suicídio propriamente dito e outra coisa é ser privado da vida por outrem, mesmo que a pedido, "o que equivale a homicídio". Discordo em absoluto. Para além de que a ajuda ao suicídio não é criminalmente equiparada a homicídio - nem poderia ser -, a questão específica da eutanásia refere-se a pessoas que não podem suicidar-se por si mesmas, precisando da ajuda de outrem. Ora, seria uma intolerável discriminação impedi-las de realizar a sua vontade.
Mas, tal como os casos precedentes, não procede invocar a Constituição em apoio dessa oposição, como é o caso deste manifesto de alguns professores de Direito. Tal como as duas referidas questões, também esta deve manter-se no terreno do debate religioso, moral... e político, deixando a decisão aos representantes legítimos da coletividade. Num Estado laico e numa sociedade livre e plural, a Constituição não é o veículo mais apropriado para decidir as grandes aporias morais e religiosas.
2. O direito à vida, tal como todos os direitos individuais, visa antes de mais proteger a vida de cada um contra terceiros (o Estado ou outras pessoas), não propriamente contra o seu próprio titular. Já passou o tempo em que era crime a tentativa de suicídio.
O mesmo sucede com o direito à integridade pessoal ou o direito à liberdade pessoal. Ambos defendem as pessoas contra lesão desses direitos por terceiros, mas não tornam penalmente punível que alguém inflija a si mesmos lesões corporais ou decida estabelecer-se em reclusão absoluta, deitanto a chave fora.
Não se deve subverter a lógica defensiva contra terceiros dos direitos de personalidade e de liberdade, transformado-os em obrigações. Direito à vida significa direito a viver mas não um obrigação de viver em qualquer circunstâncias.
3. Tampouco a invocação da dignidade humana serve para fundamentar a atual criminalização da eutanásia. Pelo contrário, o que a meu ver é manifestamente ofensivo da dignidade humana é forçar a manter-se vivo, contra expressa e reiterada vontade sua, quem, sem nenhuma hipótese de sobrevivência, padece de sofrimento intolerável e deixou de ter qualquer sentido para a vida.
Mais apropriado nesta questão é defender, em sentido contrário, a irredutível liberdade e autonomia pessoal na escolha de uma morte digna.
4. Já no corrente ano, o Tribunal Constitucional alemão, que não pode ser acusado de desvalorizar o direito à vida nem a dignidade humana, considerou inconstitucional a criminalização do suicídio assistido, justamente em nome da liberdade e da autonomia pessoal na opção por uma morte digna, em casos devidamente caracterizados quanto aos pressupostos de facto e quando a liberdade e genuinidade da decisão dos interessados.
Sim, do que se trata é de um conflito entre a liberdade e autonomia pessoal de quem se encontra nessas situações dramáticas e a posição dos que entendem que eles devem beber até ao fim o cálice da dor e do sofrimento.
Adenda
De um leitor: «Como católico que sou, penso que em nenhuma circunstância devo privar-me da vida nem pedir assistência para o fazer. Mas entendo que não tenho o direito de julgar quem, em desespero de causa e na impossibilidade de pôr fim à vida, peça ajuda a outrem, muito menos tenho o direito de mandar para a prisão quem ajude a realizar essa última vontade».
Adenda 2
Outro leitor invoca a atual discriminação económico-social entre quem tem meios e pode obter tranquilamente a eutanásia numa clínica suíça (ou numa discreta clínica doméstica) e todos os demais, que ficam condenados e penar uma vida de dependência, dor e sofrimento, que resolutamente rejeitam.
Adenda 3
Um leitor argumenta que uma coisa é o direito ao suicídio propriamente dito e outra coisa é ser privado da vida por outrem, mesmo que a pedido, "o que equivale a homicídio". Discordo em absoluto. Para além de que a ajuda ao suicídio não é criminalmente equiparada a homicídio - nem poderia ser -, a questão específica da eutanásia refere-se a pessoas que não podem suicidar-se por si mesmas, precisando da ajuda de outrem. Ora, seria uma intolerável discriminação impedi-las de realizar a sua vontade.
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Free and fair trade (15): Concorrência desleal
Publicado por
Vital Moreira
1. Uma das providências contra a concorrência desleal no comércio internacional consiste na aplicação de penalizações aduaneiras ("direitos compensatórios") às importações oriundas de países que subsidiam as respetivas exportações, como sucede frequentemente com a China (mas não só).
São numerosos os casos em que a UE tem recorrido a tais providências, em defesa de empresas europeias vítimas dessas exportações chinesas subsidiadas. A União acaba de dar mais um passo no combate às exportações subsidiadas, aplicando tarifas punitivas às importações de fibra de vidro não somente às empresas exportadoras sediadas na China, mas também às filiais de tais empresas chinesas localizadas noutros país (neste caso o Egito), quando beneficiam de tais subsídios.
2. A China, que se tornou um grande exportador, beneficiando da sua entrada na OMC há duas décadas, tem de respeitar as regras contra o dumping e a subsidiação das suas exportações. E como principal destino das exportações chinesas, a UE não pode consentir que China viole impunemente a "constituição comercial multilateral"contra a concorrência desleal.
São numerosos os casos em que a UE tem recorrido a tais providências, em defesa de empresas europeias vítimas dessas exportações chinesas subsidiadas. A União acaba de dar mais um passo no combate às exportações subsidiadas, aplicando tarifas punitivas às importações de fibra de vidro não somente às empresas exportadoras sediadas na China, mas também às filiais de tais empresas chinesas localizadas noutros país (neste caso o Egito), quando beneficiam de tais subsídios.
2. A China, que se tornou um grande exportador, beneficiando da sua entrada na OMC há duas décadas, tem de respeitar as regras contra o dumping e a subsidiação das suas exportações. E como principal destino das exportações chinesas, a UE não pode consentir que China viole impunemente a "constituição comercial multilateral"contra a concorrência desleal.
Não concordo (16): O parecer sobre o "orçamento suplementar"
Publicado por
Vital Moreira
Marques Mendes considera uma «clara tentativa do Governo de intimidar e condicionar a ação dos partidos [da oposição]» o envio à AR de um parecer jurídico sobre sobre limites constitucionais do poder dos deputados na votação de alterações à lei do orçamento. Não vejo motivo para tal acusação.
Dê-se-lhe o nome que se queira, o "orçamento suplementar" ou "orçamento corretivo" não constitui um novo orçamento, mas sim uma proposta de alteração do orçamento vigente. Por isso, o Governo tem todo o direito de alertar os deputados sobre os limites do parlamento na votação de alterações orçamentais, quer quanto ao respeito do âmbito da alteração orçamental proposta pelo Governo, quer quanto ao não agravamento da despesa pública e não redução da receita pública prevista. A AR pode obviamente ignorar esse parecer, mas deixa de o poder fazer inadvertidamente e sem ignorar as possíveis consequências, nomeadamente a inconstitucionalidade da alteração orçamental.
Dê-se-lhe o nome que se queira, o "orçamento suplementar" ou "orçamento corretivo" não constitui um novo orçamento, mas sim uma proposta de alteração do orçamento vigente. Por isso, o Governo tem todo o direito de alertar os deputados sobre os limites do parlamento na votação de alterações orçamentais, quer quanto ao respeito do âmbito da alteração orçamental proposta pelo Governo, quer quanto ao não agravamento da despesa pública e não redução da receita pública prevista. A AR pode obviamente ignorar esse parecer, mas deixa de o poder fazer inadvertidamente e sem ignorar as possíveis consequências, nomeadamente a inconstitucionalidade da alteração orçamental.
sábado, 13 de junho de 2020
Bicentenário da Revolução Liberal (10): Uma exposição a ver
Publicado por
Vital Moreira
1. Passado o pico da pandemia, foi retomado o notável programa comemorativo do bicentenário da Revolução Liberal (1820-2020) no Porto, berço da Revolução, embora muitos dos eventos do programa tenham sido ou venham a ser reagendados para os próximos meses.
Entre os que já foram reativados conta-se a exposição patente na Casa do Infante, na ribeira no Porto, que mostra o itinerário da Revolução desde a sublevação 24 de agosto de 1820 até ao regresso de D. João VI do Brasil e o seu juramento das Bases da Constituição (entretanto aprovadas nas Cortes Constituintes), em julho de 1821, data inaugural da monarquia constitucional em Portugal.
2. Comissariada pelo Prof. Lopes Cordeiro, a exposição disponibiliza ao público um notável acervo de fontes documentais e iconográficas sobre a Revolução e os seus protagonistas. A não perder por quem se interessa pela história da conquista da liberdade e da cidadania política em Portugal.
Só é pena que o livro-catálogo que devia acompanhar a exposição, da autoria do próprio comissário, cujo lançamento esteve agendado para 23 de abril, não tenha podido ser publicado atempadamente, vítima do confinamento. Esperemos que não tarde a sua edição, ainda sem data marcada.
Entre os que já foram reativados conta-se a exposição patente na Casa do Infante, na ribeira no Porto, que mostra o itinerário da Revolução desde a sublevação 24 de agosto de 1820 até ao regresso de D. João VI do Brasil e o seu juramento das Bases da Constituição (entretanto aprovadas nas Cortes Constituintes), em julho de 1821, data inaugural da monarquia constitucional em Portugal.
2. Comissariada pelo Prof. Lopes Cordeiro, a exposição disponibiliza ao público um notável acervo de fontes documentais e iconográficas sobre a Revolução e os seus protagonistas. A não perder por quem se interessa pela história da conquista da liberdade e da cidadania política em Portugal.
Só é pena que o livro-catálogo que devia acompanhar a exposição, da autoria do próprio comissário, cujo lançamento esteve agendado para 23 de abril, não tenha podido ser publicado atempadamente, vítima do confinamento. Esperemos que não tarde a sua edição, ainda sem data marcada.
Pandemia (27): E Portugal?
Publicado por
Vital Moreira
É interessante esta tabela publicada no The Economist, sobre a relação entre a número de mortes oficialmente atribuídas à pandemia em cada País e o excesso de mortes em comparação com a média dos últimos anos nos mesmos períodos.
É fácil verificar que, com exceção da Bélgica, todos os paises reportam um número de mortes de Covid-19 consideravelmente inferior ao excesso de mortes registado, sendo essa diferença enorme no caso da Itália e dos Países Baixos. A discrepância tem a ver principalmente com o critério de identificação das vítimas letais do Covid-19, havendo países que só contam como tais os casos em que tenha havido teste positivo de infeção, o que desconta os mortos em casa ou em instituições sociais sem diagnóstico prévio.
A tabela não inclui Portugal, mas seria interessante fazer o mesmo exercício.
É fácil verificar que, com exceção da Bélgica, todos os paises reportam um número de mortes de Covid-19 consideravelmente inferior ao excesso de mortes registado, sendo essa diferença enorme no caso da Itália e dos Países Baixos. A discrepância tem a ver principalmente com o critério de identificação das vítimas letais do Covid-19, havendo países que só contam como tais os casos em que tenha havido teste positivo de infeção, o que desconta os mortos em casa ou em instituições sociais sem diagnóstico prévio.
A tabela não inclui Portugal, mas seria interessante fazer o mesmo exercício.
quinta-feira, 11 de junho de 2020
Pandemia (26): Preocupação
Publicado por
Vital Moreira
1. Não pode haver dúvidas de que a curva do número de novos casos de infeção em Portugal retomou uma tendência ascendente.
Embora tal evolução fosse esperada por causa do desconfinamento e o aumento de casos seja devido a surtos localizados na região de Lisboa, a verdade é que neste momento Portugal é um dos poucos países europeus com tal evolução negativa.
2. De país exemplar no combate à pademia inicialmente, Portugal está em risco de transformar-se num mau exemplo.
Não por acaso, alguns países que estão a abrir as suas fronteiras excluem os viajantes oriundos de Portugal, como é o caso da Grécia e da Áustria. Essa imagem negativa pode afetar gravemente a possibilidade de retoma do turismo externo no nosso País.
Adenda
Note-se que, como assinala um leitor, o maior número de infetados não é acompanhado por um aumento correspondente do número de mortes, em virtude de grande parte dos novos casos dizer respeito a população jovem, menos vulnerável ao vírus. Em todo o caso, mesmo quanto a esse critério, Portugal apresenta agora números menos favoráveis do que muitos outros países europeus.
domingo, 7 de junho de 2020
Regionalização (3): Cegueira política
Publicado por
Vital Moreira
1. O Expresso deste fim de semana faz manchete com a notícia de que o Governo "acelera regionalização", referindo-se à proposta para fazer eleger os presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) pelos autarcas de cada uma das cinco áreas territoriais de âmbito regional.
Trata-se uma notícia pouco rigorosa (desconfio que propositadamente...). Primeiro, porque se não pode "acelerar" o que ainda nem sequer arrancou. Segundo, porque a referida solução não constitui nenhum passo na regionalização propriamente dita, embora possa aplanar o caminho em direção a ela. De facto, o equívoco termo "regionalização" significa a criação de autarquias territoriais supramunicipais, dotadas de órgãos eletivos próprios (incluindo uma assembleia representativa diretamente eleita) e de atribuições, finanças e funcionários próprios, como as demais autarquias territoriais (municípios e freguesias). Ora, nada disto está, para já, na agenda política do Governo.
2. Tanto o BE como o PCP opõem-se a essa solução, por entenderem que ela atrasa a regionalização, cuja implementação propõem desde já, mediante o necessário referendo, constitucionalmente obrigatório. Custa a comprender a cegueira política desses dois partidos.
É fácil percecionar que a possibilidade de ganhar um referendo sobre a regionalização em abstrato é tão pouco favorável hoje como há duas décadas. Os cidadãos não votam em mudanças institucionais que desconhecem, sobretudo quando têm receio de que impliquem mais despesa pública e mais "classe política".
O único modo de ganhar tal referendo consiste em chamar os cidadãos a validar uma solução de descentralização regional já potencialmente existente, como são as CCDR, com território, competências e finanças já definidas. A eleição indireta dos presidentes das CCDR, tal como proposta pelo Governo, mesmo sem alterar o atual estatuto destas, vai conferir-lhes uma dimensão de autogoverno e uma visibilidade pública, que tornarão depois mais fácil aceitar a sua substituição pela eleição dos órgãos regionais pelos próprios cidadãos.
3. Entendo que desde há muito o debate sobre esta questão se encontra inquinado pelo uso de noções politicamente "queimadas", como "regionalização" e "regiões administrativas". Por isso tenho proposto a substituição da primeira por descentralização regional e da segunda por autarquias regionais, as quais, além de mais rigorosas, são politicamente neutras.
Também me parece que todas as futuras autarquias regionais devem ter nome identificador próprio, o que não sucede hoje com as regiões "Norte" e "Centro", pelo que tenho defendido que, tal como o Alentejo e o Algarve, elas assumam os nomes das antigas províncias correspondentes, ou seja, Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Além do mais, isso ajudaria a conferir legitimidade histórica às novas autarquias regionais.
Adenda
Um leitor argumenta que a atual região Norte compreende as antigas três províncias do Minho, Douro e Trás-os-Montes e que não faz sentido designá-la somente com o nome das duas primeiras nem somar a designação das três províncias, dada a extensão de tal nome, pelo que o melhor é mesmo manter a designação atual. Tem razão.
Adenda (2) (17/6)
O referido diploma legislativo foi entretanto publicado no DR: https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/135951161/details/maximized?serie=I&day=2020-06-17&date=2020-06-01
Trata-se uma notícia pouco rigorosa (desconfio que propositadamente...). Primeiro, porque se não pode "acelerar" o que ainda nem sequer arrancou. Segundo, porque a referida solução não constitui nenhum passo na regionalização propriamente dita, embora possa aplanar o caminho em direção a ela. De facto, o equívoco termo "regionalização" significa a criação de autarquias territoriais supramunicipais, dotadas de órgãos eletivos próprios (incluindo uma assembleia representativa diretamente eleita) e de atribuições, finanças e funcionários próprios, como as demais autarquias territoriais (municípios e freguesias). Ora, nada disto está, para já, na agenda política do Governo.
2. Tanto o BE como o PCP opõem-se a essa solução, por entenderem que ela atrasa a regionalização, cuja implementação propõem desde já, mediante o necessário referendo, constitucionalmente obrigatório. Custa a comprender a cegueira política desses dois partidos.
É fácil percecionar que a possibilidade de ganhar um referendo sobre a regionalização em abstrato é tão pouco favorável hoje como há duas décadas. Os cidadãos não votam em mudanças institucionais que desconhecem, sobretudo quando têm receio de que impliquem mais despesa pública e mais "classe política".
O único modo de ganhar tal referendo consiste em chamar os cidadãos a validar uma solução de descentralização regional já potencialmente existente, como são as CCDR, com território, competências e finanças já definidas. A eleição indireta dos presidentes das CCDR, tal como proposta pelo Governo, mesmo sem alterar o atual estatuto destas, vai conferir-lhes uma dimensão de autogoverno e uma visibilidade pública, que tornarão depois mais fácil aceitar a sua substituição pela eleição dos órgãos regionais pelos próprios cidadãos.
3. Entendo que desde há muito o debate sobre esta questão se encontra inquinado pelo uso de noções politicamente "queimadas", como "regionalização" e "regiões administrativas". Por isso tenho proposto a substituição da primeira por descentralização regional e da segunda por autarquias regionais, as quais, além de mais rigorosas, são politicamente neutras.
Também me parece que todas as futuras autarquias regionais devem ter nome identificador próprio, o que não sucede hoje com as regiões "Norte" e "Centro", pelo que tenho defendido que, tal como o Alentejo e o Algarve, elas assumam os nomes das antigas províncias correspondentes, ou seja, Minho-e-Douro e Beiras, respetivamente.
Além do mais, isso ajudaria a conferir legitimidade histórica às novas autarquias regionais.
Adenda
Um leitor argumenta que a atual região Norte compreende as antigas três províncias do Minho, Douro e Trás-os-Montes e que não faz sentido designá-la somente com o nome das duas primeiras nem somar a designação das três províncias, dada a extensão de tal nome, pelo que o melhor é mesmo manter a designação atual. Tem razão.
Adenda (2) (17/6)
O referido diploma legislativo foi entretanto publicado no DR: https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/135951161/details/maximized?serie=I&day=2020-06-17&date=2020-06-01
segunda-feira, 1 de junho de 2020
Um pouco mais de jornalismo sff (16): Esquecer o principal
Publicado por
Vital Moreira
1. Nesta importante entrevista à Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública, os entrevistadores perguntaram tudo sobre a função pública menos a questão porventura mais importante, a saber, quanto à reforma das carreiras especiais (professores, polícias, militares, funcionários judiciais, etc.), no que respeita ao regime de avaliação e de progressão na carreira.
Apesar de os professores não terem obtido inteiro ganho de causa em 2018 quanto à questão da recuperação das progressões congeladas durante a recessão de 2011-2014, a verdade é que, a manter-se em vigor o atual regime, essencialmente baseado na antiguidade, em vez da avaliação do mérito, o impacto financeiro não tardará a ser exorbitante, dado o grande número de funcionários nessas carreiras e a facilidade da progressão para as posições remuneratórias mais elevadas.
Trata-se de questão demasiado importante para ser silenciada.
2. A reforma das carreiras especiais não é somente uma questão de igualdade e de supressão de privilégios indevidos na função pública - o que de si já é decisivo -, mas também um questão de sustentabilidade das finanças públicas. A nova crise financeira trazida pelo pandemia (elevado défice orçamental e aumento da dívida pública) vai obrigar a levar de novo a sério a contenção da despesa pública.
E quanto maior for a despesa corrente, menor é a fatia que resta para o investimento público imprescindível para a recuperação económica.
Apesar de os professores não terem obtido inteiro ganho de causa em 2018 quanto à questão da recuperação das progressões congeladas durante a recessão de 2011-2014, a verdade é que, a manter-se em vigor o atual regime, essencialmente baseado na antiguidade, em vez da avaliação do mérito, o impacto financeiro não tardará a ser exorbitante, dado o grande número de funcionários nessas carreiras e a facilidade da progressão para as posições remuneratórias mais elevadas.
Trata-se de questão demasiado importante para ser silenciada.
2. A reforma das carreiras especiais não é somente uma questão de igualdade e de supressão de privilégios indevidos na função pública - o que de si já é decisivo -, mas também um questão de sustentabilidade das finanças públicas. A nova crise financeira trazida pelo pandemia (elevado défice orçamental e aumento da dívida pública) vai obrigar a levar de novo a sério a contenção da despesa pública.
E quanto maior for a despesa corrente, menor é a fatia que resta para o investimento público imprescindível para a recuperação económica.
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