sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Como era de temer (16): Sem escrúpulos

Estas eleições locais deram para mostrar Montenegro no seu pior quanto à falta escrúpulos políticos no combate eleitoral. 

Por um lado, não teve pejo político em instrumentalizar miseravelmente o projeto de orçamento para efeitos eleitorais, primeiro atrasando deliberadamente as eleições para data posterior à data normal de apresentação do orçamento e, depois, fazendo das promessas orçamentais (reais ou fictícias) uma alavanca de campanha eleitoral. Nem a oportuna advertência do PR, plenamente justificada, o levou a moderar o abuso.

Por outro lado, e mais grave, Montenegro não teve o mínimo pudor político em utilizar explicitamente a sua condição de chefe do Governo em campanha eleitoral, incluindo o anúncio de medidas governamentais em ações de campanha, confundindo abusivamente a sua condição de primeiro-ministro com a de líder partidário e ignorando a regra constitucional da isenção eleitoral dos titulares de cargos públicos, enquanto tais, nas campanhas eleitorais. 

Não me recordo de nenhum PM que tenha mostrado tão ostensivo desprezo por regras de conduta tão elementares numa democracia eleitoral.

Adenda
Um leitor comenta que, «considerando a evidente falta de cultura democrática de Montenegro, não é de admirar». Podemos não nos surpreender, mas não nos devemos conformar. Para serem "livres e justas" (free and fair) as eleições não têm de obedecer somente a regras constitucionais e legais, mas também a "convenções" e mores consensuais destinados a garantir a igualdade de armas e a lisura, sem golpes baixos, no combate eleitoral. Não há nada mais perigoso para a democracia eleitoral do que a perda de confiança na integridade do processo eleitoral.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Eleições presidenciais (16): Fora da caixa

1. Gouveia e Melo incorre num escusado excesso retórico, quando fala numa «perigosa oligarquia política» alegadamente liderada por Marques Mendes, e constituída por uma «casta política» que se julga «dona da democracia»

Mas tem toda a razão quando denuncia a tentativa - ensaiada por uma parte do comentariado e pelos candidatos oriundos dos partidos, em particular por Marques Mendes - de lhe retirar legitimidade política para ser Presidente, seja pela sua origem militar, seja pelo facto de não ter carreira nem experiênca política. 

Na verdade, o cargo presidencial não está vedado a nenhuma categoria de cidadãos nem é reserva dos diplomados em prática política, com exclusão dos "leigos".

2. A meu ver, para desempenhar bem as funções que incumbem ao PR no nosso sistema constitucional - de representação institucional, de moderação da conflitualidade política e de garantia do regular funcionamento das instituições - a carreira militar não é um handicap e a experiência política, embora podendo ser uma mais-valia, não é seguramente uma condição necessária.

Mais importantes do que isso para a magistratura presidencial são seguramente cinco outros requisitos: (i) compromisso incondicional com os valores constitucionais (democracia, Estado de direito, Estado social, autonomia local e regional, etc.); (ii) perceção clara do papel do Presidente no sistema constitucional de separação de poderes, especialmente quanto aos limites dos seus poderes; (iii) estrita imparcialidade partidária, como representante unitário de toda a coletividade nacional; (iv) adesão firme ao princípio republicano da separação entre interesse público e interesses particulares ou de grupo; (v) prudência, ponderação, recato institucional e elevação nas suas decisões e declarações, qualidades que devem ser timbre dos inquilinos de Belém.

Não vejo porque é que Gouveia e Melo há de ser excluído à partida de fazer prova, tal como os demais candidatos, de preenchimento destes requisitos.

Adenda
Um leitor manifesta-se surpreendido por eu «apoiar GM, quando há um candidato do PS», mas há aí um óbvio equívoco: 1º - não declarei nenhum apoio a GM (cujas posições, aliás, já critiquei, duas vezes, AQUI e AQUI) e apenas contestei a sua exclusão liminar da competição, como querem alguns; 2º - não há um candidato do PS, mas sim provavelmente um candidato apoiado pelo PS, apoio que, porém, não será vinculativo, pois nas eleições presidenciais não há candidatos partidários; 3º - tirando os dois candidatos que já excluí, por causa das suas posições (AQUI e AQUI), todos os outros se mantêm em prova, até porque tudo indica que vai haver uma segunda volta. O caminho para Belém ainda é longo.

Um pouco mais de coerência (4): Quando nos toca também

Montenegro tem toda a razão para protestar contra a notícia filtrada de dentro do Ministério Público, em plena campanha eleitoral para as eleições locais, segundo a qual os investidores estariam inclinados a propor a abertura de inquérito-crime contra ele no caso Spinumviva, a sua empresa pessoal.

Só que, quando os alvos dos abusos do Ministério Público e da instrumentalização política da investigação penal são outros, concretamente do PS, nunca o vimos protestar, nem a ele nem ao comentariado afeto à direita. Pelo contrário, o que vimos foi aproveitarem-se oportunisticamwente dessas "notícias" para combate político de baixo nível -, o que o PS, felizmente, não está a reciprocar.

É de esperar que aprenda a lição e tire as devidas consequências!