sexta-feira, 31 de outubro de 2025

Não concordo (53): Ventura agradece

1. Discordo da ideia de promover a dissolução do Chega, ao abrigo da norma cosntitucional que proíbe as organizações racistas ou de ideologia fascista. 

Entendo que essa proibição proibição constitucional tem por referência, por um lado, as organizações baseadas no ódio racial e apostadas em promovê-lo e, por outro lado, os regimes nacionalistas antidemocráticos e antiliberais, autoritários e repressivos do passado, de que o chamado Estado Novo foi referência entre nós. Ao contrário de outras constituições, como a alemã, a CRP não proíbe em geral partidos só por serem contrários à ordem constitucional instituída

2. Penso que, sem prejuízo do necessário combate político, uma democracia liberal, justamente por o ser, só deve promover a dissolução das organizações políticas que a põem em causa em caso de efetiva ameaça, quando recorram a meios de ação política à margem da Constituição.

Por isso, julgo que tal iniciativa não tem hipóteses de vingar e só vai permitir a Ventura armar-se em "perseguido" e tirar partido disso.

Adenda
Um leitor estranha a minha «complacência com o Chega», o que, porém, além de uma acusação pessoalmente ofensiva (basta ver o que tenho escrito aqui sobre isso), não é nenhum argumento contra a posição que acima defendo. Não é preciso estudar Direito constitucional nem saber de cor o art 18º da CRP, para entender que numa democracia liberal a liberdade expressão e de organização política é um direito fundamental que não pode ser restringido, muito menos cancelado, a não ser em situações-limite, quando tal seja estritamente necessário para salvaguadar a ordem constitucional. Não me parece que estejamos numa situação dessas. Penso que, em vez de tentar suprimir os inimigos da democracia, devemos combatê-los eficazmente.

sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Eleições presidenciais 2026 (21): Entre a passividade e o ativismo presidencial

 1. Merece reflexão este alerta de Pedro Adão e Silva, esta semana, na sua habitual coluna no Público, na sequência da publicação do meu livro "Que Presidente da República para Portugal?", que ele fez o favor de comentar há dias na sessão de lançamento público, em Lisboa:

«Mas esta tentação presidencialista não está nem conforme com os poderes previstos na Constituição, nem alinhada com o perfil pouco entusiasmante dos atuais candidatos. O que condenará o próximo inquilino de Belém a ser uma de duas coisas: irrelevante ou a exercer um “poder desestabilizador”, consolidando a prática de tudo comentar e exorbitar das suas funções, colidindo com as esferas de autonomia de Governo e Parlamento.»

Na verdade, sou igualmente contra um Presidente excessivo (como foi o caso de Marcelo Rebelo de Sousa) e contra o Presidente que se limitasse a fazer papel de corpo presente, como se fora um monarca puramente representativo e cerimonial, à imagem do que sucede nas monarquias constitucionais e em algumas repúblicas que as imitam nesse aspeto. Se não elegemos o PR para competir com a AR e o Governo, enquanto legislador ou governante paralelo, tampouco o elegemos para deixar na gaveta as suas funções enquanto garante do regular funcionamento das instituições, enquanto vigilante do respeito pela Constituição e enquanto moderador da conflitualidade política e dos excessos legislativos ou políticos. 

Pelo contrário, os seus poderes constitucionais são para serem usados, quando for caso disso e de forma prudente e responsável, em defesa dos valores constitucionais, da transparência e da responsabilidade política e da estabilidade política e governativa.

2. No entanto, a lógica do poder indica e a experiência comprova que o risco de excesso presidencial é muito maior do que o risco de défice ou de omissão, pelo que a principal preocupação deve ser a de cuidar das garantias contra aquele . 

As minhas teses sobre esse ponto crucial assentam em dois pontos, que não é preciso ter estudado direito constitucional para entender:

1º) - numa democracia constitucional o PR só tem os poderes enunciados na Constituição;

2º) - quando os poderes presidenciais afetarem a autonomia de outros órgãos de soberania (como sucede com o poder de dissolução ou o poder de veto legislativo), devem ser interpretados restritivamente e ser praticados com prudência e contenção, de acordo com os princípios da necesidade e da proporcionalidade. 

Sinteticamente,  como mostra a tabela abaixo, a posição do PR no nosso sistema político pode ser sumariada num conjunto de contraposições, entre o que o Presidente é ou pode fazer e o que ele não é nem pode fazer. 

É fácil ver na coluna da direita os riscos da "tentação presidencialista" que denuncio no meu livro.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Contra a tentação presidencialista (5): Um alerta pertinente

Merece ser lida (como, aliás, é usual neste autor) a coluna de hoje no Público de Pedro Adão e Silva, que ontem fez o favor de apresentar o meu livro Que Presidente da República para Portugal? na sessão de lançamento público, em Lisboa.

Eis um excerto com o argumento essencial, que regista um alerta sobre estas eleições presidenciais que tem de ser levado em conta pelos cidadãos inquietos com a saúde política da República:

«Mas esta tentação presidencialista não está nem conforme com os poderes previstos na Constituição, nem alinhada com o perfil pouco entusiasmante dos atuais candidatos. O que condenará o próximo inquilino de Belém a ser uma de duas coisas: irrelevante ou a exercer um “poder desestabilizador”, consolidando a prática de tudo comentar e exorbitar das suas funções, colidindo com as esferas de autonomia de Governo e Parlamento.

Nos próximos tempos, andaremos consumidos por pronunciamentos de candidatos, por frente-a-frentes televisivos e por análises a sondagens, mas, nos 50 anos da Constituição, constataremos que o problema é mais profundo, o que obrigará a revisitar os poderes do inquilino de Belém: clarificando-os, limitando-os e reforçando a natureza parlamentar do regime.»



sábado, 18 de outubro de 2025

Não dá para entender (41): A questão da burqa

1. Não é que não haja bons argumentos para proibir o uso da burqa em público, que aliás levaram vários países a fazê-lo, na Europa e fora dela (incluindo países muçulmanos), e justificaram a decisão do Tribunal Europeu de Direitos Humanos de não considerar tal proibição incompatível com a Convenção.

O problema é que em Portugal se trata de responder a uma questão inexistente, não havendo notícia de uso frequente da burqa em alguma comunidade imigrante. Como mostram os dados recentes, a imigração orinária de países muçulmanos é pouco significativa, e a sua proveniência é de países onde o uso da burqa não é comum.

2. Assim sendo, a iniciativa do Chega agora aprovada na AR não passa de mais um degrau na construção de uma cruzada anti-islâmica ao serviço do discurso anti-imigração, xenófobo e islamófobo do partido populista. Por isso, é incompreensível que esta proposta, destinada a alimentar o ódio étnico e religioso, tenha colhido o pronto apoio da Iniciativa Liberal e do PSD, em mais um elo no processo de "cheguização" do centro-direita em Portugal.

Há alianças que comprometem.

Adenda
Um leitor entende que as pessoas devem ter a «liberdade de se vestir como quiserem e que a burqa só deveria ser interdita, quando forçada». Duas objeções: 1º - como todas, a liberdade no vestuário tem limites, e o rosto tapado coloca problemas de segurança e de identificação de pessoas com mandado de detenção; 2º - no caso da burqa, nunca se sabe se se trata de opção livre da mulher que o usa ou de coação familiar ou comunitária. A questão da sujeição feminina na cultura islâmica tradicional não pode ser descartada.

quinta-feira, 16 de outubro de 2025

Contra a tentação presidencialista (3): A minha nota de apresentação


Eis um excerto da minha nota de apresentação do livro:


Adenda
O livro vai hoje para as livrarias.

terça-feira, 14 de outubro de 2025

Contra a tentação presidencialista (1): Um livro para um debate necessário


Este meu novo livro, com prefácio de António Costa, sai para as livrarias nesta quinta-feira, e o lançamento público, com apresentação de Pedro Adão e Silva, é na próxima terça-feira em Lisboa.

Adenda
Reportando-se a este comentário do Expresso, um leitor considera «exagerada a crítica de Costa a Marcelo». Sucede, porém, que esse comentário, a começar pelo seu título especulativo, não é uma leitura correta do prefácio do antigo Primeiro-ministro, que cuida de não emitir nenhum juízo sobre o mandato do PR cessante nem sobre nenhum episódio entre ele e o PR. No livro o encargo da crítica ao desempenho presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa recai sobre o autor do livro, e não sobre o prefaciador.

Adenda 2


segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Ainda bem! (8): "Notícias" claramente exageradas

1. Nas eleições locais de ontem (resultados AQUI) não se confirmaram os maus augúrios sobre o "declínio do PS", a que a humilhante derrota nas eleições parlamentares, sob a desastrosa liderança de Pedro Nuno Santos, tinham  dada origem no comentariado nacional.

Quer pela percentagem de votos nacional (mais de 30%, somando as coligações com pequenos partidos), quer pelo número de municípios ganhos (incluindo a conquista de cidades como Bragança, Viseu, Coimbra, Évora e Faro), o PS está de volta claramente à cena política como um dos dois grandes partidos nacionais.  A notícia da iminente "morte do PS" era manifestamente exagerada.

2. Tambem eram manifestamente exagerados os riscos de o Chega transferir para o poder local o elevado  resultado que obteve nas eleições legislativas.

Com uma susbtancial quebra eleitoral e com apenas três presidências de CM, atrás do PCP e do CDS, dificilmente poderiam ser mais modestos os ganhos da extrema-direita populista. O desaire de Ventura também é uma boa notícia.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Como era de temer (16): Sem escrúpulos

Estas eleições locais deram para mostrar Montenegro no seu pior quanto à falta escrúpulos políticos no combate eleitoral. 

Por um lado, não teve pejo político em instrumentalizar miseravelmente o projeto de orçamento para efeitos eleitorais, primeiro atrasando deliberadamente as eleições para data posterior à data normal de apresentação do orçamento e, depois, fazendo das promessas orçamentais (reais ou fictícias) uma alavanca de campanha eleitoral. Nem a oportuna advertência do PR, plenamente justificada, o levou a moderar o abuso.

Por outro lado, e mais grave, Montenegro não teve o mínimo pudor político em utilizar explicitamente a sua condição de chefe do Governo em campanha eleitoral, incluindo o anúncio de medidas governamentais em ações de campanha, confundindo abusivamente a sua condição de primeiro-ministro com a de líder partidário e ignorando a regra constitucional da isenção eleitoral dos titulares de cargos públicos, enquanto tais, nas campanhas eleitorais. 

Não me recordo de nenhum PM que tenha mostrado tão ostensivo desprezo por regras de conduta tão elementares numa democracia eleitoral.

Adenda
Um leitor comenta que, «considerando a evidente falta de cultura democrática de Montenegro, não é de admirar». Podemos não nos surpreender, mas não nos devemos conformar. Para serem "livres e justas" (free and fair) as eleições não têm de obedecer somente a regras constitucionais e legais, mas também a "convenções" e mores consensuais destinados a garantir a igualdade de armas e a lisura, sem golpes baixos, no combate eleitoral. Não há nada mais perigoso para a democracia eleitoral do que a perda de confiança na integridade do processo eleitoral.

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Eleições presidenciais (16): Fora da caixa

1. Gouveia e Melo incorre num escusado excesso retórico, quando fala numa «perigosa oligarquia política» alegadamente liderada por Marques Mendes, e constituída por uma «casta política» que se julga «dona da democracia»

Mas tem toda a razão quando denuncia a tentativa - ensaiada por uma parte do comentariado e pelos candidatos oriundos dos partidos, em particular por Marques Mendes - de lhe retirar legitimidade política para ser Presidente, seja pela sua origem militar, seja pelo facto de não ter carreira nem experiênca política. 

Na verdade, o cargo presidencial não está vedado a nenhuma categoria de cidadãos nem é reserva dos diplomados em prática política, com exclusão dos "leigos".

2. A meu ver, para desempenhar bem as funções que incumbem ao PR no nosso sistema constitucional - de representação institucional, de moderação da conflitualidade política e de garantia do regular funcionamento das instituições - a carreira militar não é um handicap e a experiência política, embora podendo ser uma mais-valia, não é seguramente uma condição necessária.

Mais importantes do que isso para a magistratura presidencial são seguramente cinco outros requisitos: (i) compromisso incondicional com os valores constitucionais (democracia, Estado de direito, Estado social, autonomia local e regional, etc.); (ii) perceção clara do papel do Presidente no sistema constitucional de separação de poderes, especialmente quanto aos limites dos seus poderes; (iii) estrita imparcialidade partidária, como representante unitário de toda a coletividade nacional; (iv) adesão firme ao princípio republicano da separação entre interesse público e interesses particulares ou de grupo; (v) prudência, ponderação, recato institucional e elevação nas suas decisões e declarações, qualidades que devem ser timbre dos inquilinos de Belém.

Não vejo porque é que Gouveia e Melo há de ser excluído à partida de fazer prova, tal como os demais candidatos, de preenchimento destes requisitos.

Adenda
Um leitor manifesta-se surpreendido por eu «apoiar GM, quando há um candidato do PS», mas há aí um óbvio equívoco: 1º - não declarei nenhum apoio a GM (cujas posições, aliás, já critiquei, duas vezes, AQUI e AQUI) e apenas contestei a sua exclusão liminar da competição, como querem alguns; 2º - não há um candidato do PS, mas sim provavelmente um candidato apoiado pelo PS, apoio que, porém, não será vinculativo, pois nas eleições presidenciais não há candidatos partidários; 3º - tirando os dois candidatos que já excluí, por causa das suas posições (AQUI e AQUI), todos os outros se mantêm em prova, até porque tudo indica que vai haver uma segunda volta. O caminho para Belém ainda é longo.

Um pouco mais de coerência (4): Quando nos toca também

Montenegro tem toda a razão para protestar contra a notícia filtrada de dentro do Ministério Público, em plena campanha eleitoral para as eleições locais, segundo a qual os investidores estariam inclinados a propor a abertura de inquérito-crime contra ele no caso Spinumviva, a sua empresa pessoal.

Só que, quando os alvos dos abusos do Ministério Público e da instrumentalização política da investigação penal são outros, concretamente do PS, nunca o vimos protestar, nem a ele nem ao comentariado afeto à direita. Pelo contrário, o que vimos foi aproveitarem-se oportunisticamwente dessas "notícias" para combate político de baixo nível -, o que o PS, felizmente, não está a reciprocar.

É de esperar que aprenda a lição e tire as devidas consequências!

Adenda
Um leitor não vê «como é que se pode evitar o inquérito a Montenegro». Eu também acho isso, tais são os indícios de conduta delituosa de Montenegro, como tenho defendido desde o início (por exemplo, AQUI e AQUI). O que julgo, porém, é que o Ministério Público não pode fazer aquele anúncio de forma esconsa e no meio de uma campanha eleitoral, como fez.