terça-feira, 30 de setembro de 2008

"Social-democracia" à portuguesa (2)

Ao ver filiadas no PSD a defender no programa Pros & Contras as posições mais retrógradas sobre a família, o casamento e o divórcio, é caso para dizer que a referência da social-democracia no nome do partido constitui um inaceitável abuso de semântica política.
Depois queixem-se de que não saem dos 30% de intenções de voto...

"Social-democracia" à portuguesa (1)

O nosso PSD apoia oficialmente a candidatura Republicana à Casa Branca.
Mas existe algo no reaccionarismo ideológico do Partido Republicano, incluindo Sarah Palin, que não envergonhe um partido que se reclama da social-democracia europeia, por mais afastado que esteja das suas origens?!

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

EUA: uma Administração "lame rat"

O Plano Paulson, apresentado pela Administração Bush, acaba de ser derrotado na Câmara dos Representantes do Congresso americano e as consequências já estão a sentir-se devastadoramente na bolsa de NY e restantes pelo mundo fora.
141 democratas votaram a favor (94 contra) - mais uns tantos do que os 125 que os negociadores democratas haviam prometido ao governo e seus contrapartes republicanos. E votaram por compreender a magnitude da crise económica que o Plano se propunha alcançar e não querer ser acusados de inviabilizar o suster da crise. Votaram a favor apesar de saberem que boa parte do povo americano não aceita, nem compreende, o "bailout" que o Plano Paulson implica: não aceita que se salvem os bancos, fundos e seguradoras que criaram a crise, atirando-lhes mais dinheiro dos contribuintes, ao mesmo tempo que muitos cidadãos continuam a perder as suas casas e empregos e muitas pequenas e médias empresas a fechar portas.
Quem roeu a corda foram os Representantes republicanos e praticamente na proporção de 2 para 1 (66 a favor e 132 contra), votaram contra o "deal"bi-partidário, ontem re-anunciado, de um plano dito de salvação da economia suplicado de joelhos pela Administração Bush-Cheney.
Uma Administração que só tornou o mundo mais perigoso e injusto e que só arruinou e descredibilizou os EUA globalmente.
Uma Administração que já não consegue sequer obter a lealdade dos congressistas do seu próprio partido face a uma emergência desesperada, apresentada como crucial para a salvação da economia nacional.
Uma Administração"lame duck" dizem muitos, apontando para grave crise de liderança que este episódio ilustra. "Lame rat" seria terminologia mais apropriada.

1º debate: Obama/McCain

"Ambos os candidatos concordaram, no entanto, que os EUA precisam de recuperar credibilidade no mundo e para isso é fundamental acabar com a tortura em que Bush os enlameou (chato, muito chato para o embaixador americano em Portugal, que acha que é tudo invenção....)."
É um extracto de um artigo que escrevi para o "Jornal de Notícias" sobre o primeiro debate Obama/McCain e que já pode ser lido integralmente na ABA DA CAUSA.

Inquietação

Os resultados das eleições parlamentares austríacas são preocupantes. O Partido Social Democrata ganha com menos de 30%, mercê de uma queda ainda maior do Partido Popular, ao passo que dois partidos da extrema direita somas quase 30% dos votos.
Já se sabia que os tempos de crise favorecem o extremismo político. No caso da Áustria, porém, trata-se sempre da extrema-direita...

Impunidade

Ficou-se a saber agora que, durante anos e anos, o município de Lisboa oferecia discricionariamente casas municipais a beneficiários avulsos, com rendas de favor.
O problema é que a arbitrariedade acaba normalmente premiada com a impunidade.

Crítica assimétrica

Sim, esta minha ideia não é imune à crítica.
Em todo o caso, embora controversa, a ideia de bonificar transitoriamente os juros dos empréstimos à habitação das famílias com menos rendimentos é seguramente mais justa do que a bonificação socialmente indiferenciada que vigorou durante muitos anos para o crédito à habitação dos jovens, ou do que as auto-estradas isentas de portagem (SCUT), ou do que a quase gratuitidade do ensino superior independentemente dos rendimentos, ou do que estacionamento gratuito de automóveis particulares em lugares públicos.
E quanto a esses casos de subsídio aos que não precisam não vejo os liberais rebelarem-se...

sábado, 27 de setembro de 2008

Parabéns, Catarina!


Parabéns Catarina Albuquerque, a brilhante jurista da PGR e negociadora internacional portuguesa que acaba de ser nomeada Relatora para a Água do Conselho dos Direitos Humanos da ONU!
Um lugar da maior importância e sensibilidade política que Catarina vai desempenhar tão brilhantemente quanto conduziu as dificeis e prolongadas negociações que levaram à conclusão do Protocolo ao Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
A água, ou a falta dela, como sabemos mas não ligamos muito, cada vez mais vai estar no cerne da conflitualidade no mundo e logo de graves violações de direitos humanos.
É fantástico que seja uma mulher e portuguesa quem agora é encarregue de estudar as implicações das disputas sobre água nas situações de direitos humanos já identificadas e a identificar.
É fantástico, mas não cai do céu, nem do voluntarismo pontual de qualquer governo para repentinamente promover no sistema da ONU uma candidatura portuguesa: é sobretudo o resultado das extraordinárias qualidades profissionais, da longa experiência diplomática (que não é apanágio só de diplomatas de carreira) e da brilhante capacidade de operar e criar consensos em negociações internacionais de Catarina de Albuquerque.
O mérito de sucessivos governos (através do MNE, M. Justiça e PGR), foi sobretudo o de sempre deixarem ir Catarina para a frente, mesmo sem a apoiar muito, substantivamente, mesmo sem perceberem o que ela fazia e como tinha potencial para ir longe (umas cartinhas aqui e ali, são o mínimo). Sem perceberem que não se colocam peças no topo da ONU (ou da UE) sem se investir de baixo, de longe, persistentemente, na promoção de profissionais capazes, para serem testados e reconhecidos dentro do sistema .
No MNE, o mérito foi saber chamar peritos de fora para investir nas delegações a organismos especializados, como a Comissão dos Direitos Humanos. O mérito cabe sobretudo a uma pessoa, que concebeu essa estratégia, nos anos 80 : o Embaixador Costa Lobo. Fez-nos descobrir e revelar ao mundo a excepcional Marta Santos Pais, que hoje dirige o Instituto Inocenti da UNICEF, em Florença. Fez-nos descobrir e revelar ao mundo esta determinada, divertida e aguerrida Catarina Albuquerque.

PS - E quantas mais mulheres portuguesas de grande qualidade profissional - diplomatas, juristas, policias, militares, cientistas, etc... -não enxameariam hoje essas organizações internacionais, se houvesse a política de as lançar e nelas investir para as promover no sistema!Se Portugal aplicasse devidamente a resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU. Se já tivesse a funcionar um Plano Nacional de Acção para a aplicar.

Afeganistão: levantando o véu

É o nome de uma extraordinária reportagem da CNN - Special Investigations Unit (Lifting the Veil), conduzida por Sharmeen Obaid Chimoy, que recomendo vivamente.
Cobre muito do que vi e senti quando visitei o Afeganistão em Maio passado.
Documenta a brutal opressão das mulheres no Afeganistão de hoje, apesar de ligeiras melhorias em relação ao tempo dos Talibans.
Um devastador veredicto sobre tudo o que tem estado errado na operação NATO/EUA! E a raiva é que ela poderia dar certo se proteger e melhorar as condições de vida da população civil - e das mulheres e crianças em particular - fosse o objectivo das forças estrangeiras, em vez de uma derrota militar machista sobre os Taliban/Al Qaeda. Que cada dia se reforçam, como vemos, beneficiando dos erros NATO/EUA.

O debate aconteceu e Obama venceu

O debate aconteceu:
Mc Cain reconheceu que estava a derrapar na opinião pública e acabou por dar uma cambalhota, aparecendo afinal, apesar de ainda não haver "deal" sobre o "pacote de salvação" dos 700 mil milhões.
O debate esclareceu:
na economia e na política externa ficaram claras as diferenças que separam os dois candidatos -menos na forma enfrentar a crise financeira, mas claramente quanto aos impostos, nas prioridades orçamentais, no sistema de saúde, no investimento na educação, nos desafios energéticos, nos gastos na defesa; no Iraque, no Irão, no Afeganistão, na luta contra o terrorismo, na atitude face à Russia e na recuperação do papel dos EUA no mundo. A escolha ficou mais acessível para quem hesita ainda: quem quiser mais de Bush, em versão primeiro mandato, vota McCain. Quem quiser mudar de políticas e procurar melhorar a economia da America e a sua posição no mundo, vota Obama.
O debate produziu um ganhador: Barack Obama. Calmo, conhecedor, ofensivo q.b. sem ser agressivo.
O debate produziu um perdedor: JohnMc Cain. Que era quem precisava de ganhar com vantagem para compensar uma semana desastrosa e não ganhou nada (segundo as sondagens de várias cadeias de televisão, claramente perdeu). Além de surgir agressivo, paternalista, desfocado, agarrado ao passado.

PS 1 - Viram como Mc Cain embuchou com a do Zapatero que o Obama lhe enfiou? Qual retaliar pela retirada de Iraque, qual carapuça: o homem julgou que lhe estavam a falar nalgum sul-americano pouco recomendável!...

PS 2 - O Biden já comentou o debate. A Palin está aferrolhada, não vá meter mais água e afundar ainda mais a campanha de McCain. Esse pratinho não perco eu: o debate entre candidatos a vice-presidentes que se segue.

Descentralização regional

Juntamente com João Cravinho, participei anteontem à noite num colóquio sobre a regionalização, na série organizada pela Câmara Municipal do Porto. Algumas das ideias que defendi encontram-se referidas nesta notícia e nesta.

Dilema

A última reunião do Ecofin deu explicitamente luz verde aos Estados-membros para utilizarem a política orçamental como instrumento de ajuda à economia. Nesse sentido, a França acaba de anunciar o deslizamento do calendário de redução do défice nos próximos dois anos.
E Portugal? Vai manter as metas de redução do défice estabelecidas em 2005, que fixaram em 1,5% o limite do défice do próximo ano (o que retira margem para qualquer alívio fiscal ou para aumento da despesa pública), ou vai abandonar esse objectivo, a fim de expandir o investimento público e as despesas sociais, de modo a ajudar a economia e a atender às dificuldades sociais que a crise agrava?

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Quem tem culpa da crise?

Chegam-me de Portugal ecos de que os teóricos e práticos do capitalismo de casino versão lusa (os “fat cats” da banca, seguradoras e outros nebulsosos negócios, mai-los economistas e comentadores que eles pagam para lhes propagandearem as teses) se atiram ao PM José Sócrates por ter apontado como causas da crise financeira a desregulação desenfreada e a falta de supervisão e controlo do Estado advogadas e praticadas pelas correntes neo-liberais.
Dizem-me que os “fat cats” nacionais e seus felinos amestrados subitamente argumentam que a culpa da crise está nas políticas “socialistas” americanas de dar às estatizadas Fannie Mae e à Freddie Mac roda livre para fazer empréstimos «tóxicos» para compra de casa a cidadãos que não os podiam suportar.
O saco de gatos não descobriu a pólvora: artigos na sua bíblia quotidiana, o “Wall Street Journal” esmifram-se a mostrar como vários congressistas, entre os quais o democrata Chris Dodd, são há muito avençados da Freddie Mac e Fannie Mae para lhes facilitar a vida na legislação.
Mas o esforço do saco de gatos luso é patético e pouco sério, porque o próprio «Wall Street Journal» e os mais conservadores analistas da política económica dos EUA não poupam, em dezenas de outros artigos e comentários, o fogo sobre as causas da crise que identificam com a ganância, o descontrolo fiscal e financeiro, o falhanço da supervisão estatal e a criminalidade dos comportamentos tolerados e de facto incentivados pela Administração Bush – que todos sabem sustentar e ser sustentada por teses e pessoal neo-liberal.
Culpar por esta crise políticas “socialistas” de estimular a propriedade de casas por todos os americanos – que ninguém nega - é tão desonesto e absurdo como atribuir as culpas do BCP ter concedido empréstimos à borla ao filho Jardim, ao facto de Jardim ter, anos antes, feito ... filhos.

Afinal, há ou não há "bail out"?

O “deal” para o «bail out» que fora ontem acordado no Congresso pela liderança de ambos os partidos, ruiu numa dramática reunião na Casa Branca ao fim da tarde, presidida por Bush e com McCain e Obama presentes.
Uma reunião em que McCain pouco falou, mas um outro congressista republicano fez o papel de “spoiler”, questionando tanto o “bail-out”, como o “deal” sobre o “bail-out”. Com questões aparentemente pertinentes:
1) - quais os controles sobre Paulson e Bush na utilização dos 700 mil milhões,
2)- a impossibilidade da Administração ultrapassar o que o Congresso determinar no faseamento das tranches e
3)- limites às compensações a obter pelos administradores dos bancos e companhias intervencionadas
A última é a que mais diz aos americanos comuns: Bush aparentemente quer que os “fat cats” administradores dos bancos e seguradoras falidos ou intervencionados continuem a levar para casa milhões em «compensação»....Sem contemplações pelos americanos de classe média e baixa que continuam a ter de entregar as casas em resultado de não conseguirem pagar os empréstimos “tóxicos” que lhes foram concedidos por esses mesmos “fat cats”.
Claro que no cerne deste drama sobre o acordo do Congresso para o “bail out” está a questão de fundo, que preocupa milhões de americanos. Questão a que a Administração republicana de Bush ainda não respondeu: porquê, como e para quê o «bail out» dos gananciosos, à conta dos contribuintes americanos?
As televisões passam as intervenções alarmadas de Bush a justificar a urgência do “bail out” com a necessidade de evitar o pânico na “main street”, em contraponto com reiteradas garantias de Bush, McCain e outros republicanos, até há dias, de que os “fundamentals” da economia americana estavam de boa saúde.
Entretanto faliu mais um banco comercial, por falta de liquidez. O de maior rede espalhada pela América, o Washington Mutual.
“Isto é obsceno!” indigna-se Lou Dobbs na CNN, insurgindo-se contra o excesso, a ganância e a irrelevância dos interesses públicos que marcou a actuação da Administração Bush e conduziu a esta crise. E contra a solução de apressado “bail-out” dos “gananciosos e criminosos” que subitamente a Administração saca da cartola.

Afinal, há ou não há debate?

É o “buzz” dos noticiários na América, muitos a passar reacções de republicanos do Mississipi (uma universidade local gastou milhões a organizar o debate) zangados com McCain por ameaçar estragar-lhes a festa.
As especulações simplistas de que McCain estragou o acordosobre o pacote Paulson só para evitar o debate (ele tinha dito na véspera que sem «deal» não haveria debate) fervilham nas discussões na TV.
Obama diz que vai lá estar no debate, mesmo sem McCain. E avança que a economia também deve poder lá ser discutida.
Ao mesmo tempo, inteligentemente, Obama mantem que o acordo sobre o "bail out" está ao alcance dos dois partidos e abstem-se de atirar culpas para McCain.

Qual é a do Bill?

Já ter convidado McCain para falar ontem na sua «Global Initiative» em NY era suspeito, a pisar o risco: o candidato republicano nunca se destacou pelo entusiasmo na defesa do ambiente ou do desenvolvimento sustentável, antes pelo contrário ("drill, baby, drill" era a sua receita...).
Mas os comentários elogiosos que Bill Clinton anda a fazer a McCain e sobretudo a Sarah Palin (incluindo numa entrevista a Larry King), apesar de explicitar que discorda do que ela defende, estão para lá do risco.
Mas qual é a do Bill?
Não se conforma e aposta numa derrota de Obama para a Hillary voltar em 2012?
Hipoteca os americanos, a América e o mundo a mais uns anos de mais do mesmo ou pior ? (ou alguém tem dúvidas que a Palin girl seria joguete pior que Bush nas unhas dos Cheney, Rove e outros conselheiros neo-cons?).
Hipoteca tudo para satisfazer o clintoniano ego e a esperança de manter o “family business”?
Não sou só eu que estou a ficar inquieta com as variações andropausicas do Bill. Uma amiga americana, chegada apoiante de Hillary que só perante a derrota se passou para Obama, confiou-me: “acho que o problema dele – e nosso - é que ela já não o consegue “rein him in” (submetê-lo à rédea...)”

A lasca do Alasca começa a derreter...

Está a confirmar-se o que eu previa: uma vez deixada por sua conta, Sarah Palin começa a escorregar na transparência da sua falta de credenciais vice-presidenciáveis.
Os neo-cons que controlam a campanha de McCain decidiram ontem deixá-la aventurar, confiantes em que uns cursos acelerados de política externa, reforçados por umas “photo-ops” na ONU com Karzai, Talebani, Sakashvili, Yutchenko e Ali Zardari, lhe dessem uma basesinha para não meter demasiada água.
Mas nem assim: vejam o que Governadora do Alasca disse a Katie Couric, da CBS, sobre a Russia, reiterando que tinha experiência da relação com a Russia porque a podia ver lá do Alasca. Como dizia um comentador: “mas que é isto, eu vejo a lua do meu jardim e isso torna-me num astro-físico?”
E atentem no que a Governadora expendeu sobre Israel e o Irão, em especial a profunda elocubração sobre quem são “good guys” e os “bad guys”.
Como avisou o comentador da CNN Anderson Cooper: ”You ‘ve got kind of see it to believe it!”.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Ainda as eleições em Angola

Já está disponível na Aba da Causa o meu artigo sobre as eleições em Angola - publicado há dias no Jornal de Leiria.

John McCain: o "running mate" de Sarah Palin

Acordei cedo esta manhã em Nova Iorque.
Uma ronda breve pelas cadeias de televisão e dá para ver a América a discutir, sob pano de fundo da crise financeira e económica, se amanhã há ou não há debate entre os candidatos presidenciais, depois de McCain ter ontem dito que o cancelava para ir para Washington ajudar a aprovar o Pacote Paulson no Congresso.
Dá para distinguir duas Américas:
- a que acusa McCain de ter medo do debate por impreparação e agarrar este pretexto para tambem se armar em salvador da pátria;
- a que defende McCain por "agir presidencialmente" e acusa Obama de alheamento dos problemas que preocupam os americanos (o debate devia centrar-se na política externa e não na economia).
Quanto a impulsos patrióticos, há quem faça ver que foi Obama quem ontem teve a iniciativa de telefonar a McCain propondo-lhe agirem conjuntamente para ajudarem a negociar e aprovar o pacote de medidas de emergência para mitigar o impacte da crise financeira. Antes de McCain ter vindo a publico tentar capitalizar o seu súbito ardor regulador do mundo da finança.
Sondagens invocadas nos noticiários dizem que 95% dos inquiridos querem que haja debate amanhã.
Talvez o subito desinteresse de Mc Cain pelo debate tenha a ver também com o facto de as sondagens o darem em declínio, à conta da grave crise financeira. A ponto de no seu "show" televisivo de ontem à noite, David Letterman ter gozado com a última definição de John Mc Cain: "the running mate of Sarah Palin".

Resposta a uma crítica improcedente

Esta crítica de Camilo Lourenço ao meu artigo do Público desta semana, sobre o voto dos residentes no estrangeiro, só pode impressionar quem não tenha lido o meu artigo (entretanto disponível na Aba da Causa).
Primeiro, limitei-me a enunciar os argumentos contra e a favor do voto por correspondência, sem sequer tomar uma posição definitiva, muito menos militante, a favor da supressão dessa forma de voto. Só fui taxativo, e sou, na rejeição da ideia de que a mudança para o voto presencial prejudica ou beneficia algum partido.
Segundo, contra o demagógico argumento dos "portugueses de segunda", chamo a atenção para o facto de que os residentes no território nacional, quando ausentes do seu local de recenseamento no dia das eleições (e há cada vez mais pessoas a viajar), também não podem votar por correspondência.
Em vez de uma sumária e despropositada censura pessoal, CL faria melhor em discutir o mérito dos argumentos em confronto.

Colectânea

Transportei para a Aba da Causa os meus últimos artigos no Público e no Diário Económico, que entretanto se tinham acumulado há algumas semanas.
Just for the record.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O farsante

O Presidente dos Estados Unidos pediu «mais ONU», depois de há dias ter acusado a Rússia de ter intervindo na Geórgia «à margem da ONU».
Será este Presidente o mesmo que tudo fez para amesquinhar a ONU e que invadiu o Iraque sem nenhum mandato da mesma? E qual é sua credibilidade, ao invocar a ONU quando lhe convém?

Francamente

A novela relativamente ao Estatuto regional dos Açores promete continuar. É evidente que esta proposta do PS não é satisfatória, deixando sem alteração a questão crucial, que é obrigar o PR a ouvir previamente os órgãos de governo regional, incluindo a própria assembleia regional, antes de dissolver esta (e antes de outras decisões). Esta exigência é constitucionalmente infundada e politicamente indefensável.
Francamente, não vejo como é que o PR pode "assobiar para o ar" e promulgar o diploma...

Pressão social

Neste momento, o grupo social sujeito a maior pressão financeira é provavelmente o dos devedores de empréstimos para habitação com menores rendimentos, por efeito da contínua subida das taxas de juro.
Embora se traduza num significativo alívio, o aumento das deduções fiscais das despesas com tais empréstimos, já aprovado na AR, só terá efeitos no IRS do próximo ano. Por isso, se houvesse folga orçamental, não se deveria excluir a possibilidade de bonificar transitoriamente os juros das famílias em maiores dificuldades.
Comentários
«O primeiro problema é que as bonificações "transitórias" têm tendência a tornar-se definitivas.
O segundo problema é que não há quaisquer indicações de que os juros voltem, no futuro, a descer. Por uma variedade de razões imponderáveis, os juros poderão permanecer altos, ou até subir mais, e então, que se faria?
O terceiro problema é que é socialmente injusto em relação a tantas famílias, também elas pobres, que prescindiram de comprar casa, por exemplo permanecendo nas casas dos seus pais, com eles idosos. É também socialmente injusto para com aqueles, cada vez mais, que optam por viver numa casa arrendada, e a quem ninguém bonifica a renda que pagam. É também socialmente injusto em relação àqueles que se precaveram e que negociaram um empréstimo com taxa de juro fixa, como é prática geral no resto da Europa.
As pessoas fazem as suas opções e devem ser responsáveis por elas.»
Luís L.

Trocar propinas por bolsas

«OCDE considera inevitável subida das propinas nas universidades».
Defendo a elevação das propinas no ensino superior desde há vinte anos. Desde logo, para dispor de mais recursos financeiros para aumentar as bolsas de estudo e os empréstimos bonificados, em número e valor. Trata-se de aumentar a justiça social no acesso ao ensino superior, diminuindo o actual subsídio aos ricos e aumentando a ajuda a quem precisa.

Pressão sobre o orçamento

Os últimos dados sobre a execução orçamental revelam a prevista redução da receita fiscal em relação ao previsto, por efeito do abrandamento da economia. Não mais tranquilizador é o facto de a despesa com pessoal, embora a descer, ter ficado acima do orçamentado.
Com a inevitável reduação da receita do IVA no segundo semestre, por causa da descida da taxa para 20% ocorrida em Julho, bem como a subida de algumas despesas, como os encargos da dívida pública, sobe a pressão sobre o défice orçamental...

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

HU JIA nomeado para o Prémio SAKHAROV

Em votação secreta hoje realizada nas Comissões de Negócios Estrangeiros e de Desenvolvimento do PE, o activista de direitos humanos HU JIA, de nacionalidade chinesa foi nomeado para o prémio Sakharov, em nome de muitos mais defensores de direitos humanos que as autoridades chinesas procuram silenciar.
HU JIA foi mesmo o primeiro nomeado, reunindo bastante mais votos que os outros dois nomeados.
HU JIA está preso na R.P. China desde que em Novembro de 2007 ousou conversar com a Subcomissão de Direitos Humanos do PE, por video-conferência.
Eu fui a unica socialista a dar a cara para patrocinar a sua indigitação para este Prémio, juntamente com deputados de outro Grupos. Mas muitos mais socialistas votaram comigo.
Vamos agora decerto defrontar-nos com o torcer-de-braços a que esta nomeação vai dar lugar, (designadamente por parte de gentinha que, devidamente instada por Pequim, escreve a palavra "China" só com cifrões), antes de a designação final do premiado ser decidida pela Conferência de Presidentes do PE.

Agenda pública (2)

Esta quinta-feira participarei, juntamente com João Cravinho, num colóquio sobre "atribuições das regiões", integrado na série de colóquios sobre a regionalização organizados pela Câmara Municipal do Porto.

Agenda pública (1)

Esta quarta-feira cabe-me apresentar em Coimbra o livro do ex-Ministro da Saúde, António Correia de Campos, intitulado "Reformas da Saúde".
Essencial para quem queira compreender o que está em causa nas reformas em curso no SNS.

Mercado e regulação(2)

Vai na 8ª edição anual o curso de pós-graduação em "Regulação e Concorrência", que sob minha direcção funciona na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (FDUC).
Para compreender, em contexto universitário, como funciona a economia de mercado contemporânea.

Mercado e regulação (1)

Esgotado há algum tempo, foi agora reeditado o livro de que sou coautor juntamente com Mª Manuel Leitão Marques, intitulado "A Mão Visível - Mercado e Regulação", publicado pela 1ª vez em 2003.
Para ajudar a compreender o papel da regulação pública no capitalismo de mercado contemporâneo.

Rendam o Rendeiro, please!

Vi durante este fim-de-semana o "Expresso da Meia-Noite" na SIC-Notícias, onde se discutia a crise financeira e as medidas a serem tomadas nos EUA.
A discussão foi frustrante, de pouco deve ter valido para esclarecer quem quer perceber e não é especialista em questões financeiras.
Irritou-me sobretudo a pesporrência e linguagem hermética de João Rendeiro, Presidente do BPP, com a obsessão de martelar que a crise "não era sistémica".
Tadinho! Julgará o Rendeiro que o pessoal é assim tão tapadinho?

Off-shores: os infernos fiscais

Recomendo vivamente a leitura do artigo de Francisco Sarsfield Cabral hoje publicado no "PÚBLICO" sob o título "Os Infernos Fiscais".
Só não concordo com o subtítulo - que, suspeito, não é do autor. Postula que "A luta contra os off -shores foi derrotada pelos interesses de quem lucra com eles".
Ora essa luta ainda nem sequer começou realmente (não obstante tentativas dispersas de muito boa gente), quanto mais dá-la já por derrotada!...
Este não é problema que se possa resolver num só país, por vontade de um só governo, com medidas de impacte nacional apenas.
É essencial tornar esta questão num problema europeu, num problema central a que os líderes europeus não se possam furtar de responder. Mais, num problema a pedir convergência transatlântica.
As próximas eleições europeias, em Junho de 2009, são excelente oportunidade para o conseguirmos.
Por que não começarmos por exigir que levantem já o problema ao nível europeu os socialistas que restam no Conselho, na Comissão Europeia e no PE? Que mais apropriado contexto senão o da presente crise económica global causada pela desregulação financeira neo-liberal que a crise do subprime veio revelar?

Comissão Barroso - a avestruz de cabeça enterrada ...no casino


O capitalismo de casino em que deu a fúria reaganomica e neo-liberal aquém e além-Atlântico está de pantanas, com a Administração Bush a intervir na 25ª hora, recorrendo ao tão vilipendiado Estado e a balúrdios do respectivo orçamento (isto é, a dinheiro dos contribuintes) para nacionalizar a AIG, a Freddie Mac e a Fannie Mae, e o mais para que derem os 700 mil milhoes de dólares pedidos ao Congresso....
Tudo para travar a catástrofe económica que as teses neo-liberais engendraram. A Casa Branca e o FED tentam agora salvar a “main street” da escroqueria que andava à solta em Wall Street. A escroqueria de bancos ditos “de investmento”, “hedge funds”, “sovereign funds” e outras instituições financeiras com uma capacidade inesgotável para inventar produtos “tóxicos” e enriquecer escroques, à conta de Estados, empresas e trabalhadores realmente criadores de riqueza. Uma escroqueria permitida e, de facto, encorajada pelos políticos e economistas defensores da tese absurda de que ”os mercados se regulavam a si próprios”.
O mais irónico é que entre os governantes, banqueiros, políticos, teóricos e comentadores que agora correm, num sufoco “ao tio! ao tio!”, aos cofres do Estado para travar o alastramento da bancarrota estão os próprios papas da desregulamentação e da não intervenção do Estado, com o inimputável George W. Bush à cabeça, claro. Todos subitamente iluminados pelas vantagens da regulamentação (a ultima é que acabam de obrigar gigantes da rebaldaria financeira como a Goldman Sachs e o Morgan Stanley a passar a obedecer às regras comezinhas da banca comercial).
Enquanto do lado de lá do Atlântico não param de tocar sirenes de alarme, a Comissão Europeia do Dr. Durão Barroso continua impávida e serena, apesar de reconhecer (pela voz do Comissário Almunia) que a crise também está a bater à porta da Europa, mas como se o problema só exigisse intervenção dos governos, do Conselho ou do BCE.
Não é extraordinario que o cardeal da desregulamentação que o Presidente Barroso escolheu para seu Comissário responsável pela pasta do controlo do Mercado Interno e Serviços (incluindo os financeiros), o irlandês Charlie Mc Creevy, não tenha dado um ar da sua graça sobre o que se passa? Nem tenha proposto quaisquer acções legislativas ou de supervisão que mobilizem os principais actores financeiros na Europa para ao menos aprenderem com o que se está a passar nos EUA?
Ainda por cima quando o PE aprova amanhã o relatorio Rasmussen (do socialista Poul Nyrup Rasmussen, em que muito trabalhou também a nossa deputada Elisa Ferreira, como coordenadora do PSE da Comissão de Economia do PE) que justamente advoga a necessidade de assegurar transparência, regulação e supervisão dos produtos financeiros (incluindo estratégias de investimento, identificação das fontes e quantidade dos fundos, remuneração dos administradores incluindo “stock options”) e de todas as instituições financeiras, incluindo as “credit rating agencies”. Um relatório, note-se, que começou a ser elaborado há mais de um ano, prova de que o PE não esperou pela ultima semana negra de Wall Street para identificar os problemas e propôr acção.
Mas isso que importa à Comissão Barroso, qual avestruz que prefere continuar de cabeça enterrada no pântano da economia de casino para que os neo-liberais nos empurraram? Que prefere o jogo-de-cintura para ir sobrevivendo, demitindo-se do papel que deveria assumir para fazer funcionar a Europa?

sábado, 20 de setembro de 2008

Antologia do nonsense político

A líder do PSD declarou nos Açores que «não há democracia em Portugal»!.
Suspeita-se mesmo que para MFL, a única excepção à ditadura em que estamos mergulhados é... a Madeira!

Um pouco mais de jornalismo, sff

«Autoridade compra casa a Ministro» - titula o Correio da Manhã em manchete, dado conta que em 2004 Manuel Sebastião, o actual presidente da Autoridade da Concorrência, comprou uma casa a uma empresa de que o actual Ministro Manuel Pinho é sócio. Porém, mesmo para um tablóide, é de mais!
Sucede que, para além de se tratar de um negócio privado entre uma pessoa e uma empresa, à data do negócio nem um era presidente da AdC nem outro era Ministro.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Quando o "socialimo" salva o capitalismo

Não faltam por estes dias pungentes certidões de óbito sobre o "fim do capitalismo americano tal como o conhecíamos".
O que é de assinalar é que o capitalismo está a ser salvo pelo mecanismo mais simbólico do velho socialismo, ou seja, a nacionalização e a "state property" de companhias financeiras privadas à beira da falência. O problema é que não há aí nada de "socialismo", mas sim uma espécie de "capitalismo financeiro de Estado", como resposta a uma situação de emergência...

Temeridade

Com a crise financeira internacional a agravar-se e o previsível encarecimento do crédito no horizonte, mais a inevitável travagem no crescimento económico, já agora débil, insistir em elevadas metas de criação líquida de emprego, que foram estabelecidas para cenários económicos bem mais favoráveis, pode parecer pouco realista...

Gostaria de ter escrito isto (embora já o tenha dito por outras palavras...)

«(...) Undue faith in unregulated markets proved a snare. (...) In deregulated financial systems crises are inevitable, like earthquakes on a fault zone.». (Martin Wolf, Finacial Times).
Aditamento
O artigo de Wolf já está disponível em Português, como habitualmente, no Diário Económico: «O fim da regulação leve».

"Risco moral"

O que revolta nestas operações de "resgate" público de companhias privadas em dificuldades é o prémio aos prevaricadores que elas envolvem, salvando da ruína quem deliberadamente correu riscos excessivos e daí retirou pingues lucros, enquanto duraram, e que agora é salvo dos efeitos nefastos da crise por uma intervenção providencial do Estado. Benefícios para os privados, perdas para o público.
Além disso, doravante, sabendo-se que o Estado aparece sempre para salvar, o sinal que se dá não é propriamente favorável à redução do "risco moral", ou seja, da tentação daqueles que estão dispostos a correr riscos maiores por saberem que os eventuais ganhos a mais serão lucro pessoal, enquanto as eventuais perdas serão suportadas por outrem.

Para os que acham que o capitalismo fianceiro se regula a si mesmo

«This will come to be seen as the greatest regulatory failure in modern history. The degree of leverage that these institutions took on is indefensible. The average large securities firm was leveraged 27 to one in mid-2007. They were not regulated by any prudential supervisor. In effect, they regulated themselves. The lack of transparency was stunning. Many big lenders did not disclose off-balance-sheet risks. In some cases, they did not understand these risks themselves. More fundamentally, we allowed a second, huge financial system to develop outside the normal banking network. It consisted of investment banks, mortgage finance companies and the like. It was unregulated, not transparent and way too leveraged. But with nine separate and mostly ineffective financial regulators, these risks were ignored. That is, until this second system crashed.» (Roger Altman, Financial Times)

Fuga para a frente

Perante a gigantesca crise financeira norte-americana, que revela notórias "falhas de regulação" (ou melhor défice de regulação), os defensores mais radicais do "laisser faire capitalism" fogem em frente, condenando as intervenções do Estado para salvar algumas instituições cruciais para os sistema financeiro (como as duas empresas de garantia de crédito hipotecário e agora a seguradora AIG).
Deixe-se esbarrondar o sistema, mas salvem-se os princípios...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Angola I - o povo votou em paz, por paz e democracia

O mais importante e positivo de tudo o que se passou no processo eleitoral em Angola é que o povo acorreu massivamente a votar, de forma ordeira, no dia 5 de Setembro.
Isso somou-se a um período de campanha eleitoral em que, em resultado dos discursos moderados e apelando à tolerância por parte de todas as forças políticas, os angolanos deram passos gigantescos no processo de reconciliação nacional.
Durante a campanha e no dia da votação não houve incidentes violentos significativos. E nas praças de Luanda ou nas povoações em diversas provincias, podia ver-se o que era impensável em 1992: bandeiras da UNITA a voar lado a lado das do MPLA.
No período da tabulação e divulgação dos resultados eleitorais foi surpreendente a contenção e normalidade vivida em Luanda, não se vendo festejos do MPLA ou manifestações de protesto suscitadas por forças da oposição.
A elevada participação de mulheres nestas eleições é outro exemplo extremamente positivo que Angola ofereceu ao mundo: não apenas como eleitoras e candidatas (notávelmente 41% de mulheres nas listas do MPLA), mas também como membros das mesas de voto, funcionárias eleitorais, representantes partidárias e observadoras nacionais.
A elevada e empenhada afluência às urnas encerra uma mensagem inequívoca dos eleitores angolanos: é que acreditam que o seu voto pode contribuir para deixar definitivamente para trás a guerra, determinar uma governação democrática e o desenvolvimento do país. Nenhuma força política angolana – e sobretudo o vitorioso MPLA – pode dar-se ao luxo de o ignorar ou desvalorizar, doravante.

Angola II - Luanda: a desorganização organizada

O mais triste e negativo do que se passou no dia 5 de Setembro foi a desorganização da votação em Luanda.
Uma desorganização que passou por
- faltarem os cadernos eleitorais em muitas mesas de voto (como é que existiam nas mais recônditas povoações que visitei em Cabinda e faltavam em Luanda?);
- por se esgotarem rapidamente os boletins de voto em muitas mesas de voto (como é que mesas que tinham inscritos 1.000 eleitores só haviam recebido 200 boletins de voto?);
- por não aparecerem em boa parte das Assembleias de Voto os sofisticados PDAs onde, por segurança, os elementos das mesas deveriam verificar quem estava inscrito como eleitor ou não (poderão ter tido o mesmo caminho dos pacotes de almoço que nunca chegaram a boa parte dos membros das mesas de voto...);
- por a CNE (Comissão Nacional de Eleições) ter subitamente dado nessa manhã novas instruções a algumas Assembleias relativamente ao chamado “voto em urna especial” (para quem tivesse perdido o cartão de eleitor ou se apresentasse a votar em municipalidade diferente daquela onde estava registado), semeando a confusão nos procedimentos e tornando inverificável quem é que efectivamente votara, sobretudo em Luanda;
- por várias mesas de voto não terem voltado a abrir no dia seguinte, de novo por falta de cadernos eleitorais ou boletins de voto, deixando muita população – sobretudo em bairros mais pobres de Luanda – sem oportunidade de votar (será interessante analisar como se distribuiu a abstenção em Luanda);
- por mais de 300 observadores nacionais, das ONGs angolanas mais envolvidas na preparação do processo eleitoral, incluindo no registo dos eleitores e na formação cívica, não terem conseguido acreditação pela CNE para observarem as Assembleias de Voto em Luanda (e também no Huambo); em contrapartida, mais de 500 pessoas representando organizações ligadas ao MPLA, sem competência ou credibilidade reconhecidas, obtiveram acreditação e acesso às mesas de voto (atente-se no patético pronunciamento de um Sr. Walter Filipe, em nome de um tal IASED - Instituto Angolano de Sistemas Eleitorais e Democracia - felicitando o MPLA e a CNE no dia 7 de Setembro; trata-se, ao que apurei, de uma organização financiada pela própria CNE...);
Tudo isto concorreu para me levar a pressentir uma certa "organização" por detrás da desorganização, mal tive conhecimento detalhado do que outros colegas parlamentares haviam observado no acto eleitoral em Luanda.
Uma «desorganização organizada» – é a convicção que mantenho.
É que não posso ignorar que o voto dos bairros pobres de Luanda era o que mais inquietava o MPLA, nem posso ignorar que “aparatchiks” com excessso de zelo abundam no MPLA e nas estruturas do Estado angolano, incluindo a CNE (onde o MPLA evidente e inapropriadamente domina).
E não posso também ignorar que nas vésperas das eleições, muita gente – incluindo eu própria – rezava para que a confusão das sucessivas decisões da CNE, em dias anteriores, sobre o “voto em urna especial” não desse “maka”. Ora, afinal a “maka” caía que nem jinjas para obfuscar quem votara, onde votara e, obviamente, quem não votara...

Angola III - a vitória do MPLA: "num habia nexexidade..."

Ultimo comício do MPLA em Luanda
Dia 1 cheguei de manhã cedinho ao Hotel Trópico e mal entrei no quarto liguei a televisão, num dos dois únicos canais angolanos. Julguei que estava num tempo de antena do MPLA, mas enganava-me: era um bloco noticioso da TPA, sobre as inaugurações de estradas pelo Presidente José Eduardo dos Santos, os fontanários que o MPLA construira para o povo, a paz, o progresso, o pão e os amanhãs cantantes que só o MPLA poderia oferecer ao povo.
Continuei, durante todo o tempo que estive em Angola, a zapar, cada vez mais agoniada, entre a propaganda descarada dos dois canais da TPA.
A Radio estatal “ainda consegue ser pior”, disseram-me os peritos da missão de observação eleitoral da UE responsáveis pelo seguimento dos media.
O “Jornal de Angola”, desse nem vale a pena falar – li-o todos os dias de ponta a ponta: quem ousa apontar a mais pequena falha ao MPLA, candidata-se à classificação de hiena, chacal, salteador da Jamba ou traficante de diamantes....
A altos responsáveis do MPLA dei conta (a título pessoal, primeiro, e depois integrada na missão da UE) da preocupação que suscitava o evidente desequilíbrio dos media estatais face aos partidos concorrentes em favor do partido no poder, particularmente nos blocos noticiosos (os tempos de antena eram respeitados, mas de que serviam 10 minutos diários contra várias horas de propaganda sobre as actividades do Presidente, do governo e do partido governamental?). Resposta: “ora, o MPLA freme de realizações apetecíveis para os media, enquanto os outros partidos nada fazem....” . Retorquiu-se com a cobertura da TPA sobre dois comícios onde tinhamos estado nessa mesma manhã: quanto ao da UNITA, as imagens da TPA focavam as clareiras antes do comício, durando no máximo 90 segundos. O comício do MPLA, em contrapartida, fora desveladamente transmitido na íntegra e em directo!....
A mais inaceitável das formas de condicionamento dos eleitores pelo MPLA (“enquadramento” é o termo oficial do partido, explicou-me um dirigente) e de desigualdade de meios que directamente testemunhei em Angola resulta, assim, do controlo dos media estatais. Ouvi muitos relatos de outros grosseiros métodos de “enquadramento”, em especial aquilo que na Europa chamamos “compra de votos”, e obtive confirmações de abuso ostensivo de recursos do Estado (ver detalhes em post sobre Cabinda).
O MPLA ganharia sempre, ganharia largamente, não tenho dúvidas, nunca tive dúvidas. Ganharia melhor até, se tivesse ganho por menos – a nenhuma democracia, a nenhum partido (em Angola ou no mundo inteiro) ganhar por 80% dos votos dá saúde, como ouvi um perpicaz comentador angolano sublinhar num debate da TPA ... (num debate na rádio indonésia El Shinta em que participei hoje a partir de Bruxelas, a propósito do tema das eleições em Angola, a jornalista indonésia comentou «bem, na Indonésia, mais de 80% dos votos lembra-nos logo a “Orde Baru”...» (a “Ordem Nova” de Suharto....)
O MPLA ganharia porventura por menos uns tantos pontos percentuais – mas ganharia, indiscutívelmente melhor, se não tivesse recorrido aos métodos condenáveis a que recorreu. Enfim, é caso para citar aos nossos amigos angolanos o famoso Diácono Remédios : “num habia nexexidade!...

Angola IV - a derrota da UNITA estava nas cartas...

Comicio da UNITA em Luanda, ultimo dia da campanha.


Quem acompanha minimamente a evolução da situação em Angola, percebia que a UNITA estava condenada a baixar de votação relativamente a 1992. E não principalmente por causa da propaganda avassaladora e os métodos desleais do MPLA.
Por razões respeitantes ao próprio processo histórico e pelas responsabilidades que, aos olhos da maioria dos angolanos, a UNITA teve na guerra, incluindo o retorno às armas depois das eleições de 1992.
Por razões decorrentes da ambiguidade da UNITA estar no GURN mas pretender que não estava.
Por razões decorrentes da liberdade de movimento e da dinâmica do desenvolvimento que a paz permitiu e que o MPLA soube capitalizar.
Por razões decorrentes das dificuldades de adaptação às novas condições de luta política e de exercício localizado do poder por parte da UNITA, como a derrota clamorosa no Huambo demonstra.
E por razões respeitantes às características pessoais da liderança do Engº Isaias Samakuva – a quem faltará carisma, mas em compensação sobra civilidade, de que a UNITA bem precisava para a fase de luta política, abandonada a via armada. E a melhor demonstração foi o anúncio patriótico por parte do Eng. Samakuva, logo no dia 7, da aceitação dos resultados eleitorais por parte da UNITA, apesar de todas as críticas, razões de queixa e reclamações quanto ao processo eleitoral.
Mas a pesada derrota que a UNITA averbou, além de preocupar a própria UNITA, deve preocupar também aqueles que no vitorioso MPLA querem mesmo fazer acontecer a transição para a democracia – é que sem espaço para a oposição, e sem parceiros para a alternativa, não é possível haver democracia. Com a UNITA reduzida a 10% e os restantes partidos praticamente invisíveis, será que a prazo o próprio MPLA beneficia, se continuar a procurar secar tudo à volta?

Angola V: para haver democracia, eleições não bastam!

Com mais ou menos “enquadramento”, o povo angolano votou pacificamente: quer paz, democracia, desenvolvimento e distribuição equitativa da riqueza do país.
O MPLA “enquadrou”, esmagou, mas pouco beneficiou realmente no que respeita à imagem que projecta dentro e fora do país.
A UNITA reclamou, mas aceitou os resultados. Os outros partidos mal se ouvem, mal existem - o que nada augura de bom para o funcionamento da democracia em Angola.
Quem se diz amigo de Angola em Portugal não pode apenas salivar pelos negócios que a paz, a reconstrução e os prodigiosos recursos angolanos prometem.
Quem se diz amigo de Angola tem fazer ver que eleições são passo sine qua non para a democracia, mas ela não existe se não houver respeito pelos direitos e liberdades mais básicas, em especial a de informação e de expressão, se não funcionar a Justiça e se se impedir a sociedade civil de se desenvolver, intervir e pedir contas a quem é poder.
Quem se diz amigo de Angola não pode ser apenas amigalhaço de quem está no poder e distribui negócios: tem que apoiar consistentemente os angolanos que se batem pela liberdade, pela democracia, pela justiça e pelo desenvolvimento sustentável (e a retomada ameaça de encerramento da ONG AJPD – Associação Justiça, Paz e Democracia é um sinal ominoso, contra qual todas as vozes amigas de Angola e dos angolanos se devem erguer).
Angola conta: para Portugal, para a Africa, para a UE, os EUA a China e para o mundo inteiro, cada vez mais. E tanto mais quanto o seu exemplo seja recomendável.
O MPLA esmagou. Esmagadora é também a acrescida responsabilidade que agora vai ter de assumir.

Cabinda - Simulincondo

Em post anterior contei o que vimos em Simulincondo, ao Norte de Cabinda, não longe da fronteira com o Congo Brazaville, no dia 5 de Setembro de 2008, pelas 17 horas da tarde. Aqui ficam as fotografias, do que foi possível fotografar.
Acima um dos muitos de autocarros que vimos a percorrer a picada, para ir buscar as pessoas que restavam em Simulincondo e para os levar de regresso a Pointe Noire, depois de terem votado em escolas das cercanias.
Segundo nos disseram vários dos festejantes-votantes, haviam ali estado concentradas desde a véspera mais de 1.500 pessoas.


Além das tendas, mesas, cadeiras, colchões, comida e bebida, até ambulância havia a postos, para o que desse e viesse.


A festa estava acabada. Aguardava-se o transporte para regressar ao Congo.




Já lá vinham mais autocarros...

Angola - os resultados eleitorais em Cabinda

Caia, Cabinda -- uma Mesa de Voto com agentes eleitorais dedicados


Não me surpreenderam os primeiros resultados de Cabinda divulgados em Luanda. Pelo que observara na contagem em Cabinda, logo me parecera que a relação de forças entre o MPLA e a UNITA seria muito mais equilibrada ali do que no resto do país.
E como era isso possível, se é sabido que a UNITA nunca teve fortes raízes em Cabinda? Foi para percebermos isso que as conversas com activistas cabindas nos foram indispensáveis.
Percebemos que houve ali um voto útil, consciente, anti-MPLA, com base num acordo feito pelos activistas cabindas com a UNITA.
Um acordo que parte substancial do povo cabinda compreendeu e apoiou, dando assim à UNITA um resultado que não teve em mais parte nenhuma, em troca da perspectiva de os cabindas passarem a ter no parlamento angolano os seus próprios porta-vozes.
Um acordo que resulta, assinalo, da aposta dos cabindas mais críticos de Luanda no processo democrático.
É por isso que estes resultados de Cabinda não são apenas uma oportunidade para os cabindas: espero que sejam uma oportunidade a não desperdiçar pelo MPLA. Para definitivamente afastar os cabindas da luta armada, corrigindo as políticas de negligência, repressão e discriminação que estão na base do ressentimento dos cabindas.
O MPLA pode ter, até aqui, conseguido dividir os cabindas, incluindo a Igreja de Cabinda (com vaticana ajudinha, claro...), pode ter gastos milhões e milhões nas estradas, escolas, hospitais etc, lançadas no último ano, e mais milhões na compra de votos, e ainda mais milhões e milhões em soldados, policias e seguranças enxameando Cabinda. Mas claramente nada disso serve para ganhar as cabeças e os corações dos cabindas. Só apostando realmente no diálogo democrático é que Angola – e o MPLA no poder – podem resolver de forma duradoura o problema de Cabinda.

Angola - As eleições em Cabinda


Fila às 7 horas da manhã na escola da Rua das Mangueiras, cidade de Cabinda. Militares formados ao fundo.
1.
A primeira coisa que sentimos em Cabinda foi o desconforto de não podermos dar um passo sem ter uns capangas por perto, a esticarem-se para ver, ouvir e sobretudo intimidar quem tinha a coragem de vir conversar connosco, os observadores da UE. Fomos mudando de local, acabamos num quarto do hotel, mais para ter sossego que outra coisa – os nossos interlocutores (incluindo activistas da extinta Associação Cívica Mpalabanda) estavam mais que calejados... No dia da votação, nas instalações petrolíferas do Malongo demos de repente por um sujeito bem vestido, sentado no meio da nossa delegação na carrinha da Chevron em que fomos obrigados a deslocar-nos naquele perímetro para observar as mesas de voto locais. O meu colega britânico, Richard Howitt, insistiu saber quem era e ao que vinha. O homem balbuciou ser «do gabinete do Governador, estava a acompanhar-nos». Interrogado sobre o que fazia no gabinete, engasgou-se: era ....”burocrata”!
A segunda coisa que incomoda, e muito, em Cabinda, é que as oportunidades de informação são ainda mais cerceadas do que em Luanda - ali não chegam sequer as rádios e jornais privados, só os estatais controlados pelo MPLA. Os poucos habitantes de Cabinda que têm acesso internet e satélite safam-se, os outros ficam à mercê do diz-se, diz-se...
2.
Em audiência com o Governador de Cabinda e Primeiro Secretário local do MPLA, Sr. José Aníbal Rocha, depois de o ouvir elaborar sobre o progresso registado na província, damos-lhe conta da nossa preocupação com os relatos que recolheramos sobre a exorbitante campanha do MPLA, oferecendo carros, motos e elevadas quantias de dinheiro a torto e a direito, incluindo a todas as igrejas e seitas religiosas, mesmo as não reconhecidas. Resposta: “pois se as gentes e instituições precisavam e havia fundos!”. Candidamente perguntamos: “mas porque não agiu o Governo antes e não o MPLA durante a campanha eleitoral?" Resposta pronta e esclarecedora: “Mas se o MPLA é o Governo e o Governo é o MPLA!!!”
Aproveitamos o encontro com o Governador para o alertar como no PE estavamos a seguir com preocupação a situação do ex-jornalista da “Voice of America” Fernando Lelo, a aguardar na prisão em Cabinda uma sentença judicial sobre acusações manifestamente fabricadas. Pedimos que nos facilitasse uma visita ao preso, que tem direito a visitas. O Governador invocou falta de competência sobre as autoridades prisionais.
3.
No dia 5, às 6.30 da manhã entramos no recinto da escola da Rua das Mangueiras, onde funcionavam várias Assembleias de Voto. Já mais de cem pessoas faziam fila ao portão para votar. Assistimos aos preparativos das mesas de voto antes de abrirem: gente jovem envergando coletes de operadores eleitorais, alguma confusão relativamente a este ou aquele procedimento, mas tudo a resolver-se rapidamente, consensualmente.
Pouco depois das sete, as filas engrossavam já diante de cada Mesa. Foi então que chegaram os militares fardados, sem armas. Formaram no pátio – a gente nas filas baixava a voz, olhava de soslaio a formatura. Queriam votar primeiro. Votaram, e em seguida votaram polícias fardados, votaram depois paisanos que diziam ser “segurança” e ter mais que fazer. O pessoal da Mesa e representantes dos partidos só conseguiram votar depois.
Quando finalmente a fila de eleitores á porta foi deixada avançar, foi a altura de verificar quem estava dentro do recinto da votação. Nenhum observador nacional, um representante da UNITA, outro da FDP, outro do PRS e dois que diziam ser do MPLA mas não estavam credenciados. Ao longo do dia, em praticamente todas as assembleias de voto que visitamos em Cabinda, encontrou-se o mesmo padrão: um excesso de controladores do MPLA (a lei prescreve um por partido), sistematicamente não credenciados.
4.
No Caia, uma povoação com uma engraçada igrejinha a uns 15 minutos da cidade, observei uma cena que jamais esquecerei: entre os eleitores havia muita gente idosa e incapaz de escrever e o Presidente da Mesa 1, jovem compenetrado e atento, desvelava-se a explicar-lhes como votar usando a impressão digital «O minha avó, faça assim e assado....). Correctamente, sem qualquer tentação de os influenciar no sentido de voto, tanto quanto pude apreciar. A certa altura uma velhota atrapalhou-se e depois de ter votado no cubículo, dirigiu-se à urna dobrando o boletim do avesso, deixando a escolha visível. Uma das raparigas da mesa deu uma risada, enquanto lhe recomendava que dobrasse ao contrário. Sendo logo admoestada pelo Presidente “Não te rias! Respeitinho! que ela não tem culpa de não saber...”
5.
Dadas as apreensões trazidas de Luanda sobre possivel «maka» com a chamada “votação em urna especial”, fomos notando os procedimentos diversos, de assembleia para assembleia (o que atestava a confusão criada por sucessivas instruções da CNE em dias anteriores). Até que já longe da cidade, em Lico/Dinge, encontramos uma mesa de voto sem saber o que fazer aos votos já depositados em “urna especial”, face a instruções recebidas da CNE a meio da manhã desse dia 5 para misturarem daí em diante todos os votos na urna normal. Outras assembleias de voto depois visitadas tinham recebido instruções semelhantes: umas haviam rasgado os envelopes exteriores dos “votos especiais” e depositado todos os votos nas urnas normais, outras mantinham a “urna especial” com os votos já lá depositados....
A “maka” aí estava, só não sabíamos que dimensão assumiria.
6.
Na estrada em direcção a Massabi, numa Assembleia de Voto à saída de Lândana, alguém nos insta a procurar a aldeia de Simulincondo para investigar uma estranha concentração de milhares de pessoas trazidas na véspera pelo MPLA do Congo/Brazzaville para votar.
Calhava no trajecto em direcção à fronteira que tinhamos previsto, pelo que fomos perguntando aos passantes como chegar à povoação que não vinha no mapa. A certa altura foi preciso sair do asfalto – decidimos avançar (correndo o risco de causar um ataque de coração ao francês responsável pela nossa segurança, que tinha recomendações estritas que não largassemos a estrada, mas vinha no carro detrás).
Uns cinco quilómetros pela savana adentro começamos a avistar autocarros cheios de gente. Chegamos a uma aldeia. Onde uma grande festança parece estar em debandada: há tendas militares, toldos coloridos, uma ambulância, cadeiras e mesas, restos de comida e bebida e ainda muita gente relaxando. Dispersamo-nos e vamos metendo conversa: poucos falam português (explico ao meu colega britãnico que podem ser cabindas há muito refugiados no Congo/Brazaville). Em francês, várias mulheres e jovens dizem-nos que vieram na véspera de Pointe Noire, o Governo foi lá buscá-los, vieram votar pelo MPLA e divertir-se, a festa tinha sido esplêndida: muita comida, bebida, dança, convívio. Perguntamos onde votaram e explicam-nos que fora numas escolas, à beira da estrada. As conversas são subitamente interrompidas: uns capangas aparecem e interpelam rispidamente em dialecto quem nos fala. E em português corrigem, solícitos, para nosso beneficio: «não, eles são daqui, votaram aqui»!
Dividimo-nos, dou umas voltas, inspecciono a escola local (nenhum sinal de mesas de voto, só colchões no chão e pratos de plástico com restos de comida): um grupo de jovens esparramado diz-me, em francês, que dormiu ali e votou em Manengue. Os capangas aproximam-se, com ar pouco amigo e avisam-me que não posso tirar fotografias...(já cá cantavam as possíveis...).
7.
São quase seis horas, anoitece, já não dá tempo para voltar à cidade e assistir ali à contagem. Decidimos observar o encerramento das urnas e a contagem na Assembleia de Voto mais próxima, retornando à estrada. Um funcionário envergando uma tee-shirt da CNE à porta da escola de Chicamba deixa-nos entrar e confirma que o pessoal congregado em Simulincondo votou ali e na terra adiante, Manengue.
A contagem corre bem, numas mesas mais rápido que outras. Quanto aos “votos especiais”, conforme as interpretação dadas às instruções que nos dizem ter recebido nessa mesma manhã da CNE, são juntos aos “votos normais” e tudo é contado em conjunto: será impossível depois confirmar se quem votou por “voto especial” estava efectivamente inscrito e onde...
Terminada a contagem, pergunto se nao afixam os resultados à porta, como está prescrito na lei. Sem querer, crio alguma confusão entre os vários Presidentes das Mesas. Mas um logo tira as dúvidas aos outros: “nem pensar, não fomos instruidos para o fazer”. (Como é evidente, a falta de resultados afixados à porta da Assembleia de Voto, além de contra a lei, só facilitará a falta de controlo de quem votou, se eram da zona ou de fora....)
Noutras Assembleias de Voto, mais adiante já em Lândana, verificamos que os resultados estão afixados às portas. Seguimos o encaminhamento dos resultados da contagem de uma dessas Assembleias de Voto até ao Gabinete Municipal de Escrutíneo. Aí verificamos que várias Assembleias de Voto continuaram a manter “urnas de voto especial” separadas, para contagem centralizada.
8.
Acabamos cerca da meia-noite no Centro Provincial de Escrutíneo em Cabinda, onde estão a chegar as urnas e os resultados contados das Assembleias de Voto de toda a provincia. A azáfama é grande, mas há organização (que diferença da bagunçada a que assisti em fase semelhante nas eleições na RDCongo em 2006). No interior os funcionários eleitorais, responsáveis pela recepção dos faxes com as resultados eleitorais das diversas assembleias de voto, deixam-nos ver os já recebidos. Cerca de 30% das assembleias e a UNITA vai à frente em dois terços delas, embora noutras o MPLA tenha resultados esmagadores (será interessante analisar os resultados de Chicamba e Manengue e comparar com os das assembleias circundantes).

Angola - os media portugueses

A percepção sobre as eleições angolanas em Portugal tenderia sempre a ser cavalgada tendenciosamente, tanto por certos quadrantes da nossa imprensa serviçais dos negócios e do poder (de quaisquer negócios e de qualquer poder....), como por outros onde ainda pontificam os inconsoláveis “viúvos de Savimbi”.
Os media estatais angolanos, por sua vez, têm em quem se inspirar em Portugal, para ler tudo o que diga respeito a cada um dos nossos países e às relações luso-angolanas só a preto ou só a branco. E a cobertura destas eleições por alguns órgaos de comunicação social portugueses demonstrou-o, mais uma vez.
Mas é evidente que a percepção dos portugueses sobre estas eleições em Angola foi particularmente envenenada por uma acção da exclusiva responsabilidade do poder angolano: a recusa de vistos a jornalistas de vários órgãos de comunicação social portugueses (e não só, a jornalistas da Reuters e da AP também).
A tempo e horas, a título pessoal e como membro da missão parlamentar da UE, fiz diligências para evitar esse estúpido erro por parte das autoridade angolanas. Sei o que ouvi como explicações ou respostas.
E por isso contesto aqueles que ainda tenham o topete de ensair explicações burocráticas bacocas: foi uma retaliação deliberada e com alto respaldo político, relativamente a orgãos de comunicação portugueses cujas críticas à situação em Angola são consideradas como maledicentes pelo poder angolano
Reitero que se tratou de uma atitude democraticamente inaceitável, inquietantemente reveladora de que continua poderosa no MPLA uma linha arrogante e autista, incapaz de compreender o que a democracia realmente implica e incapaz até de perceber quando está a dar tiros no próprio pé.

Angola - a Missão de Observação da UE

A equipa da Missão de Observação Eleitoral da UE em Cabinda que incluiu deputados do PE. Em Lico/Dinge, dia 5 de Setembro, pelas 16 horas.


Os 7 membros do PE que se juntaram à Missão de Observação da UE na ponta final da campanha eleitoral reuniram dia 7 de manhã em Luanda. E, da esquerda à direita, foi fácil chegar a consenso sobre os pontos positivos e negativos que resultaram da nossa observação do processo.
Pontos que foram transmitidos à nossa colega Luisa Morgantini, que chefia a Missão que está em Angola desde Junho.
Pontos que estão reflectidos no Relatório Preliminar, que a Missão divulgou em Luanda no dia 8 de Setembro e que pode ser consultado em português neste sitio: http://eueom-ao.org/PT/PDF/EUEOM_ANGOLA_2008_PS_PT.pdf
E quem se der ao trabalho de consultar o Relatório Preliminar, vê que em parte alguma se utiliza o qualificativo de “livres e justas” para classificar as eleições angolanas, qualificativo em que insistiram alguns media. De facto, nunca tal expressão é usada pelas Missões de Observação da UE para classificar quaisquer processos eleitorais, seja qual for o continente ou latitude.
Em contrapartida, as Missões de Observação da UE explicitam o que corresponde e o que não corresponde aos padrões internacionais para eleições genuinamente democráticas.
E quem se der ao trabalho de consultar o Relatório Preliminar, vê que a Missão da UE não se coibiu de indicar as irregularidades, ilegalidades e falhas que marcaram o processo eleitoral angolano, em especial em Luanda, incluindo as que estão ainda em apreciação pelas instâncias de reclamação previstas na lei.
“Transparentes” foi o adjectivo que alguma imprensa atribuiu a Luisa Morgantini para classificar o processo eleitoral angolano. Adjectivo que é usado no texto do Relatório a propósito de contagem e que Luisa Morgantini poderá ter utilizado na sua conferência de imprensa de apresentação do Relatório.
Um processo transparente – eu concordo: transparente até nos comportamentos abusivos, desleais e desiguais observados na competição.
O Relatório Final da Missão de Observação da UE, a divulgar dentro de umas semanas, deverá detalhar e explicitar os factos em que se baseiam as críticas e observações europeias. Deverá também fazer recomendações. Para possibilitar que os mesmos problemas e comportamentos se não repitam.Designadamente nas eleições presidenciais que deverão ter lugar em Angola em 2009. Se as autoridades eleitorais (e não só) de Angola decidirem dar-lhes acolhimento.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Racionalização de gastos públicos

É de aplaudir esta ideia de pôr os serviços públicos a pagar renda pela ocupação de imóveis do próprio Estado como medida de racionalização do espaço imobiliário. Se os serviços tiverem de pagar conforme a área ocupada deixam de ter a tentação para ocupar mais do que precisam, como hoje sucede, pois é grátis, não entrando nos seus custos.
O DE diz que esta ideia não é nova, tendo sido encarada no tempo de de Bagão Félix em 2005. Mas a ideia é mais antiga, pois constava do Relatório para um programa de reestruturação da despesa pública (ECORDEP), encomendado por Pina Moura e divulgado em 2001, em cuja preparação participei.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Paraíso fiscal

Nos Açores o IRS vai ser mais reduzido do que no Continente, entre 20% e 30%, conforme os escalões. Aposto que a população com residência fiscal nos Açores vai aumentar...

Azar

Exprimindo o "wishful thinking" da direita, Rodrigo Moita de Deus assegurava há dias que doravante o PS só ia descer nas sondagens.
Azar dos távoras, na primeira sondagem que apareceu depois disso, o PS e Sócrates sobem e o PSD e Manuela Ferriera Leite descem, e muito.

sábado, 13 de setembro de 2008

Um pouco mais de jornalismo, sff

A RTP relata em título que eu teria «acusado a "esquerda de protesto" de destruir Estado social e escola pública».
É óbvio que não proferi tal dislate, como aliás decorre da própria peça. O que disse, sim, é que a "esquerda de protesto" (PCP e BE) não tem nenhuma razão quando acusa o PS de "destruir o Estado social e a escola pública".

Despautérios verbais

Sejam quais forem os agravos em relação a outro País, há regras de convivência internacional que não consentem ofensas gratuitas nem linguagem de caserna nas palavras de um chefe de Estado contra outro Estado. Desta vez Hugo Chávez ultrapassou-se a si mesmo.
Aditamento
Não se vê que vantagem é que a Rússia tira em deixar-se associar a estas manifestações de hostilidade radical contra os Estados Unidos por parte dos dirigentes da esquerda populista latino-americana. A não ser que queira ajudar o belicismo e o nacionalismo de McCain & Palin a vencer as presidenciais norte-americanas...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Um pouco mais de jornalismo, sff

O "Jornal de Negócios" faz hoje manchete com a tese de que «30% dos novos empregos da era Sócrates estão no estrangeiro».
Para além do grosseiro arredondamento por excesso -- no corpo da notícia já são 27% --, esta notícia mereceria ter sido acompanhada de duas prudentes observações: 1º - Se os dados têm por fonte o INE, então o facto de não serem normalmente publicados por este denota que não são inteiramente confiáveis; 2º - aos residentes nacionais com emprego fora do país deveriam ser simetricamente deduzidos os residentes no estrangeiro (nomeadamente em Espanha) com empregos em Portugal, mesmo admitindo que são menos.

A intervenção presidencial

O Diário Económico de hoje publica uma selecção da opinião que dei por escrito acerca da intervenção presidencial na esfera política.
Para tornar mais claro o meu pensamento sobre o assunto, importei para a Aba da Causa as minhas respostas, por extenso.

2º aviso

Pela segunda vez de forma pública, o Presidente da República faz um sério aviso à navegação sobre o Estatuto Político-Administrativo dos Açores, no que respeita ao exercício dos poderes presidenciais relativos às regiões autónomas. Ainda por cima, ele tem razão (como escrevi aqui).
Quem quiser ignorar mais este aviso, insistindo nas normas em causa (mesmo que mudando a redacção sem mudar a substância), fá-lo por sua própria conta e risco político. Não percebo por que é que o PS arrisca uma séria querela político-institucional com Belém por causa do caprichismo radical dos partidos açoreanos.

"Distinguo"

Acerca desta minha crítica a Paulo Pedroso, por se pronunciar antecipadamente sobre possíveis coligações de governo, caso o PS ganhe as eleições do próximo ano sem maioria absoluta, alguém objecta que ela não é coerente, pois eu próprio já me pronunciei sobre o assunto. "Bem prega frei tomás..." -- acusam-me.
Não existe, porém, tal contradição. Primeiro, as minhas opiniões de independente não podem ser imputadas ao PS (ou parte dele), muito menos o comprometem; segundo, pronunciei-me pela inviabilidade de qualquer coligação, seja à esquerda, seja à direita, pelo que a minha posição não suscita a especulação política que uma opção nessa matéria naturalmente levanta (como se provou com as declarações de Pedroso).

Separação de poderes

Considera-se, e bem, que os titulares do poder político não devem pronunciar-se sobre o mérito das decisões judiciais, nem muito menos criticá-las. Podem, quando muito, lamentá-las ou saudá-las, mas não lhes assiste o direito de as contestar, antes só o dever de as respeitar e acatar.
Reciprocamente, deveria esperar-se dos juízes que se abstivessem também de contestar publicamente as opções político-legislativas do poder político, o que infelizmente tem estado longe de suceder entre nós nos últimos tempos, incluindo intervenções no debate político de projectos legislativos, como por exemplo a lei do divórcio ou a lei das armas, que nada têm a ver com o seu estatuto profissional nem com a organização dos tribunais (onde essa participação pode ser justificada).
Ora, a separação de poderes não é de sentido único. A competência para tomar opções político-legislativas, bem como a responsabilidade por elas, pertence ao poder legislativo e ao poder executivo, democraticamente legitimados para o efeito. Sempre que os magistrados judiciais entram no debate político, politizam a justiça.
É talvez chegada a altura de o órgão constitucional de governo e de disciplina dos juízes -- o Conselho Superior da Magistratura -- tomar alguma posição sobre o assunto.

Oposição total

O PSD passou à táctica MRPP, de oposição total. Tudo o que o PS propõe só pode ter objectivos malévolos, merecendo oposição imediata do PSD, mesmo quando se trata de propostas que em outras ocasiões ele mesmo aprovou, como é o caso da exigência de voto presencial dos residentes no estrangeiro, com exclusão do voto por correspondência (em nome da pessoalidade e do sigilo do voto), que já vigora desde 2000 para as eleições presidenciais e que o PS agora propõe que se estenda às eleições parlamentares (e europeias).
Pode haver contra-argumentos contra o fim do voto por correspondência que merecem ser ponderados, nomeadamente uma provável redução dos número de votantes, por não terem possibilidade de se deslocar aos locais de voto. Mas dizer que a proposta do PS tem "objectivos partidários", como afirmou a líder do PSD, só teria sentido se se provasse que as preferências partidárias dos eleitores são diferentes nos votos por correspondência e nos votos presenciais, com vantagem para o PS nos segundos. Não havendo nenhuma razão para imaginar uma tal diferença, então a acusação do PSD não passa de um pretexto forjado para envenenar a discussão e tentar tirar proveito ilegítimo da suspeição lançada.

Aditamento
Note-se que os eleitores recenseados no território nacional que não se puderem votar na sua assembleia de voto (por ausência noutro local do território ou no estrangeiro) também não podem votar por correspondência.

Aditamento 2
Perante esta nova táctica do PSD, de "guerra a todos os azimutes", o PS deve ajuizar antecipadamente, não somente o mérito das suas propostas, mas também os pretextos que o PSD pode inventar para as atacar liminarmente.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Os custos colaterais de Alcochete

O Governo resolveu compensar a região Oeste com projectos de valor superior a 2000 milhões de euros (entre investimento público e privado), pelos supostos prejuízos da não construção do aeroporto na Ota.
Ora, que se saiba, os únicos prejuízos foram os do embargo aos terrenos que estavam destinados ao aeroporto e na sua envolvente. Tudo o resto só poderia constituir expectativas, na perspectiva da construção do novo aeroporto, o que aliás deve ter atraído alguns investimentos não desprezíveis. Por isso, esta ideia da "compensação" não passa de um hábil pretexto para favorecer esta região, complementar de Lisboa, relativamente a outras regiões muito mais carenciadas do País.
E depois há quem se surpreenda com a acentuação das assimetrias territoriais entre nós...

Especulação

Os que há pouco negavam o papel da especulação na subida vertiginosa dos preços do petróleo, como é que agora explicam a sua não menos vertiginosa descida? O que é que mudou tanto nos fundamentos do mercado internacional do crude para justificar movimentos de preços tão rápidos e de tal amplitude?

"Overreaction"

Não se torna evidente a justificação para este comunicado de Belém, a corrigir uma imputação que dois jornais deduziram, aliás indevidamente, de declarações do ministro da Administração Interna sobre o atraso na publicação de uma lei que foi objecto de veto presidencial.
Não é a primeira, nem será a última vez, que a imprensa procurará descortinar cavilosos ataques ao PR em inadvertidas declarações ministeriais de circunstância. Por isso, com este precedente, é de recear que doravante o Presidente tenha de exercer mais vezes o seu direito de rectificação e de esclarecimento público por motivos semelhantes. O problema é o ruído que isso introduz, mesmo sem nenhuma intenção, na comunicação política e na percepção sobre as relações entre Belém e São Bento.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

"Abandonai toda a esperança"

As novas previsões económicas da Comissão Europeia para o corrente ano, que revêem em forte baixa o crescimento (incluindo recessão em alguns países) e em alta a inflação, também não deixam nenhuma margem para ilusões quanto às perspectivas do próximo ano. Adeus a ideia de retoma do crescimento, de criação de emprego e de baixa das taxas de juro.
Neste momento, os ministros das finanças devem estar a dar voltas à cabeça para projectar os orçamentos do próximo ano e cumprir as metas do PEC. Entre nós, em especial, é agora certo que não pode haver facilidades para 2009, em termos de salários, de despesas sociais e de investimento público. As eleições vão ser disputadas num quadro económico pouco animador e sem desafogo financeiro, com a inevitável repercussão no desfecho eleitoral.

Especulação prematura

Não acompanho, antes pelo contrário, esta especulação de Paulo Pedroso sobre cenários de governo em caso de vitória do PS sem maioria absoluta. E não é só por discordar das soluções.
Primeiro, elaborar a esta distância sobre o assunto só serve para interiorizar desde já a impossibilidade da maioria absoluta e para baixar a fasquia eleitoral do PS. A fórmula de governo deve ser uma questão pós-eleitoral, não pré-eleitoral.
Segundo, encarar desde já uma coligação com o BE, independentemente da sua credibilidade, só pode afastar o voto centrista, que rejeita o radicalismo político dos bloquistas.
Terceiro, admitir nesta fase do campeonato um governo de "bloco central" constitui uma inestimável ajuda à ofensiva do PCP e do BE contra o PS.
Aditamento
Já acompanho PP na sua afirmação de que o PS tem sido «tímido perante o conservadorismo, reverente perante a Igreja Católica e complexado perante os sindicatos».

Pobre Língua

Não tenho obviamente nada contra o modo de falar lisboeta que, entre muitas outras particularidades, suprime os ditongos "ai" e "ou", pronunciando, por exemplo, "fàcha" em vez de "faixa", "bàcha" em vez de "baixa", "pàchão" em vez de "paixão", "frôcho" em vez de "frouxo", ou "sôto" em vez de "souto", etc. Todos temos direito aos nossos modos de falar regionais.
Mas não será de exigir que os profissionais de comunicação, especialmente nas estações de rádio e televisão de cobertura nacional, respeitem a norma fonética da Língua? Por este andar, à custa de tanto ouvir, dentro de alguns anos todos tenderemos a falar à maneira desse "lisboetês" vulgar, só por ser o modo de falar da capital do País, onde todo o poder mora, até o poder de desprezar nos media lá sediados a norma erudita da Língua...

Absolver o agressor

Há quem continue a falar da "invasão russa da Geórgia", como se nada tivesse havido antes. Convém lembrar, porém, que a acção militar russa foi uma resposta ao ataque armado georgiano de surpresa, na noite de 7 de Agosto, com muitas baixas civis, contra a capital da Ossetia do Sul, território de facto separado da Geórgia desde 1992, na base de um cessar-fogo acordado entre separatistas e o governo georgiano e garantido pela presença de tropas russas, nos termos desse mesmo acordo (Acordo de Sochi).
Se, portanto, houve uma agressão militar, ela foi a da próprio Geórgia, que depois de fazer o mal, resolveu depois fazer a caramunha. Será compreensível que a Nato e a UE, que se apressaram a condenar sumariamente a "invasão russa" e a exigir a retirada incondicional, nunca tenham condenado o cobarde e brutal ataque georgiano, que está na origem do contra-ataque russo?

O que já se sabia, mas convém lembrar

Nada como estudos comparativos para retirar todo o crédito à retórica sindical sobre o emprego e a remuneração dos professores entre nós...

Erro

O PS faz mal em não dar razão às objecções políticas do PR em relação aos Estatuto Político-Administrativo dos Açores (que constituíram uma espécie de "veto presidencial informal"), pela simples razão de que elas são inteiramente pertinentes (ao contrário do que sucede no veto à lei do divórcio, aqui trata-se de objecções respeitantes ao funcionamento do sistema político, no qual o PR é especialmente interessado, como poder moderador e de supervisão). Por exemplo, não faz nenhum sentido submeter a eventual dissolução da assembleia regional a consulta prévia da mesma, tal como não faria submeter a dissolução da AR à sua própria audição prévia (que a Constituição obviamente não prevê).
Ao fazer finca-pé em soluções politicamente perturbadoras, só para não contrariar o ponto de vista insular, o PS replica infelizmente a postura do PSD quando se trata de propostas madeirenses. A "captura" dos partidos nacionais pelos seus ramos regionais em matérias atinentes às regiões autónomas traduz-se numa preocupante autolimitação da soberania da República na definição da autonomia regional, conferindo às regiões um autonomia estatutária de facto, que a Constituição lhes negou de direito.
Aditamento
Parece evidente que esta posição do PS procura "encalacrar" o PSD, colocando-o no dilema de seguir as objecções do "seu" Presidente da República ou de se manter firme na defesa das posições autonomistas, dilema assaz complicado nas vésperas das eleições regionais, onde nenhum partido quer ser acusado de ser menos autonomista do que o outro (o que aliás explica o consenso pluripartidário acerca do diploma chumbado pelo TC e pelo Presidente) .

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Pior não poderia ser

«Portugal é 2º país de 27 com mais empregados sem qualificação».
Estes números de 2006 são arrasadores e explicam só por si o baixo nível de produtividade e de competitividade da economia nacional, bem como as restrições ao crescimento do emprego e dos salários (que até são relativamente elevados para os reduzidos níveis de qualificação existentes).
Por isso, têm de se aplaudir todo o actual esforço de investimento na educação, incluindo em cursos de natureza profissional, bem como na qualificação e na formação profissional. Esse é o melhor contributo que o Estado pode dar para o crescimento da economia e do emprego e para a elevação dos níveis remuneratórios dos trabalhadores portugueses.
Só há que lamentar os anos perdidos e a irresponsabilidade passada.

Um pouco mais de jornalismo, sff.

Como sucede regularmente, os media fazem grande estardalhaço com as "reformas milionárias" do sector público.
Todavia, para além do manifesto sensacionalismo da linguagem ("milionário" vem de "milhão", o que não é o caso), a imprensa não se dá ao trabalho de explicar que tais pensões decorrem do regime privilegiado da função pública até agora -- segundo o qual o valor da pensão equivale ao último vencimento, independentemente da carreira contributiva -- e que esse regime foi entretanto revisto pelo actual governo, no sentido de passar a tomar em conta toda a carreira contributiva (tal como no sector privado), pelo que o montante das elevadas pensões tenderá a diminuir à medida que o novo regime se for progressivamente substituindo ao anterior.

O acordo Rússia-UE

A generalidade dos media diz que a Rússia se comprometeu perante a UE a retirar as suas tropas da Geórgia e a aceitar uma missão de interposição da UE no terreno.
Na verdade, porém, para já a Rússia só vai retirar as tropas que ainda mantém na Geórgia propriamente dita -- ou seja, excluindo a Ossetia e a Abkasia, as duas regiões secessionistas que Moscovo reconheceu --, e a missão da UE vai ficar numa "buffer zone" junto da fronteira das duas regiões, do lado da Geórgia, consumando portanto e assegurando a separação daquelas. Só depois é que a Rússia retirará as suas tropas daquelas duas regiões, a troco de um compromisso formal de Tbilissi de que não voltará a atacar nenhuma delas.
Se isto não é um êxito de Medvedev, não sei o que será...

A realidade e a ficção

Há dias o Diário de Notícias clamava em manchete que este ano tinha sido «o pior Agosto de sempre para o turismo português». Mas o Instituto de Turismo de Portugal veio demonstrar, estatísticas em riste, que o corrente ano turístico, incluindo Agosto, foi dos melhores de sempre, só superado pelo ano passado.
Assim se faz jornalismo em Portugal, levianamente e sensacionalisticamente, mesmo nos grandes jornais. Acresce que notícias destas raramente são corrigidas no mesmo lugar e com o mesmo destaque da sua difusão originária, pelo que o seu efeito desinformativo permanece indefinidamente.