sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Um pouco mais de coerência, sff

Pode-se obviamente defender que toda a redução da despesa pública é má, que toda a subida de impostos é péssima, que as metas para a diminuição do défice orçamental devem ser "flexibilizadas" (quer-se dizer, relaxadas) --, o que se não pode a seguir é censurar o aumento da dívida pública!
O montante da dívida pública crescerá inexoravelmente na exata medida do défice das contas públicas, ou seja, da despesa pública paga com empréstimos (incluindo os respetivos juros). E enquanto o crescimento da dívida for superior ao crescimento da economia o rácio da dívida em relação ao PIB também aumenta.

Desemprego

O Eurostat anunciou hoje as estatísticas de desemprego na União relativas a Julho, revelando uma sensível descida em Portugal em relação a 2013 (de 16,3% para 14%), a segunda maior queda em toda a União. Com esta baixa Portugal tem ainda a quinta maior taxa de desemprego na União, mas fica menos longe da média da zona euro.


Resta obviamente saber até que ponto é que esta redução da taxa de desemprego fica a dever-se a um efetivo aumento do número de empregos ou a uma diminuição do número dos que procuram trabalho (emigração, abandono da busca de trabalho, etc.). Sendo baixo o crescimento económico que se regista, a criação de emprego não pode ser elevada; mas dado que ao longo da crise as empresas reduziram o pessoal ao mínimo, é de admitir que mesmo uma ligeira retoma económica comece a criar emprego.
E qualquer alívio significativo do desemprego -- que é a pior dimensão da crise -- é uma boa notícia.

Prioridade à economia

Como é bom de ver, nada tenho contra a nova orientação do governo francês no sentido de moderar a elevada despesa pública para aliviar a pesada carga fiscal, de modo a deixar respirar a economia. Penso, aliás, que esta mudança vem tarde e pode ser insuficiente para inverter a inquietante situação da economia e das finanças públicas francesas, menos ainda para reconquistar a confiança política perdida.
O problema está justamente em que nada disto estava no programa eleitoral de Hollande nem no mandato dado ao seu primeiro Governo. A pesada derrota do PS francês nas eleições locais e depois a humilhação nas eleições europeias são tanto o produto do fracasso das políticas como da frustração de espectativas irresponsavelmente criadas.
Em França, o socialismo governante está a aprender à sua custa que atualmente a primeira condição da salvaguarda dos direitos sociais e de um bom nível de emprego é uma economia eficiente e dinâmica e que por isso a principal prioridade política deve ser assegurar as condições para isso, entre as quais a moderação tributária sobre o trabalho e as empresas. Sem bom desempenho económico não há Estado social que resista ao inevitável constrangimento financeiro (sejam quais forem as proclamações retóricas e demagógicas contra a "austeridade alemã").
A "moral" do impasse em que se meteu o PS francês deveria aproveitar aos socialistas portugueses, quando se começam a perfilar as alternativas para as eleições do próximo ano, que podem levar de novo o PS ao poder. "Hollandismo" à portuguesa, não, obrigado!

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Escola pública e religião

O Tribunal Constitucional considerou constitucionalmente ilegítima a frequência obrigatória de disciplina de religião e moral nas escolas públicas (salvo declaração favorável dos encarregados de educação), agora re-instituída por um diploma regional da Madeira.
Sufrago obviamente a decisão do TC -- que reitera a posição de um acórdão de 1987 --, mas vou mais longe. O que acho desde logo ilegítimo é que o Estado organize e forneça oficialmente o ensino de qualquer religião nas escolas públicas, mesmo com frequência facultativa. Num Estado laico, que tem de ser oficialmente neutro em matéria religiosa, não compete ao Estado, mas sim às igrejas, ensinar religião. A obrigação do Estado deve limitar-se a garantir a liberdade religiosa dos cidadãos e a proporcionar às igrejas a possibilidade de, pelos seus próprios meios, ensinarem nas escolas a respetiva religião a quem o deseje.
Com escrevi na minha declaração de voto no referido acórdão de 1987, «num Estado não confessional, o ensino da religião é negócio de Deus e dos seus ministros; não é negócio de César, nem atribuição dos poderes públicos».

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Pobre Língua

Nos últimos tempos generalizou-se na linguagem coloquial o uso do vocábulo "término" (que significa rigorosamente limite territorial ou espacial, em alternativa a "termo") para designar também o fim de um prazo ou de um processo (para o que o vocábulo correto é "termo" ou "conclusão").
Todavia, ao ler o texto de um professor universitário hoje num jornal diário («término de um mandato») verifico que a praga já contaminou a academia.
Pergunto: qual a necessidade de criar mais uma confusão terminológica?!

A importância do sistema eleitoral

Na sua crónica de hoje no Público, a propósito da situação política em França, Rui Tavares afirma que qualquer mexida constitucional no sistema de governo francês, nomeadamente no sentido de estabelecimento de um sistema  parlamentar propriamente dito, arriscaria a beneficiar a extrema-direita da Frente Nacional.
Não vejo nenhuma ligação entre as duas coisas. A mudança de sistema de governo só por si não alteraria a representação parlamentar em França e não é o chamado regime "semipresidencialista" que reduz a Frente Nacional a uma representação marginal no Parlamento. O que mantém a sub-representação parlamentar, aliás pouco democrática, da Frente Nacional é o sistema eleitoral de maioria absoluta em círculos uninominais (que Rui Tavares rejeita em Portugal, e bem!) e a decisão da direita democrática de não se aliar com a FN na 2ª volta das eleições parlamentares. Se o sistema eleitoral fosse proporcional ou a direita democrática decidisse abandonar o "pacto republicano" contra a FN (o que poderá suceder quando chegar à conclusão que isso só favorece a esquerda...), então ela teria uma representação parlamentar mais próxima do seu peso eleitoral (como sucede na representação francesa no Parlamento Europeu!), qualquer que seja o sistema de governo.

Mudança no Brasil?

Segundo um credenciado instituto brasileiro de sondagens de opinião, a candidata Marina Silva (que herdou a vaga deixada pelo malogrado Eduardo Campos) poderá vencer as próximas eleições presidenciais brasileiras. Embora seja somente uma projeção, não deixa de ser uma surpresa.
Oriunda do PT, Marina fez parte de um dos governos do Presidente Lula da Silva, tendo depois aderido aos verdes; mas pertence a uma igreja evangélica "creacionista" e perfilha ideias conservadoras em matéria de liberdade individual (oposição à legalização do aborto e ao casamento de pessoas do mesmo sexo, etc.). Não pertencendo a nenhuma das grandes famílias políticas brasileiras, também não se conhecem as suas ideias exatas sobre a política de alianças no Congresso para a formação do governo, caso vença as eleições.
Mais do que as virtudes de Marina, o que estará em causa nesse inesperado desenlace eleitoral (caso se concretize) será sobretudo a perda de atração política e a elevada taxa de rejeição da Presidente cessante, Dilma Roussef, e do próprio PT, vítimas da travagem do dinamismo económico do Brasil, do atraso na modernização do País (infraestruturas, educação, saúde, etc.), da persistência dos males tradicionais (desigualdade social, corrupção, "fisiologismo" partidário, ineficiência do Estado, etc.), da frustração da nova classe média urbana face a expetativas não realizadas (e, quiçá, do humilhante desempenho da seleção canarinha na Copa do Mundo de futebol, em que o Brasil tanto investiu...).
Resta saber se a frustração coletiva pode gerar saídas políticas virtuosas...

Adenda
As dificuldades da Presidente Dilma não devem se alheias a notícias como esta...

Adenda 2
Mais preocupações para Dilma: a economia brasileira entrou em recessão!

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Gostaria de ter escrito isto

«Não podemos ter famílias sem rendimentos ou com valores tão baixos a pagar 300 euros em material escolar. São despesas astronómicas. Ao contrário do que se diz, a escolaridade obrigatória em Portugal não é gratuita».
(Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, no Diário de Notícias, 25/08/2014

O IRS e a natalidade

Não podia concordar mais com o artigo do prestigiado fiscalista J. G. Xavier de Basto, ontem no Jornal de Negócios, sobre a ilusão de tentar fomentar a natalidade com a redução do IRS para quem tem mais filhos.
Primeiro, está provado que as decisões de ter filhos pouco ou nada têm a ver com o nível de fiscalidade. Segundo, o "quociente familiar" vai reduzir a progressividade do imposto em favor das famílias de mais altos rendimentos, que é onde há mais filhos. 
Se se quer dar incentivos à natalidade, eles devem concentrar-se nas políticas sociais, ou seja, na licença de parentalidade, no aumento do número de infantários e na redução do seu preço e, sobretudo, na compatibilização entre a vida profissional das mulheres e a maternidade.
A ligação entre o IRS e a natalidade não passa de uma "flor" do CDS em relação à elite social conservadora que o apoia.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Clarificação, precisa-se!

O pedido de demissão do primeiro-ministro francês, Manuel Valls, em reação contra as críticas públicas dos ministros Montebourg (Economia) e Hamon (Educação), vai obrigar o Presidente Hollande a clarificar a sua orientação política e a assegurar um mínimo de coesão no governo.
É evidente que não é possível a coabitação no mesmo governo do primeiro-ministro demissionário, que é o mais próximo de um social-democrata liberal em França, e dos dois referidos ministros, que pertencem à ala esquerda do PSF e são defensores de uma linha intervencionista e protecionista na economia e contrária à disciplina orçamental e às opções da UE nessa matéria. Ou um ou outros.
A França não pode continuar na senda que vem trilhando desde há muito, de perda de competitividade, agravamento da balança externa, estagnação económica, aumento de desemprego, défice orçamental persistente, aprofundamento do fosso face à Alemanha, perde de autoridade e influência externa, sob pena de se tornar num sério problema dentro da UE, desequilibrando o eixo Paris-Berlim.
Os que "culpam" a Alemanha de ostentar eficiência económica, altos níveis de emprego,  elevada competitividade externa e equilíbrio orçamental deveriam antes incentivar a França a seguir a mesma receita para obter os mesmos resultados...

  

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Aleluia!


Parece que o inqualificável apeadeiro que dá pelo nome de estação ferroviária de Coimbra, a que se acede por um beco exíguo pejado de automóveis e onde se entra cruzando uma linha (na imagem o lado da entrada!), vai ser finalmente remodelada. Segundo o Diário Económico de hoje vai ser aberto concurso para a obra, em conjunto com a requalificação do troço da linha do Norte entre Alfarelos e a Pampilhosa.
Tendo denunciado a vergonhosa situação ao longo dos anos, apraz-me registar a notícia (com um abraço ao Manuel Queiró....), não sem lembrar que a obra já tinha sido anunciada há .. dez anos!
[revisto]

Ventos e tempestades

Os Estados Unidos e a UE, que deram a janela de oportunidade aos islamistas com a destruição do Iraque e o apoio indiscriminado à oposição na Síria, desestabilizando todo o Médio Oriente, verificam agora onde está o inimigo principal, incluindo na Síria. Mas o mal está feito e não vai ser fácil desalojar o "Estado islâmico" e sua barbárie.
Quando se desencadeiam ventos sem olhar às consequências, colhem-se tempestades...

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Jeremy Sharp

O Jeremy deixou-nos. Em choque e profunda tristeza, por nos deixar. 
Vítima de um "broken heart", disse o irmão na Igreja, disparando sobre a crueldade da crise que nega trabalho a quem quer e necessita, mesmo transbordando de talento, criatividade e experiência. Despedaçando corações sãos, gentis e generosos, como o dele. 
"Jem was a gem" - escorria pelas lágrimas de escoceses, portugueses e os mais, juntos na Igreja para celebrar a sua vida, que tanto tocara as de todos. 
O "boy" era sua força e fraqueza, sua luz. Luz que nos deixou, mesmo tendo-nos deixado. Deixou-nos mais que os genes, no "boy": nele luz o brilho da "gem". Cabe-nos ajudar a que brilhe.

Livro de reclamações

Precisei de obter uma informação  predial. Depois de consulta na net descobri o site oficial do registo predial, predialonline.pt.
Primeira dificuldade: o site estava "em baixo" e foram necessários dois dias e muitas tentativas abortadas para conseguir chegar ao fim do pedido.
Escolhi a opção "informação predial simplificada" e no campo de identificação dos prédios coloquei respetivo o nº de matriz predial, que consta da folha de pagamento do IMI, disponível para todos os interessados. Efetuei o pagamento por via eletrónica (6 euros por cada prédio), recebi os códigos de acesso à informação e fui ver. Surpresa! A informação não respeitava aos prédios que procurava mas sim a outros, com matrizes distintas. Sem eu o saber e sem nada que me alertasse, verifiquei que há um "número de identificação" de cada prédio distinto do da respetiva matriz!
Depois de longo telefonema, consegui por favor informação oral sobre os tais números de identificação dos prédios em causa. Após nova via sacra de várias tentativas falhadas de acesso ao referido site, a colapsar a cada minuto, lá tive que repetir todo o processo, com novo pagamento, obviamente.
Perguntas:
-- por que diabo é que os prédios têm um número de identificação diferente do número de matriz?
-- por que é que o formulário eletrónico pede inadvertidamente um número de identificação predial que ninguém conhece (salvo o registo predial) em vez do número de matriz que todos os interessados conhecem pelo IMI?
-- por que é que a administração predial não dispõe de um servidor minimamente decente, em vez de consumir os utentes com frequentes e irritantes quebras de funcionamento?
Decididamente, há muito que melhorar na nossa administração online...

terça-feira, 19 de agosto de 2014

Sustentabilidade

Mais uma vez com base numa leitura fundamentalista e imoderada do princípio da proteção da confiança, o Tribunal Constitucional resolveu "chumbar" a "contribuição de sustentabilidade" dos pensionistas para o sistema de pensões.
Resta saber como se assegura a sustentabilidade financeira do País e do próprio sistema de pensões quando o Estado não pode aplicar uma contrituição aos titulares de pensões mais elevadas para o sistema de pensões.

Aditamento
Obviamente, quando a despesa não pode ser comprimida só resta aumentar os impostos. O que há de iníquo nisto é que pensões de valor elevado, especialmente no setor público, muito acima do que justificariam as contribuições feitas pelos seus beneficiários, vão ser mantidas intocadas à custa dos contribuintes em geral, os quais aliás já não beneficiarão de pensões iguais quando chegar a sua vez. Alguns têm o cinismo de chamar a isto "solidariedade inter-geracional"!...

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

A prova

Sou a favor da prova de acesso à carreira docente do ensino básico e secundário, pela simples razão de que sendo poucas as vagas e muitos os candidatos há que ter um critério para seleccionar os melhores.
A prova recentemente realizada, contra o atavismo dos sindicatos, revelou a sua relevância, incluindo na eliminação de muitos candidatos sem as mínimas condições para a docência, desde logo por incapacidade no domínio do Português.

O que há de mais grave...

... nas declarações de Carlos Costa no domingo à noite sobre o BES não é a confissão de que o BdP não se apercebeu a tempo do buraco sem fundo do BES mas sim o facto de ele ter declarado explicitamente que no actual mundo financeiro - caracterizado pelas ramificações dos bancos com grupos financeiros mais vastos e com "jurisdições" opacas fora do alcance do regulador nacional -- não é possível evitar situações destas. O que quer dizer que outras podem vir a ocorrer no futuro!
Todavia, independentemente de saber se o BdP poderia ter feito melhor neste caso, não é difícil imaginar antídotos para as situações referidas, nomeadamente obrigar a separar os bancos de retalho dos tais grupos financeiros e obrigar todas as instituições financeiras a revelarem todas as suas operações em outras jurisdições, sob pena de pesadas sanções.
Assim houvesse vontade política para isso!