Joga-se provavelmente neste fim-de-semana o futuro da Constituição europeia. Infelizmente pode estar para se confirmar a advertência do Presidente da Convenção que elaborou o projecto de Constituição, Giscard d’Estaing, de que a tentativa de modificar qualquer das suas soluções fundamentais poderia pôr em causa toda a sua arquitectura ou até a possibilidade de qualquer solução global.
O principal obstáculo provém da Espanha e da Polónia, que não querem perder o privilégios que obtiveram num noite louca da formulação final do Tratado de Nice, que lhes proporcionou quase o mesmo peso de voto que a Alemanha e a França nas decisões da UE, apesar da substancial diferença de peso demográfico. Por isso se obstinam (aparentemente apoiadas pelo Reino Unido, por razões puramente oportunistas) em opor-se ao sistema de dupla maioria previsto no projecto de Constituição (mais de metade dos países e mais de 3/5 da população), que constitui uma das mais virtuosas das suas inovações. O mínimo que se pode dizer é que a posição espanhola e polaca não devem merecer senão uma firme recusa.
É evidente que o projecto de Constituição Europeia não é uma obra indiscutível nem inaperfeiçoável. Mas nenhuma constituição pode satisfazer todas as partes em todas as suas disposições. Uma constituição é sempre obra de um compromisso. Se se pusesse como condição para aprovar uma constituição a concordância com todas as suas disposições, é muito provável que a maior parte das constituições existentes nunca teriam sido aprovadas.
Entre nós tem vindo a ser lentamente superado o défice de discussão das grandes questões da Constituição europeia. O recente debate parlamentar desencadeado pela proposta de referendo imediato apresentada pelo Bloco de Esquerda permitiu uma maior clarificação das várias posições partidárias a respeito dela (e só por isso foi importante a iniciativa 'bloquista', por menos que se concorde com um referendo 'preventivo' sobre a mesma). Está assim definida a oposição dos partidos à esquerda do PS, na tradição de resistência dessas forças políticas à integração europeia. Ficou claro igualmente o apoio do PS, incluindo quanto aos aspectos mais controvertidos sob um ponto de vista mais 'nacionalista', também dentro da tradicional linha europeísta desse partido. Já o Governo dá mostras de algum retraimento e 'atentismo', insistindo, por um lado, em alguns pontos da agenda dos pequenos e médios países (composição da Comissão, presidência do Conselho, etc.), mas sempre sem pôr em causa a aprovação do que vier a resultar da CIG. Manifestamente o Governo Português optou pela discrição, para não desagradar a gregos nem a troianos...
A União Europeia precisa de uma constituição, sob pena de fazer perigar o seu funcionamento e no seu desenvolvimento. Por isso cabe a todos os Estados-membros, incluindo Portugal, contribuir activamente para o sucesso da CIG em curso. A actual fase de suspensão e indefinição europeia não pode prolongar-se.
Vital M