O José Mário Silva, que trabalhou comigo num programa chamado Portugalmente, inquieta-se hoje no seu blogue com o aproveitamento que as televisões fazem de todas as situações que possam potencialmente tornar-se bons espectáculos televisivos. Dá o exemplo de uma reportagem que acompanhou a libertação de três presas, o momento em que faziam as malas, se despediam das amigas e telefonavam à família. Diz ele a certa altura: «Serei só eu a ver nisto um espectáculo grotesco e perverso? Uma contaminação do jornalismo pela lógica dos reality shows? Um abuso voyeurista feito à custa de quem, aturdido pelo júbilo da liberdade reencontrada, não tem meios para se defender?»
Questão prévia: há quase dois anos que não faço televisão. Numa parte por escolha própria, noutra por escolha dos programadores. Percebo que, num certo sentido, tenha de pagar uma qualquer factura. Não há qualquer drama nisso. Mas irrita-me imenso este tipo de críticas moralistas e óbvias. A diabolização permanente dos ambiciosos agentes da informação e da sociedade de consumo é estruturante em muitos dos textos sobre o fenómeno. Ainda mais irritante é a forma como intelectualmente se trata o Povo. Não se sabem defender e por isso são abusados. Será que só eu é que vejo aqui um abuso de presunção?
O José Mário que é um excelente poeta e um homem convictamente de esquerda deveria perceber que é perigoso menorizar os outros. Sobretudo, quando na menorização dos outros está a prova da nossa diferença.
Luís Osório