1. Uma carta discordante
«Não concordo, de modo nenhum, com a sua opinião [sobre a vinculação dos jornalistas pelo segredo de justiça], e vou dizer-lhe porquê:
1.º - A guarda de um segredo compete ao guardião e não ao jornalista. Se o guardião for incompetente ou vender ou facultar indevidamente segredos que tem à sua guarda, é ele, e só ele, o responsável; (...)
2.º - Se o jornalista tiver recorrido a processo ilícito, tipo Watergate, por exemplo, aí sim, o jornalista cai sob a alçada da justiça. Mas para isso já há leis.
Deste modo, penso que não tem qualquer sentido esta sua afirmação: "sob pena de o segredo de justiça se tornar irrelevante, ele não pode deixar de se impor também aos jornalistas, desde que limitado ao mínimo necessário para salvaguardar os valores que o justificam."
Por que razão se hão-de obrigar os jornalistas a salvaguardar algo que não está à sua guarda?
(...) Resta-nos, em meu entender, batalhar pela consciencialização social sobre a necessidade de se cumprirem - com rigor - as leis existentes. É que, infelizmente, a parte da justiça que se executa com maior rigor neste país é a que respeita ao arquivamento de processos, sobretudo de fraudes.»
[AG]
2. Comentário
Há aqui um equívoco e um preconceito. O segredo de justiça visa garantir que os dados por ele protegidos não sejam de conhecimento público, enquanto ele perdurar. É uma protecção objectiva, sendo irrelevante quem infrinja essa reserva. Logo, tem de impor-se aos jornalistas, por maioria de razão. Não existe nenhuma lógica em ele valer somente para as pessoas em contacto com o processo. Tal como um preso que consegue evadir-se com a cumplicidade dos guardas não ganha com isso alforria, também os dados protegidos pelo segredo de justiça não deixam de o estar mesmo depois de "fugirem" ilicitamente do processo. Aliás, se os dados em segredo de justiça não puderem ser publicados, poucos serão tentados a violá-lo na origem. É evidente nos últimos meses que se o segredo de justiça não vincular os jornalistas ele deixa de ter significado.
O mesmo sucede com os demais segredos. Por exemplo, seria intolerável que um jornal pudesse publicar uma conversa telefónica privada de outrem, só porque não foi o jornalista que efectuou a escuta ilícita e a recebeu de terceiro. Onde ficaria a protecção do sigilo das comunicações privadas, constitucionalmente garantido? Salvo se "valores mais altos" se levantarem em casos concretos, a imprensa não goza de imunidade constitucional nas infracções aos direitos fundamentais das pessoas.
Finalmente, não proponho nenhuma lei para estabelecer um novo limite da liberdade de informação. Na minha interpretação das leis vigentes (e não vejo que outra seja melhor), os jornalistas já estão juridicamente vinculados ao segredo de justiça, em termos até talvez demasiado amplos, como procurei demonstrar. Por isso entendo mesmo que é de limitar o excessivo alcance da restrição que já existe (embora não seja "praticada"...).
Vital Moreira