Vai para quase 30 anos, ele era uma das figuras políticas mais conhecidas do público, pela sua notável intervenção na Assembleia Constituinte, e depois na Assembleia da República, como deputado solitário da então UDP (União Democrática Popular), uma pequena formação “esquerdista” que muito mais tarde haveria de participar na formação do actual Bloco de Esquerda. Aparecera na Constituinte em substituição do primeiro deputado desse partido, uma figura deslocada e bisonha. Fez logo valer a sua enorme capacidade de acção, uma oratória eficaz, uma verve sarcástica. Era capaz de fazer óptimas intervenções sobre as matérias mais afastadas dos seus conhecimentos, com base numas poucas notas manuscritas.
Estávamos lado a lado na 1ª fila da bancada, sem qualquer separação. Mas, sendo eu um “revisionista” na terminologia da UDP, ele não me dirigia a palavra nunca, nem respondia às minhas “provocações” quando eu aplaudia baixinho as suas intervenções. Também recusava o lume que eu lhe oferecia para o cigarro (era um fumador compulsivo). Mas nunca trocámos qualquer impropério e em breve acabámos numa cumplicidade silenciosa, quando reparou que eu tinha uma verdadeira estima pessoal por ele.
Voltámos a encontrar-nos lado a lado muito mais tarde no mesmo Palácio de São Bento, sendo ele deputado do PS, a que aderira julgo que logo nos início dos anos 80, quando eu passei efemeramente pela AR como deputado independente do mesmo partido em 1997. Pudemos então relembrar e sorrir conjuntamente dos episódios de vinte anos atrás. Mais maduro e mais contido, mantinha porém a mesma chama militante de outrora.
Hoje, ao saber da sua morte prematura, senti necessidade de lhe prestar a minha homenagem.
Vital Moreira