O prisioneiro de si mesmo
Percebo que muita gente queira ver Jardim pelas costas (...) e persista em alimentar a ilusão de que só com a sua passagem à reforma, na cena madeirense, será possível a nossa terra enfrentar o futuro a partir de bases novas, mais saudáveis, mais democráticas e mais libertas da hipoteca de um poder pessoal asfixiante e autoritário.
Mas, como todas as ilusões, esta tem um preço: se Jardim saísse de cena no momento escolhido por ele, deixando atrás de si um rasto de homem invencível e providencial, a Madeira estaria condenada por tempo indefinido a viver à sombra do seu mito, ainda mais prisioneira dele do que foi até agora.
Se Jardim saísse de cena com a marca da infalibilidade política, entregando a gestão dos custos do seu reinado aos que lhe sucedessem na governação (fossem eles quais fossem), correríamos o risco de o ver lembrado e desejado como uma espécie de D. Sebastião. Ora sabemos como o sebastianismo se tornou uma doença mórbida que alimenta a fixação dos portugueses na fatalidade, na impotência, na descrença ou na espera de alguém que possa resolver, por artes mágicas, os seus problemas.
A Madeira só se libertará de Jardim e do jardinismo se souber assumir a necessidade da sua rejeição, se perceber finalmente que o rei vai nu, que o sistema implantado na Região ao longo dos últimos vinte e sete anos é um sistema podre, autoritário e clientelista, uma rede de interesses em que um punhado de parasitas e sanguessugas fez do enriquecimento fácil e do servilismo político à vontade do chefe o único modo de vida com sucesso garantido no arquipélago.
A Madeira só se libertará de Jardim se souber e quiser exprimi-lo através do voto popular – por mais condicionadas que estejam (como efectivamente estão) as condições de exercício da democracia na Região. E a verdade é que hoje são cada vez mais visíveis os sinais de desencanto e cansaço com o poder jardinista. As próximas eleições regionais constituem, por isso, uma oportunidade de mostrar, pelo menos, um claro cartão amarelo, não apenas a Alberto João Jardim mas ao sistema que ele fabricou – e de que se tornou, finalmente, prisioneiro.
Já se percebeu que Jardim não sai, apenas porque não pode sair. Porque não tem saídas, porque se tornou prisioneiro de si mesmo e da rede que teceu à sua volta. Encerrado na sua Bastilha de cartão e de cordel, rodeado pelos seus soldadinhos de chumbo, Jardim está condenado a ver a ilusão do jardinismo esboroar-se à sua frente. Está nas mãos nos madeirenses libertarem-se definitivamente disso.
Vicente Jorge Silva