Desde que fui acusado de absoluta falta de ironia por não ter sido sensível à entrevista de José Manuel de Mello ao “Expresso” sobre a Ibéria, confesso que ando inseguríssimo acerca do meu sentido de humor (sobretudo quando os remoques provêm de espíritos finos e aguçados como o de Eduardo Prado Coelho). Por isso, foi com imenso retraimento que me debrucei sobre uma crónica de Luís Delgado no “Diário de Notícias” da passada terça-feira, onde o actual director da Lusa e paladino intrépido da vigente maioria governamental (trata-se apenas de uma coincidência) faz o elogio do estilo político de Alberto João Jardim.
Como se sabe, Jardim vem reincidindo nestes últimos tempos na sua velha técnica de campanha eleitoral à saída das missas, onde explica em pormenor e naquele tom manso e civilizado que o caracteriza, as excelências inultrapassáveis da sua governação eterna. Ora, que diz Delgado? Textualmente isto: “É o estilo de campanha americano, dos membros do Congresso, e resulta na prestação de contas fundamental para se ver como foi cumprido o mandato do Governo Regional. Digam o que disserem, mas é uma estratégia com resultados inquestionáveis, e tem a vantagem de pôr frente a frente o Governo e os governados. Isto explica muito da sua invencibilidade eleitoral”.
Confesso que não sabia que os membros do Congresso americano iam para o adro das igrejas apresentar contas aos seus eleitores. Mas se Delgado o diz, quem sou eu para duvidar? Agora, imagine-se que os partidos da oposição faziam o mesmo na Madeira. Que diria Delgado? Que era um direito democrático à americana? Ou que não se respeitava território sagrado e se tratava de um oportunismo indecente e de uma promiscuidade intolerável entre propaganda política e religião?
O problema é que a questão nem sequer se põe. Pois se os partidos da oposição tivessem a detestável e infelicíssima ideia de imitar Jardim, é certo e sabido que logo uma procissão de curas, tementes ao jardinismo, não deixariam de incentivar os seus fieis a expulsar os vendilhões do templo. Mas este é um pormenor desprezível que não encaixa na exuberante teoria do “estilo americano” de Delgado. Tal como é totalmente irrelevante que na Madeira não haja separação efectiva de poderes entre o poder jardinista e o poder da Igreja, desde os tempos em que o soba madeirense fez o seu tirocínio político como director do diário da diocese (pago ainda hoje pelo erário público: deve ser também “estilo americano”).
Resta, evidentemente, lugar para a dúvida metódica. E se Delgado estivesse apenas a fazer humor? Humor que eu, na minha boçalidade incorrigível, mais uma vez não vislumbrei? Talvez o Eduardo Prado Coelho possa esclarecer-me. De qualquer modo, não seria a primeira vez que ele terçaria armas a favor da abertura e subtileza de espírito de Delgado.
Vicente Jorge Silva