Viu-se na TV: Paulo Portas mostrou-se surpreendido por tomar posse do cargo de "ministro de Estado, da Defesa Nacional e dos Assuntos do Mar", apesar de muito ter suado para alargar a sua linha de Tordesilhas. A surpresa estava, afinal, apenas no título; não havia razão para tanto espanto. D. Manuel I tinha um muito maior, em que além de Portugal, Algarves e Guiné, incluía o senhorio do comércio, da descoberta e da navegação da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia; mesmo em regime republicano e depois das descolonizações, o título do líder do CDS/PP só peca por ser curto, convenhamos.
O sobressalto de Portas deu umas tantas gargalhadas à Pátria estável, por assim ficar evidenciada a trapalhada da formação do presente Governo. A estabilidade venerada por muitos tem peripécias assim. E veremos o mais que se seguirá na continuidade deste episódio, que só não é digno de antologia porque Eça de Queiroz o omitiu no manuscrito de " O Conde de Abranhos".
Ficamos, pois, com o mar na banheira do Ministério da Defesa; com as pescas continuando a cavalo na Agricultura; a administracao portuária, sabe-se lá onde...; a investigação científica dos recursos marinhos algures, se existir; a protecção ambiental das nossas costas entregue à Virgem do "Prestige"; a defesa internacional dos nossos direitos marítimos diafanamente ancorada nas Necessidades; a marinha mercante afundada; e a nossa ZEE a saque, entregue à velocidade dos submersíveis que o Ministro Portas encomendou...
Esta fragmentação santano-portista da coisa marítima, de resto, contradiz o que o Governo de Durão Barroso defendeu e disse querer pôr em prática, com a criação da Comissão Estratégica dos Oceanos - a reflexão transversal e a gestão integrada e coordenada de todas as vertentes de actividade ligadas ao mar (zelos fiscalizadores da continuidade barrosista podiam já aqui ser accionados...).
Apesar do pouco que veio a público sobre os trabalhos daquela Comissão, percebeu-se que ela se inscrevia na linha preconizada pelo Relatório da Comissão Mundial Independente dos Oceanos, que foi presidida por Mário Soares e advogou a governação integrada, a nível nacional e internacional, de todos os sectores e recursos envolvendo o mar. Nada mais retrógrado e incoerente com a evolução do conhecimento e estruturação internacional do que Portugal apresentar-se agora na ONU com o Ministro da Defesa a tutelar o mar! Nada mais contrário aos interesses estratégicos de Portugal, que dependem de nos sabermos organizar para controlar e aproveitar a nossa fabulosa ZEE, que nos torna, neste domínio, o maior país da UE! Nada mais adverso ao imperativo nacional de rentabilizar os nossos recursos atlânticos - que tantos auto-proclamados "atlantistas" ignoram e desbaratam!
Mas voltemos à súbita vocação marítima do ministério do Restelo: um conhecido meu, que verseja nas horas vagas, ficou tão impressionado que decidiu cometer uma epopeia sobre o caminho submarino para as ilhas Caimão. Entre as discotecas de Alcântara e o Restelo, no dia da posse na Ajuda, sentiu-se subitamente tocado pela inspiração das Tágides... Confia agora que, com a deslocalização de ministérios prometida pelo PM, e um tudo-nadinha de sorte, o subsídio para o empreendimento será rapidamente aprovado pelo XVI Governo Constitucional, reunido por teleconferência. A promulgação será feita a caminho, no Funchal, está bem de ver.
Ana Gomes