Confesso que não percebi a intenção de Manuel Alegre ao apresentar-se como candidato a líder do PS, numa sala de reuniões do Parlamento, acompanhado apenas pela gentil Maria de Belém. Será porque João Soares apresentava formalmente, no mesmo dia, a sua candidatura àquele posto (e Alegre entendeu dever marcar o terreno na esquerda do PS)? Em todo o caso, a conferência de imprensa de Alegre pareceu-me improvisada e tosca demais para transmitir uma convicção mobilizadora aos socialistas que não se reconhecem na candidatura aparelhística de José Sócrates nem na candidatura tribal de Soares.
O registo de propriedade da «alma da esquerda» como argumento de combate político contra Sócrates só serve para este apresentar-se como arauto da modernidade contra o arcaísmo partidário. Não é batendo no peito, erguendo o punho e gritando slogans do género «a verdadeira esquerda sou eu» (slogans destituídos de conteúdo e vazios de reflexão sobre os caminhos de uma esquerda actuante e moderna) ou exibindo galões de resistência anti-fascista que se apresentará uma alternativa ao guterrismo-blairismo recauchutado e plastificado de Sócrates. (A propósito, que faz Sérgio Sousa Pinto nesta galera? Como explica ele a sua aliança com o que o PS tem de mais bafiento e clientelista? Move-o apenas o apetite insaciável do poder?).
Será a esquerda socialista capaz de gerar um projecto de futuro ou está condenada a viver das saudades do passado e das glórias do antifascismo, num combate de retaguarda? Como articular o património de convicções e valores da esquerda democrática com uma resposta ousada e consistente aos desafios da modernidade? Esta é uma questão decisiva.
Todos se lembram do que aconteceu quando João Soares, em desespero de causa, quis transformar a sua campanha autárquica lisboeta contra Santana Lopes numa cruzada anti-fascista. O feitiço voltou-se contra o feiticeiro. Mas, pelos vistos, há feiticeiros incorrigíveis.
Vicente Jorge Silva