É curioso como alguns nos nossos media, em assomo nacional-servilista, querem ver «visão estratégica» onde a gestão de Durão Barroso falhou, «triunfo» onde há derrota de um estilo confrontacional, «iniciativa» por quem revela não ter verdadeiro poder, nem autonomia - nem parece ter ganas para os conquistar. Porque o episódio não engrandece, antes volta a revelar as dificuldades de Barroso em gerir crises (um jornalista estrangeiro dizia-me como já as tinha percebido perante o distanciamento dele no auge da «época» dos fogos em 2003...). E aqui está uma das diferenças entre Barroso e um Delors (a outra, inter-ligada, vai aos princípios - alguém imagina Delors a tolerar desafios provocatórios a valores fundamentais por um qualquer «glione»?). Nesta diferença reside o que, em última análise, faz uma Comissão forte ou fraca: a qualidade da liderança.
Não é o PE, nem são realmente os governos representados no Conselho, quem determina se a Comissão é fraca ou forte, como pretendem todos aqueles que, desconcertados ou despeitados, se desforram em acusações ao PE, por estar pronto a exercer o poder democrático que lhe foi conferido (e afinal, nem precisou de votar...). Não por acaso, são exactamente os mesmos que habitualmente desvalorizam o PE, acusando-o de inútil, incapaz de se impor, de falta de representatividade, de «défice democrático», falta de iniciativa legislativa (como se dependesse apenas do próprio PE), etc.... Como José Manuel Fernandes, no PÚBLICO de ontem (concordo inteiramente com a crítica que Vital Moreira lhe faz no post «ENFRAQUECIMENTO DA COMISSAO?» ).
JMF tem, porém, razão num ponto: na constatação de que os actuais governos europeus não querem uma Comissão forte. Em especial os governos dos grandes países (e basta ver como a imprensa francesa e alemã se atiram como gato a bofe ao Presidente Barroso, vingando-se das afrontas que ele terá infligido àqueles países ao atribuir pastas «menores» aos seus comissários). Esses governos - e o britânico - só queriam um capataz para o seu «directório» - e por isso foram buscar um PM a um país médio, um país a afundar-se por uma governação desastrosa, cada vez mais a divergir dos parceiros europeus. Um PM fresquinho de uma clamorosa derrota nas urnas. Ele fingiu não perceber, achou-se durão, julgou calar críticos arranjando oito mulheres, oito, (mas, tal como os homens, convém ver que mulheres) e distribuiu pastas judiciosamente, pensando arreliar os grandes «ma non troppo». Mas bastou atravessar-se-lhe na frente um irritante «glione», para perder o jogo de cintura, escorregar .... e borregar (na óptica dos «gliones»).
O Presidente da Comissão José Manuel Barroso não está em causa - ainda. E eu espero que não venha a estar. Pela Europa e por Portugal, evidentemente. Mas para isso ele tem de ter aprendido a lição. Tem de aproveitar a oportunidade de recompor a proposta de Comissão mostrando firmeza e exigência junto dos governos que o designaram, mostrando que quer ser Presidente a sério e não mero capataz do pretendido «directório». E para isso precisa de se apoiar no PE e na legitimidade reforçada que só o PE lhe pode conferir e à Comissão. Porque é também disso que depende termos a Comissão forte de que a Europa precisa.
E o PE é a primeira instituição a querer uma Comissão forte. Como bem disse a Barroso o líder dos Liberais-Democratas Graham Watson: «se quer ter uma Comissão respeitada pelos governos, respeite e apoie-se no PE. Porque se eles não respeitarem o PE, ainda menos vão respeitar a sua Comissão».
Ana Gomes