A recusa da maioria PSD/PP em admitir a presença de Marcelo Rebelo de Sousa em audição parlamentar -- idêntica àquela a que compareceu o presidente da TVI, Pais do Amaral -- constitui uma vergonha para a Assembleia da República e uma afronta ao regular funcionamento das instituições democráticas. Depois de tanto se ter criticado a fórmula das intervenções televisivas de Marcelo, invocando a ausência de contraditório, esta atitude releva a hipocrisia e a má-fé da maioria. A maioria perdeu a vergonha -- e já nem cora por causa disso.
Confesso, porém, não ter ficado surpreendido com esta nova subversão da ética parlamentar. Em mais de dois anos e meio como deputado cheguei à triste conclusão que maioria não é rigorosamente sinónimo de democracia e pode mesmo ser o seu contrário: a ditadura arbitrária e intolerável de uma maioria sobre os direitos das minorias e violando o princípio fundamental do contraditório e do debate democrático (e esse é bem mais obrigatório no parlamento do que em programas televisivos).
As regras elementares de equidade e civilidade democrática que deveriam inspirar o funcionamento do parlamento são sistematicamente torpedeadas, sempre que a maioria não tem previamente assegurado um desfecho favorável às suas posições (ou receia vê-las postas em causa). Não lhe basta ser maioria. Tem de silenciar as vozes dissonantes com o coro acrítico de rebanho dócil pelo qual afina. Mesmo quando essas vozes, como é o caso de Marcelo, provêm do seu próprio campo (ou precisamente por causa disso...).
Se tudo isto não deveria incomodar o Presidente da República enquanto garante do regular funcionamento das instituições e guardião supremo dos direitos, liberdades e garantias constitucionais, então o que é que o incomoda?
Vicente Jorge Silva