Ao fim de seis meses como director de um jornal diário, e absurdamente embalado pela nostalgia natalícia, resolvi fazer um balanço interior do que em mim mudou nestas semanas de delírio. Poupo os detalhes da alma, ainda assim o essencial. Mas sacrifico à partilha, os desabafos a que, por conveniência de linguagem, reduzo, desde já, a uma espécie de foguetório existencial sem a mais pequena importância.
Ainda assim, devo dizer, os delírios perturbaram-me a ponto de uma noite mal dormida, de 25 para 26 e sem qualquer interferência, antes assim fosse, de uma qualquer rena desorientada por ter perdido o rasto do grupo dos milagres.
Em seis meses - quando supostamente estaria condenado à construção de um pacto com a candente sociedade de informação -, sinto-me mais ignorante, desinteressante e amargo do que antes de ser director de A Capital. Não, não me interpretem mal. Leio todos os jornais portugueses e alguns estrangeiros, estou mais de 12 horas ligado a canais de informação, o meu computador apita quando cai alguma informação da agência e sou capaz de falar de petróleo, macroeconomia, situação política na Ucrânia, Bush, eleições portuguesas, subsídios do teatro... Mas em tantas semanas li um único livro, fui três ou quatro vezes ao cinema - sempre à meia-noite -, perco as peças de teatro dos meus amigos, perco os meus amigos, almoço com políticos, homens de negócios, gente à procura de emprego e que não vê motivo para que eu não seja portador de boas notícias. Raramente janto.
Mas estou feliz. Ainda assim estou feliz. Vou fechar a edição de amanhã. Na primeira página, a fotografia do homem que premiámos como personalidade do ano na cultura: Nuno Teotónio Pereira. Depois, sou capaz de ir ver Alexandre, o Grande. Ou, então, quem sabe, regressar aqui. E gastar palavras à espera que, desse lado, continue a sentir a sua presença.
Luís Osório